Começa hoje de manhã a sessão do STF que decidirá sobre a manutenção ou a anulação (parcial) da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Muita gente veio a Brasília para assistir a esse evento. Dele poderá depender a possibilidade de novas demarcações ou sua obstaculização.
Os participantes desse Blog, para minha honra, deram a sua opinião ao longo dos últimos três meses sobre esse assunto. Na Enquete ao lado, com a pergunta "O que fará o STF sobre a homologação da T.I. Raposa Serra do Sol?" as respostas demonstram quase um empate técnico entre as duas grandes opções; nas opções seguintes, que cada participante poderia votar, a votação foi menor. Eis o resultado:
102 pessoas votaram achando que a homologação vai ser mantida
119 pessoas votaram achando que o STF vai exigir nova demarcação (portanto anulando a homologação anterior)
57 pessoas votaram achando que o STF vai exigir a presença mais forte do Exército na área indígena
51 pessoas votaram achando que os arrozeiros vão ser retirados da Terra Indígena
48 pessoas votaram achando que o STF vai mandar fortalecer a Funai
A votação, sintomaticamente, reflete aquilo que os jornais estão dizendo hoje e que vêm dizendo há algum tempo. Isto é, que há uma tendência dos ministros do STF para apaziguar a disputa tirando um pouco de cada lado.
Provavelmente o STF decidirá hoje ou nos próximos dias (se houver pedido de vistas por parte de algum ministro) que a homologação poderá ser mantida em algumas condições.
Que condições é que não sabemos. Talvez a manutenção daqueles não indígenas que adquiriram terras e as usavam em algum tempo no passado. Para Nelson Jobim, ex-presidente do STF, esse tempo seria aquele que antecede a Constituição de 1934, quando pela primeira vez foi declarado reconhecimento da legitimidade dos índios sobre as terras que ocupam. Essa data seria um recorte com alguma significância, mas, de qualquer modo, arbitrária. Outros querem que seja a data da promulgação da Constituição de 1988, o que me parece irreal.
Seja qual for o recorte temporal, daí é que haverá conseqüências para a definição de terras indígenas em outras partes do Brasil. Por exemplo: se um povo indígena ou um aldeamento indígena tiver ocupado uma certa área durante um determinado período de tempo anterior ao recorte temporal arbitrado, e depois ter se retirado ou ter sido forçado a deixar essa área, ficará a questão de sua legitimidade ou não em ter essa área reconhecida retroativamente como sua terra. Todas as terras indígenas guarani disputadas na atualidade estarão em suspenso, dependendo desse recorte.
Outra questão a ser discutida é a da soberania e segurança nacionais em região de fronteira. Não sei precisar o quanto os ministros do STF estão cientes de que esta questão é falsa ou irreal ou exagerada. De todo modo, é a grande questão para os militares e para os nacionalistas mais ferrenhos. Vai de Aldo Rabelo, deputado do PC do B, até Rubens Barbosa, diplomata que cria os argumentos diplomáticos para o conservadorismo brasileiro. Recentemente esse diplomata escreveu no Estado de São Paulo alarmado com o fato do Brasil ter assinado a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas argumentando que isso poria em cheque a soberania nacional. Até, mais alarmista ainda, asseverou que essa Declaração havia sido sancionada pelo Congresso Nacional, confundindo com a Convenção 169 da OIT.
A questão federativa, isto é, a disputa entre Roraima e a União, onde o estado de Roraima alega estar em dificuldades de auto-sustentabilidade em virtude de ter tantas terras suas pertencentes à União, também será motivo de consideração pelos ministros do STF. Pelo menos esta é uma questão para Ayres Britto se pronunciar. Não sei o que ele dirá sobre isso. Parece muito primário o argumento, visto que é um estado do tamanho do estado de São Paulo e com uma população não maior do que 400.000 habitantes. Terra há à vontade para quem quiser dispor dela, mesmo que 46% seja reservada aos indígenas.
Enfim, a grande questão que paira sobre o indigenismo brasileiro é se a decisão a emergir do STF irá tornar um impedimento permanente para a ação da Funai em regularizar as terras indígenas que faltam ser regularizadas. Por exemplo, a grande terra indígena Caramuru-Paraguaçu, dos índios Pataxó, que será debatida no STF no próximo dia 3 de setembro.
O problema maior -- e este foi o grande provocador de toda essa celeuma -- é que as Ongs indigenistas e o CIMI nos últimos dois anos levaram a opinião pública a se posicionar contra os índios e questão indígena brasileira. Essas entidades fizeram tal campanha internacional e puseram tal pressão sobre a FUNAIi e o Ministério da Justiça que esses órgãos terminaram tomando atitudes muito estrepitosas e estrategicamente erradas, tais como publicar de uma só vez uma quantidade expressiva de portarias de demarcação de terras indígenas e criar grupos de trabalho visando o reconhecimento de terras indígenas em regiões conflituosas, como Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Nesses casos, praticamente inviabilizaram as chances de terras indígenas serem efetivamente demarcadas nos próximos anos, tal a resistência que advém de fazendeiros, pequenos agricultores e políticos, e provocaram frustrações imensas nas populações indígenas Guarani e Kaingang, frustrações que só tendem a piorar.
Com essas atitudes voluntaristas e irresponsáveis, o conflito de Roraima-Raposa Serra do Sol, que parecia já estar em processo de equacionamento desde 2005, foi intensificado pela decisão ilusória do Ministério da Justiça de tentar retirar à força os arrozeiros, quando uma estratégia mais lenta de desgaste de suas condições de produção e abertura de áreas alternativas poderia ter dado certo.
A questão indígena brasileira não é uma questão nem de direita nem de esquerda. As Ongs indigenistas vêm buscando fervorosamente politizar os povos indígenas através de seus jovens urbanos e transformar a luta indígena pela dignidade no Brasil num movimento semelhante ao MST. O alto ruído retórico das ações tem causado uma perplexidade muito grande na opinião pública brasileira. Os militares, os políticos, a imprensa refletem esse descontentamento e essa perplexidade.
A questão indígena brasileira está não na esquerda ou na direita e sim no cerne do sentimento da nacionalidade brasileira. Os índios são queridos e amados no Brasil pelo que eles representam como nosso passado e pelo que podem representar pelo nosso futuro. Eis onde está o âmago da questão indígena. Mexer com isso dá problemas.
A ingenuidade aparente, a dedicação sem conhecimento aprofundado da história à causa indígena e o interesse político desmesurado dos atores indigenistas -- Ongs, CIMI e vetores internacionais -- estão levando o STF à posição atual, que pode ser, tomar decisões que não estavam no script da tradição indigenista brasileira.
Não queremos que o STF tome decisões igualmente precipitadas e irresponsáveis, cujas conseqüências deletérias produzam efeitos negativos por muitos anos. Tomara que hoje o Brasil veja nossa Corte Suprema bem equilibrada esparramando uma luz de sabedoria sobre a questão indígena e a dignidade da nação.
quarta-feira, 27 de agosto de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário