quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O Brasil e a Amazônia

A Amazônia está virando a grande questão nacional. Depois de anos em que se discutia se ela era ou não "o pulmão da Terra", o refrigerado do planeta, já sabemos ao menos da sua importância como reguladora ou mediadora de diversos processos climáticos que fazem parte do nosso sistema metereológico.

Até pouco tempo sabíamos que a Amazônia era importante para o mundo, e o mundo cobrava e exigia de nós um comportamento adequado às suas expectativas. O mundo vinha tentando influenciar o Brasil a se comportar como eles gostariam que nós nos comportássemos.

Agora estamos entrando na era de sabermos que a Amazônia é importante para o Brasil não só como desafio econômico e instrumento de comportamento brasileiro para inglês ver, mas como desafio à nossa inteligência e nossa capacidade cultural para criar novas formas de convivência com a Amazônia.

Até uns 20 anos atrás pensava-se que a grande defensora da Amazônia contra os invasores que nela queriam se instalar era a própria Amazônia. Explico: os geógrafos e agrônomos diziam que a fertilidade do solo amazônico era muito fraca, apenas restrita à camada superior orgânica produzida pelo húmus das folhas caídas das árvores. Uma vez derrubada, no segundo ou terceiro plantio, após as chuvaradas que carregam esse camada sem sustentação, o solo se endurecia e sua fertilidade se reduzia a 20% do original. Assim, quem quisesse explorar a Amazônia tinha que ficar sempre à procura de novas matas. A produtividade era mínima e o retorno do capital investido ficava muito difícil. Sem obtenção de taxa de reinvestimento, sem produtividade, só os mais pobres e humildes aguentariam viver em condições econômico-sociais muito baixas.

Acontece que, recentemente, por métodos científico-tecnológicos, o capitalismo brasileiro conseguiu descobrir uma fórmula agronômica, se não auto-sustentável, pelo menos com mais retorno de capital. Assim, a Amazônia se está fazendo economicamente viável.

Aí é que o bicho pega. Os fazendeiros se alvoroçaram todo para ampliar suas fazendas, para obter mais terras para investir. As estradas foram se abrindo em lugares dantes intrafegáveis. A produção se organizou com a formação de cidades e infraestrutura razoável. Com muito risco e muita ousadia já se chegou a partes da Amazônia que não se imagina que fosse possível sem imensos investimentos públicos.

Já disse o ministro Mangabeira Unger que um dos pontos principais da questão amazônica é organizar a tenência da terra. Quem possui o quê e quanto se deve possuir? Outro ponto principal seria o zoneamento econômico-ecológico da Amazônia. Os fazendeiros estão animados com a fala do ministro porque acham que ele é seu aliado, especialmente em relação à briga com os ambientalistas, no caso, as Ongs e o Ministério do Meio Ambiente. Acham que a organização jurídica da terra vai lhes dar direitos de adquirir mais terras e assim virarem não somente milionários, mas legítimos membros da nova classe de senhores rurais, tal como no tempo dos senhores de engenho. Classe que eles pensam ser a nova classe dirigente do país.

A matéria abaixo, da jornalista Marta Salomon, da Folha de São Paulo, trata da questão do zoneamento econômico-ecológico da Amazônia. O Brasil precisa ter clareza sobre que terras podem ser utilizadas sustentavelmente para a agricultura e pecuária e que terras devem ser preservadas, que terras poderão ser usadas para manejo florestal, e que terras poderão ser exploradas para utilização de recursos florestais, como cipós, frutas, palmeiras, plantas medicinais, reflorestamento de planas exóticas, etc.

O importante é que o discurso sobre a Amazônia mudou desde a chegada do ministro Mangabeira Unger. Não é mais o discurso auto-punitivo dos ambientalistas que ecoavam preocupações européias, mas um discurso brasileiro de buscar alternativas possíveis para o Brasil e para os brasileiros que vivem na Amazônia, sejam os tradicionais habitantes indígenas, os caboclos formados no processo histórico de miscigenação cultural, sejam os imigrantes recentes, mais violentos e devastadores.

A chegada do ambientalista carioca Carlos Minc ao MMA está propiciando novas atitudes no governo brasileiro e na mentalidade ecológica. O ministro Minc quer ser pragmático sem abrir mão de seus princípios. Ele sabe que o governo não vai recuar em buscar utilizar do potencial dos rios amazônicos para fazer hidrelétricas. Ele sabe que estradas serão construídas, que indústrias serão instaladas. Assim, deixa de procrastinar decisões do Ibama para buscar compensações fortes proporcionais aos investimentos. Sabe que o deficit de pessoal para cuidar das áreas de reservas ambientais é imenso e só com capital humano e financeiro poderá fazer essas reservas funcionarem e não ficarem expostas a invasores. Negociar para o meio ambiente é o seu lema. Talvez venha a ser mais bem sucedido do que Marina Silva, que teve o mérito de estabelecer os princípios de uma ética ambientalista no governo.

O Brasil, já disse o maestro Antonio Carlos Jobim, não é para principiantes. Tudo aqui é complicado, seja por incompetência dos poderes existentes, seja por desleixo da própria população. Ao mesmo tempo, essa população é capaz de feitos hercúleos. A própria destruição de parte da Amazônia é isso. Sem reconhecer os defeitos dos brasileiros não podemos encontrar saídas para nossos atos de destruição. Ao reconhecê-los temos que trabalhar para encontrar alternativas que remediem os defeitos e criem qualidades novas para o desenvolvimento das pessoas e da nação.

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Zoneamento fecha fronteira agrícola na Amazônia Legal

MARTA SALOMON, Folha de S.Paulo, em Brasília

O mapa do zoneamento econômico-ecológico da Amazônia Legal, em elaboração no governo, reconhece que a quarta parte da região (26%) é ocupada por intensa atividade econômica e não terá mais de recompor 80% da floresta, como prevê o limite legal de desmatamento.

Essa área mede 1,3 milhão de quilômetros quadrados e equivale a mais de cinco vezes o tamanho do Estado de São Paulo.

Mas o mapa, ao qual a Folha teve acesso, indica mais: que o corte raso chegou ao limite e grandes extensões de terras terão de reordenar a produção, de forma a conter pressões por mais desmatamento. Não há estimativa segura, no entanto, do tamanho da floresta que terá de ser recuperada, o chamado "passivo ambiental".

"Independentemente de qualquer outra variável, chegamos ao limite da conversão da vegetação: a fronteira [agrícola] está esgotada", resume Roberto Vizentin, diretor de Zoneamento Territorial do Ministério do Meio Ambiente.

Coordenado pela pasta, o zoneamento envolve os governos dos nove Estados da Amazônia, além de 12 outros ministérios. O trabalho deve ser concluído em um ano e só poderá ser revisto dez anos depois.

Na semana passada, já foram encaminhados ao presidente Lula os resultados dos estudos de outro zoneamento, que tratará das áreas disponíveis ao cultivo de cana-de-açúcar para a produção de álcool. A expectativa é um freio na expansão da cana na Amazônia. Hoje, a região já responde por 6% da produção nacional de álcool.

Conflitos

O zoneamento econômico-ecológico expõe o atual estágio do conflito entre a ocupação e a preservação da Amazônia Legal. De acordo com projeções da CNA (Confederação Nacional da Agricultura), o agronegócio ficaria limitado a uma área entre 4% e 10% da Amazônia.

"Considerando que existam aproximadamente 70 milhões de hectares (700 mil quilômetros quadrados) incorporados à atividade agropecuária, a situação ficaria deficitária no bioma Amazônia", calcula Rodrigo Justus, assessor da CNA.

"Tem muito espaço ainda para a produção", rebate o ministro Carlos Minc (Meio Ambiente), que defende a recuperação de áreas degradadas pela pecuária e o aumento dos índices de produtividade da região.

Minc também contesta a avaliação de que as áreas protegidas seriam espaços fechados à produção: "Teremos mais madeira certificada, mais ecoturismo, mais produção de borracha, castanha e guaraná; é falsa a idéia de que nada se faz nas unidades de conservação".

Segundo os dados do Meio Ambiente, as áreas protegidas (unidades de conservação, terras indígenas e de uso militar) ocupam 40% da Amazônia Legal e deverão crescer mais: cerca de 9%. Nessas áreas, é teoricamente proibido desmatar.

A extensão das áreas protegidas é motivo de divergência até dentro do governo, assim como os atuais limites de desmatamento. O ministro Mangabeira Unger (Assuntos Estratégicos), coordenador do Plano Amazônia Sustentável, vê exagero em um cálculo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, vinculada ao Ministério da Agricultura) segundo o qual menos de 13% das terras da Amazônia Legal ou menos de 7% da floresta estariam legalmente disponíveis para o agronegócio.

"Mesmo descontando o exagero deles, o Brasil não estaria apenas no topo do ranking das exigências e das proibições. Haveria um ranking, depois um grande intervalo, e o Brasil estaria no espaço sideral", criticou o ministro, que defende o debate sobre o limite de desmatamento na Amazônia e a extensão das áreas protegidas. Se o zoneamento não enfrentar essas questões, sustenta, pode se transformar em "ficção cartográfica", disse.

Por ora, somente dois Estados da Amazônia Legal --Rondônia e Acre-- têm aprovados seus zoneamentos. Em Rondônia, o território classificado como Zona 1, onde a atividade econômica mais intensa autoriza reduzir de 80% para 50% a área de floresta a ser recomposta, supera a metade da área do Estado (50,68%).

Como o desmatamento alcançou 62% da Zona 1 em Rondônia, os proprietários de terra dessa área se comprometeram a recuperar o equivalente a 12%, sob risco de perderem acesso ao crédito. "Não existe mais condição de desflorestar nada aqui", afirma o secretário de Meio Ambiente do Estado, Cleto Brito.

Nas projeções do governo, o tamanho proporcional da Zona 1 em Rondônia será recorde na região, à frente do Maranhão (42%), Tocantins e Mato Grosso (39%), Estados que têm parte de seu território no cerrado.

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