segunda-feira, 25 de agosto de 2008

Relator da ONU vê conflito e diz que vai ser imparcial

Na manhã deste sábado, o Relator Especial da ONU para Direitos Indígenas, S. James Anaya, esteve reunido, a portas fechadas, com um grupo de mais de 300 índios Guarani e Kaiowá, em Dourados, Mato Grosso do Sul. Do lado de fora do prédio da Universidade Federal de Dourados, recém- construída, se concentrou um agrupamento de fazendeiros pressionando o Relator para deixá-los entrar e ouvi-los. O Relator Anaya passou o recado que os receberia à tarde, como aconteceu, na sede da prefeitura de Dourados.

Tudo isso se deu porque o Relator Anaya visitava a Terra Indígena Dourados, na cidade de Dourados, onde vivem mais de 12.000 índios numa área mínima de 3.500 hectares, pegada à própria cidade. Ele queria ver ao vivo a situação dos índios Guarani, conversar com eles e ter uma noção clara da situação indígena naquele estado da União.

As reclamações feitas pelos indígenas, assim como relatório que entregaram ao Relator, foram de diversas naturezas. Falaram sobre a discriminação que sofrem na cidade e no estado, onde são considerados mendigos e maloqueiros; sobre sua situação de saúde, inclusive mortes por suicídio e alcoolismo, sobre segurança, com a presença cada vez maior de pessoas entrando na terra indígena, traficantes de drogas, assaltos, brigas provocadas pelo uso do álcool; a falta de uma educação à altura de suas necessidades, enfim, a falta de perspectivas para suas vidas na atualidade.

Falaram, principalmente, sobre a exigüidade de suas terras, em proporção à sua população cada vez maior, e ao fato de que a promessa da Funai de demarcar até 3.500.000 hectares naquela região está encontrando imensas dificuldades por parte dos não-indígenas daquele estado.

A promessa feita pela Funai, pelo Ministério Público e pelas Ongs indigenistas está criando uma tensão imensa na região. A frustração indígena está aumentando na mesma proporção em que vêm os impedimentos para a realização desse intento. A presença dos fazendeiros fazendo pressão no lado de fora da reunião dos índios com o Relator é sinal ostensivo dessa tensão e do descabimento em que a situação interétnica chegou naquele estado.

O que poderá fazer o Relator Anaya? Terá alguma capacidade de influenciar a ONU para pressionar o Brasil para fazer algo diferente do que sua política indigenista pode proporcionar?

Acho que não. Acho que o Brasil não liga mais a mínima para pressão internacional, seja em questões sociais, questões econômicas ou questões políticas. Não estamos mais na décadas de 1980 e 1990, quando o Brasil se sentia inseguro em sua democracia claudicante e se mirava na Europa e nas opiniões estrangeiras para dizer-lhe o que pensar, o que fazer e como fazer. Eis o amadurecimento do país, para o nosso bem ou para o nosso mal.

O Relator Anaya tem sido muito cauteloso em suas falas. Sabe onde pisa e não precisa se exibir. Tem segurança de seu conhecimento jurídico e de suas convicções indigenistas. Fará o relatório que lhe convier. Tem dito que seu relatório foi pedido pela ONU e que será imparcial, tendo ouvido todas as partes concernentes.

Na quinta-feira e sexta-feira passadas, Anaya esteve em Boa Vista, Roraima, onde se reuniu e confraternizou com muitos indígenas Makuxi e Wapixana em Boa Vista e na região do Surumu. Disse a jornalistas que viera para escutar e para ser imparcial no relatório que fará dessa viagem. Porém os índios contrários à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol protestaram por ele não ter vindo falar com eles. Anaya se desculpou dizendo que não fora alertado, nem chamado.

O que podemos avalizar dessa vinda do Relator Anaya ao Brasil nesse momento? Para diversos membros do governo ele veio em má hora. O ministro Paulo Vannucchi, da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, disse que tentou passar o recado à ONU para que ele não viesse agora, inutilmente. Outros têm dito a mesma coisa. Porém, as Ongs acham que esse tipo de pressão é válida, nem tanto para assegurar uma mudança na visão do STF, quanto para afirmar o âmbito do apoio que a causa indígena tem no plano internacional. E é o que mais interessa a essas Ongs. Assim elas se sustentam com a ilusão de serem as legítimas defensoras dos povos indígenas no Brasil. E os estrangeiros as pagam deferência.

Para o Brasil, pouca diferença faz que venha mais um, menos um, relator da ONU sobre qualquer assunto nosso. O salto de auto-confiança dado pelo Brasil nos últimos anos foi muito grande. A Anistia Internacional, por exemplo, que comandava a atenção de todo mundo há uns cinco anos atrás, hoje atinge apenas as Ongs que fazem os estudos de avaliação e denúncia para ela.

A questão indígena brasileira é uma questão nacional, do Brasil. Ela será trabalhada entre nós, com nossas forças e nossas inteligências. Pressão exterior não funciona mais.

Os dados estão lançados. Temos mais dois dias para esperar o voto do ministro Ayres Britto, sobre Raposa Serra do Sol. Esse voto e a decisão que o STF tomará -- se é que vai tomar com tanta clareza, ou deixar a coisa no ar -- poderá mudar muita coisa na questão indígena brasileira.

A radicalização feita nos últimos meses pela influência das Ongs indigenistas levaram a essa situação de tensão e a essa expectativa de mudanças no panorama indigenista brasileiro. Imaginem que essas mesmas Ongs estão pressionando um segmento do movimento indígena, comandado pela Coiab, para querer mudar o Estatuto do Índio no Congresso Nacional! Como se o Congresso estivesse de coração aberto para os índios nesse momento! É o desvario irresponsável elevado à potência máxima de destruição da causa indígena no Brasil.


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Caciques da Etnia Guarani-Caiová fazem denúncia à ONU

Agência Estado

Um grupo de 300 caciques com cocares e caras pintadas, líderes de quase 50 mil índios da etnia guarani-caiová, reivindicaram hoje a intervenção da ONU (Organização das Nações Unidas) nas questões indígenas de Mato Grosso do Sul. Eles entregaram uma carta ao índio norte-americano e relator especial da organização internacional, James Anaya, que iniciou neste sábado uma série de visitas às aldeias da região sul do estado.

O documento foi entregue pelo cacique da Aldeia Jaguapiru, situada na Reserva Indígena de Dourados, Getúlio de Oliveira, denunciando "a invasão silenciosa e crescente da reserva que possui 3.500 hectares de área divididos entre 13 mil caiovás". A falta de espaço, segundo Getúlio de Oliveira, está trazendo sérias conseqüências, devido a influência dos não índios sobre a tribo local, principalmente o alcoolismo.

"Tivemos neste ano, 60 assassinatos, 24 suicídios, e pelo menos 80 ocorrências policiais envolvendo diretamente indígenas. São estupros, assalto a mão armada, brigas e até tráfico de drogas. Não há política pública para dar jeito nessa situação de horror, tampouco força policial, porque a questão toda está presa ao disciplinamento na distribuição de terras para os índios e a demarcação de novas áreas no Estado", reclamou Oliveira.

Para o líder da aldeia Bororó, localizada também na reserva de Dourados, Eduardo Nunes, "terra de índios tem que ser somente de índios. Nossas aldeias estão sendo ocupadas por brancos, negros, paraguaios e até mestiços orientais". José Nunes, outro líder indígena, explicou que a apresentação dos problemas ao enviado da ONU ao Brasil "é para mostrar que estamos vivendo dias terríveis, e pedir a intervenção internacional para que a demarcação prometida pelo presidente Lula, realmente aconteça".

Anaya é índio do Arizona e foi nomeado relator especial da ONU para os Direitos Humanos e as Liberdades Fundamentais dos Povos Indígenas em março deste ano. Ele explicou para a platéia de caciques caiovás que veio conhecer de perto o trabalho da Funai, organizado para iniciar a demarcação de 3,5 milhões de hectares de terras indígenas em Mato Grosso do Sul, e ver a situação das aldeias Jaguapiru e Bororó, pessoalmente. Ele disse que até dezembro deste ano entregará um relatório sobre o que viu no Brasil para a presidência da ONU.

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