Qual é a sua opinião sobre a atuação da Funai hoje?
No começo era uma coisa horrorosa. Quem viveu naquela época lembra. O Eduardo Galvão, colega do Darcy, fez uma carta para o presidente da Funai na época porque o governo estava fazendo a Transamazônica e ia passar por cima do que houvesse, de índio, de tudo. E o Galvão dizia pra ele: “mas senhor presidente, existem inúmeros grupos indígenas que vão ser afetados, a Funai não vai tomar providência nenhuma?”. E o presidente respondia: “senhor coordenador, o que a Funai faz é constatar o fato de que vão fazer a Transamazônica e os índios que estiverem no percurso vão pagar o preço. Mas não vou impedir essa obra”. O Galvão se afastou da coordenação. Era horrível. Os caras eram totalmente contra índio. Todos com essa idéia de que os milicos estavam aí para consertar o Brasil e que índio era um “aspecto negativo” da realidade nacional.
Então, não existia política indigenísta?
Não, tinha política antiíndio. A coronelada toda era um horror. Apesar disso, algumas pessoas sobreviveram e conseguiram fazer muita coisa contra os milicos no poder, contra a política. São pessoas admiráveis e pagaram um preço danado.
Quando passou a existir uma política indigenista favorável?
Não levou muito tempo. Eu acho que os primeiros sintomas disso foram no fim dos anos 70. A coisa começou a abrandar e a ser mais favorável para o índio. Nós sobrevivemos a isso tudo. Eu nunca tive muito tempo formalmente na Funai, eu prestava serviço, muito mal pago. Fui demitido várias vezes. Mas nunca tive a responsabilidade e o engajamento do Xará [Ezequias Paulo Heringer Filho, indigenísta que morreu em 1996], por exemplo, e de outros. Alguns morreram, outros decidiram trabalhar em outra coisa e outros continuam aí.
E em relação ao Conselho Indigenista?
O Conselho, na maior parte desses anos da ditadura, era antiindígena. Era um pessoal mais conservador possível. Cheios de preconceito contra índio, um horror! E os índios entraram pelo cano. Apesar disso, nesse período, os índios aumentaram muito em número e andaram razoavelmente contra a corrente. O governo fazia tudo para extingui-los de uma vez e eles aumentaram, o que forçou a Funai -- bem ou mal -- a agir.
Hoje você acha que o Conselho influencia numa política indigenista favorável?
Indiretamente, claro que sim. O Mércio é um antropólogo de sucesso, com uma tradição de identificação com a causa indígena. Envolveu-se pessoalmente com a demarcação de várias áreas dos índios com os quais trabalhou. Então, ele tinha uma experiência anterior muito grande. Era professor da universidade e conseguiu chegar à presidência da Funai. Hoje ele faz um grande trabalho e realmente acho que a Funai está passando por uma grande renovação. Apesar de todos os pesares, as terras indígenas representam, mais ou menos, 12% do território nacional. É surpreendente esse povo tão discriminado, tão humilhado conseguir essa quantidade de terra. A luta agora é transformar em posse efetiva, que, em muitos casos, continuam sendo invadidas. É uma briga feia. Ao mesmo tempo, existem órgãos que são hoje menos hostis à política da Funai. Têm também os funcionários que trabalham aqui, muitos deles são meramente burocratas, mas outros são dedicados e leais aos índios. Todas as agressões do passado teriam dado resultados mais negativos se não fosse o empenho de pessoas como o Xará. Eu acho que se for feito um balanço geral, a conclusão a que se vai chegar é de que pelo menos 30% dos funcionários da Funai são ativos e leais aos índios, o que é surpreendente. Os índios são um produto desse grupo relativamente pequeno, mas muito eficiente, como Orlando Villas Bôas. Não era fácil trabalhar e ainda tem muita coisa a ser feita. Não adianta dizer que “pronto, acabou, já homologamos a Raposa Serra do Sol”. Agora mesmo queimaram as pontes de lá. Não é brincadeira.
Tem alguma coisa que você quer registrar?
Eu acho que por mais que a gente possa valorizar o sacrifício dos funcionários da Funai, o sacrifício pago pelos índios é sempre muito maior. É dramático. Povos inteiros desapareceram, enquanto outros cresceram e se multiplicaram. A longo termo, o resultado, apesar de todo drama, é positivo. Mas são populações que sofreram toda sorte de violência e continuam a pagar o preço da degradação, da miséria, da marginalidade. Algumas populações mais bem sucedidas, como os Guajajara, são um dos exemplos da degradação em que os povos indígenas estão metidos. Eles se transformam, cada vez mais, em um misto de índios com bandoleiros, fazem grupos de bandidos, com toda parafernália de bang bang, assaltam caminhões, ônibus, o diabo-a-quatro. É uma guerra.
sexta-feira, 6 de abril de 2007
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