No final de 2003, passados três meses de minha administração na Funai, escrevi esse artigo como resposta a críticas que surgiam desde o dia em que pus pé na Funai. As críticas continuaram, independente do que se fez ou deixou de fazer... Neles também analiso os problemas e carências da Funai, inclusive a necessidade de um Plano de Carreira e concurso público. Passados três anos e meio, é hora de conseguirmos essas necessidades. O artigo está dividido em duas partes nesse Blog.
O governo Lula, a Funai e os povos indígenas
Publicado no Jornal Brasil de Fato, semanal, na edição de 4 a 8 de janeiro de 2004.
O ano de 2003 começou de forma diferente para os brasileiros. A esperança dominou as multidões que aguardavam, ansiosas, transformações há longo tempo prometidas e muito pouco realizadas. Com os povos indígenas não foi diferente.
Desde os primeiros dias do novo governo, representantes de diversos povos indígenas acorreram ao Palácio do Planalto para prestar suas homenagens ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dele ouvir uma palavra de ânimo e afirmação de sua determinação pela mudança. Essa esperança deu o tom à visão e às expectativas dos povos indígenas em relação ao seu futuro, bem quanto ao seu relacionamento com as diversas instâncias do Estado brasileiro e instituições não governamentais que trabalham em prol dos povos indígenas.
Ocorre que a herança recebida pelo presidente Lula - incluindo toda sorte de passivos sociais, culturais e econômicos - fez com que o governo realizasse uma série de intervenções administrativas de grande profundidade no Estado brasileiro. Todos sabemos o quanto a chamada máquina administrativa e os recursos para investimento social foram “enxugados” por medida de contenção de despesas. Muita gente ficou aborrecida com as medidas e externou suas reclamações sem pudor. O governo sabia o que estava fazendo porque era o que precisava ser feito. Sua fidelidade ao povo brasileiro não diminuiu, e os resultados só nesse final de ano é que começaram a aparecer. Os apressados estão começando a entender de novo.
Problemas na Funai
A Fundação Nacional do Índio (Funai), principal órgão de atuação da política indigenista do Estado, sofreu muitíssimo com as medidas administrativas inicialmente tomadas. Herdeira de um orçamento já bastante pequeno, com um quadro de pessoal que só decresce há mais de 16 anos, e com uma quantidade cada vez maior de problemas para resolver, a Funai sofreu com a saída, por aposentadoria, de muitos de seus quadros, com a diminuição de mais de 70 funções gratificadas e com o apostilamento para baixo de mais de três centenas de funções gratificadas, especificamente aquelas que servem de suporte financeiro e administrativo para os cargos de chefia de postos indígenas, justamente a atividade-fim mais importante do órgão.
A primeira equipe indicada para comandar o órgão sentiu as conseqüências dessas mudanças e teve muitas dificuldades para exercer seu papel. As expectativas frustradas levaram a um desassossego e a desencontros permanentes entre diversas representações indígenas e a direção do órgão, resultando no afastamento e demissão de seu presidente. Por um breve tempo o governo procurou encontrar uma saída diferente para a realização de uma política indigenista. Com isso, diversos ministérios passaram a exercer ações indigenistas mais abrangentes do que aquelas já consignadas. A partir de setembro, uma nova direção, nomeada pelo presidente da República, com a coadjuvação de indigenistas experientes, passou a dirigir a Funai e dar a ela um rumo mais equilibrado.
Nesse meio tempo, diversas organizações não governamentais vinham observando os acontecimentos e pouco caso faziam para entender o que o governo estava pretendendo. Passaram a fazer críticas acerbas, como se o presidente Lula estivesse deixando de lado seus compromissos históricos em prol dos índios, exigindo medidas drásticas que nunca haviam exigido antes em outros governos.
Exigências
Algumas delas passaram o ano dizendo que, por desleixo, a luta pela terra tinha se exacerbado e que 23 indígenas teriam tombado nas trincheiras dessas disputas. Nesse rol, que a bem da verdade não passa de cinco, contabilizaram todos os tipos de mortes, desde aquelas por atropelamento em estradas, as resultantes de brigas pessoais entre índios e não-índios e até as resultantes de brigas entre índios.
Por sua vez, as organizações indígenas também se apressaram a fazer críticas ao governo, exigindo não as apurações de mortes que eles sabem não serem resultado em sua grande maioria de disputas por terras, mas maior participação nos quadros dirigentes da Funai. Com efeito, a Funai tem cerca de 700 funcionários indígenas, entre eles muitos com cargos de função administrativa superior, dirigindo postos indígenas, administrações e coordenações.
O quadro atual da entidade é de tão somente 2.177 funcionários. Há 20 anos, quando eram menos de 200 mil índios e menos de 500 territórios reconhecidos, a Funai tinha 5.600 funcionários. Hoje, esse quadro, diminuído em quase dois terços, continua firme no trabalho de apoiar e assistir a mais de 410 mil índios, divididos entre 220 povos, lutando pela demarcação e preservação de 620 terras indígenas, que compreendem cerca de 12,5% do território brasileiro. Não é tarefa simples; ao contrário, exige muito discernimento político e administrativo, bem como dedicação e abnegação por parte dos servidores e daqueles que são convidados a colaborar.
sexta-feira, 6 de abril de 2007
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