domingo, 21 de setembro de 2008

A busca da conciliação entre militares e civis no Brasil


Para aqueles que continuam a desconfiar do papel de Mangabeira Unger no Ministério de Assuntos Estratégicos, eis aqui sua entrevista sobre o Plano de Defesa Nacional, apresentado ao presidente Lula e que está em discussão entre os militares.

Duas grandes intenções presidem o propósito de Mangabeira ao escrever esse Plano. A primeira é contribuir para a reconciliação nacional entre civis e militares, abalada desde a ditadura militar de 1964-85 e ainda com seqüelas nas celeumas sobre os limites da anistia e a recuperação de corpos dos mortos.

Como fazer essa reconciliação através de um Plano de Defesa? Aparentemente pela integração entre civis e militares nesse Plano; a reconstrução de uma espécie de novo Projeto Rondon, que necessita a participação de jovens universitários; a participação de mulheres, pela primeira vez, formalmente, nos planos de defesa nacional; a continuidade do poder civil sobre o militar; determinação da continuidade pacifista brasileira.

A segunda intenção é contribuir para dar suporte ao papel preponderante das Forças Armadas na defesa do Brasil diante de inimigos intencionais, não por causa de um espírito beligerante do povo brasileiro. Ao contrário, uma das qualidades do Brasil, que o diferenciará de outras nações em sua ascensão no mundo contemporâneo, é o seu espírito pacifista, sua eterna busca de negociação e reconciliação entre as partes. Nos últimos 50 anos, desde a publicação do livro de José Honório Rodrigues, Revolução e Conciliação (talvez tenha me enganado do título neste momento), no qual o ilustre historiador desmente o papel de conciliação na história brasileira, considerando-a apenas um jogo da elite nacional, esse tema de conciliação tem sido desmerecido no Brasil. Mangabeira o repõe na pauta de auto-reconhecimento e identidade nacionais.

O presente Plano de Defesa se inspira nessa idéia de reconciliação. O Plano de Defesa, enfim, não é beligerante, apenas uma demonstração da capacidade potencial do Brasil de não se deixar intimidar pelos interesses internacionais providos de más intenções.

A proteção das fronteiras terrestres, marítimas e aéreas tem que caminhar ao lado da proteção de nossas fronteiras identitárias. Nesse sentido, cabe alertar que a presença de povos indígenas nas nossas fronteiras, conforme disse Mangabeira em entrevista recente em Manaus, não prejudicam nossa defesa e segurança nacionais, como sugerem alguns renitentes. Ao contrário, dão características específicas que enobrecem a identidade nacional pela integração identitária, sem perda de identidade própria, dos povos indígenas com a Nação brasileira como um todo.

Torço para que o papel de Mangabeira em seu trabalho com a Amazônia e a Defesa Nacional seja de ampliar a visão dos brasileiros, especialmente de nós nacionalistas amantes de nossa pátria, de que os índios são parte do Brasil e contribuem para seu engrandecimento de um modo especial. Eles tocam no âmago de nossa nacionalidade e de nossas raízes. São parte da nação e fazem parte essencial de nosso futuro como povo generoso e amplo, povo multitudinário, como dizia Darcy Ribeiro.

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Plano de Defesa pode dar fim a divergências entre civis e militares, diz Mangabeira Unger

Alex Rodrigues

Coordenador do comitê interministerial responsável pela elaboração do Plano Estratégico de Defesa Nacional entregue ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva no último dia 9, o ministro de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, acredita que a iniciativa, embora conduzida por civis, irá contribuir para a superação de eventuais divergências entre civis e militares.

Mangabeira afirma não haver, da parte do atual governo, qualquer atitude revanchista por conta da perseguição a oposicionistas da ditadura militar (1964-1985), mas reconheceu que o golpe que depôs o presidente João Goulart aprofundou o distanciamento entre a sociedade civil e os militares.

"Vivemos um período de antagonismos e de suspeitas entre civis e militares que foi agravado por toda a experiência do regime militar”, afirmou Mangabeira à Agência Brasil. “Acho que estamos superando isso e, a meu ver, essa é uma das conquistas menos visíveis da formulação do Plano de Defesa, selar a superação desse legado histórico”

Segundo o ministro, enquanto no resto do mundo os defensores de “projetos nacionais” são os mesmos grupos associados às pessoas que querem o fortalecimento da Defesa Nacional para que seus países tenham “uma margem de manobra que lhes permita construir seus próprios modelos e resistir às agressões e intimidações externas”, no Brasil aconteceu algo singular.

“Devido a toda a nossa história, houve uma divergência, agravada pelo regime militar, entre os que defendiam o projeto de desenvolvimento e os que reclamavam um projeto de fortalecimento de nossas Defesas”, disse Mangabeira. Ele explicou que, enquanto o desenvolvimentismo foi associado aos grupos de esquerda, a noção de Defesa foi associada aos militares que combatiam esses mesmos grupos.

Mangabeira lembrou que, embora não tenha sido a única causa, o afastamento entre militares e esquerdas ajuda a explicar “a marginalização da causa da Defesa” e o conseqüente sucateamento das Forças Armadas brasileiras.

“Claro que essa não é a única explicação. Entre todos os países grandes, o Brasil é o menos beligerante e o que menos contato teve com guerras. Não temos inimigos, não estamos ameaçados por qualquer um de nossos vizinhos e o pacifismo faz parte de nossa identidade nacional. Estamos predestinados a nos engrandecer sem imperar. Nada disso, no entanto, nos exime da responsabilidade de nos defendermos”.

Segundo Mangabeira, outra consequência desse antagonismo seria a existência de poucos especialistas civis aptos a discutir o tema e colaborar para a definição das estratégias adotadas pelo país. “Em todos os países grandes do mundo há uma burocracia civil especializada em questões militares. Nós não a temos. Por isso eu julgo importante que essa proposta entregue ao presidente tenha sido conduzida por civis, com a colaboração dos militares. Ao longo do último ano, eu ouvi de vários oficiais que eles jamais haviam discutido com civis as grandes questões militares ”.

Após receber a proposta do Plano de Defesa, Lula pediu ao ministro da Defesa, Nelson Jobim, que convocasse uma reunião do Conselho Nacional de Defesa para que se amplie o debate sobre o assunto. Jobim preside o comitê interministerial criado em setembro de 2007 para formular a estratégia nacional.

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