terça-feira, 29 de julho de 2008

Guarani são evacuados de terras públicas no Rio Grande do Sul

A cada dia que passa, pelos próximos anos, questões de disputa de terras vão acontecer no litoral sul e sudeste brasileiro envolvendo grupos de índios Guarani e terras públicas.

É que existem dezenas de pequenas comunidades Guarani vivendo em pequenas glebas de terras as quais elas vêm ocupando na medida em que se trasladam de um lugar para outro. Essas glebas de terras constituem uma espécie de arquipélago de terras de moradia. Acontece que essas pequenas comunidades crescem e as terras ficam insuficientes para elas arrancarem o mínimo de sustento, o qual consiste em alguma agricultura básica e acessibilidade a material florestal para a produção de artesanato. Assim, os conflitos internos na comunidade tendem a aumentar e a saída termina sendo a retirada de uma parte da comunidade para formar outra comunidade, em outro local.

Os Guarani-Mbya, um segmento dos Guarani, constituem a maioria dos Guarani que vivem no litoral sul e sudeste brasileiro. Nesses estados há também, em geral mais para o interior, segmentos de Guarani-Ñandeva, especialmente descendentes dos primeiros grupos Guarani que se deslocaram do Paraguai e Argentina ainda em meados do século XIX. Os Guarani-Mbya começaram a entrar no Brasil por volta da década de 1920 e esse movimento migratório continua até hoje. Até a década de 1970, os pequenos grupos Guarani-Mbya sempre encontravam terras livres pelo litoral sudeste. Assim, movimentaram-se em direção norte, chegaram no estado do Rio de Janeiro por volta de 1968 e subiram até o Espírito Santo por volta de 1970. No Rio de Janeiro povoaram três localidades no litoral sul, Bracui, Paraty-mirim e Araponga. Nas décadas de 1980-90, a Terra Indígena Bracui foi demarcada, inclusive com a ajuda de Darcy Ribeiro e deste antropólogo, durante o segundo governo Brizola. As outras duas terras também foram demarcadas em seguida.

Recentemente, um grupo da comunidade de Paraty-mirim resolveu sair da terra onde vivia e fez um assentamento na Praia de Camboinhas, uma área de preservação ambiental do estado do Rio de Janeiro, ao lado da qual se localiza um condomínio de classe média-alta da cidade de Niterói. Foi um deus-nos-acuda, ainda mais porque parece que o condomínio também não é legal. Até que, alguns dias atrás, um criminoso ateou fogo nas quatro ocas construídas pelos índios e eles ficaram ao relento. A questão vai rolar, com argumentos de todos os lados.

A matéria abaixo já é mais dura. Trata-se das vias de fato. Acontece que um pequeno grupo de Guarani-Mbya fez acampamento ao lado de uma área do estado do Rio Grande do Sul onde existe uma estação de experimentação agropecuária. Alegando perigo de saúde para os próprios índios, que supostamente penetravam na área da estação para colher lenha, uma juíza deu ordem de despejo aos índios e estes foram retirados sumariamente do local onde se encontravam.

A Funai, o Ministério Público e diversas Ongs protestaram veementemente. As autoridades do estado não querem arriscar deixar indígenas assentarem terras públicas com receio de perderem essas terras. Em Porto Alegre, o município já vive ás voltas com um grupo de índios Kaingang que assentou num parque municipal, o Morro dos Ossos, e está difícil encontrar uma saída para esse imbróglio. O mesmo vem acontecendo em São Paulo, Paraná e Santa Catarina. Aliás, os grupos Guarani-Mbya que estavam assentados nas margens da BR-101 estão sendo relocados em glebas de terras compradas de terceiros por causa da duplicação daquele rodovia federal e dos recursos de compensação para compra de terras. A Funai viu que seria dificílimo alegar tradicionalidade de presença indígena naquelas paragens e decidiu que a compra de terras era a solução possível. Isto vai acontecer com mais freqüência daqui por diante.

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Funai e MPF contestam ação de despejo de índios Mbya Guarani

REPÓRTER BRASIL

Decisão da Justiça Estadual do RS autorizou retirada de famílias indígenas de acampamento montado fora de área cercada por órgão estadual. FUNAI não foi notificada porque, para juíza, caso não envolve direito ou terra indígena.

O longo período de espera pelo reconhecimento das terras tradicionais do Arroio Grande, no Rio Grande do Sul, já se prolonga por 35 anos, mas está longe de ser o problema mais grave enfrentado pelos índios Mbya Guarani. Desde o dia 1º de julho, oito famílias da comunidade indígena que foi despejada de um acampamento provisório de beira da Estrada do Conde, em Eldorado do Sul (RS) - por ordem da juíza estadual Luciane Di Domenico - vivem desgarradas e sem abrigo próprio. Metade do grupo foi transferido para a Lomba do Pinheiro, na periferia da capital Porto Alegre, e a outra metade acabou em Coxilha da Cruz, no município de Barra do Ribeiro (RS).

Para além da situação de desesperança e abandono enfrentada pelos indígenas, a própria ação de despejo - em cumprimento à reintegração de posse solicitada pela Fundação Estadual de Pesquisa Agropecuária (Fepagro), entidade ligada à Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Rio Grande do Sul - está sendo alvo de contestações por parte da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI), do Ministério Público Federal (MPF) e de organizações civis.

Fora do lugar

Salta aos olhos o fato de que o acampamento das famílias ficava fora da área cercada pela Fepagro. Esse pequeno "detalhe" não impediu que, na presença do oficial de Justiça Bruce Medeiros, funcionários da Fepagro e policiais da Brigada Militar retirassem os indígenas do local e desmontassem a estrutura montada pelo grupo desde o início de junho.

Os policiais chegaram a utilizar algemas para imobilizar o cacique Santiago Franco durante a operação, que não foi acompanhada nem por representantes da FUNAI e nem por agentes da Polícia Federal, órgãos públicos normalmente convocados em casos envolvendo indígenas. A ação foi registrada em vídeo por integrantes do Núcleo de Antropologia das Sociedades Indígenas e Tradicionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (NIT-UFRGS).

O presidente da Fepagro, Benami Bacaltchuck, informou em entrevista por telefone à Repórter Brasil que o pedido de reintegração de posse foi protocolado por questões preventivas sanitárias e alegou que os indígenas entravam e saíam, a todo momento, do terreno cercado pela entidade. Trata-se, segundo ele, de uma área de risco, visto que a Fepagro desenvolve pesquisas de patologias animais na unidade. Santiago Franco, líder Mbya Guarani, afirma que os indígenas estavam alojados na beira da estrada e só se deslocavam pelo território para coletar lenha e para chegar até as águas do rio que passa por ali.

"Aquela área era onde Guarani morava", reivindica.

"Eles têm todo o direito de requerer o direito pela terra. Mas não somos nós que temos condições de julgar se a área é tradicional ou não", avalia Benami. "Fizemos o que deveria ser feito. Preferimos evitar riscos [de ordem da saúde dos indígenas] que poderiam ser imputados à fundação no futuro".

Por e-mail, a juíza Luciane Di Domenico informou que decidiu acatar o pedido de reintegração de posse porque a Fepagro, autora da ação, noticiara que os índios teriam "invadido a área ´passando por baixo da cerca´ existente na propriedade". "Não fosse isso, sobreleva realçar que a área em litígio é destinada a pesquisa de sanidade animal, realizada com ´agentes patogênicos para o ser humano, como raiva, brucelose, tuberculose e testes de produtos biológicos e farmacêuticos´. Assim, a permanência dos indígenas no local punha em risco a saúde destes", completa a juíza, em resposta aos questionamentos encaminhados pela Repórter Brasil.

Kaingang ou Guarani?

No despacho que autorizou o despejo, a juíza Luciane faz referência ainda a uma "invasão" de propriedade da Fepagro por parte de índios "Kaingang". Na mesma peça, ela destaca que "o mesmo grupo indígena, poucos dias antes, havia ocupado terras pertencentes ao Estado do Rio Grande do Sul, também localizadas na Estrada do Conde, no Distrito Industrial de Guaíba". Luciane se justifica: "a decisão citou que se tratavam de índios Kaingang porque assim foi noticiado na petição inicial". Nesse ponto, o presidente da Fepagro discorda: "Não fomos nós que confundimos Kaingang com Guarani. Nossa única preocupação foi com a biossegurança".

Na avaliação da juíza, não havia motivo para encaminhar a questão à Justiça Federal - foro que trata de disputas sobre direitos indígenas -, pois o processo diz respeito à "invasão de bem imóvel, que em nada está relacionado com os direitos originários das comunidades indígenas". "Nem mesmo há que se falar em terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, porquanto estas são consideradas aquelas ´habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas e que são imprescindíveis à preservação dos recursos ambientes necessários ao seu bem estar, e as áreas necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições´ (art. 231, §1º, da Magna Carta)", complementa categoricamente.

Para complementar a sua tese, a juíza ressalta que os Mbya Guarani que sofreram despejo "são de uma mesma família e originários do município da Barra do Ribeiro" e que, portanto, a questão não diz respeito a direitos ou terras indígenas. "Pelas mesma razões, não houve notificação à FUNAI".

O presidente da Fepagro esclarece que funcionários da entidade participaram da remoção dos indígenas no ato de reintegração de posse porque a Fepagro recebeu e atendeu a uma solicitação formal feita pela Justiça. Segundo ele, a intervenção da entidade foi necessária porque instituições públicas não dispõem de condições materiais adequadas para ações. "Falta gente. Não se trata de uma questão nossa". Luciane explica que, segunda as normas da Justiça Estadual do Rio Grande do Sul, "cabe às partes [no caso, a Fepagro] fornecerem os meios necessários para cumprimento das medidas judiciais previstas em lei, tais como despejo, reintegração de posse, busca e apreensão, etc.". "Assim, tratava-se de obrigação do Estado-autor fornecer todos os meios necessários à efetivação da medida", adiciona.

Contestações

"Esta medida foi equivocada porque os índios não estavam na área indicada pelo mandado. Eles estavam em terra federal. Essa juíza não tinha competência para atuar no caso", destaca Roberto Liebgott, coordenador do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) da região Sul. "Tentei conversar e eles nem conversaram. Pedi para esperar a FUNAI. Eles juntaram tudo que a gente tinha. Misturaram roupa limpa com comida. Agora tem muita coisa estragada. Perdemos quase tudo que tinha valor", diz Santiago, liderança Mbya Guarani.

A Procuradoria da FUNAI no RS protocolou ação no Fórum de Guaíba (RS) para que o imbróglio envolvendo as famílias Mbya Guarani seja tratado na esfera federal e questionou o modo como o despejo se deu, uma vez que a FUNAI sequer foi notificada. A administração da FUNAI em Passo Fundo (RS) salienta que estudos arqueológicos e relatórios (em análise na sede da entidade em Brasília) apontaram a existência de sítios arqueológicos na região entre Guaíba (RS) e Eldorado do Sul (RS), com indícios de que se trata de terra tradicional do povo Guarani. A FUNAI planeja a designação de um grupo de trabalho para a identificação da área, sujeita à ordem de prioridade da comissão de terras da fundação, que estará reunida na capital federal na próxima semana.

Representantes da FUNAI lembram ainda que indígenas Kaingang ocuparam de fato uma outra área na mesma região. Naquela ocasião, as prefeituras de Guaíba e de Eldorado do Sul e o governo estadual pediram imediatamente a reintegração de posse, via Justiça Estadual, e comunicaram devidamente a FUNAI. Uma audiência de conciliação foi marcada e os índios acabaram desistindo da ocupação. Com a saída dos Kaingang, os Guarani formaram outro acampamento, em outro local, mais próximo à Fepagro.

As prefeituras e o estado, pensando que se tratava dos mesmos índios, pediram novamente a reintegração de posse, desta vez sem comunicar a FUNAI. A entidade alega que só foi notificada no momento em que o oficial de Justiça estava para cumprir a reintegração de posse. Por telefone, um representante da FUNAI tentou negociar, sem êxito. Um servidor foi deslocado para o local, mas chegou bem depois da execução do despacho.

O Centro de Trabalho Indigenista (CTI) provocou o Ministério Público Federal e a própria FUNAI para tentar reverter a decisão da juíza Luciane Di Domenico. Segundo informações do CTI, serão quatro ações. Uma contra o Estado do Rio Grande do Sul, pois a Fepagro é ligada à Secretaria de Agricultura; uma contra a juíza, porque deveria ter consultado a FUNAI ou a Policia Federal; uma contra o Oficial de Justiça, e outra contra a Brigada Militar.

Inquéritos

Muito antes da polêmica ação, o Ministério Público Federal (MPF) do Rio Grande do Sul já tinha instaurado um procedimento administrativo acerca da questão das terras tradicionais Guarani. "Quando a execução do mandado de reintegração de posse foi noticiada, o MPF encaminhou um ofício à juíza [Luciane] solicitando para que a questão fosse tratada em âmbito federal", conta o procurador federal Juliano Stella Karam, do Núcleo das Comunidades Indígenas e Minorias Étnicas.

Foram instaurados, então, dois inquéritos: um civil e outro criminal. Como parte do inquérito civil, o MPF solicitou mais uma vez, assim como fez a FUNAI, que o caso fosse destinado à esfera federal. Também é questionada a legitimidade da decisão, uma vez que a área ocupada pelos indígenas não pertencia à Fepagro, e a ausência de notificação da FUNAI. "Nenhuma medida liminar que envolva indígenas pode ser executada sem que a FUNAI seja notificada. Essa determinação está clara no Estatuto do Índio", reitera Juliano. A conclusão do inquérito, que ainda está em curso, acarretará ou em abertura de ação judicial ou em arquivamento. Paralelamente, a investigação criminal investigará se houve abuso de autoridade na retirada dos indígenas.

"Estamos nos sentindo muito mal. Isso não deveria ser feito. Nosso pedido é por Justiça", resume o Mbya Guarani Santiago. Devem ainda ser ajuizadas ações por danos morais coletivos e materiais. Roberto Liebgott declara que os indígenas não abrem mão dos danos materiais porque todo o artesanato, além dos pertences das famílias, foram danificados durante a retirada do grupo. "Essa indenização deve ser revertida em projetos de auto-sustentabilidade. A idéia não é ter o dinheiro, e sim mecanismos para que as famílias desses povos possam investir da sua educação, saúde, roças, artesanatos".

Segundo o coordenador do Cimi na região Sul, a FUNAI prometeu enviar sete grupos de trabalho para dar início ao processo de identificação dessas áreas reivindicadas pelos Guarani. Só no Rio Grande do Sul, existem pelo menos 27 áreas Guarani, mas apenas cinco delas foram demarcadas até hoje pelo governo federal. O dirigente do Cimi destaca que os indígenas dessa etnia são dos que mais têm dificuldades no que se refere à demarcação de suas terras. "É a maior população indígena do país, são mais de 80 mil indígenas Guarani que enfrentam muitas dificuldades, principalmente em função de que suas terras foram colonizadas, entregues para colonizadores no passado, e hoje, a maioria dos grupos desse povo vive em pequenas áreas ou em acampamentos de beira de estrada como ocorre aqui no Rio Grande do Sul".

Um comentário:

Anônimo disse...

Essa questão territorial Guarani, tanto na regi]ao Sul com no Mato Grosso do Sul delatam continuamente e retratam a perseguição vivida por esses povos desde dos anos 1500.
Os Direitos Humanos promovidos no Brasil ainda engatinham nessa questão e a FUNAI, vilipendiada pelos interesses privados, inclusive de Ongs e consultores, se omite.
O Governo Lula denegre a cada dia que passa...
que coisa latismável.

 
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