1. As "20" ressalvas que vieram de apêndice à votação do STF sobre Raposa Serra do Sol estão dando o que falar. A ficha ainda não caiu para a grande maioria dos índios, daí a paz que ainda está correndo nas terras indígenas e nas administrações da Funai. Mas já há deles que estão vendo as consequências futuras dessas ressalvas. E não estão gostando nem um pouco.
2. O grande cacique Raoni, do povo indígena Kayapó-Metuktire, já está esquentando suas baterias para vir fazer seu protesto formal ao rumo que a política indigenista brasileira tomou nos últimos meses. Escreveu cartas ao ministro da Justiça e ao próprio presidente da República pedindo providências com a Funai. Raoni quer o reconhecimento da Terra Indígena Kapot-Ninhoro, que protegeria uma extensão de 100 km do rio Xingu.
3. As Ongs neoliberais estão tentando se precaver da culpa que têm em levar o STF a tomar medidas tão drásticas com essas ressalvas. Fiaram-se num discurso legalista e judicialista da Constituição de 1988, desconsideram a dinâmica da história do movimento indigenista brasileiro, a contribuição fundamental do Estatuto do Índio para a demarcação de terras, o modo cauteloso de se demarcar terras indígenas -- e rugiram tanto que o rugido do STF lhes veio com força total contrária. As Ongs neoliberais agora alegam em seus documentos que não entendem o que está se passando e culpam os conservadores por essas ressalvas. Mas sabem perfeitamente que os votos favoráveis às ressalvas foram de 10 a 1 (exceção do ministro Joaquim Barbosa) e nisso incluem-se os ministros liberais e progressistas nomeados pelo presidente Lula. Inclusive o próprio autor do relatório, o ministro Carlos Ayres Britto, que ensejou a pior de todas as ressalvas, a "20ª" que trata de declarar que a data de reconhecimento de ocupação indígena de uma determinada terra é a data da promulgação da Constituição de 1988.
4. O movimento dos fazendeiros em Mato Grosso do Sul prossegue temerário em alta carga de vituperações contra a Funai e os índios. Já dá para se ver que há politicagem no meio. Isto é, a possibilidade de demarcação de terras indígenas, que eles sabem que caiu muito nos últimos dias, está servindo de pretexto e ensaio de políticos ou candidatos a políticos tentando achar espaços de liderança nesse meio tão poderoso no estado.
Já o governador André Puccinelli marca presença em todas as solenidades para reforçar sua retórica anti-Funai. Até prometeu terra aos Terena da Terra Indígena Cachoeirinha!
5. Os GTs de trabalho de identificação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul estão completamente paralisados. Só se sabe deles pela retórica agressiva da FAMASUL.
6. Os índios Pareci apelaram para o governador Blairo Maggi, do Mato Grosso, para os ajudar a conseguir do governo federal a manutenção do pedágio da estrada que atravessa a Terra Indígena Utiariti, e que está para ser asfaltada.
Apelar ao governador Maggi? E a Funai? O problema, no entanto, é que uma das ressalvas do STF trata exatamente da proibição dos índios de cobrarem pedágio ou quererem ir contra a construção de estradas atravessando suas terras. Estradas que forem estratégicas para o país, diga-se. Haja definir o que será estratégico para o país no reino dos fazendeiros!
7. Os deputados Alto Rebelo e Ibsen Pinheiro, respeitados deputados em todos os quesitos, iniciaram uma campanha em prol do ante-projeto de lei que propuseram para retirar do Executivo (leia-se Funai) e passar para o Legislativo a prerrogativa de reconhecer e demarcar terras indígenas.
Para que, deputados? As ressalvas 17, 19 e 20 já resolveram seus objetivos principais. Pelo que está acontecendo hoje, poucas terras indígenas serão demarcadas nos próximos anos. Aquilo que os senhores querem insistir, que é a proibição de demarcar terras indígenas em fronteiras, já não significa mais nada com a votação sobre Raposa Serra do Sol. As terras demarcadas em fronteira somam um terço das nossas fronterias, ou seja, 5.700 km de extensão para 17.000 km de fronteiras terrestres. A não ser que queiram criar uma tremenda insegurança jurídica sobre tudo que já foi feito no Brasil em matéria de reconhecimento de terras indígenas.
Melhor seria os senhores porem a mão na consciência e se voltarem para ajudar na reversão das ressalvas draconianas produzidas pelo STF!
segunda-feira, 30 de março de 2009
sexta-feira, 27 de março de 2009
O Fim do Politicamente Correto
Os economistas estão com tudo e não estão prosa. Estão feito baratas tontas fugindo de um spray venenoso, tentando entender a qualidade do spray, sua procedência e sua letalidade, e para onde elas, as baratas, e suas hordas de seguidores devem se refugiar. Para nós, leigos em economia, possuidores de mínimos estoques financeiros, mas não necessariamente vivendo da mão para a boca, mas que mal entendemos o que se dizia antes quando se falava em "alavancagem", "hipotecas subprime" e outros mistérios, o maremoto que ocorreu parece uma vingança divina à soberba dos grandes capitalistas e de seus mui bem pagos e mal-proféticos engabeladores. A desgraça, porém, é que as consequências reais começam a se manifestar, o desemprego bate à porta dos que trabalham nas indústrias de exportação e aos poucos vai minando os empregos da maioria que vive do setor de serviços.
A derrocada da economia americana, pela derrocada do motor propulsor dessa economia que foi o mercado de títulos imobiliários "alavancados" artificialmente, e a consequente falência dos bancos emprestadores tem alimentado os jornais e as revistas especializadas com todo tipo de análise sobre o porquê e o como da economia ter chegado ao ponto atual. Alguns desses economistas falam em nada menos que o fim do capitalismo, ao menos tal como se o entende até agora. Outros dizem que a retomada do capitalismo será feita em novas bases, com a presença mais direta do Estado em seu controle.
Se o que estamos vendo não é o fim do capitalismo, é ao menos o fim de uma etapa do capitalismo, aquilo que genericamente é chamado de "neoliberalismo".
O neoliberalismo econômico se caracterizou, em modesto resumo, por uma grande expansão da produtividade --devido ao surgimento de novas tecnologias (especialmente a informática e a robótica)--, uma extrema liberdade do mercado --por força de uma política de restrição da intervenção do Estado-- para ditar as regras do ganho, uma apoteótica exaltação do consumo --como retroalimentadora da produção--, e uma confiança desmesurada de que, deixando as coisas como estão e espalhando o sistema pelo mundo, tudo iria dar certo. De quebra, os países periféricos ao capitalismo deveriam adotar o modelo econômico dos países centrais e aí tudo iria dar no melhor dos mundos.
Parece que esse castelo de cartas que tanto brilhou por alguns 20 anos desmoronou quando o mercado de ações especificamente criado pelas hipotecas super-valorizadas alcançou seu limite subjetivo de aceitabilidade e confiança, a partir de onde não teve mais lastro para se retro-alimentar, e desminlinguiu. Os grandes bancos emprestadores de dinheiro lastreados nessas ações irreais foram se afundando rapidamente. Mesmo com a intervenção de inauditas somas de dinheiro, eles não se sustentaram. Sem ter dinheiro, sem confiança para rolar as dívidas dos outros, sem bases financeiras para manter o sistema de crédito do mundo, as grandes empresas devedoras também foram perdendo crédito e credibilidade. Também estão caindo, só se sustentando pela intervenção dos Estados. Em primeiro lugar, dos Estados Unidos, depois dos grandes países europeus e asiáticos, a China e o Japão.
De que vale hoje a China ter 2 trilhões de dólares guardados em sua caixinha de Pandora, se esse dinheiro não serve para circular no mercado de empréstimos e de rolagem de dívidas? Os chineses o estão guardando para comprar as coisas que ficarão baratas e solúveis pelos países afora, quando a economia mundial se equilibrar.
Bem, esse pequeno e claudicante resumo da derrocada do neoliberalismo econômico serve de base para analisarmos aquilo sobre o qual podemos falar com mais propriedade. Qual seja, a cultura.
O neoliberalismo econômico criou uma cultural neoliberal. Essa cultura se baseia em uma série de princípios que tomaram de conta e viraram moda intelectual nos últimos 30 anos. Falando do Brasil, desde o fim da ditadura militar, isto é, por volta de 1984.
A cultura neoliberal se caracteriza teologicamente por uma falta de fé no destino da humanidade; politicamente, por um falta de crença na utopia e contrariamente no compromisso por pequenas reformas; sociologicamente, pela valorização da individualidade, da competição, etc., em detrimento do sentido do coletivo e da cooperação; culturalmente, pela valorização da diferença extensiva em todos as escalas, isto é, pelo multiculturalismo; eticamente, ou etiquetamente, pelo "politicamente correto".
Todos esses aspectos precisam ser analisados para que possamos entender com mais segurança o quê é a cultural neoliberal. Afinal, temos falado muito nisso por esse Blog, especialmente sobre Ongs neoliberais. Elas vão precisar de mais esclarecimento mais adiante.
Entretanto, esta postagem serve apenas para falar um pouco do filme "GRAN TORINO", que acaba de entrar em circuito, o qual, no meu entender, representa a primeira tentativa de, em termos artísticos, sacolejar a força ética do neoliberalismo cultural, que é o tal de "politicamente correto".
O filme "GRAN TORINO" trata do final da vida de um velho americano conservador que é forçado a se relacionar com a minoria Hmong, um povo das montanhas do Laos e Vietnam que terminou se refugiando nos Estados Unidos ao fim da Guerra do Vietnã.
O velho conservador, representado pelo autor Clint Eastwood, é um polonês católico não praticamente que vê com maus olhos a chegada de novos vizinhos com cara de coreanos. Ele havia guerreado na Guerra da Coreia (1949-1953) e tinha mais motivos para odiar gente de olho puxado. Sua cidade, ou melhor, seu bairro é formado por gente branca, mas de diferentes procedências étnicas: italianos, irlandeses, poloneses, enfim, gente católica. O primeiro momento interessante é que essas etnias se tratam sem nenhum linguajar politicamente correto. As piadas de polaco burro, de italiano safado, de irlandês bêbado e estúpido correm soltas entre eles. É o mundo dos brancos grosseiros que não temem, acho que nem sabem, o que é politicamente correto. É evidente que este é o primeiro recado do filme. Viva a sinceridade e a sacanagem brincalhona.
Chegam os "gooks" e Clint Eastwood larga o verbo em cima deles. São uns merdas. Porém, passado alguns incidentes de bravura, fica amigo dos seus vizinhos porque protege um deles numa briga contra uma gangue de Hmong (vietnamita) que quer corromper seu jovem vizinho.
Durante todo o filme o linguajar politicamente incorreto corre solto. Agora são os Hmong que se acostumam com ele. A irmã do jovem protegido aceita tudo e até começa a fazer troça do próprio brancão polonês. É a nova inteligência do multiculturalismo.
O final não vou dizer para não estragar quem queira ver o filme. O que quero demonstrar é que o filme inaugura, pelo estilo heróico hollywoodiano, sem tirar nem pôr, o linguajar "politicamente incorreto". Ou, ao revés, o fim da aura do linguajar politicamente correto.
Agora vale de novo fazer piada de negro, italiano, japonês, chinês, irlandês, etc. Em breve virão filmes gozando viados e latinos.
Tudo vale. Mas por que isso tudo?
Acho que a mensagem do filme é que já chega de tratar as pessoas falsamente. Que as piadas étnicas não contêm só ódio e desfavor, e que evitá-las não trouxe grande avanços para a cultura americana. Que, se baixar a guarda e falar o que quiser, eventualmente, o nível de aceitação e confiança entre as pessoas de diferentes etnias pode vir a melhorar.
O multiculturalismo existe, ganhou seu espaço no mundo. Está certo. Os brancos de origem anglo-saxônica foram desafiados a obedecer o politicamente correto por remorso. Agora que todas, ou quase todas, as culturas e etnias já encontraram a fórmula antropológica de terem seu espaço no mundo americano mais amplo, pode-se relaxar, ser brincalhão, tirar sarro um do outro, que isso não vai desmerecer mais ninguém. Ao contrário, vai ajudar o mundo americano a ser mais real, mais sincero e mais amigável (friendly, pois não?)
Eis o que vi no filme "GRAN TORINO". Acho que representa o início do fim da ética balofa do politicamente correto.
Novamente, o heroi da mudança é o americano. É o novo tempo de Obama, o mestiço com nome de muçulmano que reivindica a sinceridade, o conhecimento e o amor como forma de união. E nós brasileiros estamos querendo imitar o que já foi.
A derrocada da economia americana, pela derrocada do motor propulsor dessa economia que foi o mercado de títulos imobiliários "alavancados" artificialmente, e a consequente falência dos bancos emprestadores tem alimentado os jornais e as revistas especializadas com todo tipo de análise sobre o porquê e o como da economia ter chegado ao ponto atual. Alguns desses economistas falam em nada menos que o fim do capitalismo, ao menos tal como se o entende até agora. Outros dizem que a retomada do capitalismo será feita em novas bases, com a presença mais direta do Estado em seu controle.
Se o que estamos vendo não é o fim do capitalismo, é ao menos o fim de uma etapa do capitalismo, aquilo que genericamente é chamado de "neoliberalismo".
O neoliberalismo econômico se caracterizou, em modesto resumo, por uma grande expansão da produtividade --devido ao surgimento de novas tecnologias (especialmente a informática e a robótica)--, uma extrema liberdade do mercado --por força de uma política de restrição da intervenção do Estado-- para ditar as regras do ganho, uma apoteótica exaltação do consumo --como retroalimentadora da produção--, e uma confiança desmesurada de que, deixando as coisas como estão e espalhando o sistema pelo mundo, tudo iria dar certo. De quebra, os países periféricos ao capitalismo deveriam adotar o modelo econômico dos países centrais e aí tudo iria dar no melhor dos mundos.
Parece que esse castelo de cartas que tanto brilhou por alguns 20 anos desmoronou quando o mercado de ações especificamente criado pelas hipotecas super-valorizadas alcançou seu limite subjetivo de aceitabilidade e confiança, a partir de onde não teve mais lastro para se retro-alimentar, e desminlinguiu. Os grandes bancos emprestadores de dinheiro lastreados nessas ações irreais foram se afundando rapidamente. Mesmo com a intervenção de inauditas somas de dinheiro, eles não se sustentaram. Sem ter dinheiro, sem confiança para rolar as dívidas dos outros, sem bases financeiras para manter o sistema de crédito do mundo, as grandes empresas devedoras também foram perdendo crédito e credibilidade. Também estão caindo, só se sustentando pela intervenção dos Estados. Em primeiro lugar, dos Estados Unidos, depois dos grandes países europeus e asiáticos, a China e o Japão.
De que vale hoje a China ter 2 trilhões de dólares guardados em sua caixinha de Pandora, se esse dinheiro não serve para circular no mercado de empréstimos e de rolagem de dívidas? Os chineses o estão guardando para comprar as coisas que ficarão baratas e solúveis pelos países afora, quando a economia mundial se equilibrar.
Bem, esse pequeno e claudicante resumo da derrocada do neoliberalismo econômico serve de base para analisarmos aquilo sobre o qual podemos falar com mais propriedade. Qual seja, a cultura.
O neoliberalismo econômico criou uma cultural neoliberal. Essa cultura se baseia em uma série de princípios que tomaram de conta e viraram moda intelectual nos últimos 30 anos. Falando do Brasil, desde o fim da ditadura militar, isto é, por volta de 1984.
A cultura neoliberal se caracteriza teologicamente por uma falta de fé no destino da humanidade; politicamente, por um falta de crença na utopia e contrariamente no compromisso por pequenas reformas; sociologicamente, pela valorização da individualidade, da competição, etc., em detrimento do sentido do coletivo e da cooperação; culturalmente, pela valorização da diferença extensiva em todos as escalas, isto é, pelo multiculturalismo; eticamente, ou etiquetamente, pelo "politicamente correto".
Todos esses aspectos precisam ser analisados para que possamos entender com mais segurança o quê é a cultural neoliberal. Afinal, temos falado muito nisso por esse Blog, especialmente sobre Ongs neoliberais. Elas vão precisar de mais esclarecimento mais adiante.
Entretanto, esta postagem serve apenas para falar um pouco do filme "GRAN TORINO", que acaba de entrar em circuito, o qual, no meu entender, representa a primeira tentativa de, em termos artísticos, sacolejar a força ética do neoliberalismo cultural, que é o tal de "politicamente correto".
O filme "GRAN TORINO" trata do final da vida de um velho americano conservador que é forçado a se relacionar com a minoria Hmong, um povo das montanhas do Laos e Vietnam que terminou se refugiando nos Estados Unidos ao fim da Guerra do Vietnã.
O velho conservador, representado pelo autor Clint Eastwood, é um polonês católico não praticamente que vê com maus olhos a chegada de novos vizinhos com cara de coreanos. Ele havia guerreado na Guerra da Coreia (1949-1953) e tinha mais motivos para odiar gente de olho puxado. Sua cidade, ou melhor, seu bairro é formado por gente branca, mas de diferentes procedências étnicas: italianos, irlandeses, poloneses, enfim, gente católica. O primeiro momento interessante é que essas etnias se tratam sem nenhum linguajar politicamente correto. As piadas de polaco burro, de italiano safado, de irlandês bêbado e estúpido correm soltas entre eles. É o mundo dos brancos grosseiros que não temem, acho que nem sabem, o que é politicamente correto. É evidente que este é o primeiro recado do filme. Viva a sinceridade e a sacanagem brincalhona.
Chegam os "gooks" e Clint Eastwood larga o verbo em cima deles. São uns merdas. Porém, passado alguns incidentes de bravura, fica amigo dos seus vizinhos porque protege um deles numa briga contra uma gangue de Hmong (vietnamita) que quer corromper seu jovem vizinho.
Durante todo o filme o linguajar politicamente incorreto corre solto. Agora são os Hmong que se acostumam com ele. A irmã do jovem protegido aceita tudo e até começa a fazer troça do próprio brancão polonês. É a nova inteligência do multiculturalismo.
O final não vou dizer para não estragar quem queira ver o filme. O que quero demonstrar é que o filme inaugura, pelo estilo heróico hollywoodiano, sem tirar nem pôr, o linguajar "politicamente incorreto". Ou, ao revés, o fim da aura do linguajar politicamente correto.
Agora vale de novo fazer piada de negro, italiano, japonês, chinês, irlandês, etc. Em breve virão filmes gozando viados e latinos.
Tudo vale. Mas por que isso tudo?
Acho que a mensagem do filme é que já chega de tratar as pessoas falsamente. Que as piadas étnicas não contêm só ódio e desfavor, e que evitá-las não trouxe grande avanços para a cultura americana. Que, se baixar a guarda e falar o que quiser, eventualmente, o nível de aceitação e confiança entre as pessoas de diferentes etnias pode vir a melhorar.
O multiculturalismo existe, ganhou seu espaço no mundo. Está certo. Os brancos de origem anglo-saxônica foram desafiados a obedecer o politicamente correto por remorso. Agora que todas, ou quase todas, as culturas e etnias já encontraram a fórmula antropológica de terem seu espaço no mundo americano mais amplo, pode-se relaxar, ser brincalhão, tirar sarro um do outro, que isso não vai desmerecer mais ninguém. Ao contrário, vai ajudar o mundo americano a ser mais real, mais sincero e mais amigável (friendly, pois não?)
Eis o que vi no filme "GRAN TORINO". Acho que representa o início do fim da ética balofa do politicamente correto.
Novamente, o heroi da mudança é o americano. É o novo tempo de Obama, o mestiço com nome de muçulmano que reivindica a sinceridade, o conhecimento e o amor como forma de união. E nós brasileiros estamos querendo imitar o que já foi.
quinta-feira, 26 de março de 2009
As ressalvas do desrespeito
As ressalvas do STF aqui analisadas neste Blog e numeradas como 17, 19 e 20, constituem a forca, a guilhotina, ou o garrote com o qual se decidiu dar cabo do processo de demarcação de terras indígenas e, ao mesmo tempo, fazer regredir a política e a tradição indigenista rondoniana para o século XIX.
As demais ressalvas contidas na decisão final do STF, ao término da votação sobre a legitimidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, constituem o cadafalso sobre o qual se instalou a mencionada forca, ou guilhotina, ou garrote.
São ressalvas que definem proibições e restrições do usufruto das riquezas da terra indígena por parte dos índios, determinando a presença inconsultável de forças policiais e militares, bem como do Instituto Chico Mendes.
Os índios não poderão, por exemplo, daqui por diante, fazer uma pequena faiscação de ouro ou alguma pedra preciosa (sem falar em diamantes, Deus me livre!) em suas terras, a não ser que tenha uma licença de garimpagem. Isso era permitido pelo Estatuto do Índio desde 1973. Não poderão mais entrar ou fazer uso (digamos caçar um tatu) em suas terras se elas também se constituírem parques ou reservas biológicas ou florestais, sem permissão explícita do Instituto Chico Mendes, nova instituição que se desmembrou do IBAMA. (Chico Mendes bem que estaria se remoendo em seu túmulo diante dessa norma restritiva imposta aos índios!)
Abrir uma rodovia atravessando uma terra indígena?? Moleza! Agora nem precisa comunicar aos índios, quando mais pedir-lhes permissão, ao menos aconxambrar as coisas! Haja estradas e rodovias a serem feitas pela Amazônia afora. Agora sai a rodovia que querem fazer atravessando a Ilha de Bananal, pois não?! E os índios não terão direito a um mínimo ressarcimento, um simples controle de passagem, um mísero pedágio pelas consequências ambientais e étnicas que advirão dessas estradas.
A segurança das terras indígenas contra invasores fazendeiros, mineradores, madeireiros e pequenos posseiros, caçadores e pescadores sempre esteve a cargo dos próprios indígenas, da Funai (que nem tem poder de polícia, mas os seus funcionários muitas vezes encaram situações perigosas), da Polícia Federal, do IBAMA (que tem poder de polícia) e, por fim, do Exército brasileiro.
Essa segurança tem sido no grosso positiva. Ao contrário dos alarmes das Ongs e do CIMI, somente uma porcentagem pequena das terras indígenas demarcadas e homologadas sofrem invasões; grande parte das invadidas por madeireiros, garimpeiros ou arrendatários o estão por anuência pecuniária com algumas lideranças indígenas mais ousadas e ambiciosas, que passam por cima do sentimento geral do seu próprio povo.
Mesmo assim, terras indígenas são de fato invadidas parcialmente, porém há muito mais terras ameaçadas de serem invadidas. A presença ostensiva das forças acima mencionadas, inclusive a mística protetora dos índios, é fundamental para garantir a segurança das terras indígenas e refrear as ambições de invasores.
Quando há decisão de expulsar invasores de uma determinada terra indígena, com frequência a Polícia Federal e o IBAMA estão a postos para auxiliar as equipes da Funai. Eu mesmo, como presidente da Funai, ordenei tais expedições em diversas terras indígenas, como as do Alto Guamá e Kayapó, no Pará, Arariboia, no Maranhão, Roosevelt e Urueuauau, em Rondônia, Yanomami, em Roraima, Panará e Mekragnoti, no Mato Grosso -- das que eu me lembre. Algumas delas vem sofrendo o retorno de invasores, como no Alto Guamá e na Yanomami -- e aí só com força policial muito forte é que os invasores serão expulsos.
Por sua vez, a segurança de nossas fronteiras sempre esteve a cargo de nossas Forças Armadas, em especial ao Exército. Há batalhões e pelotões do Exército em diversas terras indígenas do Amazonas. Essa presença é essencial para a proteção e segurança do Brasil, sem dúvida alguma. Só a presença do Exército já é importante para que não haja invasores de fora, nem de dentro. Vi isso claramente na região do Alto Rio Negro, em Yauareté.
O relacionamento das Forças Armadas com os povos indígenas tem sido pautado pela tradição do indigenismo rondoniano. Aliás, Rondon sendo um militar positivista não poderia deixar de incutir em seus pares e subordinados a visão que o consagrou de que os índios devem ser respeitados como povos autônomos, suas terras devem ser invioláveis, e, quando se precisar atravessar uma terra indígena, os índios terão que ser consultados sobre isso. O indigenismo rondoniano antecipa em muitos anos a Convenção 169, da OIT, que recomenda a consulta e o consentimento livre e informado dos índios em relação a projetos e ações que os afetem de algum modo.
Eis que, daqui por diante, num retrocesso ímpar, pelas ressalvas 5, 6 e 7, não se precisa mais consultar aos índios sobre essas e outras questões. O Exército não precisa mais consultar os índios sobre manobras militares realizadas em terras indígenas, não precisa mais nem avisá-los sobre suas ações. Por que não?
Considerando tudo isso, o conjunto das 20 ressalvas do STF veio emoldurado por um estranho sentimento de vingança figadal que trata os povos indígenas de uma forma desrespeitosa e, por que não dizer, atrasada e datada. Certamente que esse tipo de atitude, vindo da corte suprema do judiciário brasileiro não cabe no século XXI, no tempo após a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da Convenção 169/OIT, do próprio Estatuto do Índio e, sobretudo, da consagrada tradição rondoniana brasileira.
Regredimos ao século XIX, à legislação imperial em que as províncias comandavam a aplicação da política indigenista, em que a Igreja Católica enviava missionários para "catequisar" com vistas a "civilizar" os índios, a trazê-los para a ingerência miúda e perniciosa do Estado e dos seus entes federativos.
A corte suprema do judiciário brasileiro declarar que os índios não precisam ser consultados sobre a conveniência ou não de se construir uma estrada, uma hidrelétrica, uma linha de transmissão elétrica ou um prédio público em suas terras, ou uma missão militar mais contundente ou complexa -- é algo que não se via há muitos anos.
O desrespeito é evidente. Porém, pior do que o envólucro é o seu conteúdo. Muito pior são as ressalvas 17, 19 e 20.
Quanto tempo levará enquanto essas restrições produzam efeito antes de serem revogadas? Não sabemos. Por enquanto seus efeitos vão ser sentidos imediatamente. Dose cavalar para estancar o processo de demarcação de terras dos índios Guarani, Terena, Kaingang e outros.
Numa análise conjuntural, fica evidente que o STF produziu tais ressalvas de modo figadal como reação ao alarme criado pelas Ongs e pelo CIMI, nos últimos anos, de que o Brasil estaria levando os seus povos indígenas ao desespero, à miséria e à humilhação. A presença de Ongs internacionais em terras indígenas, a paúra amazônica, o sentimento de auto-depreciação do brasileiro elevaram os problemas indígenas a um patamar de alarme inacreditável. Não bastaram as vozes mais equilibradas, entre as quais eu modestamente me incluo. O fato é que o STF ditou novas regras e fez disso uma tragédia da política indigenista brasileira. Essa tragédia tem diagnóstico, estrutura e destino. A soberba das Ongs, do CIMI e do Ministério Público é vingada pelo STF.
Os índios perderam. A tradição indigenista rondoniana perdeu.
E pensar que tudo isso poderia ter sido evitado se prevalecesse a tradição indigenista rondoniana.
As demais ressalvas contidas na decisão final do STF, ao término da votação sobre a legitimidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, constituem o cadafalso sobre o qual se instalou a mencionada forca, ou guilhotina, ou garrote.
São ressalvas que definem proibições e restrições do usufruto das riquezas da terra indígena por parte dos índios, determinando a presença inconsultável de forças policiais e militares, bem como do Instituto Chico Mendes.
Os índios não poderão, por exemplo, daqui por diante, fazer uma pequena faiscação de ouro ou alguma pedra preciosa (sem falar em diamantes, Deus me livre!) em suas terras, a não ser que tenha uma licença de garimpagem. Isso era permitido pelo Estatuto do Índio desde 1973. Não poderão mais entrar ou fazer uso (digamos caçar um tatu) em suas terras se elas também se constituírem parques ou reservas biológicas ou florestais, sem permissão explícita do Instituto Chico Mendes, nova instituição que se desmembrou do IBAMA. (Chico Mendes bem que estaria se remoendo em seu túmulo diante dessa norma restritiva imposta aos índios!)
Abrir uma rodovia atravessando uma terra indígena?? Moleza! Agora nem precisa comunicar aos índios, quando mais pedir-lhes permissão, ao menos aconxambrar as coisas! Haja estradas e rodovias a serem feitas pela Amazônia afora. Agora sai a rodovia que querem fazer atravessando a Ilha de Bananal, pois não?! E os índios não terão direito a um mínimo ressarcimento, um simples controle de passagem, um mísero pedágio pelas consequências ambientais e étnicas que advirão dessas estradas.
A segurança das terras indígenas contra invasores fazendeiros, mineradores, madeireiros e pequenos posseiros, caçadores e pescadores sempre esteve a cargo dos próprios indígenas, da Funai (que nem tem poder de polícia, mas os seus funcionários muitas vezes encaram situações perigosas), da Polícia Federal, do IBAMA (que tem poder de polícia) e, por fim, do Exército brasileiro.
Essa segurança tem sido no grosso positiva. Ao contrário dos alarmes das Ongs e do CIMI, somente uma porcentagem pequena das terras indígenas demarcadas e homologadas sofrem invasões; grande parte das invadidas por madeireiros, garimpeiros ou arrendatários o estão por anuência pecuniária com algumas lideranças indígenas mais ousadas e ambiciosas, que passam por cima do sentimento geral do seu próprio povo.
Mesmo assim, terras indígenas são de fato invadidas parcialmente, porém há muito mais terras ameaçadas de serem invadidas. A presença ostensiva das forças acima mencionadas, inclusive a mística protetora dos índios, é fundamental para garantir a segurança das terras indígenas e refrear as ambições de invasores.
Quando há decisão de expulsar invasores de uma determinada terra indígena, com frequência a Polícia Federal e o IBAMA estão a postos para auxiliar as equipes da Funai. Eu mesmo, como presidente da Funai, ordenei tais expedições em diversas terras indígenas, como as do Alto Guamá e Kayapó, no Pará, Arariboia, no Maranhão, Roosevelt e Urueuauau, em Rondônia, Yanomami, em Roraima, Panará e Mekragnoti, no Mato Grosso -- das que eu me lembre. Algumas delas vem sofrendo o retorno de invasores, como no Alto Guamá e na Yanomami -- e aí só com força policial muito forte é que os invasores serão expulsos.
Por sua vez, a segurança de nossas fronteiras sempre esteve a cargo de nossas Forças Armadas, em especial ao Exército. Há batalhões e pelotões do Exército em diversas terras indígenas do Amazonas. Essa presença é essencial para a proteção e segurança do Brasil, sem dúvida alguma. Só a presença do Exército já é importante para que não haja invasores de fora, nem de dentro. Vi isso claramente na região do Alto Rio Negro, em Yauareté.
O relacionamento das Forças Armadas com os povos indígenas tem sido pautado pela tradição do indigenismo rondoniano. Aliás, Rondon sendo um militar positivista não poderia deixar de incutir em seus pares e subordinados a visão que o consagrou de que os índios devem ser respeitados como povos autônomos, suas terras devem ser invioláveis, e, quando se precisar atravessar uma terra indígena, os índios terão que ser consultados sobre isso. O indigenismo rondoniano antecipa em muitos anos a Convenção 169, da OIT, que recomenda a consulta e o consentimento livre e informado dos índios em relação a projetos e ações que os afetem de algum modo.
Eis que, daqui por diante, num retrocesso ímpar, pelas ressalvas 5, 6 e 7, não se precisa mais consultar aos índios sobre essas e outras questões. O Exército não precisa mais consultar os índios sobre manobras militares realizadas em terras indígenas, não precisa mais nem avisá-los sobre suas ações. Por que não?
Considerando tudo isso, o conjunto das 20 ressalvas do STF veio emoldurado por um estranho sentimento de vingança figadal que trata os povos indígenas de uma forma desrespeitosa e, por que não dizer, atrasada e datada. Certamente que esse tipo de atitude, vindo da corte suprema do judiciário brasileiro não cabe no século XXI, no tempo após a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, da Convenção 169/OIT, do próprio Estatuto do Índio e, sobretudo, da consagrada tradição rondoniana brasileira.
Regredimos ao século XIX, à legislação imperial em que as províncias comandavam a aplicação da política indigenista, em que a Igreja Católica enviava missionários para "catequisar" com vistas a "civilizar" os índios, a trazê-los para a ingerência miúda e perniciosa do Estado e dos seus entes federativos.
A corte suprema do judiciário brasileiro declarar que os índios não precisam ser consultados sobre a conveniência ou não de se construir uma estrada, uma hidrelétrica, uma linha de transmissão elétrica ou um prédio público em suas terras, ou uma missão militar mais contundente ou complexa -- é algo que não se via há muitos anos.
O desrespeito é evidente. Porém, pior do que o envólucro é o seu conteúdo. Muito pior são as ressalvas 17, 19 e 20.
Quanto tempo levará enquanto essas restrições produzam efeito antes de serem revogadas? Não sabemos. Por enquanto seus efeitos vão ser sentidos imediatamente. Dose cavalar para estancar o processo de demarcação de terras dos índios Guarani, Terena, Kaingang e outros.
Numa análise conjuntural, fica evidente que o STF produziu tais ressalvas de modo figadal como reação ao alarme criado pelas Ongs e pelo CIMI, nos últimos anos, de que o Brasil estaria levando os seus povos indígenas ao desespero, à miséria e à humilhação. A presença de Ongs internacionais em terras indígenas, a paúra amazônica, o sentimento de auto-depreciação do brasileiro elevaram os problemas indígenas a um patamar de alarme inacreditável. Não bastaram as vozes mais equilibradas, entre as quais eu modestamente me incluo. O fato é que o STF ditou novas regras e fez disso uma tragédia da política indigenista brasileira. Essa tragédia tem diagnóstico, estrutura e destino. A soberba das Ongs, do CIMI e do Ministério Público é vingada pelo STF.
Os índios perderam. A tradição indigenista rondoniana perdeu.
E pensar que tudo isso poderia ter sido evitado se prevalecesse a tradição indigenista rondoniana.
ANTROPOLOGIA: Resenha de Paulo César de Araújo, revista Desafios, do IPEA
O escritor e sociólogo Paulo César de Araújo teve a bondade de escrever essa resenha do meu livro ANTROPOLOGIA (Editora Contexto, 2008), que saiu essa semana na revista DESAFIOS, nº 48, 2009, do Instituto de Pesquisas Econômicas e Aplicadas -- IPEA --, órgão do Ministério de Assuntos Estratégicos.
Modéstia à parte, não poderia deixar de publicá-la no Blog!
____________________________
“Antropologia é uma palavra iluminante” – eis como inicia seu livro o antropólogo e ex-presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, derramando, ao longo de 10 capítulos, o sentimento de que a Antropologia é alguma coisa especial no mundo do conhecimento do homem.
Mércio, que é professor de Antropologia da Universidade Federal Fluminense e autor de diversos livros sobre índios e meio ambiente, considera que, além de ser uma ciência social, na medida em que se baseia na empiria para propor hipóteses e testar teorias, a Antropologia, também, faz parte da linhagem da filosofia, na medida em que trata da cultura, da discursividade, da inefabilidade do conhecimento, da criatividade, do diálogo entre os homens e da intencionalidade da vida.
Antropologia é um livro que chama a atenção, em primeiro lugar, pela qualidade do texto que se faz compreensível tanto para estudiosos quanto para leigos. Impressiona também pela abrangência de questões sociais e filosóficas que o autor considera como matéria da Antropologia. O livro cobre temas que vão desde as conexões da reflexão antropológica com as ideias iluministas, passando pelo evolucionismo cultural, de inspiração darwiniana e marxista, reconhecendo a força da descoberta do inconsciente coletivo, a afirmação do primado da cultura sobre a natureza, até chegar aos temas atuais e pós-modernos, como a incerteza do conhecimento do Outro, a dissolução do estruturalismo, o hiper-relativismo cultural e a responsabilidade ética da Antropologia.
Por outro lado, Antropologia segue um roteiro mais ou menos tradicional do que se constitui a Antropologia como disciplina acadêmica. Cabe a essa disciplina o estudo tanto da cultura, da sociedade, do parentesco, de rituais e simbolismo, matérias tradicionais da Antropologia Social, quanto da evolução e dispersão do homem na Terra, pela Antropologia Biológica, do desenvolvimento das sociedades, pela Arqueologia, e especialmente, do estudo da variedade das línguas, suas especificidades
e sua unicidade na capacidade das sociedades e culturas pensarem por meios próprios e também por noções universais.
Na década de 80, lembro-me, e até recentemente, a Antropologia se colocava no Brasil como a encarregada de dar sentido aos temas marginais à sociedade dominante: índios, mulheres (no início do feminismo), racismo, favelas, minorias as mais diversas. A Antropologia continua a tratar desses temas, mas avançou sobre temas antes atribuídos à Sociologia e à Ciência Politica, e até à Filosofia. A influência de autores como Foucault, Deleuze e Derrida evidenciase nos textos mais escalafobéticos da Antropologia pós-moderna, especialmente aqueles que vêm do pós-modernismo praticado nos Estados Unidos e que emula alguns autores brasileiros. O livro de Mércio trata esses velhos temas não como assuntos marginais à
sociedade brasileira, e sim, em muitos casos, como questões fundantes do Brasil e da nossa nacionalidade. Essa é uma diferença essencial de atitude intelectual, ética e política em relação a outros autores.
Ao final de um livro que cobre todo o espectro da Antropologia, desde estudos de parentesco até as contribuições da Antropologia Política, Econômica, Urbana, da Religião e dos Mitos, Mércio propõe repensar a Antropologia por um novo viés teórico, que ele chama de “hiperdialético”, algo que, aparentemente, ele já vem discutindo em suas aulas na UFF e que promete desenvolver em todas as suas possibilidades em futuro próximo. Não dá para analisar o que é hiperdialético em tão curta resenha. Cabe ao leitor descobri-lo e no transcurso apreciar esse livro, digamos, também iluminante.
Modéstia à parte, não poderia deixar de publicá-la no Blog!
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“Antropologia é uma palavra iluminante” – eis como inicia seu livro o antropólogo e ex-presidente da Funai, Mércio Pereira Gomes, derramando, ao longo de 10 capítulos, o sentimento de que a Antropologia é alguma coisa especial no mundo do conhecimento do homem.
Mércio, que é professor de Antropologia da Universidade Federal Fluminense e autor de diversos livros sobre índios e meio ambiente, considera que, além de ser uma ciência social, na medida em que se baseia na empiria para propor hipóteses e testar teorias, a Antropologia, também, faz parte da linhagem da filosofia, na medida em que trata da cultura, da discursividade, da inefabilidade do conhecimento, da criatividade, do diálogo entre os homens e da intencionalidade da vida.
Antropologia é um livro que chama a atenção, em primeiro lugar, pela qualidade do texto que se faz compreensível tanto para estudiosos quanto para leigos. Impressiona também pela abrangência de questões sociais e filosóficas que o autor considera como matéria da Antropologia. O livro cobre temas que vão desde as conexões da reflexão antropológica com as ideias iluministas, passando pelo evolucionismo cultural, de inspiração darwiniana e marxista, reconhecendo a força da descoberta do inconsciente coletivo, a afirmação do primado da cultura sobre a natureza, até chegar aos temas atuais e pós-modernos, como a incerteza do conhecimento do Outro, a dissolução do estruturalismo, o hiper-relativismo cultural e a responsabilidade ética da Antropologia.
Por outro lado, Antropologia segue um roteiro mais ou menos tradicional do que se constitui a Antropologia como disciplina acadêmica. Cabe a essa disciplina o estudo tanto da cultura, da sociedade, do parentesco, de rituais e simbolismo, matérias tradicionais da Antropologia Social, quanto da evolução e dispersão do homem na Terra, pela Antropologia Biológica, do desenvolvimento das sociedades, pela Arqueologia, e especialmente, do estudo da variedade das línguas, suas especificidades
e sua unicidade na capacidade das sociedades e culturas pensarem por meios próprios e também por noções universais.
Na década de 80, lembro-me, e até recentemente, a Antropologia se colocava no Brasil como a encarregada de dar sentido aos temas marginais à sociedade dominante: índios, mulheres (no início do feminismo), racismo, favelas, minorias as mais diversas. A Antropologia continua a tratar desses temas, mas avançou sobre temas antes atribuídos à Sociologia e à Ciência Politica, e até à Filosofia. A influência de autores como Foucault, Deleuze e Derrida evidenciase nos textos mais escalafobéticos da Antropologia pós-moderna, especialmente aqueles que vêm do pós-modernismo praticado nos Estados Unidos e que emula alguns autores brasileiros. O livro de Mércio trata esses velhos temas não como assuntos marginais à
sociedade brasileira, e sim, em muitos casos, como questões fundantes do Brasil e da nossa nacionalidade. Essa é uma diferença essencial de atitude intelectual, ética e política em relação a outros autores.
Ao final de um livro que cobre todo o espectro da Antropologia, desde estudos de parentesco até as contribuições da Antropologia Política, Econômica, Urbana, da Religião e dos Mitos, Mércio propõe repensar a Antropologia por um novo viés teórico, que ele chama de “hiperdialético”, algo que, aparentemente, ele já vem discutindo em suas aulas na UFF e que promete desenvolver em todas as suas possibilidades em futuro próximo. Não dá para analisar o que é hiperdialético em tão curta resenha. Cabe ao leitor descobri-lo e no transcurso apreciar esse livro, digamos, também iluminante.
quarta-feira, 25 de março de 2009
Ressalva nº 19: A estadualização da demarcação de terras indígenas
19 – É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação.
Esta 19ª ressalva foi indicada ao final da votação sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol pelo ministro-presidente do STF, Gilmar Mendes. Trata-se de incluir os estados e os municípios em Grupos de Trabalho portariados pela Funai, GTs que são formados pelo menos por um antropólogo, um ambientalista e um topógrafo, para reconhecer uma terra indígena, avaliar os seus limites e produzir o Estudo de Identificação para subsidiar a decisão do presidente da Funai sobre a legitimidade ou não de publicar o reconhecimento de tal terra.
Até agora a Funai era soberana em produzir esse estudo. Mesmo contando com pessoal do IBAMA ou do INCRA para compor o GT, a decisão ficava sempre nas mãos do antropólogo, que chefiava o GT.
A inclusão dessa nova ressalva traz novas consequências. A principal, por óbvio, é que os estados e municípios não têm o mínimo interesse em demarcar terras indígenas. Ao longo da história brasileira esses "entes federativos" têm sido os algozes dos índios, por representarem os interesses das elites locais, especificamente dos donos das terras. No século XIX, os governadores de diversos estados simplesmente extinguiram terras indígenas alegando que não havia mais índios em seus estados. E as terras foram distribuídas pelos apaniguados políticos.
Consequentemente é de se esperar que o processo de reconhecimento e de demarcação de terras indígenas vai ficar ainda mais emperrado do que já estava, piorado também pelas ressalvas 20 e 17 já discutidas nesse Blog.
Em termos gerais, essa ressalva significa aquilo que no indigenismo rondoniano brasileiro chama-se de "estadualização" da questão indígena. Lembremos que a criação do Serviço de Proteção aos Índios -- SPI -- em 1910, por Rondon, significou puxar a questão indígena, em toda sua integridade, para o Governo Federal. Com isso, deixou os estados com menor capacidade de definir a distribuição de terras para terceiros. Mesmo assim, durante as primeiras décadas após 1910, foi duríssimo para o SPI demarcar terras porque elas estavam na alçada dos estados. Só depois de 1935, com um decreto presidencial baseado na Constituição de 1934, é que o SPI adquiriu alguma legalidade para definir as terras indígenas e seus limites. Ainda assim, não havia uma lei específica para tanto e durante todo seu tempo o SPI lutou contra os estados para demarcar terras indígenas. Só com a ditadura militar, ironicamente, e por causa do Estatuto do Índio, decreto-lei de 1973, é que a Funai, o Governo Federal, ganhou a soberania de demarcar terras.
A estadualização como intenção política é, portanto, uma atitude pré-rondoniana, efetivamente um retorno ao século XIX.
O problema é que esse processo já vinha ocorrendo em diversos pontos da política indigenista da atualidade. A estadualização da educação indígena, por exemplo, é o caso mais incisivo. Essa estadualização foi projetada no governo FHC, seguindo uma interpretação da Lei da Educação Darcy Ribeiro (na minha opinião, interpretação tendenciosa) e foi intensificada no governo Lula. Quando era presidente da Funai discuti muito no MEC, e especialmente com o ministro Haddad, para que o Governo Federal assumisse a educação indígena, tal como assume as Escolas Federais. Mas o ministro Haddad não tem sido sensível aos meus argumentos.
Outro aspecto de estadualização da política indigenista é a do atendimento à saúde indígena. Com a política de saúde da Funasa, os recursos são entregues às Ongs e/ou aos estados e municípios, que fazem a sua própria versão de política indigenista. Os índios têm sofrido muito com o atendimento de saúde que vem dos municípios e das Ongs.
Mais recentemente, diversos estados da União têm criado secretarias ou instituições dentro do governo para assistir aos povos indígenas de seus estados. Blairo Maggi, do Mato Grosso, é um deles; Eduardo Braga, do Amazonas, outro; Binho Marques, do Acre; Requião, do Paraná, também; agora, Ana Júlia Carepa, do Pará.
Esses estados se colocam como substitutas da Funai, considerando que a Funai não está cumprindo suas obrigações. È evidente que mais do que boas, más intenções estão por trás disso tudo.
Por fim, as Ongs neoliberais do indigenismo brasileiro, especialmente o ISA, têm sido as mais ferrenhas críticas da Funai e têm apoiado essas iniciativas de estadualização. Por sua visão neoliberal do mundo, elas condenam o governo federal, a tradição rondoniana da política indigenista e acreditam que seriam capazes de assumir a questão indígena brasileira, no que são apoiadas pelas Ongs internacionais. Por sua vez, a estadualização de aspectos da questão indígena dilui as verbas orçamentárias da União e assim ficam menos contabilizáveis.
A estadualização vai desembocar em intensificação do assédio dos estados e municípios sobre os povos indígenas. A vida dos índios vai ficar mais difícil ainda.
Esta 19ª ressalva foi indicada ao final da votação sobre a Terra Indígena Raposa Serra do Sol pelo ministro-presidente do STF, Gilmar Mendes. Trata-se de incluir os estados e os municípios em Grupos de Trabalho portariados pela Funai, GTs que são formados pelo menos por um antropólogo, um ambientalista e um topógrafo, para reconhecer uma terra indígena, avaliar os seus limites e produzir o Estudo de Identificação para subsidiar a decisão do presidente da Funai sobre a legitimidade ou não de publicar o reconhecimento de tal terra.
Até agora a Funai era soberana em produzir esse estudo. Mesmo contando com pessoal do IBAMA ou do INCRA para compor o GT, a decisão ficava sempre nas mãos do antropólogo, que chefiava o GT.
A inclusão dessa nova ressalva traz novas consequências. A principal, por óbvio, é que os estados e municípios não têm o mínimo interesse em demarcar terras indígenas. Ao longo da história brasileira esses "entes federativos" têm sido os algozes dos índios, por representarem os interesses das elites locais, especificamente dos donos das terras. No século XIX, os governadores de diversos estados simplesmente extinguiram terras indígenas alegando que não havia mais índios em seus estados. E as terras foram distribuídas pelos apaniguados políticos.
Consequentemente é de se esperar que o processo de reconhecimento e de demarcação de terras indígenas vai ficar ainda mais emperrado do que já estava, piorado também pelas ressalvas 20 e 17 já discutidas nesse Blog.
Em termos gerais, essa ressalva significa aquilo que no indigenismo rondoniano brasileiro chama-se de "estadualização" da questão indígena. Lembremos que a criação do Serviço de Proteção aos Índios -- SPI -- em 1910, por Rondon, significou puxar a questão indígena, em toda sua integridade, para o Governo Federal. Com isso, deixou os estados com menor capacidade de definir a distribuição de terras para terceiros. Mesmo assim, durante as primeiras décadas após 1910, foi duríssimo para o SPI demarcar terras porque elas estavam na alçada dos estados. Só depois de 1935, com um decreto presidencial baseado na Constituição de 1934, é que o SPI adquiriu alguma legalidade para definir as terras indígenas e seus limites. Ainda assim, não havia uma lei específica para tanto e durante todo seu tempo o SPI lutou contra os estados para demarcar terras indígenas. Só com a ditadura militar, ironicamente, e por causa do Estatuto do Índio, decreto-lei de 1973, é que a Funai, o Governo Federal, ganhou a soberania de demarcar terras.
A estadualização como intenção política é, portanto, uma atitude pré-rondoniana, efetivamente um retorno ao século XIX.
O problema é que esse processo já vinha ocorrendo em diversos pontos da política indigenista da atualidade. A estadualização da educação indígena, por exemplo, é o caso mais incisivo. Essa estadualização foi projetada no governo FHC, seguindo uma interpretação da Lei da Educação Darcy Ribeiro (na minha opinião, interpretação tendenciosa) e foi intensificada no governo Lula. Quando era presidente da Funai discuti muito no MEC, e especialmente com o ministro Haddad, para que o Governo Federal assumisse a educação indígena, tal como assume as Escolas Federais. Mas o ministro Haddad não tem sido sensível aos meus argumentos.
Outro aspecto de estadualização da política indigenista é a do atendimento à saúde indígena. Com a política de saúde da Funasa, os recursos são entregues às Ongs e/ou aos estados e municípios, que fazem a sua própria versão de política indigenista. Os índios têm sofrido muito com o atendimento de saúde que vem dos municípios e das Ongs.
Mais recentemente, diversos estados da União têm criado secretarias ou instituições dentro do governo para assistir aos povos indígenas de seus estados. Blairo Maggi, do Mato Grosso, é um deles; Eduardo Braga, do Amazonas, outro; Binho Marques, do Acre; Requião, do Paraná, também; agora, Ana Júlia Carepa, do Pará.
Esses estados se colocam como substitutas da Funai, considerando que a Funai não está cumprindo suas obrigações. È evidente que mais do que boas, más intenções estão por trás disso tudo.
Por fim, as Ongs neoliberais do indigenismo brasileiro, especialmente o ISA, têm sido as mais ferrenhas críticas da Funai e têm apoiado essas iniciativas de estadualização. Por sua visão neoliberal do mundo, elas condenam o governo federal, a tradição rondoniana da política indigenista e acreditam que seriam capazes de assumir a questão indígena brasileira, no que são apoiadas pelas Ongs internacionais. Por sua vez, a estadualização de aspectos da questão indígena dilui as verbas orçamentárias da União e assim ficam menos contabilizáveis.
A estadualização vai desembocar em intensificação do assédio dos estados e municípios sobre os povos indígenas. A vida dos índios vai ficar mais difícil ainda.
terça-feira, 24 de março de 2009
Ressalva nº 17: Terra demarcada não se amplia
17 – É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada
A 17ª ressalva apresentada no voto do ministro Menezes Direito pareceu tão estranha a alguns ministros que passou por uma votação. Os ministros Eros Grau, Carmen Lúcia, Ayres Britto e Joaquim Barbosa a rejeitaram. Os demais 7 foram favoráveis.
Não houve explicação clara para a rejeição. A ministra Carmen Lúcia simplesmente achou que não cabia tal restrição, dado o fato de o STF não conhecer os casos específicos que poderiam ser afetados por essa ressalva. Em determinado momento o ministro Britto sugeriu suavemente aos seus colegas que essa ressalva valesse apenas para o caso da Raposa Serra do Sol. Mas Menezes Direito insistiu e Cézar Peluso fortaleceu-lhe o argumento de que, caso contrário, a terra pretendida como ampliação provocaria uma incerteza jurídica, enquanto aquela já demarcada poderia ser contestada por idêntica incerteza jurídica.
Confesso que custo a crer que, se um povo indígena que tenha tido sua terra demarcada em outra época e que venha a argumentar e provar que, na ocasião da demarcação, houve um mal-feito ou um equívoco e deixou-se de fora da terra demarcada uma área ou segmento dessa terra, isso viesse a trazer incerteza sobre a terra já demarcada. Acredito que a área pretendida é que ficaria incerta, em relação ao seu estatuto jurídico no momento.
Bem, não sendo jurista, não posso afirmar com certeza o que poderia acontecer. O fato é que, ao longo dos anos, muitos povos indígenas reclamam que as demarcações de sua terras não foram feitas corretamente, e pedem revisão dessas demarcações com vistas à ampliação.
Quando era presidente da Funai tomei conhecimento de diversos desses pedidos. É certo que alguns decorriam de uma argumentação não relacionada com tradicionalidade de ocupação. Usava-se com frequência o argumento de que a população indígena estaria crescendo e portanto as terras não lhes eram mais suficientes. Isto é, aparentemente, o que o Ministério Público chamou de "dinamismo" da questão indígena ao apresentar suas considerações ao STF. O ministro Lewandowski se dirigiu a essa questão e a rejeitou de pronto. Com efeito, argumentar que os índios constituem sociedades dinâmicas é uma petição de princípio. Afinal, todas as sociedades são dinâmicas e a dos índios não têm nada de excepcional nesse aspecto. O crescimento da população é em si um fator positivo, e se provocar carências alimentares ou mudanças culturais, ele tem que ser lidado por um processo de auto-desenvolvimento cultural e melhoria econômica.
Entretanto, ao analisar a demarcação de terras indígenas frequentemente nos deparamos com erros e equívocos na demarcação. Em geral para menos do que os índios pretendiam, embora, em alguns poucos casos, a terra tenha sido demarcada sem os índios conhecerem todos os seus limites. Nesse caso, se for para mais, os índios não reclamam, é claro.
O fato é que uma restrição como essa impossibilita a revisão de atos falhos e injustos, acaba com a possibilidade de correções que, se realizadas, trariam justiça para diversas comunidades indígenas. Creio que essa ressalva foi imposta pelo voto do ministro Menezes Direito como reação à quantidade imensa de demandas que a possibilidade de revisão vinha trazendo. Muitas dessas revisões vinham a lume sob argumentos políticos e retórica denunciatória ao estado brasileiro trazidas por Ongs e pelo CIMI. O CIMI, por exemplo, faz questão de dizer que faltam ainda 250 novas terras indígenas serem demarcadas, quando a Funai conta com no máximo 80. O CTI, uma Ong neoliberal indigenista, frequentemente incentiva os índios a reclamar ampliações de terras que são impossíveis de serem efetivadas, seja pela presença de fazendas tradicionais, seja pelo tempo passado desde a demarcação original. Por outra, o CTI propõe a criação de um suposto "Território Timbira", que juntaria as terras dos diversos índios de fala Timbira que vivem no Maranhão, Tocantins e Pará, formando uma área de alguns milhões de hectares. Já o ISA, a mais neoliberal de todas as Ongs, quer que a Funai demarque a Terra Indígena Cue-Cué Marabitanas de tal sorte que ligue as terras indígenas do Alto rio Negro com Balaio e Yanomami, perfazendo algo em torno de 22.000.000 de hectares. E pretende que isso seja feito subrepticiamente, sem que ninguém se dê conta. Dessas demandas absurdas falei há três anos e alertei que, a continuar com esse nível de retórica, tais casos iriam acabar desembocando no STF a serem dirimidas por ele. Ao final da votação sobre Raposa Serra do Sol, o resultado está aí e é devastador para todos, inclusive para as demandas justas que efetivamente existem.
Em suma, no meu entender, esta é mais uma ressalva que, se tornada uma norma no processo de demarcação de terras indígenas, vai apagar com as esperanças de muitas comunidades indígenas, especialmente no Mato Grosso do Sul e nos estados sulinos.
A 17ª ressalva apresentada no voto do ministro Menezes Direito pareceu tão estranha a alguns ministros que passou por uma votação. Os ministros Eros Grau, Carmen Lúcia, Ayres Britto e Joaquim Barbosa a rejeitaram. Os demais 7 foram favoráveis.
Não houve explicação clara para a rejeição. A ministra Carmen Lúcia simplesmente achou que não cabia tal restrição, dado o fato de o STF não conhecer os casos específicos que poderiam ser afetados por essa ressalva. Em determinado momento o ministro Britto sugeriu suavemente aos seus colegas que essa ressalva valesse apenas para o caso da Raposa Serra do Sol. Mas Menezes Direito insistiu e Cézar Peluso fortaleceu-lhe o argumento de que, caso contrário, a terra pretendida como ampliação provocaria uma incerteza jurídica, enquanto aquela já demarcada poderia ser contestada por idêntica incerteza jurídica.
Confesso que custo a crer que, se um povo indígena que tenha tido sua terra demarcada em outra época e que venha a argumentar e provar que, na ocasião da demarcação, houve um mal-feito ou um equívoco e deixou-se de fora da terra demarcada uma área ou segmento dessa terra, isso viesse a trazer incerteza sobre a terra já demarcada. Acredito que a área pretendida é que ficaria incerta, em relação ao seu estatuto jurídico no momento.
Bem, não sendo jurista, não posso afirmar com certeza o que poderia acontecer. O fato é que, ao longo dos anos, muitos povos indígenas reclamam que as demarcações de sua terras não foram feitas corretamente, e pedem revisão dessas demarcações com vistas à ampliação.
Quando era presidente da Funai tomei conhecimento de diversos desses pedidos. É certo que alguns decorriam de uma argumentação não relacionada com tradicionalidade de ocupação. Usava-se com frequência o argumento de que a população indígena estaria crescendo e portanto as terras não lhes eram mais suficientes. Isto é, aparentemente, o que o Ministério Público chamou de "dinamismo" da questão indígena ao apresentar suas considerações ao STF. O ministro Lewandowski se dirigiu a essa questão e a rejeitou de pronto. Com efeito, argumentar que os índios constituem sociedades dinâmicas é uma petição de princípio. Afinal, todas as sociedades são dinâmicas e a dos índios não têm nada de excepcional nesse aspecto. O crescimento da população é em si um fator positivo, e se provocar carências alimentares ou mudanças culturais, ele tem que ser lidado por um processo de auto-desenvolvimento cultural e melhoria econômica.
Entretanto, ao analisar a demarcação de terras indígenas frequentemente nos deparamos com erros e equívocos na demarcação. Em geral para menos do que os índios pretendiam, embora, em alguns poucos casos, a terra tenha sido demarcada sem os índios conhecerem todos os seus limites. Nesse caso, se for para mais, os índios não reclamam, é claro.
O fato é que uma restrição como essa impossibilita a revisão de atos falhos e injustos, acaba com a possibilidade de correções que, se realizadas, trariam justiça para diversas comunidades indígenas. Creio que essa ressalva foi imposta pelo voto do ministro Menezes Direito como reação à quantidade imensa de demandas que a possibilidade de revisão vinha trazendo. Muitas dessas revisões vinham a lume sob argumentos políticos e retórica denunciatória ao estado brasileiro trazidas por Ongs e pelo CIMI. O CIMI, por exemplo, faz questão de dizer que faltam ainda 250 novas terras indígenas serem demarcadas, quando a Funai conta com no máximo 80. O CTI, uma Ong neoliberal indigenista, frequentemente incentiva os índios a reclamar ampliações de terras que são impossíveis de serem efetivadas, seja pela presença de fazendas tradicionais, seja pelo tempo passado desde a demarcação original. Por outra, o CTI propõe a criação de um suposto "Território Timbira", que juntaria as terras dos diversos índios de fala Timbira que vivem no Maranhão, Tocantins e Pará, formando uma área de alguns milhões de hectares. Já o ISA, a mais neoliberal de todas as Ongs, quer que a Funai demarque a Terra Indígena Cue-Cué Marabitanas de tal sorte que ligue as terras indígenas do Alto rio Negro com Balaio e Yanomami, perfazendo algo em torno de 22.000.000 de hectares. E pretende que isso seja feito subrepticiamente, sem que ninguém se dê conta. Dessas demandas absurdas falei há três anos e alertei que, a continuar com esse nível de retórica, tais casos iriam acabar desembocando no STF a serem dirimidas por ele. Ao final da votação sobre Raposa Serra do Sol, o resultado está aí e é devastador para todos, inclusive para as demandas justas que efetivamente existem.
Em suma, no meu entender, esta é mais uma ressalva que, se tornada uma norma no processo de demarcação de terras indígenas, vai apagar com as esperanças de muitas comunidades indígenas, especialmente no Mato Grosso do Sul e nos estados sulinos.
segunda-feira, 23 de março de 2009
Azelene Kaingang critica STF e conclama os índios para um novo protagonismo
Num texto temperado de paixão e lucidez, a socióloga kaingang Azelene Kring Inácio conclama seus patrícios para uma profunda reflexão sobre o momento indigenista atual -- diante das 20 ressalvas apresentadas pelo STF na votação de 19 de março p.p.
Com precisão sociológica de quem foi a principal representante indígena brasileira nos foros internacionais que discutiram a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, Azelene demonstra o quanto o STF saiu da linha indigenista brasileira ao elaborar essas restrições e transformá-las numa súmula que determinará daqui por diante as condições do relacionamento brasileiro para com os povos indígenas.
Esta é a primeira reflexão feita por um indígena diante das 20 ressalvas do STF. Outras virão, certamente, e esperamos com igual lucidez e determinação.
O indigenismo brasileiro, instituído por Rondon e seguido por uma tradição crescente de ampliação dos direitos indígenas, caiu numa armadilha e se encontra num impasse. Não dá para sair desse impasse sem o protagonismo dos índios. É tempo do movimento indígena despertar de seu discurso apático e imitador do movimento social e das Ongs para criar sua própria visão do seu relacionamento com os demais brasileiros.
O texto de Azelene abre caminho para essa reflexão nova e criativa.
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UMA VITÓRIA COM GOSTO AMARGO!!!
Por Azelene Kaingáng
"Não há ninguém mais desesperançosamente escravizado que aquele que falsamente acredita estar livre" (Goethe).
Dez votos favoráveis e um contra, foi esse o resultado do julgamento do território indígena Raposa Serra do Sol pelo STF nos dias 18 e 19 de março de 2009.
Foi uma vitória com gosto amargo, uma vitória de Pirro[1], porque o grande vencedor foi Marco Aurélio de Mello único voto supostamente derrotado, que aproveitou o dito por Menezes Direito em seu voto e despedaçou a Constituição Brasileira e jogou os caquinhos aos pés dos constitucionalistas de plantão. O tempo todo ouvimos esses afirmarem “A Constituição deve ser cumprida, Raposa Serra do Sol deve ser demarcada em área contínua” até aí tudo bem, mas o que não se deram conta, coisa que já sabíamos, é que a Constituição é demasiada frágil para ousar proteger e garantir direitos indígenas tal qual exige a história e a vivência dos nossos Povos! Fomos proibidos de citar Convenção 169 e a Declaração da ONU para não prejudicar o julgamento de Raposa... e agora? Com a palavra os constitucionalistas de plantão! Será que irão recorrer à Convenção 169 da OIT para tentar remediar o que não tem remédio? Nós os Povos Indígenas não amazônicos mais uma vez vamos pagar a conta das 20 condicionantes impostas pelo STF, porque somos nós que não temos terra, somos nós que sofremos os grandes índices de violência e pobreza, nossos territórios são o fundo do quintal de muitos territórios amazônicos! Não podemos nos calar diante de tamanho retrocesso!
Uma vitória para os Povos Indígenas da Raposa Serra do Sol em detrimento dos direitos territoriais dos mais de 200 Povos Indígenas do País, especialmente aqueles que estão morrendo por falta de um lugar para viver como os Kaiwoá de Mato Grosso do Sul. É inegável o reconhecimento das lutas dos Povos da TI RSS e a conseqüente vitória no STF, mas é também inegável que os Povos Indígenas do País pagarão muito caro por essa “vitória”.
Ao contrário do que se comenta que o mito da ameaça a soberania pelos Povos Indígenas finalmente caiu por terra, foi esse argumento que sustentou a maioria e as mais duras das 20 condicionantes e derrubou por terra os direitos indígenas sobre os territórios tradicionalmente ocupados.
Colocar cinco de outubro de 1988 como o marco temporal para que os índios reivindiquem os territórios espoliados no passado, põe por terra o indigenato e coloca como novo marco indigenista a teoria do fato indígena, ou seja, a partir de cinco de outubro. Esse foi o mais duro golpe aos direitos dos Povos Indígenas nas últimas décadas.
A interpretação que o Ministro Menezes Direito fez do artigo 231 da CF é uma lamentável verdade, escancarou a fragilidade dos direitos indígenas no texto Constitucional em seu Capítulo “Dos Índios”, é flagrante a ineficiência, se equivocaram os que sempre defenderam e defendem a CF como o marco legal para a garantia integral dos direitos dos Povos Indígenas, essa veneração fica explícita também no voto do Ministro Carlos Ayres Britto quando diz que a Constituição Brasileira é a nossa “Carta de Alforria”, o diz como se fosse o mais avançado e sólido instrumento de proteção aos direitos indígenas.
Agora começa uma nova luta dos Povos Indígenas do resto do Brasil: tentar reverter, quiçá, através das Cortes Internacionais, sob o argumento de iminente risco à vida, o prejuízo que nos trazem essas condicionantes.
O STF liquidificou os direitos indígenas, os argumentos utilizados para mudar todo o processo demarcatório de territórios indígenas explicitaram o racismo, o desrespeito histórico do Estado Brasileiro contra os Povos Indígenas e o mais grave: acabou com qualquer possibilidade dos Povos Indígenas exercerem seu direito a decidirem sobre seus territórios, suas vidas e destinos quando dizem que não será necessário fazer consultas para as diversas intervenções por parte do Estado em territórios indígenas.
Sempre defendemos a aplicação dos instrumentos internacionais para a efetiva proteção e defesa dos direitos indígenas, por saber e ter clareza de que estes são os que verdadeiramente irão nos ajudar, já que não dependem de uma dúzia de cabeças para mudá-los, são muito mais sólidos do que qualquer instrumento do ordenamento jurídico interno. O Ministro Menezes Direito destruiu em poucas linhas o conceito de “ocupação tradicional” de terras indígenas quando questiona o tempo do verbo “ocupar” para definir se os índios têm ou não direito sobre seus territórios tradicionais.
No ano em que a Declaração Universal dos Direitos Humanos completa 60 anos, o Brasil dá uma aula sobre como oficializar a negação total e absoluta dos direitos dos Povos Indígenas. Fomos tratados pelo STF como sujeitos despidos de direitos, algo indesejável mas inevitável, que não merece um lugar e conseqüentemente não tem direitos! Nos trataram durante todos os discursos ironicamente como “nossos índios”, para amenizar a gravidade das decisões que tomariam em relação aos direitos indígenas.
Atenção especial deve ser dada a atuação do Ministro Joaquim Barbosa que votou a favor de Raposa e nem por isso concordou com as 20 condicionantes, citou o artigo 6º da Convenção 169, no que concerne a necessidade de haverem consultas aos Povos Indígenas, o fez por entender a gravidade dessas condições e o quanto isso atenta contra os nossos direitos.
O Procurador Geral Antonio Fernando de Souza alertou a Corte sobre o perigo que essas 20 condicionantes representam para a democracia e usurpa a questão da separação dos poderes, felizmente esse reconhece a força e a validade da Convenção 169 nas garantias para os Povos Indígenas.
Depois dessa votação “histórica”, concluímos que nossa pátria amada não nos reconhece como filhos, nos despreza e nos trata como estranhos e nos nega os direitos de Povos que aqui sempre estiveram e que ajudaram a construir o seu “berço esplêndido”. Com esse julgamento os Povos Indígenas perderam o direito de serem consultados sobre toda e qualquer interferência em seus territórios, perderam o direito de saber quem entra e porque entra em suas casas, perderam o direito de reivindicarem a ampliação dos seus territórios, tiveram diminuído o seu direito de usufruto pleno das riquezas de seus territórios, perderam o direito de recuperar as terras usurpadas e sua autonomia.
É chegada a hora de os Povos Indígenas do Brasil juntamente com seus legítimos e verdadeiros lideres fazerem uma reflexão e instituir um novo discurso, uma nova prática e um novo olhar sobre suas relações com Estado Brasileiro. Sabemos que existe um abismo que separa os 20 pontos absurdamente colocados pelo STF como condição para a manutenção de RSS em área contínua e a realidade das lutas indígenas, na verdade a realidade é muito mais hilária! Se continuar essa arrogância jurídica do STF com os Povos Indígenas, sabemos que as guerras na ponta irão intensificar. Existe uma grande diferença entre dizer no STF que não é preciso consultar os índios para absolutamente nada, e autorizar um empreendimento em qualquer território indígena... Sabemos que a reação dos Povos Indígenas será muito diferente do dito pelo STF, porque simplesmente não foram parte dessa decisão. É necessário que lideranças indígenas lúcidas e sábias façam uma análise fria desse julgamento e a partir daí iniciar uma nova articulação com instituições do Estado, no sentido de assentarem, em bases confiáveis um novo “contrato” nas relações entre Povos Indígenas e o Estado Brasileiro.
Os Povos Indígenas do Brasil estão sofrendo um processo de recolonização, de tutela renovada e um tremendo choque civilizatório!
[1] Vitória pírrica ou vitória de Pirro é uma expressão utilizada para expressar uma vitória obtida a alto preço, potencialmente acarretadora de prejuízos irreparáveis.
domingo, 22 de março de 2009
Ressalva nº 20: Data da promulgação da Constituição define ocupação indígena
A primeira grande questão trazida pela votação do STF sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol é a que determina a data da Constituição como marco definitório da ocupação indígena em determinada terra.
O termo "ressalva nº 20" é invenção minha. Ela não existe como tal. Entretanto, uma parte substantiva do debate entre os ministros do STF sobre a criação de novos parâmetros de demarcação de terras indígenas, a partir das ressalvas apresentadas pelo ministro Menezes Direito, se deu em torno da fixação desse data -- 5/10/1988 -- para definir se uma comunidade indígena ocupa tradicional e legitimamente uma determinada terra para fins de reconhecimento legal.
Isto quer dizer que, se um comunidade indígena ou um grupo familiar de índios estivesse ocupando alguma terra antes dessa data e se na data não mais estivesse lá, por força de migração, mudança, expulsão ou esbulho, não teria mais direito sobre ela.
Especificamente, nos últimos momentos da sessão do dia 19 de março, o ministro Lewandowski disse que essa data representaria uma espécie de "fotografia" do momento. O próprio Ayres Britto chamou-a de "chapa radiográfica". Quer dizer, as terras indígenas legitimamente demarcáveis são aqueles em que, naquele dia, tenha havido presença de uma comunidade indígena. Nem antes, nem depois.
Eis como explicitou esse ponto o ministro Ayres Britto em seu pronunciamento original, considerado brilhante por muitos:
80. Passemos, então, e conforme anunciado, a extrair
do próprio corpo normativo da nossa Lei Maior o conteúdo
positivo de cada processo demarcatório em concreto.
Fazemo-lo, sob os seguintes marcos regulatórios:
I – o marco temporal da ocupação. Aqui, é preciso
ver que a nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a
data da promulgação dela própria (5 de outubro de
1988) como insubstituível referencial para o
reconhecimento, aos índios, “dos direitos sobre as
terras que tradicionalmente ocupam”. Terras que
tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas
que venham a ocupar. Tampouco as terras já
ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade
suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de
outubro de 1988. Marco objetivo que reflete o decidido
propósito constitucional de colocar uma pá de cal nas
intermináveis discussões sobre qualquer outra
referência temporal de ocupação de área indígena.
Mesmo que essa referência estivesse grafada em
Constituição anterior. É exprimir: a data de
verificação do fato em si da ocupação fundiária é o
dia 5 de outubro de 1988, e nenhum outro. Com o
que se evita, a um só tempo: a) a fraude da subitânea
proliferação de aldeias, inclusive mediante o
recrutamento de índios de outras regiões do Brasil,
quando não de outros países vizinhos, sob o único
propósito de artificializar a expansão dos lindes da
demarcação; b) a violência da expulsão de índios para
descaracterizar a tradicionalidade da posse das suas
terras, à data da vigente Constituição. Numa palavra,
o entrar em vigor da nova Lei Fundamental Brasileira
é a chapa radiográfica da questão indígena nesse
delicado tema da ocupação das terras a demarcar
pela União para a posse permanente e usufruto
exclusivo dessa ou daquela etnia aborígine.
Com essas palavras, Ayres Britto deu o tom e marcou o compasso dos demais votos. Alguns explicitaram essa data, outros simplesmente acataram-na. Apenas o ministro Joaquim Barbosa não concordou absolutamente com nenhuma ressalva. Mas, sobre a questão da data, não há declaração dele. Talvez até ele esteja de acordo.
Na minha análise, essa "20ª ressalva" é a mais prejudicial de todas. No meu entendimento não há na Constituição nada explícito sobre essa data ser o marco definitório da ocupação tradicional. Ela é simplesmente uma interpretação de Ayres Britto e dos demais ministros do STF. Não obtante, ela foi proferida como tal pelo STF, salvo melhor juízo, e não há modos de contornar essa assertiva interpretativa.
Porém, o fato é que essa assertiva vai inviabilizar qualquer possibilidade de recuperação de terras que foram esbulhadas por outros, seja pela expulsão forçada de índios, como ocorreu com a chegada de fazendeiros e grileiros em diversos estados, seja pela retirada persuasória, como ocorreu pela intermediação do SPI e da Funai, em tempos recentes.
Essa ressalva é portadora intrínseca do vício da anti-historicidade das relações humanas. Ao fixar uma data arbitrária, embora com certo simbolismo, ela reifica a Constituição brasileira. Concede-lhe um status quase divino, o que é inaceitável num regime republicano. Nisso, aliás, o ministro Ayres Britto segue muitos advogados e procuradores (inclusive do Ministério Público Federal) que elaboram argumentações pró-indígenas considerando que a Constituição de 1988 é o primeiro grande documento brasileiro que redimiu os índios de sua situação de inferioridade.
Eis que, pela interpretação dos ministros supremos da Justiça brasileira, essa Constituição vira o algoz, o empacador de qualquer possibilidade de remissão das falhas históricas do indigenismo brasileiro e das injustiças perpetradas contra os índios.
É impressionante notar que esses advogados e procuradores aludidos não atentaram para essa parte do voto de Ayres Britto exatamente porque hipostasiam a Constituição de 1988, desconsideram o valor do Estatuto do Índio, sua historicidade e sua carga de tradicionalidade positiva, e soberbamente diminuem o valor do passado indigenista brasileiro. Especialmente as ações do SPI no tempo de Rondon, na década de 1950, o papel de indigenistas como Orlando Villas-Boas e de antropólogos como Darcy Ribeiro, Eduardo Galvão e Carlos Moreira Neto.
Agora, Inês é morta. Terra demarcável é tão-somente aquela que o índio tenha estado ocupando em outubro de 1988, e de modo efetivo, conforme o voto de Ayres Britto. A revisão dessa ressalva, se puder ser feita, levará anos. Talvez só quando o valor da terra cair novamente e os fazendeiros resolverem se desfazer delas é que os índios que precisam recuperar alguma de suas terras perdidas em épocas pretéritas terão alguma chance.
De cara, todas as tentativas de demarcar terras no Mato Grosso do Sul, seja dos índios Terena, seja dos Guarani, nas terras de Santa Catarina e Paraná estão empacadas. Agora não só por pressão política, mas, pior, por injunção jurídica.
A atual administração da Funai, junto com alguns antropólogos, Ongs neoliberais e o próprio CIMI instilaram irresponsavelmente nos índios daqueles estados a ilusão de que iriam demarcar suas terras como se tivessem uma varinha de condão, por mágica, por vontade. Ignoraram a história do indigenismo brasileiro, o modo e o processo como terras indígenas são demarcadas, a sabedoria que existe nisso. Foram rechaçados pela reação agressiva dos fazendeiros e dos políticos regionais que conseguiram até o consentimento do presidente Lula e da ministra Dilma Roussef para obstar essa pretensão. Levantaram uma sublevação política que, seguramente, foi um dos fatores desses votos tão draconianos, dessas interpretações tão anti-indígenas que vieram do STF.
Que os índios saibam quem os levou à situação atual. Que os antropólogos e indigenistas da atualidade compreendam o a origem, o sentido, a dimensão e o futuro dessa situação. Que os advogados e procuradores ponham a mão na consciência e saiam de sua reificação jurídica e entendam que a história se faz pelo processo social, não por firulas jurídicas. Que o Brasil possa recuperar aquilo que é do índio para o índio. Algum dia.
O termo "ressalva nº 20" é invenção minha. Ela não existe como tal. Entretanto, uma parte substantiva do debate entre os ministros do STF sobre a criação de novos parâmetros de demarcação de terras indígenas, a partir das ressalvas apresentadas pelo ministro Menezes Direito, se deu em torno da fixação desse data -- 5/10/1988 -- para definir se uma comunidade indígena ocupa tradicional e legitimamente uma determinada terra para fins de reconhecimento legal.
Isto quer dizer que, se um comunidade indígena ou um grupo familiar de índios estivesse ocupando alguma terra antes dessa data e se na data não mais estivesse lá, por força de migração, mudança, expulsão ou esbulho, não teria mais direito sobre ela.
Especificamente, nos últimos momentos da sessão do dia 19 de março, o ministro Lewandowski disse que essa data representaria uma espécie de "fotografia" do momento. O próprio Ayres Britto chamou-a de "chapa radiográfica". Quer dizer, as terras indígenas legitimamente demarcáveis são aqueles em que, naquele dia, tenha havido presença de uma comunidade indígena. Nem antes, nem depois.
Eis como explicitou esse ponto o ministro Ayres Britto em seu pronunciamento original, considerado brilhante por muitos:
80. Passemos, então, e conforme anunciado, a extrair
do próprio corpo normativo da nossa Lei Maior o conteúdo
positivo de cada processo demarcatório em concreto.
Fazemo-lo, sob os seguintes marcos regulatórios:
I – o marco temporal da ocupação. Aqui, é preciso
ver que a nossa Lei Maior trabalhou com data certa: a
data da promulgação dela própria (5 de outubro de
1988) como insubstituível referencial para o
reconhecimento, aos índios, “dos direitos sobre as
terras que tradicionalmente ocupam”. Terras que
tradicionalmente ocupam, atente-se, e não aquelas
que venham a ocupar. Tampouco as terras já
ocupadas em outras épocas, mas sem continuidade
suficiente para alcançar o marco objetivo do dia 5 de
outubro de 1988. Marco objetivo que reflete o decidido
propósito constitucional de colocar uma pá de cal nas
intermináveis discussões sobre qualquer outra
referência temporal de ocupação de área indígena.
Mesmo que essa referência estivesse grafada em
Constituição anterior. É exprimir: a data de
verificação do fato em si da ocupação fundiária é o
dia 5 de outubro de 1988, e nenhum outro. Com o
que se evita, a um só tempo: a) a fraude da subitânea
proliferação de aldeias, inclusive mediante o
recrutamento de índios de outras regiões do Brasil,
quando não de outros países vizinhos, sob o único
propósito de artificializar a expansão dos lindes da
demarcação; b) a violência da expulsão de índios para
descaracterizar a tradicionalidade da posse das suas
terras, à data da vigente Constituição. Numa palavra,
o entrar em vigor da nova Lei Fundamental Brasileira
é a chapa radiográfica da questão indígena nesse
delicado tema da ocupação das terras a demarcar
pela União para a posse permanente e usufruto
exclusivo dessa ou daquela etnia aborígine.
Com essas palavras, Ayres Britto deu o tom e marcou o compasso dos demais votos. Alguns explicitaram essa data, outros simplesmente acataram-na. Apenas o ministro Joaquim Barbosa não concordou absolutamente com nenhuma ressalva. Mas, sobre a questão da data, não há declaração dele. Talvez até ele esteja de acordo.
Na minha análise, essa "20ª ressalva" é a mais prejudicial de todas. No meu entendimento não há na Constituição nada explícito sobre essa data ser o marco definitório da ocupação tradicional. Ela é simplesmente uma interpretação de Ayres Britto e dos demais ministros do STF. Não obtante, ela foi proferida como tal pelo STF, salvo melhor juízo, e não há modos de contornar essa assertiva interpretativa.
Porém, o fato é que essa assertiva vai inviabilizar qualquer possibilidade de recuperação de terras que foram esbulhadas por outros, seja pela expulsão forçada de índios, como ocorreu com a chegada de fazendeiros e grileiros em diversos estados, seja pela retirada persuasória, como ocorreu pela intermediação do SPI e da Funai, em tempos recentes.
Essa ressalva é portadora intrínseca do vício da anti-historicidade das relações humanas. Ao fixar uma data arbitrária, embora com certo simbolismo, ela reifica a Constituição brasileira. Concede-lhe um status quase divino, o que é inaceitável num regime republicano. Nisso, aliás, o ministro Ayres Britto segue muitos advogados e procuradores (inclusive do Ministério Público Federal) que elaboram argumentações pró-indígenas considerando que a Constituição de 1988 é o primeiro grande documento brasileiro que redimiu os índios de sua situação de inferioridade.
Eis que, pela interpretação dos ministros supremos da Justiça brasileira, essa Constituição vira o algoz, o empacador de qualquer possibilidade de remissão das falhas históricas do indigenismo brasileiro e das injustiças perpetradas contra os índios.
É impressionante notar que esses advogados e procuradores aludidos não atentaram para essa parte do voto de Ayres Britto exatamente porque hipostasiam a Constituição de 1988, desconsideram o valor do Estatuto do Índio, sua historicidade e sua carga de tradicionalidade positiva, e soberbamente diminuem o valor do passado indigenista brasileiro. Especialmente as ações do SPI no tempo de Rondon, na década de 1950, o papel de indigenistas como Orlando Villas-Boas e de antropólogos como Darcy Ribeiro, Eduardo Galvão e Carlos Moreira Neto.
Agora, Inês é morta. Terra demarcável é tão-somente aquela que o índio tenha estado ocupando em outubro de 1988, e de modo efetivo, conforme o voto de Ayres Britto. A revisão dessa ressalva, se puder ser feita, levará anos. Talvez só quando o valor da terra cair novamente e os fazendeiros resolverem se desfazer delas é que os índios que precisam recuperar alguma de suas terras perdidas em épocas pretéritas terão alguma chance.
De cara, todas as tentativas de demarcar terras no Mato Grosso do Sul, seja dos índios Terena, seja dos Guarani, nas terras de Santa Catarina e Paraná estão empacadas. Agora não só por pressão política, mas, pior, por injunção jurídica.
A atual administração da Funai, junto com alguns antropólogos, Ongs neoliberais e o próprio CIMI instilaram irresponsavelmente nos índios daqueles estados a ilusão de que iriam demarcar suas terras como se tivessem uma varinha de condão, por mágica, por vontade. Ignoraram a história do indigenismo brasileiro, o modo e o processo como terras indígenas são demarcadas, a sabedoria que existe nisso. Foram rechaçados pela reação agressiva dos fazendeiros e dos políticos regionais que conseguiram até o consentimento do presidente Lula e da ministra Dilma Roussef para obstar essa pretensão. Levantaram uma sublevação política que, seguramente, foi um dos fatores desses votos tão draconianos, dessas interpretações tão anti-indígenas que vieram do STF.
Que os índios saibam quem os levou à situação atual. Que os antropólogos e indigenistas da atualidade compreendam o a origem, o sentido, a dimensão e o futuro dessa situação. Que os advogados e procuradores ponham a mão na consciência e saiam de sua reificação jurídica e entendam que a história se faz pelo processo social, não por firulas jurídicas. Que o Brasil possa recuperar aquilo que é do índio para o índio. Algum dia.
Deu na CartaCapital
Raposa Serra do Sol: venceu a demarcação contínua
Redação CartaCapital, 22/03/2009
Por 10 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional o processo de demarcação em área contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A ampla maioria dos ministros acompanhou o voto do relator Carlos Ayres Britto, proferido em agosto do ano passado. Na ocasião, o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do processo feito por Marco Aurélio Mello, o único a defender em seu voto a nulidade da demarcação e a sua revisão.
O STF também decidiu pela retirada imediata dos não indígenas da região, onde vivem cerca de 19 mil índios em uma área de 17 mil quilômetros quadrados. Lideranças indígenas e militantes ligados à causa consideraram histórica a decisão em relação à Raposa, cuja demarcação foi questionada durante mais de três décadas. Principalmente por esvaziar os argumentos contrários de produtores rurais, políticos locais, uma parcela das Forças Armadas e o governo de Roraima, segundo os quais o formato atual colocaria em risco a integridade territorial brasileira.
Embora festejada por ambientalistas, duas ressalvas da decisão do STF preocupam, por serem extensivas às demais áreas indígenas, algumas delas definidas durante a ditadura. Para o tribunal, todas as demarcações já realizadas no País terão de manter o tamanho original. E os entes federativos - estados e municípios onde existam áreas indígenas - terão de participar dos processos demarcatórios, hoje uma prerrogativa da Funai.
“A impossibilidade de revisão vai perpetuar injustiças históricas cometidas em ao menos 50 demarcações equivocadas realizadas ao longo do século XX", disse à CartaCapital o antropólogo Mércio Gomes, ex-presidente da Funai. Incluem-se aí, diz Gomes, os territórios guaranis e terenas, em Mato Grosso do Sul, atualmente em processo de revisão, e dos caingangues, em Santa Catarina e no Paraná.
Redação CartaCapital, 22/03/2009
Por 10 votos a 1, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional o processo de demarcação em área contínua da reserva indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima. A ampla maioria dos ministros acompanhou o voto do relator Carlos Ayres Britto, proferido em agosto do ano passado. Na ocasião, o julgamento foi interrompido por um pedido de vista do processo feito por Marco Aurélio Mello, o único a defender em seu voto a nulidade da demarcação e a sua revisão.
O STF também decidiu pela retirada imediata dos não indígenas da região, onde vivem cerca de 19 mil índios em uma área de 17 mil quilômetros quadrados. Lideranças indígenas e militantes ligados à causa consideraram histórica a decisão em relação à Raposa, cuja demarcação foi questionada durante mais de três décadas. Principalmente por esvaziar os argumentos contrários de produtores rurais, políticos locais, uma parcela das Forças Armadas e o governo de Roraima, segundo os quais o formato atual colocaria em risco a integridade territorial brasileira.
Embora festejada por ambientalistas, duas ressalvas da decisão do STF preocupam, por serem extensivas às demais áreas indígenas, algumas delas definidas durante a ditadura. Para o tribunal, todas as demarcações já realizadas no País terão de manter o tamanho original. E os entes federativos - estados e municípios onde existam áreas indígenas - terão de participar dos processos demarcatórios, hoje uma prerrogativa da Funai.
“A impossibilidade de revisão vai perpetuar injustiças históricas cometidas em ao menos 50 demarcações equivocadas realizadas ao longo do século XX", disse à CartaCapital o antropólogo Mércio Gomes, ex-presidente da Funai. Incluem-se aí, diz Gomes, os territórios guaranis e terenas, em Mato Grosso do Sul, atualmente em processo de revisão, e dos caingangues, em Santa Catarina e no Paraná.
sábado, 21 de março de 2009
Raoni Metuktire, o grande cacique Kayapó, está revoltado!
Brasília, 18 de Março de 2009.
Eu, Cacique Raoni Metuktire, em nome do meu povo Kayapó (Mebêngokré), quero declarar nossa insatisfação pela atual presidência da FUNAI que mostra indiferença pela questão indígena.
Procurei o Ministro (Carlos) Minc do Meio Ambiente pra me ajudar, porque ele também se interessou pela demarcação da nossa terra KAPÔNHINORE-MT, e o presidente da FUNAI disse que eu tenho que ir pra fila da D.A.F. (Diretoria de Assuntos Fundiários), e também não me recebeu pra conversar.
Eu não posso ficar esperando nessa fila, porque essa é uma luta antiga de 25 anos.
Todo meu povo Kayapó está revoltado.
RAONI
_________________
URGENTE
Aldeia Piaraçu, 19 de Março de 2009.
Ao Exmo. Ministro
Sr. Carlos Minc
Ministério do Meio Ambiente
Brasília-DF
Prezado Senhor Ministro;
Nós ficamos muito contentes em saber que o nosso cacique principal, RAONI METUKTIRE, foi muito bem recebido nesse Ministério pelo senhor e seus assessores, pois sabemos que o senhor é um grande defensor do meio ambiente, assim como o cacique Raoni, que também tem lutado bastante por essa causa há muitos anos!
Na nossa visão, assim como na do senhor e do cacique Raoni, sabemos que também existem outros ambientalistas preocupados por essa causa.
Todos nós, ficamos muito revoltados pela maneira desinteressada e sem respeito que o presidente Márcio da FUNAI falou com o senhor pelo telefone, sobre o pedido do cacique Raoni para demarcar a terra KAPÔ-NHINORI, que é terra antiga dos nossos antepassados, e onde, também, está o cemitério dos nossos avós e demais parentes.
Esse presidente Márcio chegou agora e não sabe nada da luta antiga do cacique Raoni e do nosso povo Mebêngokré (Kayapó), que é de mais de 25 anos...
Da maneira que ele falou com o senhor, desrespeitando o pedido do cacique Raoni, dizendo que ele tem que ir pra fila da DAF (Diretoria de Assuntos Fundiários), então essa é uma forma desrespeitosa para o senhor e o cacique Raoni, que vem lutando há tantos anos...
Então, queremos pedir para o senhor conversar com o Ministro da Justiça Tarso Genro, e com o presidente Lula, para afastá-lo da FUNAI, pois ele não está se interessando, e está desrespeitando o cacique Raoni e todo nosso povo, assim como outras lideranças Xavante, e outras.
Depois, quando o cacique Raoni acabou de falar com o senhor, ele foi na Funai pra tentar falar com o presidente Márcio mas não foi recebido.
Nós tomamos isso como um grande desrespeito!
Nós vamos ficar aguardando o afastamento dele!
Atenciosamente; (anexa lista de assinaturas)
Eu, Cacique Raoni Metuktire, em nome do meu povo Kayapó (Mebêngokré), quero declarar nossa insatisfação pela atual presidência da FUNAI que mostra indiferença pela questão indígena.
Procurei o Ministro (Carlos) Minc do Meio Ambiente pra me ajudar, porque ele também se interessou pela demarcação da nossa terra KAPÔNHINORE-MT, e o presidente da FUNAI disse que eu tenho que ir pra fila da D.A.F. (Diretoria de Assuntos Fundiários), e também não me recebeu pra conversar.
Eu não posso ficar esperando nessa fila, porque essa é uma luta antiga de 25 anos.
Todo meu povo Kayapó está revoltado.
RAONI
_________________
URGENTE
Aldeia Piaraçu, 19 de Março de 2009.
Ao Exmo. Ministro
Sr. Carlos Minc
Ministério do Meio Ambiente
Brasília-DF
Prezado Senhor Ministro;
Nós ficamos muito contentes em saber que o nosso cacique principal, RAONI METUKTIRE, foi muito bem recebido nesse Ministério pelo senhor e seus assessores, pois sabemos que o senhor é um grande defensor do meio ambiente, assim como o cacique Raoni, que também tem lutado bastante por essa causa há muitos anos!
Na nossa visão, assim como na do senhor e do cacique Raoni, sabemos que também existem outros ambientalistas preocupados por essa causa.
Todos nós, ficamos muito revoltados pela maneira desinteressada e sem respeito que o presidente Márcio da FUNAI falou com o senhor pelo telefone, sobre o pedido do cacique Raoni para demarcar a terra KAPÔ-NHINORI, que é terra antiga dos nossos antepassados, e onde, também, está o cemitério dos nossos avós e demais parentes.
Esse presidente Márcio chegou agora e não sabe nada da luta antiga do cacique Raoni e do nosso povo Mebêngokré (Kayapó), que é de mais de 25 anos...
Da maneira que ele falou com o senhor, desrespeitando o pedido do cacique Raoni, dizendo que ele tem que ir pra fila da DAF (Diretoria de Assuntos Fundiários), então essa é uma forma desrespeitosa para o senhor e o cacique Raoni, que vem lutando há tantos anos...
Então, queremos pedir para o senhor conversar com o Ministro da Justiça Tarso Genro, e com o presidente Lula, para afastá-lo da FUNAI, pois ele não está se interessando, e está desrespeitando o cacique Raoni e todo nosso povo, assim como outras lideranças Xavante, e outras.
Depois, quando o cacique Raoni acabou de falar com o senhor, ele foi na Funai pra tentar falar com o presidente Márcio mas não foi recebido.
Nós tomamos isso como um grande desrespeito!
Nós vamos ficar aguardando o afastamento dele!
Atenciosamente; (anexa lista de assinaturas)
As 19 ressalvas (e mais uma vigésima) que definem o novo marco de demarcação de terras indígenas
Como ficou evidente no final da sessão do STF que definiu pela correção da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ocorrida em 19 de abril de 2009, as 18 ressalvas proferidas no voto do ministro Menezes Direito, em sentada anterior (10/12/2008) foram aprovadas in toto, com algumas delas em votação, e foram acrescidas de mais uma, por sugestão do ministro Gilmar Mendes, o último a proferir seu voto.
Entretanto, há mais um ponto de extrema importância que, embora não escrito entre as ressalvas, pontuou a argumentação de todos os votos: é a de que a data da promulgação da Constituição brasileira (5/10/1988) ficou definida como o marco temporal de reconhecimento de ocupação tradicional indígena sobre uma determinada terra.
Isto é, se um índio ou uma comunidade indígena reclama que determinada terra pertence a si por ter sido ocupado tradicionalmente por um antepassado, em anos passados, não vale mais como argumento de legitimidade, a não ser que a presença desse antepassado tenha ocorrido durante ou na data estipulada. Se seu antepassado a deixou por qualquer motivo que seja, esbulho, expulsão, migração, etc., o direito de reclamá-la não mais prevalece.
Esse ponto foi aprovado por todos, mas não ficou assignado entre as ressalvas. Porém, é o mais contundente e alarmante de todos. Sua efetivação irá deslegitimar os reclamos que muitas comunidades indígenas vêm fazendo, as quais, em certa medida, a Funai vinha tentando reconhecer.
Todos esses pontos serão discutidos nos próximos dias por esse Blog. A Enquete ao lado facilita a opinião dos leitores e participantes desse Blog. A possibilidade de comentários, de qualquer jaez, está facultada para todos!
______________________________________________
As 19 ressalvas (mais Uma) da Súmula do STF sobre Raposa Serra do Sol
1 – O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar;
2 - O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;
3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
5 - O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
7 – O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;
8 – O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;
10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes;
11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;
12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
13 – A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;
14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena;
15 – É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;
16 - As terras sob ocupação e posse dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;
17 – É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
18 – Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.
19 – É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação.
20ª - A data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) é o marco temporal para o reconhecimento legal de ocupação tradicional da terra indígena.
Entretanto, há mais um ponto de extrema importância que, embora não escrito entre as ressalvas, pontuou a argumentação de todos os votos: é a de que a data da promulgação da Constituição brasileira (5/10/1988) ficou definida como o marco temporal de reconhecimento de ocupação tradicional indígena sobre uma determinada terra.
Isto é, se um índio ou uma comunidade indígena reclama que determinada terra pertence a si por ter sido ocupado tradicionalmente por um antepassado, em anos passados, não vale mais como argumento de legitimidade, a não ser que a presença desse antepassado tenha ocorrido durante ou na data estipulada. Se seu antepassado a deixou por qualquer motivo que seja, esbulho, expulsão, migração, etc., o direito de reclamá-la não mais prevalece.
Esse ponto foi aprovado por todos, mas não ficou assignado entre as ressalvas. Porém, é o mais contundente e alarmante de todos. Sua efetivação irá deslegitimar os reclamos que muitas comunidades indígenas vêm fazendo, as quais, em certa medida, a Funai vinha tentando reconhecer.
Todos esses pontos serão discutidos nos próximos dias por esse Blog. A Enquete ao lado facilita a opinião dos leitores e participantes desse Blog. A possibilidade de comentários, de qualquer jaez, está facultada para todos!
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As 19 ressalvas (mais Uma) da Súmula do STF sobre Raposa Serra do Sol
1 – O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser relativizado sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o relevante interesse público da União na forma de Lei Complementar;
2 - O usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;
3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra das riquezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional, assegurando aos índios participação nos resultados da lavra, na forma da lei.
4 – O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, devendo se for o caso, ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
5 - O usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
6 – A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
7 – O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;
8 – O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica sob a responsabilidade imediata do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, que deverão ser ouvidas, levando em conta os usos, as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;
10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes;
11 – Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;
12 – O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
13 – A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;
14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena;
15 – É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;
16 - As terras sob ocupação e posse dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena imunidade tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;
17 – É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
18 – Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.
19 – É assegurada a efetiva participação dos entes federativos em todas as etapas do processo de demarcação.
20ª - A data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988) é o marco temporal para o reconhecimento legal de ocupação tradicional da terra indígena.
quinta-feira, 19 de março de 2009
Raposa Serra do Sol -- 10 X 1 -- Arrozeiros
O dilatado placar em favor da legitimidade da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, dado neste dia de São José, 19 de março de 2009, consagra o respeito que o povo brasileiro sente pelos povos indígenas do Brasil. Não foi um ato espúrio, mas o resultado simbólico de toda a história do indigenismo brasileiro, que vem de José Bonifácio e Rondon, e que conta com o apoio do sentimento nacional mais profundo. Já o disse isso por ocasião do ato de homologação do presidente Lula, aos 15 de abril de 2005, conforme o artigo abaixo.
Saúdo e parabenizo os índios Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona por esse evento tão bom e tão auspicioso!
Não poderia estar mais emocionado por isso. Quero homenagear toda a luta que ocorreu para que esse feito acontecesse. A luta dos índios daquela região que, após dois séculos de domínio absoluto dos brancos, estavam tomando pé, de suas vidas, ressurgindo para a história. Agora a história se desenlaça com sua vitória.
Caíram por terra todos os argumentos contrários ao respeito ao ato de homologação do presidente Lula.
Caiu por terra o medo da ameaça à soberania nacional pela terra indígena estar localizada na fronteira com dois países da América do Sul.
Caiu por terra o medo da presença de Ongs e da Igreja Católica e sua influência sobre os índios.
Caiu por terra o argumento de que são poucos os índios para o tamanho da terra.
Caiu por terra o argumento de que os índios não se manteriam isolados pela ausência de arrozeiros em suas terras.
Caiu por terra o argumento de que o Estudo de Identificação feito pela Funai estava viciado em erros formais e substantivos.
Caiu por terra o argumento de que o estado de Roraima iria perder receitas e desenvolvimento econômico.
Caiu por terra o argumento de que os arrozeiros são os modernos bandeirantes que podem tudo e fazem o que querem.
Caiu por terra toda a pressão feita por políticos e ideólogos anti-indigenistas contra a homologação dessa terra indígena.
Os índios do lavrado de Roraima devem se orgulhar de sua história de resistência, muitas vezes calada, nos tempos de dominação, e agora de recuperação e reafirmação de sua dignidade. Reconquistaram sua autonomia pelos seus méritos, mas também pelo ato iniciatório da demarcação feito no governo Fernando Henrique Cardoso, pelo ato homologatório assinado pelo presidente Lula e agora por esse gesto magnânimo do STF, mesmo que após tantas indecisões, idas e voltas, e tantos aperreios por parte dos índios. Mesmo com tantas restrições específicas ao domínio pleno dessa terra indígena, as quais, entretanto, afetarão mais contundentemente outros povos indígenas no presente e no futuro. (Sobre isso escreverei em outra ocasião!)
A vitória dos índios de Raposa Serra do Sol é a vitória dos índios brasileiros, do indigenismo nascido do republicanismo rondoniano, e teve o apoio de muita gente ao longo de mais de 30 anos de lutas. Em sua primeira festa de comemoração, em outubro de 2005, esses nomes foram lembrados.
Agora é preciso muita sabedoria para que a Terra Indígena Raposa Serra do Sol seja a mãe de todos os índios, mesmo daqueles que foram contrários à sua condição de terra exclusiva para os índios.
Os arrozeiros vão se retirados ou serão retirados à força. Não pode haver mais vacilações. O estado de Roraima vai buscar suas próprias fontes de desenvolvimento, mas não mais às custas dos índios. Os políticos vão baixar a crista e aceitar a decisão do STF.
Um novo começo desponta para os índios de Raposa Serra do Sol.
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A consagração do indigenismo brasileiro
MÉRCIO P. GOMES em Folha de São Paulo, 15 de maio de 2005
"Os índios foram o instrumento de quanto aqui se praticou de útil e grandioso; são o princípio de todas as nossas coisas; são os que deram a base para o nosso caráter nacional, ainda mal desenvolvido, e será a coroa de nossa prosperidade o dia de sua inteira reabilitação."
Gonçalves Dias, 1849
A homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol representa a consagração do indigenismo brasileiro. O ato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva fortalece a mais alta tradição de respeito ao índio, que vem desde que Gonçalves Dias reconheceu o índio como parte constitutiva da nação e desde a fundação da República, que instituiu o índio no panorama democrático brasileiro. O indigenismo brasileiro se enaltece também pelo fato de que os povos indígenas que sobreviveram ao processo colonialista (que ainda perdura entre nós) e que pareciam estar fadados ao extermínio somam, hoje, 440 mil pessoas -8% do que eram em 1500, porém quatro vezes mais do que a população de 1955, quando Darcy Ribeiro escreveu seu famoso relatório à Unesco sobre populações indígenas.
A terra indígena Raposa/ Serra do Sol representa a consagração da idéia de territorialidade indígena
A homologação é o ato presidencial que reconhece aquela terra como território de cinco povos -Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona-, que lá vivem tradicionalmente há centenas de anos. Parte desse território estava invadido por pessoas que não reconheciam a legitimidade histórica da posse imemorial desses povos ou que, levianamente, achavam que podiam dele se apossar. O ato do presidente Lula é um ato reparador de uma injustiça. É um ato de resgate da dívida histórica do povo brasileiro para com os povos indígenas, ato este que ele já realizou 54 outras vezes desde a sua posse e que certamente o fará mais tantas vezes até que se conclua o processo de demarcação das terras indígenas no Brasil.
A terra indígena Raposa/Serra do Sol, com 1, 743 milhão de hectares de dimensão, não está entre as dez maiores terras indígenas do Brasil. O que ela representa no cenário indígena brasileiro é a consagração da idéia de territorialidade indígena, isto é, de que uma terra indígena não é tão-somente o espaço de sua sobrevivência física imediata, mas um espaço culturalizado por gerações anteriores, destinado à presença permanente de um povo e de gerações subseqüentes, bem como para o futuro do país. Essa idéia foi iniciada no Brasil graças à tríade patriarcal do indigenismo, formada pelo marechal Rondon, Orlando Villas-Boas e Darcy Ribeiro, quando eles convenceram o presidente Getúlio Vargas da importância da criação do Parque Nacional do Xingu, projetado para ter 4,5 milhões de hectares.
A Raposa/Serra do Sol é a consolidação dessa idéia genial e pioneira -que, aliás, nenhum outro país do mundo tem para suas populações de origem.
Sem deixar de reconhecer grandes dificuldades que os povos indígenas ainda enfrentam no seu dia-a-dia, não se podem negar os avanços que o Brasil já fez e vem fazendo.
Ao vermos um mapa do Brasil com a plotagem das terras indígenas reconhecidas, damo-nos conta do quão grandiosa é a resposta que o país está dando para os anseios dos índios. As terras indígenas compõem um conjunto de cerca de 600 terras, mais de 1 milhão de quilômetros quadrados -uma França e uma Alemanha juntas. Só o Canadá tem mais áreas de terras consignadas aos seus povos indígenas, mas isso ao contarmos a calota polar que nominalmente pertence aos Esquimó-Inuit.
É preciso que o brasileiro se dê conta dessa realidade para conhecer melhor sua nação, para saber o quanto já foi feito em prol dos índios neste país, e disso se orgulhar.
A homologação da terra indígena Raposa/Serra do Sol foi um ato perfeito da nação brasileira. Contou, ao longo de mais de 25 anos, com a torcida do povo brasileiro, e não só da Funai e das organizações indígenas. Teve o apoio do Poder Judiciário, do Ministério Público, do Poder Legislativo mais alto e do Poder Executivo -através da portaria declaratória de demarcação do ministro da Justiça e do ato final do presidente da República. E, desde sempre, dos próprios povos indígenas que nunca abriram mão desse sonho.
Mércio Pereira Gomes, 53, professor de antropologia na (UFF) Universidade Federal Fluminense, é o presidente da Funai (Fundação Nacional do Índio).
Raposa Serra do Sol -- 9 X 1 -- Arrozeiros
A sessão do dia do STF, dedicada a tratar da PET 3388, que pedia a anulação da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, terminou com a votação somada de 9 votos a favor da legalidade da homologação contra 1 voto a favor da sua anulação.
O único voto contrário foi proferido em longas 6 horas pelo ministro Marco Aurélio Mello. Argumentou o ministro que o processo estava eivado de irregularidades formais e substantivas e que precisava ser anulado. Ninguém acatou suas argumentações, que foram feitas com citações de intelectuais da direita brasileira, como Paulo Bonavides e Ives Martins Gandras, e do novo anti-indigenismo nacional, como Aldo Rebelo e Denis Rosenfield.
Resta agora o voto final do ministro presidente, Gilmar Mendes, que, como tal, não fará diferença para o placar. Mas ele preferiu não se manifestar e adiar seu voto para amanhã (quinta-feira), a partir das 14 horas, exatamente para ter mais tempo para que o STF em seu conjunto decida sobre novas regras do processo de demarcação de terras indígenas.
Três frases ecoaram da Plenária do STF, e que irão mudar drasticamente o panorama da situação indígena brasileira.
A primeira vem de Gilmar Mendes: "A demarcação de terras indígenas é séria demais para ficar apenas com a Funai!"
A segunda vem de Celso de Melo: "Acabou a era do indigenato!"
A terceira vem de Marco Aurélio (que também vem de Ayres Britto): "A data da promulgação da Constituição de 1988 (5 de outubro) é o marco temporal da legitimidade da presença de ocupação tradicional indígena".
Essas frases conceituais são, de certo modo, inesperadas. Ao votarem em prol de Raposa Serra do Sol os ministros teceram considerações de diversas naturezas sobre o modo, o processo, os preceitos filosóficas, as bases históricas que legitimam aos olhos do brasileiro não-indígena a presença e a força do indígena no Brasil.
De vários modos, essas considerações, mesmo as românticas, de um Ayres Britto, ressoam mais antiquadas e pretéritas do que os argumentos filosóficos e políticos que o Marechal Rondon usava para defender os índios em situações tão difíceis, das décadas de 1910 até 1950.
O Marechal Rondon, do alto de sua visão utópica, dizia que os índios constituíam "nações autonômas" com as quais o Brasil tinha que manter laços de amizade!!!!
E há antropólogos que criticam o Marechal Rondo!!
Não resta dúvidas que o fim do indigenato representa um retrocesso impressionante, bem como fixar a data de 5 de outubro de 1988 para legitimar a ocupação de índios em determinadas terras.
Como, com essas bases, haver-se-á de demarcar terras para os índios Guarani, Kaingang, Terena e tantos outros que as perderam em décadas passadas e não as ocupavam no dia 5 de outubro de 1988? E as terras daqueles que só agora estão se manifestando como indígenas?
Por fim, pela frase do ministro-presidente, a Funai sai perdendo a exclusividade de demarcar terras indígenas. Que órgãos a irá substituir nesse mister? Que instâncias determinarão sua decisão de estudar tal ou qual terra para fins de reconhecimento?
E que terras sobrarão para serem demarcadas?
O fato é que os ministros do STF deram aos índios Makuxi, Wapixana, Ingarikó, Taurepang e Patamona sua integridade territorial -- e retiraram a possibilidade de outros povos indígenas recuperarem terras perdidas em tempos passados.
Por que isso tudo? Por que essa data estranha? Por quer o fim do indigenato, da legitimidade histórica sobre terras já havidas por algum povo indígena?
Que tempos são esses que os índios estão vivendo que o ódio do STF recai tão pesadamente sobre eles?
Quem provocou esse ódio, que agrega gregos e troianos, direita e esquerda, numa só onda de anti-indigenismo?
quarta-feira, 18 de março de 2009
Ministro Marco Aurélio vota requerendo o saneamento do processo sobre Raposa Serra do Sol
Hoje pela manhã o ministro Marco Aurélio preferiu a primeira parte do seu voto sobre a PET 3388, que trata da impugnação da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Foi péssimo. Trata-se de um longo e caudaloso pronunciamento em que o ministro considera processo viciado pela falta de diversas ações, depoimentos, deslocamento da parte passiva, etc. O voto parcial do ministro Marco Aurélio requer que todo o processo seja "sanado", o que exigiria uma série de providências que adiaria para as calendas gregas a decisão sobre o processo.
Isto é, se os demais ministros aceitarem as ponderações dessa parte do voto do referido ministro.
Estamos aguardando a volta do Plenário do STF para que o ministro Marco Aurélio se pronuncie sobre a segunda parte do voto, sobre o mérito da demarcação e da homologação.
Não vai ser fácil para os índios. Só esperamos que os demais ministros não sigam as ponderações do ministro Marco Aurélio.
Além de Marco Aurélio, faltam votar os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, este último se desejar.
Foi péssimo. Trata-se de um longo e caudaloso pronunciamento em que o ministro considera processo viciado pela falta de diversas ações, depoimentos, deslocamento da parte passiva, etc. O voto parcial do ministro Marco Aurélio requer que todo o processo seja "sanado", o que exigiria uma série de providências que adiaria para as calendas gregas a decisão sobre o processo.
Isto é, se os demais ministros aceitarem as ponderações dessa parte do voto do referido ministro.
Estamos aguardando a volta do Plenário do STF para que o ministro Marco Aurélio se pronuncie sobre a segunda parte do voto, sobre o mérito da demarcação e da homologação.
Não vai ser fácil para os índios. Só esperamos que os demais ministros não sigam as ponderações do ministro Marco Aurélio.
Além de Marco Aurélio, faltam votar os ministros Celso de Mello e Gilmar Mendes, este último se desejar.
terça-feira, 17 de março de 2009
Dois intelectuais indígenas debatem oportunidade da proposta do Estatuto dos Povos Indígenas
A elaboração do chamado Estatuto dos Povos Indígenas suscitou ultimamente um interessante debate entre dois intelectuais indígenas.
De um lado, Weibe Tapeba, do povo Tapeba, natural do Ceará, que faz parte da CNPI, defende a elaboração dessa proposta e argumenta que ela foi bem debatida nas 10 reuniões indígenas, com inúmeros aportes dos índios. Mesmo assim, tem algumas dúvidas. A principal é que acha que o Ministério da Justiça está com outra versão na gola da manga para soltar quando for conveniente. Assim, Weibe põe em desconfiança a liderança que é exercida pelo atual presidente da Funai na CNPI, já que não demonstra saber o que está se passando no MJ, ou faz jogo duplo com os índios e o MJ.
Do outro lado, está Azelene Kaingang, do povo Kaingang, do Rio Grande do Sul, que participou durante cinco anos ativa e propositivamente da formulação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas. Azelene acha inoportuno o momento em virtude da péssima atitude anti-indígena que tomou de assalto o Congresso Nacional, sobretudo a partir do ano passado. Azelene também põe em dúvida a legitimidade da consulta feita aos índios, pela quantidade relativamente pequena dos consultados, e requer que o projeto seja discutido por um foro mais amplo.
Do depoimento de Weibe, participante da CNPI, transparece a ideia de que o tal projeto do MJ põe de banda a matéria sobre terras indígenas, considerando o tema já esgotado. Isto parece estranho já que o grupo que controla a Funai, sob a supervisão das Ongs neoliberais e do CIMI, professa que seu propósito é demarcar todas as terras indígenas que faltam ser demarcadas, inclusive as dos Guarani do Mato Grosso do Sul. E que o Estatuto novo viria para confirmar legalmente essa possibilidade já iniciada pela Constituição.
É difícil saber o que acontecerá. De todo modo, Azelene alerta o seu colega para o resultado da votação no STF sobre a homologação da Terra Indígena Raposa serra do Sol e as 18 ressalvas propostas pelo ministro Menezes Direito e confirmadas pela maioria dos ministros que já votaram.
Amanhã é o dia D do indigenismo brasileiro. É esperar um pouco mais e ver quem tem razão nesse debate.
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Análise de Weibe Tapeba sobre a situação do CNPI e a proposta do novo Estatuto dos Povos Indígenas
A CNPI e o Estatuto
Desde o ano passado a Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI -- vem utilizando seus esforços com vistas a debater e implementar emendas junto ao substitutivo da Lei nº 6001 que dispõe sobre o Estatuto do Índio. Em 2008 foram realizadas 10 oficinas regionais com a participação de 1.150 indígenas dos diversos povos do país com o objetivo de conhecer o projeto de substitutivo, discutir seu conteúdo e propor contribuições para que o fórum da CNPI pudesse absorver essas colaborações para o estatuto.
Desde o final das oficinas um grupo de assessores estavam responsáveis de sistematizar as propostas vindas das oficinas e configurá-las num padrão minimamente técnico para que as diversas sub-comissões da CNPI, reunidas desde a última quinta-feira pudesse analisá-las, adequando-as num formato jurídico, para que o resultado possa ser apresentado em sua plenária final que ocorrerá nos dias 12 e 13 de março de 2009 (quinta e sexta-feira próxima).
Na última sexta-feira, os representantes da bancada indígena na CNPI, ao se deparar com o esvasiamento dos assessores e representantes de governo dentro das sub-comissões foram informados de uma possível tentativa do Ministério da Justiça apresentar um projeto de estatuto paralelo ao que vem sendo discutido na CNPI. Ora se a CNPI é um fórum que se configura na estrutura do MJ, é de se estranhar os meios pelo qual motivou o MJ a tentar emplacar esse tipo de cartada que traz inúmeros interesses políticos. a partir da ida de uma comissão ao MJ parece que se conseguiu reverter a tentativa do MJ de apresentar o projeto já na próxima plenária.
Os encaminhamentos propostos nessa reunião, seria que todo trabalho sistematizado pelo MJ semelhante ao que foi feito na CNPI seria absorvido como colaborações durante esses dias de discussão. O que nos estranha, é que até o momento nenhum documento oficial do MJ chegou até o conhecimento da CNPI para análise nas sub-comissões. Diante disso fica uma deixa.
O que o MJ irá fazer com a proposta paralela ?
Vale ressaltar que muitas situações específicas e de grande interesse dos povos indígenas brasileiros não vem sendo tratado com a atenção devida pelo governo brasileiro. Isso se reflete nas propostas de retirada do capítulo que dispõe sobre a regularização fundiária. Que para o governo jé um ponto superado e resolvido e o que teria sobre essa temática seria apenas mecanismos de gestão territorial. Ora se o movimento indígena, possue uma agenda bem definida em que as demandas iniciais são sempre as questões relacionadas a regularização fundiária das T.I´s no país que ainda é a prioridade diante dos diversos territórios ainda não solucindos no Brasil.
Outras questões colocadas estão ligadas a políticas setoriais. Nesses últimos 30 anos a política indigenista brasileira passou por intensas transformações. Os avanços relacionados a atenção a saúde dos povos indígenas e a educaçlão escolar indígena trouxe grandes preocupações quanto as formas de atualização da legislação ao contexto contemporâneo. Esperamos, que os resultados desse processo de fato possa interferir positivamente na vida dos povos indígenas brasileiros. Já que até então, os interesses do governo em muitos dos casos têm sobreposto aos interesses de nossas populações indígenas.
Brasília-DF, 10 de Março de 2009.
Saudações Indígenas,
Weibe Tapeba
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Considerações de Azelene Kaingang sobre o CNPI e o momento atual da questão indígena brasileira
Estimado Weibe,
A questão que envolve as discussões sobre uma nova proposta de Estatuto do Índio é na verdade bastante polêmica entre os próprios Povos Indígenas, a começar por aqueles que entendem que é extremamente perigoso apresentar uma proposta que abre, para os grupos políticos anti-indigenas, a possibildade de extrair direitos já conquistados e consolidados, entre eles a forma de proteção aos Povos Indígenas.
Como indígena e defensora dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas, me preocupa a forma como foram feitas as oficinas que resultaram na proposta da CNPI que será apresentada ao Congresso Nacional. A participação de 1.150 indígenas é aproximadamente 0,15 por cento da população indígena brasileira o que é muito pouco para definir os destinos de mais de 240 Povos Indígenas, e mais, viola frontalmente o artigo 6º da Covenção 169 que reza o seguinte:
Artigo 6º
1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.
Nós temos denunciado junto as Nações Unidas a não aplicação da Convenção 169 no Brasil e gostaríamos que os membros indígenas da CNPI fossem os principais guardiões dos direitos indígenas usando para isso os instrumentos nacionais e internacionais disponíveis. Está claro que as oficinas realizadas não podem ser caracterizadas como "consultas", porque não obedecem os critérios do artigo 6º da Convenção 169/OIT, portanto sendo passível de contestação por qualquer Povo, organização ou liderança indígena, na medida em trata de uma medida legislativa que afetará a todos.
Com todo o respeito a alguns dos membros indígenas da CNPI, a sua preocupação, Weibe, explicita o desrespeito e o descaso com Vocês membros indígenas e com nossos Povos, se a CNPI é presidida pelo MJ, porque será que se ventilou uma proposta paralela a da CNPI que retira do estatuto direitos fundamentais e humanos dos Povos Indígenas como a questão territorial?
Para nós que assistimos de fora, porque fomos proibidos pelos membros indígenas da CNPI de participarmos das discussões do Estatuto do Indio, o governo conseguiu "engessar" as grandes organizações e grandes líderes dos nossos Povos, porque enquanto Voces brincam de legislar a portas fechadas o STF pode tornar súmula as 18 condicionantes oriundas do julgamento de Raposa Serra do Sol, que deixam por terra direitos que custaram o sangue de muitos líderes indígenas e não vemos a CNPI se manifestar sobre isso.
O STF pode ainda consolidar a súmula 650 que diz que antigos aldeamentos indígenas não poderão ser consideradas terras de ocupação tradicional, portanto não sendo passíveis de retomadas e reivindicações, enterrando definitivamente o sonho de Povos como Guarani Kaiwoá, Potiguara, Kaingang e tantos outros de terem de volta seus territórios e não vemos a CNPI se manifestar sobre isso, as obras do PAC estão passando como um trator sobre os Povos Indígenas e seus direitos e não vemos a CNPI se manifestar sobre nada.
Na verdade, Weibe, a CNPI é uma forma de mantê-los ligados em questões estratégicas para o governo,e desvia as atenções de Vocês para questões estratégicas para os Povos Indígenas, espero que Vocês não acordem tarde demais para perceberem que Vocês estão a serviço dos interesses contrários aos dos Povos Indígenas e longe de fazerem da CNPI uma mesa de diálogo franco, aberto e transparente entre os Povos Indígenas e o Estado brasileiro.
No mais esperamos que a proposta da CNPI de Estatuto dos Povos Indígenas seja democráticamente submetida a um fórum maior e se torne pública antes de ser enviada ao Congresso Nacional.
Com Saudações Kaingáng,
Azelene Kaingáng
Socióloga
Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2006
De um lado, Weibe Tapeba, do povo Tapeba, natural do Ceará, que faz parte da CNPI, defende a elaboração dessa proposta e argumenta que ela foi bem debatida nas 10 reuniões indígenas, com inúmeros aportes dos índios. Mesmo assim, tem algumas dúvidas. A principal é que acha que o Ministério da Justiça está com outra versão na gola da manga para soltar quando for conveniente. Assim, Weibe põe em desconfiança a liderança que é exercida pelo atual presidente da Funai na CNPI, já que não demonstra saber o que está se passando no MJ, ou faz jogo duplo com os índios e o MJ.
Do outro lado, está Azelene Kaingang, do povo Kaingang, do Rio Grande do Sul, que participou durante cinco anos ativa e propositivamente da formulação da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas. Azelene acha inoportuno o momento em virtude da péssima atitude anti-indígena que tomou de assalto o Congresso Nacional, sobretudo a partir do ano passado. Azelene também põe em dúvida a legitimidade da consulta feita aos índios, pela quantidade relativamente pequena dos consultados, e requer que o projeto seja discutido por um foro mais amplo.
Do depoimento de Weibe, participante da CNPI, transparece a ideia de que o tal projeto do MJ põe de banda a matéria sobre terras indígenas, considerando o tema já esgotado. Isto parece estranho já que o grupo que controla a Funai, sob a supervisão das Ongs neoliberais e do CIMI, professa que seu propósito é demarcar todas as terras indígenas que faltam ser demarcadas, inclusive as dos Guarani do Mato Grosso do Sul. E que o Estatuto novo viria para confirmar legalmente essa possibilidade já iniciada pela Constituição.
É difícil saber o que acontecerá. De todo modo, Azelene alerta o seu colega para o resultado da votação no STF sobre a homologação da Terra Indígena Raposa serra do Sol e as 18 ressalvas propostas pelo ministro Menezes Direito e confirmadas pela maioria dos ministros que já votaram.
Amanhã é o dia D do indigenismo brasileiro. É esperar um pouco mais e ver quem tem razão nesse debate.
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Análise de Weibe Tapeba sobre a situação do CNPI e a proposta do novo Estatuto dos Povos Indígenas
A CNPI e o Estatuto
Desde o ano passado a Comissão Nacional de Política Indigenista - CNPI -- vem utilizando seus esforços com vistas a debater e implementar emendas junto ao substitutivo da Lei nº 6001 que dispõe sobre o Estatuto do Índio. Em 2008 foram realizadas 10 oficinas regionais com a participação de 1.150 indígenas dos diversos povos do país com o objetivo de conhecer o projeto de substitutivo, discutir seu conteúdo e propor contribuições para que o fórum da CNPI pudesse absorver essas colaborações para o estatuto.
Desde o final das oficinas um grupo de assessores estavam responsáveis de sistematizar as propostas vindas das oficinas e configurá-las num padrão minimamente técnico para que as diversas sub-comissões da CNPI, reunidas desde a última quinta-feira pudesse analisá-las, adequando-as num formato jurídico, para que o resultado possa ser apresentado em sua plenária final que ocorrerá nos dias 12 e 13 de março de 2009 (quinta e sexta-feira próxima).
Na última sexta-feira, os representantes da bancada indígena na CNPI, ao se deparar com o esvasiamento dos assessores e representantes de governo dentro das sub-comissões foram informados de uma possível tentativa do Ministério da Justiça apresentar um projeto de estatuto paralelo ao que vem sendo discutido na CNPI. Ora se a CNPI é um fórum que se configura na estrutura do MJ, é de se estranhar os meios pelo qual motivou o MJ a tentar emplacar esse tipo de cartada que traz inúmeros interesses políticos. a partir da ida de uma comissão ao MJ parece que se conseguiu reverter a tentativa do MJ de apresentar o projeto já na próxima plenária.
Os encaminhamentos propostos nessa reunião, seria que todo trabalho sistematizado pelo MJ semelhante ao que foi feito na CNPI seria absorvido como colaborações durante esses dias de discussão. O que nos estranha, é que até o momento nenhum documento oficial do MJ chegou até o conhecimento da CNPI para análise nas sub-comissões. Diante disso fica uma deixa.
O que o MJ irá fazer com a proposta paralela ?
Vale ressaltar que muitas situações específicas e de grande interesse dos povos indígenas brasileiros não vem sendo tratado com a atenção devida pelo governo brasileiro. Isso se reflete nas propostas de retirada do capítulo que dispõe sobre a regularização fundiária. Que para o governo jé um ponto superado e resolvido e o que teria sobre essa temática seria apenas mecanismos de gestão territorial. Ora se o movimento indígena, possue uma agenda bem definida em que as demandas iniciais são sempre as questões relacionadas a regularização fundiária das T.I´s no país que ainda é a prioridade diante dos diversos territórios ainda não solucindos no Brasil.
Outras questões colocadas estão ligadas a políticas setoriais. Nesses últimos 30 anos a política indigenista brasileira passou por intensas transformações. Os avanços relacionados a atenção a saúde dos povos indígenas e a educaçlão escolar indígena trouxe grandes preocupações quanto as formas de atualização da legislação ao contexto contemporâneo. Esperamos, que os resultados desse processo de fato possa interferir positivamente na vida dos povos indígenas brasileiros. Já que até então, os interesses do governo em muitos dos casos têm sobreposto aos interesses de nossas populações indígenas.
Brasília-DF, 10 de Março de 2009.
Saudações Indígenas,
Weibe Tapeba
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Considerações de Azelene Kaingang sobre o CNPI e o momento atual da questão indígena brasileira
Estimado Weibe,
A questão que envolve as discussões sobre uma nova proposta de Estatuto do Índio é na verdade bastante polêmica entre os próprios Povos Indígenas, a começar por aqueles que entendem que é extremamente perigoso apresentar uma proposta que abre, para os grupos políticos anti-indigenas, a possibildade de extrair direitos já conquistados e consolidados, entre eles a forma de proteção aos Povos Indígenas.
Como indígena e defensora dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas, me preocupa a forma como foram feitas as oficinas que resultaram na proposta da CNPI que será apresentada ao Congresso Nacional. A participação de 1.150 indígenas é aproximadamente 0,15 por cento da população indígena brasileira o que é muito pouco para definir os destinos de mais de 240 Povos Indígenas, e mais, viola frontalmente o artigo 6º da Covenção 169 que reza o seguinte:
Artigo 6º
1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das instituições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias, com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento acerca das medidas propostas.
Nós temos denunciado junto as Nações Unidas a não aplicação da Convenção 169 no Brasil e gostaríamos que os membros indígenas da CNPI fossem os principais guardiões dos direitos indígenas usando para isso os instrumentos nacionais e internacionais disponíveis. Está claro que as oficinas realizadas não podem ser caracterizadas como "consultas", porque não obedecem os critérios do artigo 6º da Convenção 169/OIT, portanto sendo passível de contestação por qualquer Povo, organização ou liderança indígena, na medida em trata de uma medida legislativa que afetará a todos.
Com todo o respeito a alguns dos membros indígenas da CNPI, a sua preocupação, Weibe, explicita o desrespeito e o descaso com Vocês membros indígenas e com nossos Povos, se a CNPI é presidida pelo MJ, porque será que se ventilou uma proposta paralela a da CNPI que retira do estatuto direitos fundamentais e humanos dos Povos Indígenas como a questão territorial?
Para nós que assistimos de fora, porque fomos proibidos pelos membros indígenas da CNPI de participarmos das discussões do Estatuto do Indio, o governo conseguiu "engessar" as grandes organizações e grandes líderes dos nossos Povos, porque enquanto Voces brincam de legislar a portas fechadas o STF pode tornar súmula as 18 condicionantes oriundas do julgamento de Raposa Serra do Sol, que deixam por terra direitos que custaram o sangue de muitos líderes indígenas e não vemos a CNPI se manifestar sobre isso.
O STF pode ainda consolidar a súmula 650 que diz que antigos aldeamentos indígenas não poderão ser consideradas terras de ocupação tradicional, portanto não sendo passíveis de retomadas e reivindicações, enterrando definitivamente o sonho de Povos como Guarani Kaiwoá, Potiguara, Kaingang e tantos outros de terem de volta seus territórios e não vemos a CNPI se manifestar sobre isso, as obras do PAC estão passando como um trator sobre os Povos Indígenas e seus direitos e não vemos a CNPI se manifestar sobre nada.
Na verdade, Weibe, a CNPI é uma forma de mantê-los ligados em questões estratégicas para o governo,e desvia as atenções de Vocês para questões estratégicas para os Povos Indígenas, espero que Vocês não acordem tarde demais para perceberem que Vocês estão a serviço dos interesses contrários aos dos Povos Indígenas e longe de fazerem da CNPI uma mesa de diálogo franco, aberto e transparente entre os Povos Indígenas e o Estado brasileiro.
No mais esperamos que a proposta da CNPI de Estatuto dos Povos Indígenas seja democráticamente submetida a um fórum maior e se torne pública antes de ser enviada ao Congresso Nacional.
Com Saudações Kaingáng,
Azelene Kaingáng
Socióloga
Prêmio Nacional de Direitos Humanos 2006
segunda-feira, 16 de março de 2009
Esta semana STF decidirá sobre Raposa Serra do Sol
Os jornais nacionais acordaram hoje falando da decisão final do STF sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Parece que o sentimento é de que a homologação vai ser confirmada, que os ministros que até agora votaram não mudarão seus votos e que os três que faltam votar não farão diferença.
Ainda assim, há um certo ar de desconforto. Os jornais O Globo e o Estado de Sâo Paulo trazem o mesmo artigo do filósofo Denis Rosenfield, que tem se aliado fortemente com a classe ruralista brasileira, não sei por qual tipo de convicção.
No artigo de hoje, Rosenfield faz coro e dá apoio a Aldo Rebelo e Ibsen Pinheiro, dois ex-presidentes da Câmara Federal, que apresentaram semana passada uma proposta para mudar o sentido do processo de demarcação de terras indígenas e trazer a responsabiidade para o Congresso Nacional. Rosenfield elabora uma argumentação canhestra sobre o fato de que a presidência da Funai não é um cargo eletivo, portanto, não tem a legitimidade para tratar de demarcação de terras por ser uma questão de interesse nacional. Assim, tenta deslegitimar o Executivo, do qual a Funai é parte, que é eleito pelo povo com mandato para realizar uma política que foi referendada pela votação nacional.
Por outro lado, parece que para as bandas de Roraima e da Raposa Serra do Sol, os arrozeiros estão cientes que terão que sair a partir de uma certa data indicada pelo STF, após a votação de Quarta-feira, dia 18. Parece que estão demitindo funcionários e parando de fazer investimento. Vão colher uma última safra de arroz, e pronto!
Já os índios de Raposa Serra do Sol estão prometendo fazer manifestação em várias partes do Brasil, especialmente em Boa Vista e Brasília. Já fizeram isso durante as duas últimas votações, e nessa final não poderia ser diferente.
A votação final dos ministros do STF não poderá trazer muitas surpresas. Oito votos favoráveis à manutenção do ato homologatório não serão modificados in totum. Imagino que os três votos que restam não vão ser muito favoráveis, um deles pelo menos vai tentar reverter a votação. Mas, são favas contadas. Até o governador de Roraima já desistiu do seu intento inicial. Só Aldo Rebelo e Denis Rosenfield persistem.
O que preocupa são as ressalvas originalmente levantadas pelo voto do ministro Menezes Direito, dia 10 de dezembro, que trarão algumas consequências sobre a administração daquela terra indígena e maiores consequências sobre a demarcação de novas terras indígenas. Pode ser que os processos demarcatórios de muitas terras indígenas sejam inviabilizados.
Veja também a postagem logo abaixo sobre um edital do STF conclamando interessados a se manifestar sobre o processo de se criar uma súmula vinculante que afetará certamente a demarcação de diversas terras indígenas Brasil afora.
O certo é, se essas ressalvas, e outras que venham a ser sugeridas pelos votos restantes, vierem a ser incluídos em súmula, aí teremos sérios problemas. Se forem seguidas as considerações do ministro Britto, incluídas em seu voto, no sentido de que a Constituição brasileira de 1988 considera terras indígenas de posse permanente SOMENTE aqueles que estiverem de posse indígena no dia 5 d eoutubro de 1988, data da promulgação da Constituição, então os processos de demarcação de terras indígenas em diversos lugares do Brasil ficarão definitivamente inviabilizados. Não vai ser mais possível demarcar a grande maioria das terras indígenas planejadas. Até o projeto de lei de Aldo Rebelo torna-se desnecessário!
Eis a grande questão que está em pauta para quarta-feira, dia 18, a partir de 9 horas, no STF. Seu resultado poderá modificar definitivamente a política indigenista brasileira. Esse Blog não se eximirá de fazer sua análise incontinenti.
domingo, 15 de março de 2009
Evo Morales inicia reforma agrária na Bolívia
Para quem duvidar de Evo Morales, eis um bom exemplo de suas ações. Evo iniciou o processo de distribuição de terras aos indígenas do oriente boliviano, precisamente do Departamento (estado) de Santa Cruz, onde prevalece o latifúndio.
Na reforma agrária em andamento, as terras serão redistribuídas não por algumas serem "improdutivas", como no Brasil, mas por possuírem mais de 5.000 hectares. A nova Constituição boliviana, referendada pela população com mais de 60% dos votos, proíbe terras com tamanho maior do que este.
Esta é uma posição bem mais radical, democratizante, igualitarista, e, para muitos, dificílima de ser levada a cabo, pelas reações negativas que provocam. O desafio do governo boliviano é imenso, mas Evo Morales está disposto a fazer história como um verdadeiro revolucionário.
Evo Morales não teme as consequências de suas ações. Propala-as a todos os ventos, em todas as ocasiões. Tem o apoio ideológico, embora incerto da esquerda internacional. Conta com o apoio de Lula, Chavez, Correa, Lugo e Kirchner, para falar nos mais expressivos dos presidentes de países latino-americanos.
O governo Evo é conflitual, sem dúvida, mas, internamente, conta com o apoio de uma maioria expressiva da população, 60% dela composta por indígenas Aymara e Quechua (mais de 90%) e depois por grupos menores, como Guarani.
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Evo Morales entrega as primeiras terras a indígenas
O Governo boliviano começou a distribuir os latifúndios ilegais face à nova Constituição a pequenos proprietários. A lei recentemente referendada proíbe extensões de superfície superior a 5 mil hectares.
A entrega foi inaugurada pelo próprio Presidente Evo Morales, que deu 34 títulos de propriedade a outros tantos agricultores, guaranis, num total de 38 mil hectares.
Milhares de indígenas assistiram à cerimónia, que decorreu na localidade boliviana de Santa Cruz. A concentração teve lugar a poucos metros de uma das grandes quintas expropriadas.
Os novos proprietários não poderão contudo e já ocupar os seus terrenos por os seus donos anteriores terem interposto acções na justiça contra o processo. Só depois de os casos passarem em julgado, e caso os percam, isso poderá acontecer.
Uma das coisas que a Constituição boliviana, aprovada em Janeiro, estipulou foi a proibição de latifúndios superiores a 5 mil hectares. A Bolívia era um dos países onde muito poucos tinham muitas terras e muitos milhares só podiam, e com sorte, trabalhar nelas. E os guaranis, uma das principais etnias do país, eram – e são – uma das comunidades mais abandonadas.
As terras distribuídas não o foram por estarem “improdutivas”, disse Morales, mas por serem palco de “violações dos direitos humanos”.
O Presidente, o primeiro índio a chegar a uma presidência na América Latina, é particularmente popular entre a população indígena aimara, quechua e guarani.
sábado, 14 de março de 2009
URGENTE: FUNAI precisa contestar súmula vinculante!
Corre prazo de 30 dias no STF, desde 6 de março p.p., um edital do STF que conclama interessados a se manifestar sobre um pedido da Sociedade Rural Brasileira ao STF para transformar em SÚMULA VINCULANTE, para ter efeitos em todos os casos semelhantes, uma súmula exarada pelo STF, de nº 650, há alguns anos, que definia que o antigo aldeamento indígena de Guarulhos, no estado de São Paulo, que foi extinto no século XIX, não poderia mais ser objeto de consideração para efeitos de reconhecimento de terra indígena tradicional.
Ora, quem são os interessados nesse assunto? Em primeiro lugar, os índios; em segundo lugar, a Funai; em terceiro lugar, o Ministério Público.
Todos eles devem, individualmente e coletivamente, tomar consciência desse edital e buscar seus meios para contestar essa pretensão que, se realizada, irá prejudicar diversos casos de recuperação de terras indígenas que estão acontecendo nesse momento, que poderão acontecer em breve, ou até que já aconteceram.
Entre elas, só para lembrar, a Terra Indígena Monte Mor, dos índios Potiguara, que advém de um antigo aldeamento potiguar que foi extinto no fim do século XIX e suas terras repartidas entre famílias indígenas, que as perderam por venda ou usurpação de terceiros. Hoje essas terras estão nas mãos de usineiros e plantadores de cana-de-açúcar, e os índios Potiguara vêm batalhando para recuperá-las. Exatamente sob o argumento que elas lhes perteceram no passado. Esse processo está em litígio jurídico desde a década de 1990. Portanto, se essa súmula tornar-se vinculante, certamente os Potiguara perderão o direito de recuperar essas terras.
Há outros povos indígenas, inclusive no Ceará, que poderão reclamar direitos com base em antigos aldeamentos extintos por governadores no século XIX. Os Anacé, por exemplo, que são herdeiros de terras que pertenciam a uma antiga missão jesuítica e diversas outras comunidades do Ceará que reclamam essa recuperação.
Lembro-me de dois casos de recuperação bem sucedida de terras de antigos aldeamentos: as terras dos índios Kiriri, na ex-cidade de Mirandela, a Terra Indígena Massacará, ambos na Bahia, e as terras dos Xocó, em Sergipe.
Faz-se urgente que a Procuradoria da Funai tome a iniciativa de convocar os índios e suas representações, inclusive advogados indígenas, e o Ministério Público, para criar as bases argumentativas para não deixar que essa súmula se transforme em vinculante!
Mas, cadê a Procuradoria da Funai? Dizem que deixará de existir, por especialização, tal como vinha funcionando até agora, e os seus procuradores seriam deslocados diretamente para a AGU, de onde exerceriam sua função de defender os índios e a Funai por demanda, isto é, quando convocados, caso a caso!!!
Tal ideia parece bastante desenvolvida na Funai nesse momento, em entendimento com a AGU. Se ocorrer, isto constituirá um retrocesso imenso e uma prova do desmantelamento que querem fazer da FUNAI.
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PROPOSTA DE SÚMULA VINCULANTE Nº 5
EDITAL, com o prazo de 20 (vinte) dias, para ciência e eventual manifestação de interessados, nos termos da Resolução nº 388-STF, de 5 de dezembro de 2008, na forma abaixo:
A SECRETÁRIA JUDICIÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
F A Z S A B E R
aos que este edital virem ou dele tiverem conhecimento que neste Tribunal se processam os autos da Proposta de Súmula Vinculante nº 5, em que é proponente a Sociedade Rural Brasileira, que visa atribuir efeito vinculante à súmula nº 650 do STF, cujo verbete tem o seguinte teor: “Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.”
Conforme a Resolução nº 388-STF, publicada em 10 de dezembro de 2008, no Diário da Justiça Eletrônico, e nos termos do § 2º do artigo 3º da Lei nº 11.417/2006, ficam cientes os interessados para, querendo, manifestarem-se no prazo de 5 (cinco) dias depois de findo o prazo de 20 (vinte) dias acima fixado, que passa a fluir a partir da publicação deste edital no Diário da Justiça Eletrônico.
Secretaria do Supremo Tribunal Federal, em 26 de fevereiro de 2009.
Eu, Ranulfo José Prado, Chefe da Seção Cartorária e de Comunicações, extraí o presente. Eu, Maria das Graças Camarinha Caetano, Coordenadora de Processamento do Plenário, conferi. Publique-se no sítio do Tribunal e no Diário da Justiça Eletrônico. Rosemary de Almeida, Secretária Judiciária/STF.
Ora, quem são os interessados nesse assunto? Em primeiro lugar, os índios; em segundo lugar, a Funai; em terceiro lugar, o Ministério Público.
Todos eles devem, individualmente e coletivamente, tomar consciência desse edital e buscar seus meios para contestar essa pretensão que, se realizada, irá prejudicar diversos casos de recuperação de terras indígenas que estão acontecendo nesse momento, que poderão acontecer em breve, ou até que já aconteceram.
Entre elas, só para lembrar, a Terra Indígena Monte Mor, dos índios Potiguara, que advém de um antigo aldeamento potiguar que foi extinto no fim do século XIX e suas terras repartidas entre famílias indígenas, que as perderam por venda ou usurpação de terceiros. Hoje essas terras estão nas mãos de usineiros e plantadores de cana-de-açúcar, e os índios Potiguara vêm batalhando para recuperá-las. Exatamente sob o argumento que elas lhes perteceram no passado. Esse processo está em litígio jurídico desde a década de 1990. Portanto, se essa súmula tornar-se vinculante, certamente os Potiguara perderão o direito de recuperar essas terras.
Há outros povos indígenas, inclusive no Ceará, que poderão reclamar direitos com base em antigos aldeamentos extintos por governadores no século XIX. Os Anacé, por exemplo, que são herdeiros de terras que pertenciam a uma antiga missão jesuítica e diversas outras comunidades do Ceará que reclamam essa recuperação.
Lembro-me de dois casos de recuperação bem sucedida de terras de antigos aldeamentos: as terras dos índios Kiriri, na ex-cidade de Mirandela, a Terra Indígena Massacará, ambos na Bahia, e as terras dos Xocó, em Sergipe.
Faz-se urgente que a Procuradoria da Funai tome a iniciativa de convocar os índios e suas representações, inclusive advogados indígenas, e o Ministério Público, para criar as bases argumentativas para não deixar que essa súmula se transforme em vinculante!
Mas, cadê a Procuradoria da Funai? Dizem que deixará de existir, por especialização, tal como vinha funcionando até agora, e os seus procuradores seriam deslocados diretamente para a AGU, de onde exerceriam sua função de defender os índios e a Funai por demanda, isto é, quando convocados, caso a caso!!!
Tal ideia parece bastante desenvolvida na Funai nesse momento, em entendimento com a AGU. Se ocorrer, isto constituirá um retrocesso imenso e uma prova do desmantelamento que querem fazer da FUNAI.
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PROPOSTA DE SÚMULA VINCULANTE Nº 5
EDITAL, com o prazo de 20 (vinte) dias, para ciência e eventual manifestação de interessados, nos termos da Resolução nº 388-STF, de 5 de dezembro de 2008, na forma abaixo:
A SECRETÁRIA JUDICIÁRIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL,
F A Z S A B E R
aos que este edital virem ou dele tiverem conhecimento que neste Tribunal se processam os autos da Proposta de Súmula Vinculante nº 5, em que é proponente a Sociedade Rural Brasileira, que visa atribuir efeito vinculante à súmula nº 650 do STF, cujo verbete tem o seguinte teor: “Os incisos I e XI do art. 20 da Constituição Federal não alcançam terras de aldeamentos extintos, ainda que ocupadas por indígenas em passado remoto.”
Conforme a Resolução nº 388-STF, publicada em 10 de dezembro de 2008, no Diário da Justiça Eletrônico, e nos termos do § 2º do artigo 3º da Lei nº 11.417/2006, ficam cientes os interessados para, querendo, manifestarem-se no prazo de 5 (cinco) dias depois de findo o prazo de 20 (vinte) dias acima fixado, que passa a fluir a partir da publicação deste edital no Diário da Justiça Eletrônico.
Secretaria do Supremo Tribunal Federal, em 26 de fevereiro de 2009.
Eu, Ranulfo José Prado, Chefe da Seção Cartorária e de Comunicações, extraí o presente. Eu, Maria das Graças Camarinha Caetano, Coordenadora de Processamento do Plenário, conferi. Publique-se no sítio do Tribunal e no Diário da Justiça Eletrônico. Rosemary de Almeida, Secretária Judiciária/STF.
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