domingo, 31 de agosto de 2008

Novos intelectuais indígenas

Para suavizar o nosso domingo, o Correio Braziliense traz uma matéria sobre alguns indígenas que cursaram universidade e estão se destacando em suas áreas. Foram selecionadas apenas seis perfis. Há pelo menos duzentos indígenas que vêm se destacando intelectualmente e politicamente no mundo dos brancos, a maioria com formação universitária. Alguns deles trabalham na Funai, ou trabalharam, como Daniel Cabixi, hoje aposentado. Grande parte está ligada ao movimento indígena e por isso têm um discurso para fora. Outros conseguem equilibrar as expectativas de suas vivências urbanas com as tradições de seus povos.

No total estima-se que hoje há cerca de 5.000 índios em faculdades. Muitos deles não conseguirão se formar, por motivos diversos, sendo o principal a falta de condições para permanecer na cidade e cuidar de suas famílias. No ano 2000 eram uns 200. É um aumento extraordinário que merece um estudo e uma reflexão especiais para se avaliar o quanto isso será importante para o futuro dos índios.

Grande parte dos estudantes indígenas universitários estuda matérias relacionadas com o ensino, pois são professores indígenas que estão se aprimorando. Algumas universidades têm feito um grande esforço para melhorar as condições de ensino em aldeias indígenas pela formação de professores. Entre elas destacam-se a Universidade Federal de Roraima e a Universidade Estadual do Mato Grosso, especialmente o campus de Barra do Bugre. O reitor desse campus e o coordenador de ensino para professores indígenas são pessoas extremamente lúcidas e dedicadas. Um dia seu trabalho será reconhecido.

______________________________________________

Da aldeia à academia

Correio Braziliense, por Leonel Rocha e Equipe


Vindos de uma tradição baseada principalmente na oralidade, os índios brasileiros conseguiram chegar à academia. Nos últimos anos, passaram a registrar em teses, artigos e livros, publicados em várias línguas, suas histórias e parte do pensamento de 238 povos diferentes, que falam 180 línguas e reúnem cerca de 700 mil pessoas - metade delas vivendo fora das aldeias. Uma primeira geração que saiu das aldeias para estudar, apesar de ainda pequena, conseguiu atravessar cursos de graduação em várias universidades, fazer mestrado, doutorado e até pós-doutorado. Segundo estimativas do Ministério da Educação e de entidades autônomas criadas pelos próprios índios, existem cerca de 5 mil estudantes de várias etnias nas salas de aula de diversas faculdades.

Na última quarta-feira, o país conheceu a advogada Joênia Batista de Carvalho Wapixana. Ligada ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), ela fez história ao se transformar na primeira indígena a atuar como advogada no Supremo Tribunal Federal (STF). Emocionada e pintada como seus parentes das aldeias, ela defendeu a demarcação da reserva da Raposa Serra do Sol, em Roraima, em áreas contínuas, como foi demarcada pelo governo. No estado, existem 260 indígenas estudando em faculdades. A maioria quer ser colega de Joênia.

Há dois anos, Maria Pankararu se transformou na primeira indígena a concluir o curso de doutorado. Aos 44 anos, casada, mãe de uma menina e tendo vivido na aldeia até os 10 anos, na zona rural de Pernambuco, a professora fez um estudo descritivo da língua do povo Ofayé, do Mato Grosso do Sul. Morando em regiões muito próximas às cidades pernambucanas, os Pankararu deixaram de falar a própria língua. Maria, porém, compensou a perda aprendendo inglês e se aperfeiçoando no português para dar aulas na Universidade Federal de Alagoas, onde se graduou em letras. "Estudar e ampliar o conhecimento é fundamental para entender melhor o seu próprio mundo, a sociedade nacional e melhor defender nossos direitos", ensina.

Maria é irmã de Paulo Celso de Oliveira Pankararu, 37 anos, primeiro índio a conseguir a carteira vermelha da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Formado pela Universidade Católica de Goiás, Paulo se especializou em direitos humanos e cooperação internacional pela Universidade Carlos II, na Espanha. Também fez mestrado em direito econômico e social na Universidade Católica do Paraná com o trabalho Gestão territorial indígena. Integrado à vida urbana desde criança, assumiu a coordenação geral de Defesa dos Direitos Indígenas da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI) há pouco mais de um mês.

Carteira vermelha

Quem também assumiu um cargo no governo recentemente foi Gersem Baniwa. Com 44 anos, casado, dois filhos, ele é coordenador-geral de Educação Escolar Indígena do Ministério da Educação. Gersem ainda conserva hábitos e tradições da aldeia Yakirana, localizada às margens do Rio Içana, no Amazonas, onde nasceu e tem família. Alfabetizado em uma escola pública na aldeia, ele continuou os estudos com os padres salesianos instalados em uma missão religiosa no povo Tucano. Formou-se em filosofia pela Universidade Federal do Amazonas e, entre 2004 e 2006, fez mestrado em antropologia com uma dissertação sobre alternativas econômicas das comunidades do Rio Negro. Hoje, faz doutorado na Universidade de Brasília (UnB).

Além de estudar, Gersem atua politicamente como dirigente do Centro Indígena de Estudos e Pesquisas (CINEP). Na década de 1980, ajudou a fundar a Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro. Já foi filiado ao PT e chegou a ser secretário municipal de Educação e Meio Ambiente em São Gabriel da Cachoeira (AM), município com 99% da população oriunda das florestas. Na sua gestão, criou o primeiro sistema municipal escolar com material didático e metodologia de ensino específicos para as tribos.

O filósofo e antropólogo nunca participou de eleições e hoje é simpatizante do Partido Verde. Domina duas línguas tradicionais - baniwa e nheegatu -, além do inglês, espanhol e o português caprichado de ex-seminarista. "Os índios podem não querer estudar engenharia para ir à lua, mas não abrem mão de conhecer as tecnologias para aumentar a produção agrícola", explica Gersem. "Estuda-se na comunidade branca em busca de poder e dinheiro. Nas aldeias, não. Lá, não precisamos de prédios, mas de uma produção coletivista e ambientalmente sustentável", defende.

Luta estratégica

A carteira vermelha da OAB é considerada estratégica pelas tribos na luta por seus direitos. Foi com este objetivo que o povo Kaingang, do Rio Grande do Sul, Paraná e Santa Catarina, escolheu Lúcia Fernanda Jófej, 30 anos, para fazer o curso de direito. Mestre em direito público pela UnB e vice-presidente do Instituto Indígena Brasileiro para a Propriedade Intelectual (Inbrapi) - dirigido pelo escritor Daniel Munduruku -, ela conseguiu barrar o envio ao Congresso, pelo governo, de um projeto de lei que estabeleceria critérios para o acesso aos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais. "Mais de 80% dos remédios

fitoterápticos são baseados nos nossos conhecimentos tradicionais, mas isso não tem se revertido em benefícios para as aldeias", reclama Fernanda.

Outro índio intelectual é Francisco Kennedy Araújo de Souza. Aos 38 anos, filho de uma apurinã e de um cearense, ele é formado em economia pela Universidade Federal do Acre e fez mestrado no Center of Latin American Studies da Universidade da Flórida, nos Estados Unidos. Lá, ele se especializou em conservação e desenvolvimento tropical. Com bolsa da Fundação Ford, faz doutorado em ciência ambiental na Universidade de Indiana, onde estuda o impacto da exploração de gás e petróleo nas terras dos seus ancestrais pela Petrobras. Por enquanto, por influência de Kennedy, a comunidade é contra a atuação da empresa em suas terras porque não foi apresentado estudo sobre o impacto que a atividade terá sobre a floresta.

O grupo de doutores diverge sobre temas importantes, como infanticídio de crianças doentes, prática que ainda existe em algumas aldeias, e atuação de religiosos nas comunidades, por exemplo. Consenso entre eles são a manutenção do multiculturalismo na convivência entre os povos e a produção coletivista. O grupo também tem consciência do valor de suas terras, que guardam reservas bilionárias de minérios, petróleo, gás e o incalculável patrimônio da biodiversidade.

5 mil índios freqüentam o ensino superior no Brasil hoje

sexta-feira, 29 de agosto de 2008

A luta pela Raposa Serra do Sol continua

O brilhante voto do ministro Ayres Britto talvez não tenha sido abrangente o bastante para convencer alguns ministros do STF a seguirem-no.

É o que quer demonstrar matéria do jornal O Estado de São Paulo, de hoje, com declarações em off de quatro ministros do STF. Ao que parece, alguns ministros criticaram o voto do ministro-relator chamando-o "romântico" e "superficial".

O rescaldo da sessão de quarta-feira, dia 27/08, vem demonstrando que as partes estão armando seus acampamentos de guerra.

Os contrários ao voto do ministro Ayres Britto o estão fazendo através da veiculação em jornais das idéias de diversos intelectuais de direita e das notícias alarmantes dos mesmos argumentos que vinham brandindo, os quais o voto de Ayres Britto poderia ter dissipado. A notícia abaixo tem cheiro dessa artimanha. Outras matérias em jornais de hoje também revelam a preocupação dos contrários em pôr os índios na berlinda, seja como falsos inocentes que ficam garimpando ilegalmene em suas terras (Folha de São Paulo), seja como potenciais traidores da pátria (O Estado de São Paulo). Também o Estado brasileiro está sendo e vai continuar a ser fustigado pela incapacidade de cuidar devidamente da assistência e do desenvolvimento dos povos indígenas. Tudo para criar uma imagem negativa dos índios no Brasil.

Por sua vez, os favoráveis ao voto do ministro-relator, que têm menos poder na mídia, escrevem em Blogs, dão entrevistas e planejam manifestações por várias cidades do Brasil para levar a causa da preservação da homologação contínua da T.I Raposa Serra do Sol a nível de consciência nacional. Só espero que não se invente de fazer manifestações no Exterior!

As opiniões estão formadas de um jeito tal que não adiantam argumentos dissuasórios nesse momento. A não ser que sejam argumentos de um nível superior aos que estão sendo veiculados até agora. Por enquanto, esses argumentos estão dormentes e cada facção está entricheirada, vivendo de suas próprias energias e atirando a esmo.

Assim não dá! A iminência de continuação de conflitos está visível por todos os lados. Se bem que, por enquanto, os militares estejam calados, suas vozes sendo faladas através de interpostos terceiros.

A grande verdade é que a questão indígena é mais complexa do que pensam aqueles que só a penetram superficialmente. Armam visões puramente românticas ou puramente pragmáticas ou puramente cínicas do relacionamento entre o mundo indígena e o mundo não indígena. Uns têm uma visão imanente do relacionamento entre os índios e a terra, outros uma visão colonial. Os que acreditam que a história se faz por confrontos, pacíficos ou violentos, frequentemente só a interpretam pelo que aconteceu ou está acontecendo, sem tentar antecipar o que poderá vir a ser.

De todo modo, a história e as decisões políticas são sempre tomadas no turbilhão dos acontecimentos, os quais nem sempre são bem aquilatados. O fato é que a questão Raposa Serra do Sol está no STF, que é um microcosmo de posições parciais sobre a questão indígena, e será daí que surgirá a saída. Talvez daí venham a surgir novos e brilhantes argumentos conciliadores. Porque, se não assim o forem, qualquer decisão do STF não resolverá a questão a contento das partes litigantes.

O grande problema é que se armou nacionalmente um espírito anti-indigenista impressionante. O anti-indigenismo sempre existiu no Brasil, mas em círculos relativamente pequenos. Ele aumenta em momentos de crise de relacionamento entre a sociedade brasileira e os povos indígenas. Antigamente era porque os índios desafiavam o status quo da sociedade brasileira. Hoje é porque as Ongs indigenistas abriram um flanco de dúvida e perplexidade na atitude mormente positiva que a maioria dos brasileiros tem para com os índios, ao forçar a Funai a posições de radicalização, como no Mato Grosso do Sul, Mato Grosso e Santa Catarina, e elevaram os ânimos contrários.

Nesse sentido, a derrubada da homologação de Raposa Serra do Sol tornou-se um ícone do movimento anti-indigenista. Ícone porque a CNA (Conselho Nacional de Agricultura) pouco importa com os arrozeiros de Roraima, algo insignificante entre seus membros poderosos. Roraima e aquelas terras em disputa pesam pouquíssimo no cálculo financeiro e político da CNA. Mas a liberalização das terras indígenas de Raposa Serra do Sol virou o bastião da defesa da "propriedade privada" dos novos senhores rurais brasileiros. Vencer lá significa vencer em todas as partes.

Curiosamente, e, na minha opinião, equivocadamente, este vem sendo o mesmo teor dos argumentos do indigenismo brasileiro. A perda de Raposa Serra do Sol, de qualquer porção dela, é vista como o desastre do indigenismo brasileiro. As Ongs e o Ministério Público tem alardeado isso de forma messiânica. O movimento indígena segue-lhes mansamente. A antropologia chapa-branca brasileira faz coro e dar ares de santificar essa posição.

Falta Política com P maiúsculo para resolver essa parada!

O STF é, apesar de jurídica, uma corte política. Quer dizer, ela serve para dirimir questões quando essas questões não podem ser resolvidas pelos argumentos e confrontações pacíficas. Portanto, o STF é quem vai resolver essa grande questão nacional, sobrepujar as diferenças. Para isso, o que não pode acontecer no STF é os ministros decidirem seus votos por argumentos falaciosos, alguns dos quais o voto de Ayres Britto já rebateu com grande clareza. Por exemplo, a questão da soberania nacional em relação à presença de terra indígena em faixa de fronteira me parece que foi habilmente rebatida. A ilegitimidade das fazendas de arroz é patente, mas não a de velhos moradores, com fazendas centenárias em alguns pontos da região. Se bem que a maioria dessas pessoas aceitou os termos de indenização e se retirou amigavelmente. A disputa entre facções indígenas precisa ser equacionada antropologicamente, mas sem usar de índios mamelucos como intermediários, como é o caso de um tal José Brazão, que é índio Baré, do rio Negro, e que se faz de líder dos índios contrários ao CIR. Nesse aspecto os índios não querem tocar, na expectativa de que, uma vez resolvida a questão, eles se entenderão por si mesmos.

Enfim, o pedido de vista suspendeu a questão mas não a disputa.

__________________________________

Ministros divergem de relator e admitem idéia de reduzir reserva

O Estado de São Paulo, por Felipe Recondo e Mariângela Galucci, de Brasília

Consultados pelo 'Estado', 4 dos 11 ministros mostraram-se propensos a fazer ressalvas ao voto de Ayres Britto

Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) consultados pelo Estado adiantaram ontem que podem diminuir a área destinada à reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, para deixar livres para as Forças Armadas as faixas de fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana. A demarcação permaneceria da forma contínua, como determinou o governo, mas o tamanho da reserva seria reduzido.

A decisão nesse sentido contrariaria o voto do relator da ação, contra a demarcação, ministro Carlos Ayres Britto, que manteve a delimitação da reserva nos moldes originais. Quatro dos 11 ministros se mostraram propensos a fazer ressalvas ao voto de Britto, que foi classificado por um colega de "romântico" e visto por outros como superficial - mesmo tendo 108 páginas. Para que sejam feitas alterações na reserva são necessários 6 votos. Os demais membros do Supremo preferiram não se pronunciar, mesmo reservadamente.

Os ministros que atenderam à consulta do Estado analisam que, da forma como foi feita a demarcação, a soberania do País estaria comprometida. Um deles disse que o voto, se mantido, é um "passo para o separatismo" de índios e brancos.

Isso porque os índios que ocupam a região têm parentes dos dois lados da fronteira (no Brasil e na Venezuela) e trafegam livremente para os dois lados. Nem mesmo a determinação do governo de que batalhões do Exército sejam instalados na área convence esses ministros. Um deles, que esteve em Roraima, afirmou que o Exército se vê obrigado a fazer convênios com índios para que tenham a entrada nas terras facilitada.

DECLARAÇÃO

A preocupação desses ministros é reforçada com a assinatura pelo Brasil da Declaração dos Direitos dos Povos Indígenas, da Organização das Nações Unidas (ONU). Por esse documento, os índios podem decidir livremente sua condição política, têm liberdade para estabelecer relações com povos do outro lado da fronteira e dispõem de autonomia para decidir assuntos internos.

Apesar de o ministro da Defesa, Nelson Jobim, ter declarado que a presença dos índios não atrapalha a ação dos militares na fronteira, os integrantes do Supremo se mostraram sensíveis aos argumentos de parte do Exército, contrária à demarcação.

Em seu voto, o relator da ação foi duro ao tratar dessa suposta ameaça à soberania do Brasil. Ele classificou como tentativa de desviar o foco da discussão o argumento de que a ocupação pelos índios poderia atentar contra a soberania nacional.

"Não é por aí que se pode falar de abertura de flancos para o tráfico de entorpecentes e drogas afins, nem para o tráfico de armas e exportação ilícita de madeira. Tampouco de perigo para a soberania nacional, senão, quem sabe, como uma espécie de desvio de foco ou cortina de fumaça para minimizar a importância do fato de que empresas e cidadãos estrangeiros é que vêm promovendo a internacionalização fundiária da Amazônia legal, pela crescente aquisição de grandes extensões de terras", afirmou Ayres Britto durante o julgamento.

O relator foi o único dos 11 membros do Supremo a votar na sessão de quarta-feira. Depois do voto de Ayres Britto, o ministro Carlos Alberto Direito pediu vista do processo, o que adiou o julgamento para data indeterminada. O regimento do STF determina que o processo deve ser devolvido para a retomada do julgamento em até 20 dias, mas esse prazo pode ser descumprido.

SOBERANIA

Na retomada do julgamento, Direito será o primeiro dos ministros a suscitar a preocupação com a soberania do País e deve abrir a divergência em relação ao voto do relator.

Apesar de admitirem a possibilidade de manter a demarcação contínua, alguns ministros afirmaram ser necessário descobrir que terras eram ocupadas pelos índios à época da demarcação. Se ficar evidenciado que determinadas faixas não eram ocupadas pelos índios, admitiram dois ministros, podem propor a exclusão dessa extensão de terra da reserva demarcada.

De acordo com um dos ministros - que conhece a região -, as terras ocupadas pelos arrozeiros não seriam povoadas pelos índios e por isso não haveria razão para que fossem integradas à reserva.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

Dalmo Dallari dá entrevista magistral sobre a Questão Indígena Brasileira

Contestação no STF é 'fantasia maliciosa', diz Dalmo Dallari

Carolina Glycerio
Da BBC Brasil em São Paulo

BBC Brasil - O senhor acha que existe na Constituição qualquer trecho que permita interpretar que a demarcação contínua da Raposa Serra do Sol fere os direitos dos brasileiros não-índios?

Dalmo Dallari - Não tenho qualquer dúvida de que uma interpretação correta da Constituição assegura os direitos dos índios porque a Constituição diz que são indígenas as terras ocupadas por eles. Então toda essa discussão em torno da demarcação é uma fantasia, na verdade, maliciosa para fingir que existe um problema.

Porque de fato a Constituição diz que são indígenas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios e isso não depende da demarcação. A demarcação constata, traça os limites precisos, mas não é da demarcação que decorre o direito. O direito existe antes, e os índios estão lá há séculos.

Ultimamente tentou-se levantar o argumento de que nessas terras existem vários municípios, esses municípios são recentíssimos criados inclusive de maneira ilegal porque a Constituição exige que sejam realizados plebiscitos, ouvindo todos os moradores da área que se quer desmembrar como município e lá nunca houve plebiscito. São falsos municípios e não servem honestamente, de pretexto, argumento para se questione o direito dos índios.

BBC Brasil - Por esse argumento da ocupação tradicional, já que em 1500 boa parte do território era ocupado por índios, nós teríamos então de ceder muito mais terra.

Dalmo Dallari - Esse também é um falso argumento porque os índios estão fora do território há muitos séculos. Quando eles chegaram ao Brasil, calcula-se que havia 5 milhões de índios, mas grande parte eles mataram, e boa parte se deslocou há séculos para outros lugares. Alguns se integraram à sociedade branca, entretanto existem grupos indígenas, especialmente na região amazônica, que há séculos permanecem lá. Nem os portugueses chegaram lá, não foram lá matar índios nem tirar terra deles. A invasão branca é muito recente. Então não tem nada a ver o fato de os índios serem ocupantes originários com o problema dos que ocupam agora. O que interessa é isso: os que estão lá agora são ocupantes tradicionais. Isso é fora de dúvida e é isso que a Constituição exige.

BBC Brasil - O padrão de ocupação indígena é bastante diferente do da sociedade branca. Isso não pode criar vazios demográficos e até um problema do ponto de vista da soberania nacional?

Dalmo Dallari - É malicioso dizer que há um vazio que os índios não ocupam. A ocupação indígena não se dá só nos lugares onde eles moram, onde dormem. O índio retira da terra circundante o seu alimento, o seu remédio, o seu material para construção de casas, para construção das armas, dos enfeites para os rituais religiosos. Essa área circundante não é desocupada, não é vazia. Os índios estão ocupando.

O problema da segurança nacional é outra mentira, é uma invencionice. O que se sabe, tem registro, é que grande parte do território amazônico só ficou brasileiro porque os índios brasileiros estavam ocupando. Países como Inglaterra, Holanda, França, quiseram alegar que eram áreas vazias, sem ninguém, e exatamente pelo fato de haver índios, o Brasil pôde ficar com essas terras. E, além disso, as áreas, de fronteiras ou não, estão sempre abertas ao Exército brasileiro, na hipótese de qualquer ofensa, qualquer risco à soberania. De maneira que o índio não é risco para a soberania de maneira alguma. É um argumento malicioso, falso.

BBC Brasil - O senhor não considera que haja um risco de infiltração nessas áreas?

Dalmo Dallari -A fronteira está sendo violada todos os dias pelos traficantes de armas e drogas, que não passam por áreas indígenas. O que me espanta é que o Exército não veja essas violações e vá procurar riscos na área indígena quando ali, a alguns passos de onde o Exército está estacionado, a fronteira está sendo violada todos os dias.

BBC Brasil - A decisão do STF deverá ter repercussão para outras terras indígenas?

Dallari -Em princípio, nada tem nada a ver com as outras reservas, essas outras terras foram demarcadas, homologadas. É também malicioso isso, querer estender essa decisão a outras reservas. Nem há contestação, então não há por que reabrir demarcações já efetuadas e homologadas.

BBC Brasil - Mas há 144 ações no Supremo envolvendo terras indígenas. Essa decisão não serviria de parâmetro?

Dallari - Essas ações são maliciosas, propostas para criar essa imagem de incerteza, falta de seriedade na demarcação, ofensa a direito - coisa que absolutamente não existe. Eu conheço alguns desses casos. Os que alegam que a demarcação foi errada exibem até títulos de propriedade quando a Constituição diz expressamente que não produz qualquer efeito jurídico documento que incida sobre área indígena. Então a demarcação é incontestável.

BBC Brasil - A Constituição dá um privilégio aos índios?

Dallari - Não, dá o direito, simplesmente. É o direito de permanecerem nas terras tradicionalmente ocupadas, como dá o direito de qualquer brasileiro ou estrangeiros ser proprietário no país. Há proprietários e não-proprietários. Então eu vou dizer que há um privilégio dos proprietários? Não é um direito?

O índio é antes de mais nada um cidadão brasileiro. Sem a terra, não pode gozar dos seus direitos. Eu colocaria isso no mesmo plano de outros programas que procuram compensar a deficiência econômica ou de outra espécie. Assim, por exemplo, já se procurou contestar a Lei Maria da Penha porque era inconstitucional porque protege mais a mulher. É um absurdo, porque a mulher está mais necessitada nessa questão da agressão, então é constitucional, como é constitucional o Pró-Uni, como são constitucionais os programas que dão proteção àquele que é mais fraco socialmente, economicamente. Então não é privilégio, é direito.

BBC Brasil - Essa área de 1,7 milhão de hectares é realmente necessária para os 19 mil índios?

Dallari - Há muita encenação em torno dessas áreas. Há, na verdade, um faz-de-conta para dar a impressão de que há muita terra para pouco índio, mas daí eu volto ao meu argumento: há muita mansão para pouco branco. Então vamos dividir as mansões dos brancos.

BBC Brasil - Com todas as ameaças que existem à cultura indígena, é realista tentar preservá-la nessas bases?

Dallari - Seria irrealista se pretendesse manter os índios numa espécie de zoológico, mas absolutamente não é isso que acontece. Em muitos lugares do Brasil os índios já estão com formas modernas de ocupação, com uso inclusive de tratores. É mostra de ignorância da realidade dizer que os índios são uma cultura atrasada, não querem nada de novo e querem viver no passado.

BBC Brasil - Justamente porque existe essa integração, por que não pode haver convivência entre índios e não-índios na área demarcada?

Dalmo Dallari -Porque os índios é que devem fazer a integração, o que se pretende fazer é colocar uma espúria dentro da área indígena, gente que só pensa em ganhar dinheiro, que não tem o menor respeito pela pessoa humana, que não tem a mínima preocupação com a soberania nacional, que só está atrás do ganho econômico, nada mais do que isso.

BBC Brasil - O relator especial da ONU para os Direitos e Liberdade dos Povos Indígenas, James Anaya, disse que o Brasil é paternalista com os índios brasileiros. O senhor concorda?

Dallari - Até certo ponto, sim. Há Estados ou algumas regiões dos Estados Unidos, em que os índios recebem inclusive apoio financeiro do governo central, apoio para montarem suas empresas, comércios, negócios.

BBC Brasil - Por que há índios favoráveis à demarcação não contínua?

Dallari -Não conheço nenhum índio favorável à demarcação em ilhas. O que pode ter acontecido é que ele tenha sido enganado.

BBC Brasil - Mas então essa vulnerabilidade existe para os dois lados. Também se pode dizer que eles são manipulados por ONGs ou estrangeiros mal intencionados?

Dallari -Isso é conversa fiada. As ONGs que eu conheço que atuam lá realmente estão apoiando os índios. O que há são empresas, especialmente laboratórios da indústria farmacêutica, que estão lá com agentes que não são índios procurando obter conhecimentos tradicionais maliciosamente. É mais uma ação desonesta. Esses, sim, deveriam ser expulsos de lá.

BBC Brasil - Não há uma idealização do índio?

Dalmo Dallari -Quem conhece a realidade do índio sabe que o índio tem necessidade da proteção. E essas agressões dos arrozeiros, desses aventureiros econômicos, é prova disso.

BBC Brasil - Só proteção? E sustento econômico?

Dallari -Por isso que é necessário que haja programas governamentais apoiando inclusive o desenvolvimento econômico do índio.

BBC Brasil - E se ele quiser criar gado, plantar, como fazem os produtores rurais brancos?

Dallari -Já há índios que são arrozeiros, que criam gado, plantam milho. Ninguém contesta, é uma atividade normal de um cidadão brasileiro.

BBC Brasil - Mas isso não iria contra o sistema tradicional, extrativista?

Dallari -Não, porque foi o índio que decidiu fazer, não foi forçado.

BBC Brasil - Então o que ele decidir fazer é soberano?

Dalmo Dallari -Desde que não contrarie a Constituição brasileira.Não é soberano, ele tem direito de fazer, ele é sujeito à Constituição brasileira, como qualquer brasileiro.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Ayres Britto dá voto brilhante sobre Raposa Serra do Sol

O voto de Ayres Britto sobre Raposa Serra do Sol

Na tarde de hoje, após as falas dos advogados da União, dos povos indígenas, do estado de Roraima e dos arrozeiros, incluindo um emocionante apelo da advogada indígena Joênia Wapixana, o ministro Carlos Ayres Britto proferiu um longo e brilhante discurso sobre as questões envolvidas na disputa da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Em seu discurso Ayres Britto ponderou sobre aquilo que chamou de “coordenadas constitucionais”, isto é, a hermenêutica do conjunto de artigos e ítens que constam na Constituição brasileira sobre a questão indígena, seja diretamente, seja diagonalmente. Suas coordenadas constitucionais foram sempre favoráveis aos índios. Para Ayres Britto, a Constituição brasileira e o Estatuto do Índio tratam os índios como brasileiros em condições especialíssimas, algo que nós sempre temos insistido. É generosa e grandiosa e não deve nada a nenhum documento internacional, seja a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas (a qual ele de certa forma condenou por determinar de fora a autodeterminação dos povos indígenas), seja outro qualquer (como a Convenção 169, da OIT). Ao mesmo tempo, a Constituição permite, pela interferência necessária do Estado e pelo relacionamento harmônico entre índios e não índios no país, o processo de aculturação e integração dos povos indígenas, sem prejuízo da manutenção de suas culturas, usos e costumes. Com isso varreu de lado aqueles que acham que existe uma incompatibilidade entre preservação de cultura e integração dos índios à nação brasileira. A Constituição de 1988 foi, portanto, exaltada, mas não mistificada, como fazem as Ongs indigenistas anti-rondonianos.

Ao tecer suas coordenadas constitucionais e rebater uma por uma as objeções criadas pelos contrários à homologação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o ministro Ayres Britto fez as seguintes considerações:

1. Não há incompatibilidade entre terras indígenas e faixas de fronteira
2. Os povos indígenas não constituem um perigo à soberania nacional
3. As terras indígenas de uma etnia devem ser reconhecidas de forma contínua
4. Os espaços vazios entre terras indígenas de etnias diversas podem ser incorporadas ao estoque de terras públicas não indígenas
5. Diferentes etnias podem conviver na mesma terra indígena quando há compatibilidade e harmonia (esta foi uma discussão um tanto bizantina em que o ministro-relator quis se pronunciar sobre a concepção de que um território indígena é sempre de uma etnia)
6. As culturas indígenas se aculturam e se integram sem necessariamente perder suas características próprias, apenas adicionando novas configurações
7. A ocupação permanente de terras indígenas é definida como tendo um caráter de convivência e uso
8. A constituição de 1988 é o corte temporário anterior à qual se pode reconhecer uma terra indígena como tendo ocupação permanente. Após esse ano, a chegada de índios a uma terra não constitui ocupação tradicional
9. Roraima tem terras suficientes para sua população, mesmo não tendo controle sobre as terras da União (indígenas e de reservas ambientais), comparativamente com estados com Rio de Janeiro, Espírito Santo e Alagoas, juntos.
10. Se há vazio do Estado em faixas de fronteira, a culpa é do próprio estado, não dos índios
11. Portanto, o Estado deve fortalecer o Exército e a Polícia Federal nas regiões de fronteira (em nenhum momento mencionou a Funai ou um órgão indigenista, como se ele não existisse)
12. Os índios não podem se opor à presença do Estado, nem interromper estradas ou próprios públicos, pois eles são cidadãos e dependem do Estado para educação, saúde, desenvolvimento econômico.
13. Os estrangeiros devem ficar fora de terras indígenas, em função de sua cobiça por minerais e pela ambição pela Amazônia.
14. No território brasileiro quem manda é o Brasil, não a ONU ou Ongs estrangeiras
15. Tanto os laudos antropológicos feitos pela Funai quanto a comissão do estado de Roraima têm legitimidade para se opor a decisões e apresentar seus argumentos em cortes.
16. Não acredita ter havido uma proliferação de malocas com o fito de dar a impressão de presença indígena em todas as áreas.
17. Toda a área delimitada pela Funai é terra indígena legítima, habitada pelas etnias Makuxi, Taurepang, Ingarikó, Patamona e Wapixana, que vivem misturadas em convívio harmonioso.
18. As posses e fazendas de arrozeiros são ilegítimas por terem sido obtidas por esbulho dos índios.
19. A extensão de Raposa Serra do Sol é compatível com as coordenadas constitucionais concernentes aos povos que lá habitam
20. Demarcar terras indígenas não se orienta por critérios matemáticos. Não deve prevalecer a contabilidade espúria de calcular o tamanha da terra em relação ao número de habitantes indígenas.
21. A extrusão de não indígenas da Raposa Serra do Sol deve ser feita pacificamente e garantindo terras alternativas para os intrusos
22. As vilas existentes em Raposa Serra do Sol foram formadas por garimpeiros que saíram da T.I. Yanomami, portanto, não têm legitimidade
23. São nulas as titulações conferidas pelo Incra e inválida a ocupação da Fazenda Guanabara, Depósito e outras.
24. As terras vendidas pelo estado de Roraima são ilegítimas
25. Só os ocupantes de boa-fé podem receber idenizações
26. Os rizicultores que passaram a usar a terra a partir de 1992 não têm direito, mesmo em terras compradas de títulos antigos porque vieram de esbulho dos índios.
27. As fazendas de arrozeiros degradam o meio ambiente e impedem os índios de passarem por lá e usarem do rio Surumu.

Em conseqüência dessas considerações argumentadas com estilo literário superior, o ministro Ayres Britto proferiu seu voto em alto e bom som: pela improcedência da Ação Popular que motivou esse julgamento, pela permanência da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e pela retirada imediata dos não indígenas daquela terra indígena.

Grandíssissimo voto. Porém, pairou no ar a falta de diretrizes para a demarcação de novas terras indígenas, algo que parecia ter sido prometido pelo ministro-relator e por Gilmar Mendes, em diversas entrevistas anteriores. Por sua vez. na primeira intervenção de um ministro do STF, o ministro Carlos Alberto Menezes Direito, foi pedido vista do processo. Com isso o presidente Gilmar Mendes deu por encerrada a sessão.

Nova espera, novas angústias. Os arrozeiros vão continuar na terra e vão dar prosseguimento á sua atuação maléfica e perversa. Paulo César Quartiero, com sua arrogância e desprezo aos poderes públicos, saiu ironizando o voto de ministro. Os advogados contrários, com sorrisos amarelos, prometeram uma reação na busca de convencimento dos votos dos demais ministros.

Enfim, com alguma alívio e ainda apreensão, a luta continua!

Vamos esperar pelo voto do ministro Eros Grau sobre a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, que será debatida dia 3 de setembro próximo. Talvez aí possamos ter esperanças.

STF decide hoje sobre Raposa Serra do Sol

Começa hoje de manhã a sessão do STF que decidirá sobre a manutenção ou a anulação (parcial) da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Muita gente veio a Brasília para assistir a esse evento. Dele poderá depender a possibilidade de novas demarcações ou sua obstaculização.

Os participantes desse Blog, para minha honra, deram a sua opinião ao longo dos últimos três meses sobre esse assunto. Na Enquete ao lado, com a pergunta "O que fará o STF sobre a homologação da T.I. Raposa Serra do Sol?" as respostas demonstram quase um empate técnico entre as duas grandes opções; nas opções seguintes, que cada participante poderia votar, a votação foi menor. Eis o resultado:

102 pessoas votaram achando que a homologação vai ser mantida

119 pessoas votaram achando que o STF vai exigir nova demarcação (portanto anulando a homologação anterior)

57 pessoas votaram achando que o STF vai exigir a presença mais forte do Exército na área indígena

51 pessoas votaram achando que os arrozeiros vão ser retirados da Terra Indígena

48 pessoas votaram achando que o STF vai mandar fortalecer a Funai

A votação, sintomaticamente, reflete aquilo que os jornais estão dizendo hoje e que vêm dizendo há algum tempo. Isto é, que há uma tendência dos ministros do STF para apaziguar a disputa tirando um pouco de cada lado.

Provavelmente o STF decidirá hoje ou nos próximos dias (se houver pedido de vistas por parte de algum ministro) que a homologação poderá ser mantida em algumas condições.

Que condições é que não sabemos. Talvez a manutenção daqueles não indígenas que adquiriram terras e as usavam em algum tempo no passado. Para Nelson Jobim, ex-presidente do STF, esse tempo seria aquele que antecede a Constituição de 1934, quando pela primeira vez foi declarado reconhecimento da legitimidade dos índios sobre as terras que ocupam. Essa data seria um recorte com alguma significância, mas, de qualquer modo, arbitrária. Outros querem que seja a data da promulgação da Constituição de 1988, o que me parece irreal.

Seja qual for o recorte temporal, daí é que haverá conseqüências para a definição de terras indígenas em outras partes do Brasil. Por exemplo: se um povo indígena ou um aldeamento indígena tiver ocupado uma certa área durante um determinado período de tempo anterior ao recorte temporal arbitrado, e depois ter se retirado ou ter sido forçado a deixar essa área, ficará a questão de sua legitimidade ou não em ter essa área reconhecida retroativamente como sua terra. Todas as terras indígenas guarani disputadas na atualidade estarão em suspenso, dependendo desse recorte.

Outra questão a ser discutida é a da soberania e segurança nacionais em região de fronteira. Não sei precisar o quanto os ministros do STF estão cientes de que esta questão é falsa ou irreal ou exagerada. De todo modo, é a grande questão para os militares e para os nacionalistas mais ferrenhos. Vai de Aldo Rabelo, deputado do PC do B, até Rubens Barbosa, diplomata que cria os argumentos diplomáticos para o conservadorismo brasileiro. Recentemente esse diplomata escreveu no Estado de São Paulo alarmado com o fato do Brasil ter assinado a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas argumentando que isso poria em cheque a soberania nacional. Até, mais alarmista ainda, asseverou que essa Declaração havia sido sancionada pelo Congresso Nacional, confundindo com a Convenção 169 da OIT.

A questão federativa, isto é, a disputa entre Roraima e a União, onde o estado de Roraima alega estar em dificuldades de auto-sustentabilidade em virtude de ter tantas terras suas pertencentes à União, também será motivo de consideração pelos ministros do STF. Pelo menos esta é uma questão para Ayres Britto se pronunciar. Não sei o que ele dirá sobre isso. Parece muito primário o argumento, visto que é um estado do tamanho do estado de São Paulo e com uma população não maior do que 400.000 habitantes. Terra há à vontade para quem quiser dispor dela, mesmo que 46% seja reservada aos indígenas.

Enfim, a grande questão que paira sobre o indigenismo brasileiro é se a decisão a emergir do STF irá tornar um impedimento permanente para a ação da Funai em regularizar as terras indígenas que faltam ser regularizadas. Por exemplo, a grande terra indígena Caramuru-Paraguaçu, dos índios Pataxó, que será debatida no STF no próximo dia 3 de setembro.

O problema maior -- e este foi o grande provocador de toda essa celeuma -- é que as Ongs indigenistas e o CIMI nos últimos dois anos levaram a opinião pública a se posicionar contra os índios e questão indígena brasileira. Essas entidades fizeram tal campanha internacional e puseram tal pressão sobre a FUNAIi e o Ministério da Justiça que esses órgãos terminaram tomando atitudes muito estrepitosas e estrategicamente erradas, tais como publicar de uma só vez uma quantidade expressiva de portarias de demarcação de terras indígenas e criar grupos de trabalho visando o reconhecimento de terras indígenas em regiões conflituosas, como Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Nesses casos, praticamente inviabilizaram as chances de terras indígenas serem efetivamente demarcadas nos próximos anos, tal a resistência que advém de fazendeiros, pequenos agricultores e políticos, e provocaram frustrações imensas nas populações indígenas Guarani e Kaingang, frustrações que só tendem a piorar.

Com essas atitudes voluntaristas e irresponsáveis, o conflito de Roraima-Raposa Serra do Sol, que parecia já estar em processo de equacionamento desde 2005, foi intensificado pela decisão ilusória do Ministério da Justiça de tentar retirar à força os arrozeiros, quando uma estratégia mais lenta de desgaste de suas condições de produção e abertura de áreas alternativas poderia ter dado certo.

A questão indígena brasileira não é uma questão nem de direita nem de esquerda. As Ongs indigenistas vêm buscando fervorosamente politizar os povos indígenas através de seus jovens urbanos e transformar a luta indígena pela dignidade no Brasil num movimento semelhante ao MST. O alto ruído retórico das ações tem causado uma perplexidade muito grande na opinião pública brasileira. Os militares, os políticos, a imprensa refletem esse descontentamento e essa perplexidade.

A questão indígena brasileira está não na esquerda ou na direita e sim no cerne do sentimento da nacionalidade brasileira. Os índios são queridos e amados no Brasil pelo que eles representam como nosso passado e pelo que podem representar pelo nosso futuro. Eis onde está o âmago da questão indígena. Mexer com isso dá problemas.

A ingenuidade aparente, a dedicação sem conhecimento aprofundado da história à causa indígena e o interesse político desmesurado dos atores indigenistas -- Ongs, CIMI e vetores internacionais -- estão levando o STF à posição atual, que pode ser, tomar decisões que não estavam no script da tradição indigenista brasileira.

Não queremos que o STF tome decisões igualmente precipitadas e irresponsáveis, cujas conseqüências deletérias produzam efeitos negativos por muitos anos. Tomara que hoje o Brasil veja nossa Corte Suprema bem equilibrada esparramando uma luz de sabedoria sobre a questão indígena e a dignidade da nação.

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Relator da ONU, S. James Anaya, abre o jogo


Em entrevista coletiva dada ontem à tarde o Relator da ONU para Direitos Indígenas, o jurista apache norte-americano e professor da Universidade de Novo México, S. James Anaya, abriu o jogo sobre o que viu, o que achou e o que poderá escrever em seu relatório após uma viagem de doze dias por várias terras indígenas.

O relator foi bem recebido no Brasil e teve patrocínio de viagem e companhia digna de um viajante estrangeiro que é honrado no Brasil. Visitou Raposa Serra do Sol, Dourados e São Gabriel da Cachoeira. Lá se encontrou com os povos indígenas e teve conversas formais e informais com todos eles. Além disso esteve com autoridades brasileiras dos ministérios das Relações Exteriores, Justiça, Saúde e Meio Ambiente. Esteve na Funai e na Funasa. Recebeu relatórios de denúncias de diversos povos indígenas, encaminhados pelo CIMI e por Ongs indigenistas.

Não chegou a visitar o Parque Indígena do Javary, onde a maioria dos 3.500 indígenas vive em condições ambientais prístinas e autônomas, mas que sofre de doenças graves, como hepatite B e C e constantes surtos de malária.

S. James Anaya teve condições de ver muitas coisas do indigenismo brasileiro. E soube bem aproveitá-las.

Por isso é que, em sua entrevista coletiva, demonstrou ter obtido uma visão bem abrangente da questão, embora sem a profundidade necessária para fazer um relatório à altura de sua posição.

Anaya reconhece que o Estado brasileiro tem uma legislação extremamente favorável aos povos indígenas. Se ele quisesse ser correto, diria que a Constituição brasileira e o Estatuto do Índio não estão atrás da Declaração Universal dos Direitos Indígenas nem da Convenção 169 da OIT. Ao contrário, estão na frente em muitos aspectos, como o reconhecimento das culturas indígenas, de sua autonomia de decisão e do respeito da sociedade brasileira. Estão atrás apenas no que concerne a explicitação da necessidade de consulta aos povos indígenas sobre questões de seu interesse. Resta, entretanto, definir o que pode alcançar os interesses dos povos indígenas.

Por outro lado, Anaya trouxe uma fala inesperada para um Relator da ONU. Ponderou que a disputa pela terra no Mato Grosso do Sul é equilibrada em relação a direitos entre os índios e os fazendeiros. Acatou o discurso dos fazendeiros de que eles têm legitimidade sobre as terras que possuem, por titulação e antecedência à chegada dos índios. Será que Anaya entendeu todas as nuanças desse imbroglio?

Em relação aos interesses de arrozeiros da T.I. Raposa Serra do Sol, Anaya foi menos enfático em sua defesa. Sentiu que a presença desses produtores é bem mais recente e produziu efeitos indesejados no relacionamento interétnico.

Em conseqüência de sua viagem, Anaya chega à conclusão de que o STF poderá produzir uma "surpresa" em seu sentenciamento sobre a homologação da T.I. RSS, de modo que contemple os dois lados da questão. Talvez ele tenha recebido alguma informação interna de algum ministro do STF para projetar tal idéia. De todo modo, ele parece contente sobre um resultado que os povos indígenas daquela terra irão ficar extremamente descontentes.

Por último, Anaya aproveitou para fazer algumas críticas incisivas sobre o indigenismo brasileiro. Criticou tanto o Estado quanto as Ongs pelo que chamou de "paternalismo" com que tratam os povos indígenas. O que ele quer dizer com isso, não é explicado. Com freqüência, a noção de paternalismo tem sido usada e abusada por acadêmicos sem conhecimento de causa e sem entender os processos de relacionamento entre índios e sociedade nacional. Não é termo que ele use para o caso dos índios norte-americanos, mas, se ele prestrar atenção no relacionamento entre esses índios e o Bureau of Indian Affairs (BIA), ele verá que esse termo poderia ser usado do mesmo jeito. E pior, que os índios norte-americanos não querem abrir mão desse relacionamento por nada no mundo. Há nos Estados Unidos cerca de 750 tribos reconhecidas pelo governo federal (federally recognized tribes) e, apesar de anos de relacionamento direto com a sociedade norte-americana em geral, nenhum desses povos resolveu se "emancipar" da ligação que têm com o BIA.

Anaya criticou em especial o PAC, isto é, o Programa de Aceleração Econômico, do governo federal, por não escutar os índios. Isto pareceu mais buchicho das Ongs no seu ouvido do que uma análise real deste programa. O PAC atinge diversas terras indígenas nos projetos hidrelétricos, estradas, assentamentos, projetos econômicos, etc. O PAC está dentro da Funai abrindo espaço para que os índios possam dele participar. O problema é que a Funai não tem condições nem idéias de como fazer com que os índios aproveitem das possibilidades de desenvolvimento étnico através dos recursos possíveis.

Anaya tem a atitude superior de um índio esclarecido que está fora da realidade indígena. Acredita que, se os índios brasileiros forem deixados a si mesmos para resolver seus problemas, eles serão capazes de reconhecer suas prioridades e trabalhar muito mais efetivamente sem a ajuda do Estado. Não reconhece a dureza da vida discriminatória que sofrem em seus municípios e estados. Não reconhece que a assistência e proteção federais são essenciais para a sobrevivência e busca de novos caminhos para os povos indígenas brasileiros. Até nos Estados Unidos é assim, com a dependência que os índios norte-americanos têm do BIA. Mesmo os índios que vivem dos royalties dos casinos não largam mão do osso BIA.

Não sei dizer o quanto foi ou não positiva a presença de Anaya neste momento no Brasil. Do seu ponto de vista, sua visita foi um sucesso tremendo. Suas falas foram interessantes, desafiantes, embora não conclusivas. Pelo que entendo, seu relatório vai ser bastante duro e vai bater na tecla do indigenismo paternalismo e na falta de oportunidades para os povos indígenas. Um tanto quanto o ministro Mangabeira Unger, que quer que os índios brasileiros possam escolher se querem continuar a vier nas condições indígenas tradicionais ou se assimilarem ao sistema socioeconômico brasileiro. Quer dizer, ambos, por desconhecimento da história brasileira, não sabem do que estão falando.

segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Relator da ONU vê conflito e diz que vai ser imparcial

Na manhã deste sábado, o Relator Especial da ONU para Direitos Indígenas, S. James Anaya, esteve reunido, a portas fechadas, com um grupo de mais de 300 índios Guarani e Kaiowá, em Dourados, Mato Grosso do Sul. Do lado de fora do prédio da Universidade Federal de Dourados, recém- construída, se concentrou um agrupamento de fazendeiros pressionando o Relator para deixá-los entrar e ouvi-los. O Relator Anaya passou o recado que os receberia à tarde, como aconteceu, na sede da prefeitura de Dourados.

Tudo isso se deu porque o Relator Anaya visitava a Terra Indígena Dourados, na cidade de Dourados, onde vivem mais de 12.000 índios numa área mínima de 3.500 hectares, pegada à própria cidade. Ele queria ver ao vivo a situação dos índios Guarani, conversar com eles e ter uma noção clara da situação indígena naquele estado da União.

As reclamações feitas pelos indígenas, assim como relatório que entregaram ao Relator, foram de diversas naturezas. Falaram sobre a discriminação que sofrem na cidade e no estado, onde são considerados mendigos e maloqueiros; sobre sua situação de saúde, inclusive mortes por suicídio e alcoolismo, sobre segurança, com a presença cada vez maior de pessoas entrando na terra indígena, traficantes de drogas, assaltos, brigas provocadas pelo uso do álcool; a falta de uma educação à altura de suas necessidades, enfim, a falta de perspectivas para suas vidas na atualidade.

Falaram, principalmente, sobre a exigüidade de suas terras, em proporção à sua população cada vez maior, e ao fato de que a promessa da Funai de demarcar até 3.500.000 hectares naquela região está encontrando imensas dificuldades por parte dos não-indígenas daquele estado.

A promessa feita pela Funai, pelo Ministério Público e pelas Ongs indigenistas está criando uma tensão imensa na região. A frustração indígena está aumentando na mesma proporção em que vêm os impedimentos para a realização desse intento. A presença dos fazendeiros fazendo pressão no lado de fora da reunião dos índios com o Relator é sinal ostensivo dessa tensão e do descabimento em que a situação interétnica chegou naquele estado.

O que poderá fazer o Relator Anaya? Terá alguma capacidade de influenciar a ONU para pressionar o Brasil para fazer algo diferente do que sua política indigenista pode proporcionar?

Acho que não. Acho que o Brasil não liga mais a mínima para pressão internacional, seja em questões sociais, questões econômicas ou questões políticas. Não estamos mais na décadas de 1980 e 1990, quando o Brasil se sentia inseguro em sua democracia claudicante e se mirava na Europa e nas opiniões estrangeiras para dizer-lhe o que pensar, o que fazer e como fazer. Eis o amadurecimento do país, para o nosso bem ou para o nosso mal.

O Relator Anaya tem sido muito cauteloso em suas falas. Sabe onde pisa e não precisa se exibir. Tem segurança de seu conhecimento jurídico e de suas convicções indigenistas. Fará o relatório que lhe convier. Tem dito que seu relatório foi pedido pela ONU e que será imparcial, tendo ouvido todas as partes concernentes.

Na quinta-feira e sexta-feira passadas, Anaya esteve em Boa Vista, Roraima, onde se reuniu e confraternizou com muitos indígenas Makuxi e Wapixana em Boa Vista e na região do Surumu. Disse a jornalistas que viera para escutar e para ser imparcial no relatório que fará dessa viagem. Porém os índios contrários à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol protestaram por ele não ter vindo falar com eles. Anaya se desculpou dizendo que não fora alertado, nem chamado.

O que podemos avalizar dessa vinda do Relator Anaya ao Brasil nesse momento? Para diversos membros do governo ele veio em má hora. O ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, disse que tentou passar o recado à ONU para que ele não viesse agora, inutilmente. Outros têm dito a mesma coisa. Porém, as Ongs acham que esse tipo de pressão é válida, nem tanto para assegurar uma mudança na visão do STF, quanto para afirmar o âmbito do apoio que a causa indígena tem no plano internacional. E é o que mais interessa a essas Ongs. Assim elas se sustentam com a ilusão de serem as legítimas defensoras dos povos indígenas no Brasil. E os estrangeiros as pagam deferência.

Para o Brasil, pouca diferença faz que venha mais um, menos um, relator da ONU sobre qualquer assunto nosso. O salto de auto-confiança dado pelo Brasil nos últimos anos foi muito grande. A Anistia Internacional, por exemplo, que comandava a atenção de todo mundo há uns cinco anos atrás, hoje atinge apenas as Ongs que fazem os estudos de avaliação e denúncia para ela.

A questão indígena brasileira é uma questão nacional, do Brasil. Ela será trabalhada entre nós, com nossas forças e nossas inteligências. Pressão exterior não funciona mais.

Os dados estão lançados. Temos mais dois dias para esperar o voto do ministro Ayres Britto, sobre Raposa Serra do Sol. Esse voto e a decisão que o STF tomará -- se é que vai tomar com tanta clareza, ou deixar a coisa no ar -- poderá mudar muita coisa na questão indígena brasileira.

A radicalização feita nos últimos meses pela influência das Ongs indigenistas levaram a essa situação de tensão e a essa expectativa de mudanças no panorama indigenista brasileiro. Imaginem que essas mesmas Ongs estão pressionando um segmento do movimento indígena, comandado pela Coiab, para querer mudar o Estatuto do Índio no Congresso Nacional! Como se o Congresso estivesse de coração aberto para os índios nesse momento! É o desvario irresponsável elevado à potência máxima de destruição da causa indígena no Brasil.


______________________________

Caciques da Etnia Guarani-Caiová fazem denúncia à ONU

Agência Estado

Um grupo de 300 caciques com cocares e caras pintadas, líderes de quase 50 mil índios da etnia guarani-caiová, reivindicaram hoje a intervenção da ONU (Organização das Nações Unidas) nas questões indígenas de Mato Grosso do Sul. Eles entregaram uma carta ao índio norte-americano e relator especial da organização internacional, James Anaya, que iniciou neste sábado uma série de visitas às aldeias da região sul do estado.

O documento foi entregue pelo cacique da Aldeia Jaguapiru, situada na Reserva Indígena de Dourados, Getúlio de Oliveira, denunciando "a invasão silenciosa e crescente da reserva que possui 3.500 hectares de área divididos entre 13 mil caiovás". A falta de espaço, segundo Getúlio de Oliveira, está trazendo sérias conseqüências, devido a influência dos não índios sobre a tribo local, principalmente o alcoolismo.

"Tivemos neste ano, 60 assassinatos, 24 suicídios, e pelo menos 80 ocorrências policiais envolvendo diretamente indígenas. São estupros, assalto a mão armada, brigas e até tráfico de drogas. Não há política pública para dar jeito nessa situação de horror, tampouco força policial, porque a questão toda está presa ao disciplinamento na distribuição de terras para os índios e a demarcação de novas áreas no Estado", reclamou Oliveira.

Para o líder da aldeia Bororó, localizada também na reserva de Dourados, Eduardo Nunes, "terra de índios tem que ser somente de índios. Nossas aldeias estão sendo ocupadas por brancos, negros, paraguaios e até mestiços orientais". José Nunes, outro líder indígena, explicou que a apresentação dos problemas ao enviado da ONU ao Brasil "é para mostrar que estamos vivendo dias terríveis, e pedir a intervenção internacional para que a demarcação prometida pelo presidente Lula, realmente aconteça".

Anaya é índio do Arizona e foi nomeado relator especial da ONU para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas em março deste ano. Ele explicou para a platéia de caciques caiovás que veio conhecer de perto o trabalho da Funai, organizado para iniciar a demarcação de 3,5 milhões de hectares de terras indígenas em Mato Grosso do Sul, e ver a situação das aldeias Jaguapiru e Bororó, pessoalmente. Ele disse que até dezembro deste ano entregará um relatório sobre o que viu no Brasil para a presidência da ONU.

domingo, 24 de agosto de 2008

Bienal do Livro discute questão indígena

Sexta-feira, dia 22, a Bienal do Livro de São Paulo, que congrega todo o sistema editorial brasileiro e atraiu mais de 500.000 pessoas nas duas semanas de funcionamento, proporcionou um debate sobre a questão indígena brasileira.

O título do debate era um pouco escandaloso e até desfocado. "Os índios são cidadãos de 2ª classe?"

Os debatedores foram esse antropólogo que vos escreve e o escritor Daniel Munduruku, indígena natural de Belém e que mora em São Paulo e tem desenvolvido uma carreira brilhante como escritor de contos com inspiração indígena.

O debate foi franco e complementar. Na verdade, não foi um debate, mas um pingue-pongue de informações e de reflexões pessoais convergentes sobre os diversos temas do indigenismo brasileiro. A participação do público foi interessante e demonstrou que uma parte da sociedade brasileira está atenta aos diversos assuntos atuais do indigenismo nacional.

O tema mais reconhecido foi a questão da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Os participantes queriam saber sobre a disputa entre facções indígenas, a legitimidade ou não dos arrozeiros de estarem naquela terra, a questão da soberania nacional sobre esse território, a presença de Ongs estrangeiras e a necessidade ou não do Exército ter uma ação mais abrangente naquela Amazônia.

Um tema que surgiu inesperadamente foi a questão de infanticídio entre alguns povos indígenas e qual a opinião que os debatedores tinham sobre o assunto. Tanto Daniel quanto eu demonstramos reconhecer a importância do tema e a legitimidade dos povos indígenas de encontrarem um caminho próprio, consciente, para sobrepujar essa prática que, em muitos casos, não faz mais sentido histórico.

Na minha fala ponderei que achava que a grande maioria dos brasileiros era favorável aos índios. Que os via como parte da nacionalidade brasileira, que reconhecia a sua legitimidade como primeiros brasileiros, e que os admirava por manter sua visão de mundo. Mas essa visão generosa dos brasileiros era claudicante, mutável, de acordo com certas circunstâncias sociais e históricas. Que na atualidade, por causa da radicalização no discurso e na prátia que as Ongs indigenistas estão fazendo, levaram os povos indígenas a tomarem atitudes que terminam resultando em opinião desfavorável e contrária. Mesmo que por mal entendimento dos fatos.

A questão indígena brasileira está no limiar de grandes mudanças. Seja porque os índios querem comandar a política indigenista, seja porque as Ongs se profissionalizaram e precisam sempre de novas tarefas, seja porque o Estado brasileiro já acha que sua função pró-indígena está se esgotando.

A decisão a ser tomada nesta quarta-feira, dia 27 de agosto, pelo ministro Ayres Britto e em conjunto pelo STF, poderá trazer mudanças estranhas e graves. O quanto desencadearão de novas mudanças ainda não sabemos. Não podemos ficar pessimistas ao extremo, não podemos cair no desespero, venha o que vier. A história se faz muito mais por excepcionalidades do que pelo desenrolar lógica das causas passadas.

sábado, 23 de agosto de 2008

Dallari e Rosenfield se posicionam sobre Raposa Serra do Sol

Para nosso conhecimento, registro aqui os discursos do prof. Dalmo Dallari, grande jurista pró-indígena brasileiro, e do filósofo Denis Rosenfield, atual propagandista do anti-indigenismo brasileiro.

O discurso de Dallari é um primor de dialética e retórica jurídica. O discurso de Rosenfield se concentra num ataque á Funai, com pouco conteúdo.

Vale a pena ler a ambos para ver para que lado a balança brasileira do indigenismo nacional vai pender nos próximos dias.

Tudo isso em antecipação pela decisão do STF sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, a ser tomada na próxima quarta-feira, dia 27 de agosto de 2008-

_________________________________

O STF deve manter a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua?

Folha de São Paulo

SIM
Direitos constitucionais dos índios


DALMO DE ABREU DALLARI

PARA OS índios brasileiros, a terra não é um valor econômico, mas um bem essencial para sua sobrevivência. Isso é muito diferente da concepção dos que invadem áreas indígenas visando aumentar o patrimônio sem pagar pelas terras de que se apossam ilegalmente, sem consideração de ordem ética e sem respeito pela vida e pela dignidade dos seres humanos que são os índios.

Para indignação dos brasileiros que respeitam a Constituição e os princípios e as normas nela consagrados, autoridades públicas que deveriam ser um padrão de dignidade e honestidade acobertam e auxiliam os grileiros das terras indígenas, simulando preocupação com o Direito, a Justiça e a soberania nacional, mas, na realidade, colaborando para a espoliação do patrimônio público e a consumação de inconstitucionalidades.

Foi com a colaboração de autoridades públicas que invasores de áreas indígenas criaram por lei estadual falsos municípios, sem existência legal, pois não foram cumpridas as exigências expressas no artigo 18 da Constituição para a criação de municípios.

Uma vez mais o Supremo Tribunal Federal deverá tomar uma decisão em ação judicial movida com o propósito de anular a demarcação de área indígena feita com absoluta regularidade, apoiada em laudo antropológico e rigorosamente dentro da lei.

Trata-se do caso da área indígena Raposa/Serra do Sol, vizinha ao Estado de Roraima, há séculos ocupada por etnias indígenas. A decisão que for tomada poderá ter o efeito gravíssimo de anular todas as demarcações de áreas indígenas feitas até hoje com rigor técnico e estrita obediência a regras constitucionais e legais.

Se isso ocorrer, haverá muitos conflitos e as conseqüências poderão ser gravíssimas, dando margem à acusação, já feita anteriormente, de que, no Brasil, se pratica o genocídio indireto.

Se o STF cumprir sua função de guarda da Constituição, isso será evitado.

Antes de tudo, dispõe a Constituição, no artigo 20, inciso XI, que são bens da União "as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios". No artigo 231, são fixadas duas normas fundamentais relativamente a essas terras que são de propriedade da União.

O parágrafo primeiro do artigo 231 deixa claro o sentido dessa ocupação: "São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições". O parágrafo segundo dispõe: "As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes".

Como fica mais do que óbvio, a ocupação indígena não se limita aos agrupamentos das habitações em que dormem, mas abrange toda a área onde os índios obtêm o indispensável para sua sobrevivência digna, colhendo os frutos da natureza, plantando, criando gado ou pescando, dependendo das condições de cada região.

Além disso, é na área circundante às habitações que o índio identifica, colhe e utiliza plantas medicinais, bem como o material necessário à edificação das casas e à fabricação de roupas, utensílios, enfeites e objetos destinados aos seus rituais, como também suas armas. Ainda mais, é nesse espaço circundante que eles enterram os seus mortos, pelos quais têm grande respeito e veneração.

Por tudo isso, a demarcação das terras indígenas é, necessariamente, de áreas contínuas, em rigorosa obediência à norma constitucional que define como indígenas todas as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, não havendo um só caso de ocupação de "ilhas", deixando intervalos vagos, sem ocupação, entre um e outro espaço ocupado por aldeamentos.

Assim sendo, é absurda e inconstitucional a pretensão de anular a demarcação de áreas contínuas, abrindo espaço para que aventureiros sem escrúpulos, agredindo a Constituição, criem barreiras entre as aldeias da mesma etnia.

DALMO DE ABREU DALLARI, 76, advogado, é professor emérito da Faculdade de Direito da USP (Universidade de São Paulo). Foi secretário de Negócios Jurídicos do município de São Paulo (gestão Luiza Erundina).

O STF deve manter a demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol em área contínua?

___________________________


NÃO

A Constituição violada


DENIS LERRER ROSENFIELD

A CONSTITUIÇÃO não pode ficar à mercê de um Poder Executivo que, exorbitando de suas funções, se apropria de funções legislativas e mesmo jurídicas. O governo não legisla só por meio de medidas provisórias, mas o faz também por atos administrativos que incidem sobre a vida dos cidadãos e, mesmo, sobre princípios constitucionais.

Atos administrativos, tais como decretos presidenciais, ministeriais, portarias, resoluções e instruções normativas, só seguem aparentemente a Constituição, introduzindo uma série de atos que alteram seu espírito, se não a sua própria letra. O governo age por meio de uma legislação infralegal, de caráter administrativo, que altera o ordenamento constitucional.

A FUNAI, órgão do Ministério da Justiça, é uma das instâncias do Estado que estão exorbitando de suas funções, atribuindo-se papel legislativo, como se fossem espécie de instância máxima à qual os Poderes constituídos deveriam se curvar.

Em seus processos administrativos de identificação, delimitação e demarcação que desembocarão em decretos presidenciais de homologação de terras indígenas, a FUNAI se dá ao luxo de não observar o direito ao contraditório nas etapas iniciais, numa espécie de jogo de cartas marcadas.

As partes interessadas, salvo as escolhidas, não tiveram o direito de se manifestar. Índios que não concordavam com a demarcação não foram consultados. Produtores rurais tampouco o foram, como se o seu trabalho nada valesse. Entre os consultados, ressalte-se o Cimi (Conselho Indigenista Missionário) e entidades a ele vinculadas.

Considerando que, por razões históricas, a questão indígena goza de simpatia na sociedade, a FUNAI age como se os Estados fossem entes que poderiam ser tutelados. O mesmo se pode dizer de municípios que poderiam sumir do mapa, ao completo arrepio da Constituição, por meros atos administrativos. Ademais, para a FUNAI, o direito de propriedade não teria nenhuma valia, embora seja constitucionalmente garantido.

A demarcação da reserva Raposa/ Serra do Sol sofre de todos esses vícios, decorrentes da ação de um órgão estatal que, tomado pelo pecado da soberba, se coloca como se fosse um verdadeiro poder constituinte.

Vale a pena ler os objetivos do Cimi: "Para o Cimi, o objetivo geral que se desdobra e se operacionaliza em múltiplos objetivos específicos é a vida dos povos indígenas, prefigurado na proposta evangélica do Reino de Deus. Essa vida, sistemicamente ameaçada, põe o Cimi no centro de conflitos que moldaram a sua missão profética. Esse papel profético leva o Cimi não só a denunciar abusos do sistema capitalista em sua configuração neoliberal, mas o obriga a propor rupturas com esse sistema. O horizonte do Reino de Deus deslegitima parcerias com o sistema capitalista e estimula firmar alianças com os construtores de uma nova sociedade".

Ou seja, o discurso de ruptura com o capitalismo é norteador de suas ações, numa perspectiva que coloca o desrespeito ao direito de propriedade, ao Estado de Direito e ao pacto federativo como algo religiosamente justificado. O ordenamento constitucional seria mero detalhe a ser desconsiderado, já que o horizonte do "Reino de Deus" o deslegitima.

O próprio laudo antropológico ora defende a demarcação descontínua, ora a contínua, além de variar, no transcurso do processo, em relação à própria área a ser demarcada.

Em caso de todo o processo de demarcação da reserva indígena Raposa/Serra do Sol não ser considerado nulo pelos vícios administrativos dele decorrentes, a demarcação por ilhas seria ainda a melhor alternativa. Ela asseguraria a existência de municípios, uma franja altamente produtiva do Estado de Roraima, o direito de propriedade e a livre circulação de índios e não índios, numa região, aliás, de convívio até então harmônico entre diferentes raças e etnias.

A Constituição brasileira não pode ser controlada administrativamente por um órgão do Poder Executivo federal e tutelada por uma ala radical da Igreja Católica.

DENIS LERRER ROSENFIELD, 57, doutor pela Universidade de Paris 1, é professor titular de filosofia da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul) e editor da revista "Filosofia Política". É autor de "Política e Liberdade em Hegel" (Ática, 1995), entre outros livros.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br

Aumenta a tensão sobre Raposa Serra do Sol

A iminência da decisão do STF sobre a preservação ou mudança da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol está causando um verdadeiro reboliço em Boa Vista, capital de Roraima, e precisamente na região do Surumu, onde se concentram as forças favoráveis e antagônicas à esse caso.

A matéria abaixo do jornal Folha de Boa Vista chama a atenção para os diversos aspectos dessa tensão. Inclusive o fato de que o arguente em favor do estado de Roraima vai ser o ex-ministro do STF Francisco Rezsek, que também é o advogado dos fazendeiros do Mato Grosso do Sul.

Incrível que o jurista Francisco Rezsek esteja fazendo esse papel! Os antiindígenas brasileiros não poderiam ter escolhido pessoa mais competente para qualquer tarefa jurídica, inclusive esta.

Só Dalmo Dallari para se contrapor, que, aliás, ele se contrapôs muito bem no discurso acima publicado hoje na Folha de São Paulo.

_________________________________

CIR mobiliza mil índios no Surumu

Folha de Boa Vista, RR

O Conselho Indígena de Roraima (CIR) mobiliza no Surumu pelo menos mil índios para acompanhar o julgamento da legalidade da demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, na quarta-feira, 27. Um grupo menor, de 20 pessoas, vai assistir ao julgamento no próprio Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília.

A advogada do CIR, a índia wapixana Joênia Batista de Carvalho, faz parte do grupo, mas não pretende apenas ver a discussão dos ministros no plenário. Ela protocolou pedido para defender oralmente sua causa. Até ontem, a petição ainda não tinha sido apreciada pelo relator do caso, o ministro Carlos Ayres Britto, segundo as informações do andamento processual da ação, no site do STF.

Em entrevista ao jornal Folha de São Paulo, Joênia disse que pretende caracterizar como "racistas" as contestações ao modelo contínuo da demarcação da reserva, adotado por decreto presidencial. "Não há como entenderem que a terra indígena em área de fronteira representa uma

ameaça à segurança nacional, a não ser por um discurso racista. É como se os arrozeiros fossem mais brasileiros do que nós", afirmou.

O coordenador da entidade, Dionito José de Sousa, disse que está confiante que a mais alta Corte do país manterá os limites atuais da reserva, com seus 1,7 milhão de hectares no Norte de Roraima. Mas, caso a decisão seja pela revisão do processo, avisa que os índios vão ocupar todas as propriedades de não-índios da Raposa Serra do Sol.

"Nós somos os ocupantes originais e a Constituição Federal garante o nosso direito à terra", afirma. Para ele, uma posição dos ministros contrária a esse entendimento significaria claro desrespeito ao texto constitucional. "Os ministros estariam rasgando a Constituição", frisou.

A Sociedade de Defesa dos Índios Unidos de Roraima (Sodiurr), que defende a demarcação em ilhas, também mobiliza seu pessoal para aguardar a decisão no coração dos conflitos pela posse da terra indígena. O presidente da entidade, Silvio da Silva, não informou o número de indígenas que levará para o Surumu, mas adiantou que eles chegam no local na véspera do julgamento.

Ao contrário do CIR, ele diz que seu grupo está consciente de que a decisão do STF é soberana e deve ser acatada. "Vamos aceitar a decisão do Supremo, mas se for contrária ao que defendemos, vamos exigir a expulsão dos estrangeiros da reserva", afirma, referindo-se às Organizações Não-Governamentais que atuam no local.

Silvio da Silva alerta, porém, que os indígenas de seu grupo não aceitarão pacificamente qualquer provocação dos parentes rivais. "Se houver agressão, estamos preparados para reagir".

Quartiero vai acompanhar julgamento do STF na Subprefeitura de Surumu

Principal figura da resistência à demarcação contínua da terra indígena Raposa Serra do Sol, o prefeito de Pacaraima e maior produtor de arroz de Roraima, Paulo César Quartiero (DEM), vai acompanhar o julgamento do Supremo Tribunal Federal da Subprefeitura do Surumu, entrada principal para a Raposa Serra do Sol.

O prefeito vai descer a serra acompanhado de moradores de Pacaraima. No Surumu, pretende realizar um evento religioso, sem padres, "para pedir a Deus que olhe por nosso povo, nosso país e nossos ministros".

O culto será realizado sobre a ponte do rio Surumu, onde o prefeito fincou uma enorme bandeira do Brasil no início do mais recente conflito na região, em março deste ano, quando iniciou a Operação Upatakon 3, para desocupação da reserva.

Quartiero informou que a partir de segunda-feira fará visitas em todas as igrejas de seu município, pedindo que os fiéis incluam o julgamento em suas orações, "pois nossas vidas estão nas mãos do STF".

Ele disse que está apreensivo, mas confiante na Justiça e no "patriotismo dos ministros". Garantiu ainda que acatará a decisão do STF, seja ela qual for. "Somos legalistas, mas o município [de Pacaraima] vai ser extinto se os ministros decidirem manter a demarcação contínua".

Ex-ministro do STF fará defesa oral da demarcação em ilhas

O ex-ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Francisco Rezek é o advogado contratado pelo Estado de Roraima para fazer a defesa oral da demarcação em ilhas da reserva Raposa Serra do Sol.

A Procuradoria-Geral do Estado informa que pediu ao Supremo que a sustentação oral seja feita pelo ex-ministro, mas até ontem a petição ainda não havia sido despachada.

Além de Rezek, o julgamento será acompanhado pelo procurador-geral em Exercício, Edival Braga, e pelo procurador Regis Gurgel do Amaral Jereissati, que coordena o escritório do órgão em Brasília.

A assessoria do Palácio Senador Hélio Campos informou ontem que o governador Anchieta Júnior (PSDB) ainda não decidiu se vai a Brasília assistir ao julgamento ou se aguarda o resultado em Roraima.

RAPOSA SERRA DO SOL - Força Nacional já reforçou segurança

Preparando-se para possível conflito, a Força Nacional de Segurança (FNS) reforçou o efetivo que vinha mantendo na reserva Raposa Serra do Sol, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, no início de abril, a execução da Operação Upatakon.

Segundo o comandante do 2º Batalhão da FNS em Roraima, major Josias do Nascimento Seabra, o contingente atual é de 150 homens no Surumu e em Pacaraima, onde fica a principal base de apoio do grupo. Há ainda observadores monitorando a situação nas sedes dos municípios de Normandia e Uiramutã, também afetados pela demarcação da terra indígena. Além disso, revela que outros cem homens estão de prontidão em Brasília. "A tropa está mobilizada, treinada e com material individual pronto", disse.

Oficial da Polícia Militar de Brasília, o comandante afirmou que por enquanto não vê necessidade de deslocar o pelotão extra, apesar de todos os órgãos de segurança apostarem em conflito na região. "Acredito que as pessoas estão conscientes que a decisão do STF é final e por isso as manifestações não vão resultar em confronto armado".

Apesar disso, ressaltou que a FNS está preparada para a manutenção da ordem seja qual for o cenário. Para isso, a tropa usa dois tipos de armamento, letal e não-letal, para atuar desde manifestações pacíficas até em possível conflito armado.

A Polícia Federal também reforçou o efetivo na Raposa, mas não divulgou os números, por questões de segurança. O delegado executivo da Superintendência do órgão em Roraima, Ivan Herrero, disse apenas que na quarta-feira, dia do julgamento, vai formar um gabinete de gerenciamento de crises.

O gabinete terá a participação dos órgãos federais envolvidos na questão, como a FUNAI (FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO), Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) e o Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).

PM deixa tropa de prontidão temendo violência na Capital

Todo o efetivo da Polícia Militar, com cerca de 1.472 homens, está de prontidão e será empregado no plano de contingência preparado pelo governo para conter possível conflito em Boa Vista, a partir de quarta-feira, quando começa o julgamento da legalidade da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol.

O comandante da PM, coronel Márcio Santiago, informou que se for necessário, vai tirar até mesmo o pessoal do serviço administrativo para colocar nas ruas. Só ficarão de fora os policiais que estão de férias ou de licença médica.

A preocupação maior é com Boa Vista. Os órgãos de segurança temem reações violentas na Capital, já que a decisão do Supremo provocará descontentamento, seja ela qual for.

"As nossas expectativas não apontam para nenhum ato violento, mas em toda decisão é natural que a outra parte, que se sente prejudicada, reaja. Esperamos que isso não aconteça, mas se for necessário estamos de prontidão para agir e manter a integridade física da população", comenta.

Relator da ONU visita governador

O relator especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para os Direitos e Liberdade dos Povos Indígenas, James Anaya, se reuniu às 8h de ontem, no Palácio do Governo, com o governador Anchieta Júnior (PSDB) para discutir assuntos referentes ao tratamento dado aos direitos indígenas pelo Brasil e demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol.

Uma das preocupações demonstradas pelo governo é em relação à possível interferência do relator na decisão do julgamento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a legalidade da demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, na próxima quarta.

Entretanto, Anaya reafirmou que respeita a justiça brasileira e a interferência dele seria errada. Quanto ao relatório, o representante da ONU disse que pretende elaborá-lo de maneira mais imparcial possível, retratando como o Brasil e, conseqüentemente, Roraima trata da proteção dos direitos indígenas.

Questionado quanto às visitas realizadas apenas a movimentos indígenas favoráveis à demarcação em forma contínua, o relator disse que não foi informado sobre as lideranças contrárias. "Visitei apenas o CIR porque não sabia [da existência de grupos contrários à demarcação contínua]", disse.

Anchieta Júnior se mostrou otimista em relação à anulação da demarcação e disse também que não será apenas uma decisão favorável a Roraima, mas ao Brasil. Reafirmou que, seja qual for o veredicto do STF, irá acatá-lo e espera que as comunidades indígenas também pensem desta forma para garantir a paz no Estado.

Segundo ele, houve uma reunião, na quinta-feira, entre Secretaria de Segurança, Exército Brasileiro, Polícia Federal (PF), dentre outros, para decidir quais medidas serão tomadas para assegurar que conflitos não aconteçam em conseqüência da inconformidade de uma das partes após a decisão judicial.

Por último, Anaya defendeu a resolução da ONU que defende a autodeterminação dos povos indígenas, assinada por quase todos os países do mundo, inclusive pelo Brasil. "É a garantia de um direito que os povos indígenas reclamam de tomar decisões para seu povo e se torna uma maneira de fortalecer o Estado, incluindo os indígenas com base na igualdade, na democracia e no respeito aos direitos humanos", disse.

Equipe da TV Al-Jazeera está em Roraima

Uma equipe da rede de notícias do Oriente Médio, Al-Jazeera, foi recebida no Palácio Senador Hélio Campos pelo governador José de Anchieta Júnior, na manhã de sexta-feira, 22. Os correspondentes Gabriel Elizondo e Maria Helena Romero vieram a Roraima para produzir matérias sobre a questão Raposa Serra do Sol, no momento em que se aproxima o julgamento no Supremo Tribunal Federal.

O governador Anchieta Júnior explicou os pontos defendidos pelo Estado, deixando claro que o posicionamento sempre foi a busca de uma solução pacífica para o tema e que agora, no momento em que se resolverá a questão, a administração estadual está pronta para acatar o que for decidido.

O jornalista americano Gabriel Elizondo explicou que, em Roraima, a reportagem tentará ouvir as partes envolvidas na temática, devendo estar na região do conflito ainda na tarde de sexta-feira.

"Nós temos que estar com essa matéria vinculada até o início da próxima semana, vésperas do julgamento final. Precisamos correr contra o tempo para coletar o máximo de informações dos índios, produtores de alimentos da região, governos, sociedade civil e demais partes envolvidas", disse.

De Roraima a equipe segue para Brasília nesta segunda-feira para acompanhar de perto o julgamento no STF. Para finalizar, os correspondentes informaram que a matéria estará disponível no site www.youtube.com/aljazeeraenglish na próxima terça-feira.

A emissora Al-Jazeera é a primeira estação de TV de língua inglesa transmitindo notícias e assuntos internacionais sediada no Oriente Médio, com uma audiência estimada de mais de 120 milhões de pessoas pelo mundo, também transmitindo seu sinal através da internet, nos endereços eletrônicos www.aljazeera.net/english e www.youtube.com/aljazeeraenglish.

quinta-feira, 21 de agosto de 2008

STF vai julgar caso Caramuru-Paraguaçu dos índios Pataxó

É com o coração na mão que comento a notícia abaixo, postada no Estado de São Paulo, de que o STF vai finalmente se pronunciar sobre a legitimidade ou não de fazendeiros que invadiram e tomaram a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, do povo indígena Pataxó Hãhãhãe e descendentes de diversos outros como os Baenan, os Mongoió e os Kiriri-Supaya.

Essa terra foi demarcada em 1937 pelo estado da Bahia quando ainda era necessário a aceitação dos estados para a demarcação de terras indígenas, um pouco antes do decreto presidencial que transformou as terras indígenas em terras da União e sob a sua responsabilidade.

Os índios Pataxó, bem como os Baenan, Mongoió, Kiriri e outros viviam na região do rio Prado que estava sendo alvo de expansão da lavoura cacaueira. Vide os livros de Jorge Amado que tratam dessa região e da cultura violenta formada desde fins do século XIX.

Já sabedor das mortes que estavam ocorrendo na região o SPI contatou diversos grupos Pataxó e Baenan por volta de 1926 através de um eminente sertanista, Teófilo Cavalcanti, que devotou grande parte de sua vida a esses povos. Depois da Revolta dos Comunistas, em novembro de 1935, o governo começou a perseguir tanto os comunistas quanto seus simpatizantes e outros que nem simpatizantes eram mas que, de algum modo, faziam coisas que iam contra os desígnios das elites locais.

Foi o que aconteceu nesse caso. Em 1937, uma tropa militar do governo da Bahia foi enviada contra os Pataxó agrupados numa aldeia cuja terra indígena estava em processo de reconhecimento e demarcação. O ataque militar provocou a morte de muitos índios e a fuga dos demais, à frente deles o sertanista do SPI. Os Pataxó e demais índios se esparramaram pelo Brasil, alguns foram bater no Paraná. Os que ficaram sobreviveram anos a fio como agregados dos fazendeiros que rapidamente se apossaram daquelas terras, cerca de 54.000 hectares.

Até que, a partir da lei do Estatuto do Índio (promulgada em 1973) e da renovação do indigenismo da Funai, com a entrada de jovens indigenistas, os descendentes dos Pataxó passaram a frequentar a Funai, em Brasília, e apelar por ajuda para seu retorno à terra natal. Aos poucos grupos de diversas partes do país foram retornando. A retomada da primeira aldeia, onde era exatamente o Posto Indígena Caramuru, foi feita por volta de 1978 (que me corrijam os especialistas no caso). Foi uma retomada gloriosa da aliança entre os índios e o indigenismo brasileiro. Porfírio Carvalho, Odenir Oliveira e outros foram de extrema importância nessa retomada.

Em 1982 a Funai entrou com uma ação requisitando a anulação dos títulos dos fazendeiros invasores. A ação foi bater no STF no mesmo ano. Desde então, essa ação vem sendo passada de mão em mão por diversos ministros do STF sem que nenhuma deles tenha tomado maior providência do que pedir novos dados, novos argumentos, mandar a Funai contratar e pagar peritos agrônomos a custos altíssimos, conforme eu mesmo como presidente da Funai tive que pagar uma segunda prestação de um serviço em 2003.

Quantas vezes os índios Pataxó Hãhãhãe já não foram ao STF, por si mesmos, com a ajuda de políticos de todas as legendas e nada! Eu conversei por diversas vezes com os dois ministros que tiveram essa ação em suas mãos durante minha presidência, o próprio Nelson Jobim e o ministro Eros Grau.

Agora o ministro Eros Grau, cumprindo sua promessa feita a mim em janeiro de 2007, agenda para o dia 3 de setembro a leitura de seu voto no STF. Alguns dias depois da decisão que o mesmo STF fará sobre a manutenção da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

O que esperar do voto do ministro Eros Grau? Será que ele vai reconhecer os legítimos direitos dos Pataxó e o sofrimento que passaram? O que esperar do STF? Será que a decisão sobre Raposa Serra do Sol vai criar uma jurisprudência que atinja a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu?

O caso dos Pataxó Hãhãhãe é, na minha opinião, o mais dramaticamente injusto de todos os casos da recente história indígena brasileira. Os Pataxó e Baenan foram contatados em 1926, sofreram enormes perdas populacionais, viram seu território reduzido e, ainda por cima, onze anos depois, estavam expulsos das terra que lhes haviam sido consignadas.

O caso Pataxó precisa ser visto à luz da injustiça que lhes foi imposta e também desse sofrimento longo e persistente provocado pelo estado brasileiro, tanto o federal quanto o estadual.

______________________________

Ação que tramita há 26 anos pode ter definição

FUNAI contesta concessão de títulos de posse do governo da Bahia em áreas da reserva no Estado


O Estado de São Paulo, por Mariângela Gallucci

O Supremo Tribunal Federal (STF) anunciou que vai decidir na próxima semana o conflito em torno da demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. Segundo o presidente do STF, Gilmar Mendes, o julgamento servirá de exemplo para outras áreas indígenas do País. A votação poderá basear inclusive o julgamento de uma ação que tramita há quase 26 anos no Supremo sem solução.

Proposta pela FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI), a ação pede a anulação de títulos de posse concedidos pelo governo da Bahia em áreas da reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu, localizada no sul do Estado. O Ministério Público Federal deu um parecer favorável à ação.

De acordo com informações do Ministério Público, a área tem 54 mil hectares delimitados e demarcados como de uso exclusivo dos índios pataxós hã-hã-hãe. A demarcação foi feita com base em uma lei estadual de 1926, mas, de acordo com o Ministério Público, a área foi gradativamente ocupada e arrendada a fazendeiros.

O Ministério Público sustenta que a disputa em torno da propriedade tem provocado conflitos na região, com mortos, feridos e desaparecidos.

Nos últimos anos, líderes dos índios estiveram em Brasília para pedir uma solução para o caso. Uma dessas comitivas veio à capital federal em abril de 1997. Nela estava o índio pataxó Galdino Jesus dos Santos. Na ocasião, ele foi incendiado por jovens de classe média e morreu. O fato teve repercussão nacional e internacional e os jovens foram condenados pelo Tribunal do Júri de Brasília.

Em abril deste ano, o atual relator da ação sobre a reserva indígena na Bahia, ministro Eros Grau, pediu que o processo fosse incluído na pauta de julgamentos do plenário do Supremo. A ação entrou na pauta dos temas relacionados à ordem social. A previsão é de que o julgamento ocorra no dia 3 de setembro.

"As provas decorrentes dos estudos etno-históricos desenvolvidos pela FUNAI e por perícias judiciais convergem para comprovação da ocupação tradicional dos índios pataxó hã-hã-hãe e sua expulsão de parte de seu território, nos municípios de Itajú do Colônia, Camacan e Pau Brasil, no Estado da Bahia", sustentou o Ministério Público no parecer enviado ao STF. "Concluiu-se que a presença dos índios na região é tradicional, tendo sido registrada nos primeiros documentos históricos sobre a ocupação indígena do nordeste brasileiro e permanecendo os índios na região e vinculados a todo seu território tradicional", concluiu.

O julgamento da ação sobre a reserva indígena Caramuru-Catarina Paraguaçu deverá ocorrer uma semana após o STF definir a demarcação da Raposa Serra do Sol. Os ministros do Supremo estão empenhadíssimos em solucionar o conflito de Roraima. Em maio, Mendes viajou para o Estado com os ministros Ayres Britto e Cármen Lúcia para conhecer a área. Os três ministros realizaram um sobrevôo para avaliar a situação do local.

Questão indígena leva ministro a se posicionar contra CIMI

A questão indígena brasileira está potencialmente tão explosiva, com a ligação do caso Raposa Serra do Sol com o caso Mato Grosso do Sul, que até ministros e reitores estão tentando botar panos quentes.

Em duas matérias abaixo, respectivamente, o ministro Paulo Vanucchi, da secretaria de Direitos Humanos, e o reitor da Universidade Católica Dom Bosco, de Campo Grande, fazem coro ao sentimento de que a coisa está muito difícil e precisa ser aconchambrada.

Alguns dias atrás o ministro Vannucchi foi a Cuiabá e lá disse que era preciso encontrar "um caminho do meio" entre os interesses indígenas e os interesses dos fazendeiros. Algo inesperado para um ministro tão ligado ao CIMI e ás Ongs neoliberais indigenistas. Hoje, ao falar sobre o caso Raposa Serra do Sol o ministro termina fazendo uma crítica magoada ao órgão indigenista católico de que este não vem dando o devido valor ao governo Lula na homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol e na sua dedicação à questão indígena. E o diz com propriedade. As queixas e resmungos do CIMI, sua ação de criticar o governo e levar os índios Makuxi a fazerem reclamações internacionais só provocaram mais razões para os políticos e a sociedade brasileira se sentirem lesados pelos índios. Esta é a grande contradição que essas Ongs criam na atualidade. Todos os seus atos estão provocando um refluxo negativo para os povos indígenas.

A outra matéria trata de um posicionamento do reitor da UCDB contra os argumentos que levaram o antropólogo Antônio Brand, membro daquela universidade, a propor a criação de GTs da Funai para reconhecer como terras indígenas Guarani um conjunto de mais de 100 áreas que ele acredita que os Guarani consideram como sendo antigas áreas de convivência (tekohá). O reitor disse que só os depoimentos orais dos índios não constituem certificação factual para o reconhecimento de terras indígenas no Mato Grosso do Sul. Que será preciso uma conceituação histórica e científica.

Por que um reitor católico iria dar tal declaração? O que ele tem a ver com a questão indígena brasileira? Parece que a declaração do magnífico reitor foi feita para amainar as ações dos fazendeiros e políticos do Mato Grosso do Sul que estão declaradamente em pé de guerra contra a Funai e os índios. O reitor quer que a Igreja Católica não perca espaço na questão indígena, como parece que vem perdendo pelo seu lado radical.

Aliás, hoje de manhã, enquanto assistia o espetacular jogo da seleção brasileira feminina, ouvi e vi na TV Senado uma entrevista da senadora Marisa Serrano, do Mato Grosso do Sul. A senadora condenava veementemente as portarias da Funai, exagera desbragadamente que elas intencionavam surrupiar 3,5 milhões de hectares da melhor terra do MS, e basicamente declara guerra à Funai.

À Funai, coitadinha. Não àqueles que estão levando o órgão indigenista e questão indígena à perdição. Até falou que não havia motivos para os fazendeiros se armarem porque ela achava que essa guerra será vencida na justiça, com todos os meios que eles já arregimentaram para tanto. Inclusive a contratação do eminente jurista e ex-presidente do STF, Francisco Rezsek.

_____________________________

Agência Brasil

Como o senhor vê o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol?

Ministro Paulo de Tarso Vannuchi

"Raposa Serra do Sol é o mais importante dos procedimentos do governo Lula na temática indigenista. Há a resistência de um conjunto muito pequeno de produtores de arroz, liderados por um gaúcho que está lá há 20 anos, e que se insurgiu de armas na mão contra todas as regras do Estado democrático de direito. Explodiram bombas, fizeram assaltos à aldeia Surumu, agrediram, deixaram um carro bomba, que não explodiu, em frente à Polícia Federal durante a operação.

"A imprensa brasileira tratou isso como se fosse um legítimo recurso, um protesto. A ação da Polícia Federal foi interrompida por uma ação no Supremo. E, mesmo que a gente discorde da determinação do Supremo, vamos acatar. Nós argumentamos, trabalhamos, eu visitei ministros.

"Quando consultados sobre a visita do relator da ONU para questões indígenas [James Anaya] no período do julgamento, nós respondemos que o Brasil tem convite permanente para relatores, mas pedimos para que ele não viesse agora. Ele veio mesmo assim. Mas nós achamos que a presença do relator pode fazer o Supremo ficar tentado a demonstrar sua soberania e que não é por causa da presença de um relator que ele vai dar uma decisão favorável aos índios. Então, votos que estavam indecisos podem ser decididos sob essa influência, o que não é bom. Ele disse que se for o caso não vai comparecer ao julgamento.

"Quanto aos movimentos sociais, nesse caso, acho que eles acertam e erram. Condeno declaradamente o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) que tem uma posição estreita e sectária em relação ao presidente Lula. No episódio da decisão do Supremo [que suspendeu a operação da PF de retirada de não-índios do local] fizeram um editorial dizendo que a culpa era do Lula. A vontade de se opor partidariamente e politicamente suplantou o reconhecimento de que o presidente Lula determinou o cumprimento integral de uma bandeira [retirada dos arrozeiros] do Cimi, do Conselho Indigenista de Roraima (CIR). Mas nós não vamos criminalizar o Cimi, chamá-lo de ilegítimo. Apenas lamentamos."

::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::::

Reitor da UCDB reprova uso de relato verbal pela Funai

Midiamax, Adriany Vital

O reitor da UCDB (Universidade Católica Dom Bosco), padre José Marinoni, reprovou o uso de um relato histórico verbal como referência para propor a demarcação das terras indígenas em Mato Grosso do Sul.

No documento feito pelo historiador Antônio Jacó Brand, vem sendo usado pela Funai (Fundação Nacional do Índio) para propor ações de demarcações em 26 municípios do Estado.

Marinoni desqualificou o documento produzido pelo historiador afirmando que tal medida não pode ser baseada em um estudo sem fundamentação científica. “Utilizar-se de apenas esse estudo é preocupante, já que nesse assunto específico estão envolvidos diversos elementos e diversos fatores e a Fundação, ou outras instituições do Governo Federal, precisariam complementá-lo com outros componentes”, afirmou.

A declaração do reitor da UCDB foi feita durante reunião na Casa da Indústria convocada pela Fiems, Famasul e Assembléia Legislativa para tratar da fundamentação para demarcação de área em 26 municípios do Estado proposta pela Funai.

O historiador Antônio Jacó Brand, atualmente ocupa o cargo de professor-doutor na instituição de ensino comandada pela Missão Salesiana no Estado.

Conforme o reitor, a preocupação da instituição de ensino está no campo da cultura e não abordou demarcação de terras ou delimitação de espaços terrestres para essa ou aquela etnia indígena. “Esse é o pensamento oficial da UCDB. A nossa posição no trabalho com os indígenas, e isso vem há mais de 100 anos, tanto em Mato Grosso do Sul, quanto no Mato Grosso, é a preservação da cultura dos povos indígenas”, garantiu.
 
Share