quinta-feira, 18 de dezembro de 2008
Surgem novos povos indígenas no Ceará
Eis uma excelente matéria sobre a determinação de algumas comunidades do Ceará que querem ser reconhecidas como indígenas. São atualmente oito novos agrupamentos que vivem por vários municípios do Ceará que querem ser identificados como indígenas.
Até agora a FUNAI reconheceu como indígenas quatro etnias, Tapeba, Tremembé, Jenipapo-Canindé e Pitaguary, cujas terras estão em processo de delimitação e demarcação. Algumas são dificílimas, como a dos Tapeba e dos Tremembé. Já a dos Jenipapo-Canindé e dos Pitaguary foram demarcadas na minha presidência da FUNAI.
O reconhecimento da identidade étnica de comunidades ou agrupamentos que estão entrando no processo de etnogênese é sempre difícil.
Em muitos casos, a auto-identificação não é suficiente para determinar esse reconhecimento, pois são apenas algumas pessoas que se persuadem desse propósito. Isto está acontecendo em várias partes do Nordeste e também do Norte do país. Em alguns casos, é evidente que querem esse reconhecimento para se constituir em comunidade com direito à tenência de terras. Muitas comunidades caboclas dos rios amazônidas se sentem assim. Portanto, se houvesse uma entidade pública que prestasse assistência diferenciadas a tais comunidades a sua tendência atual a quererem ser reconhecidas como indígenas não prevaleceria.
Já propus, anos atrás, que o governo federal criasse um órgão especificamente para tratar de comunidades de ribeirinhos, caiçaras e caboclos que querem viver em comunidades e manter as terras que ocupam e delas vivem em comunidade e não como loteamentos, como faz o INCRA.
Por outro lado, a persistência desses agrupamentos no Ceará e seu desejo por reconhecimento chama a atenção do meio antropológico e da FUNAI.
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Etnias indígenas ainda lutam pelo reconhecimento
Índios de diferentes etnias estão reunidos até sábado em assembléia estadual na Aldeia Cajueiro, município de Poranga
Atualmente são 12 etnias do Ceará, em diferentes estágios de identificação e de organização
Reportagem especial sobre índios no Ceará revela que as etnias ainda lutam por questões elementares à cidadania
Poranga. A velha e única explicação plausível para dizer que não existe índio no Ceará é o fato de que os nativos que aqui habitavam quando da invasão dos portugueses só passaram a se chamar índios porque, pensando estar na Índia, Cabral e seus subordinados assim chamavam esses povos. Jenipapo-Kanindé, Anacé, Kariri, Pitaguary, Potiguara, Tabajara, Tapeba, Tupiba/ Tapuia e Tremembé. Todas essas etnias estão espalhadas pelo Ceará, mas habituadas à expressão índio, apesar do nome ter sido dado pelo branco colonizador.
Mais fortes que no passado (não o passado distante em que viviam livremente, antes dos colonizadores), as etnias indígenas do Ceará lutam pelo reconhecimento cultural, pela reafirmação da autenticidade e a demarcação de suas terras, conquistas lentamente obtidas nas últimas décadas. Como o primeiro jornal a acompanhar os dias da Assembléia dos Povos Indígenas do Ceará, evento único no Nordeste, o Diário do Nordeste traz, a partir de hoje, uma série de reportagens sobre os índios do Ceará, brasileiros que ainda buscam reconhecimento de direitos.
Enquanto o leitor confere esta matéria, centenas de representantes de etnias indígenas no Ceará estão reunidas debaixo de um frondoso cajueiro. Cocá na cabeça, maracá na mão, rosto pintado ou nada disso adornando o corpo, mas “é índio do mesmo jeito”, afirmou a Cacique Pequena, dos Jenipapo-Kanindé (Aquiraz), orgulhosa de dizer que é a primeira mulher cacique do Brasil. Os índios estão na Aldeia Cajueiro, em Poranga, município cearense na divisa com o Piauí. De Fortaleza até lá são 382 quilômetros de estrada e outros 38 quilômetros subindo e descendo serra por entre pedras nas estradas carroçáveis. Leva-se até duas horas e meia para percorrer o último “pequeno” trecho.
Os índios retornam, 14 anos depois, para o lugar onde ocorreu o primeiro grande encontro indígena no Ceará, em 1994. Nesse ínterim, muitos nasceram, outros morreram, algumas terras foram reconhecidas, demarcadas, e uma pequena leva de poderosos inimigos foi encontrada pelo caminho — aqueles que, para não perderem as terras que já foram adquiridas de forma duvidosa, negam a existência do índio, para, daí, renegar seus direitos constitucionais. A principal pedra no caminho dos índios chama-se dinheiro e poder. Antes, as “pedrinhas” são medo e morte ao assumir a identidade. “A gente sabia o que era, mas num podia dizer, pra não sofrer, aí chamavam a gente de ‘os cabeludos da Encantada’”, explica Cacique Pequena, dos índios jenipapo-kanindé que vivem no entorno da Lagoa Encantada, município de Aquiraz.
Oportunidade
“Mas o que me deixa feliz é que aqui a gente pode andar à vontade. Lá na minha comunidade seu eu aparecer pintada é arriscado jogarem uma pedra em mim. O preconceito ainda é muito grande”, esclarece a professora Andréa Rufino, 26 anos, presidente da Associação Indígena Tapuia Kariri, de São Benedito. Andréa e outra professora, Luana Gomes, representam a aldeia (300 famílias, das quais apenas 39 admitem ser índios) no encontro dos povos indígenas. Como em raras vezes podem fazer, pintaram-se com a tinta extraída do jenipapo e, com os outros, dançou o toré, a dança sagrada dos índios. Com alegria, e sem medo de que pedra fosse jogada, nem mesmo a do preconceito.
O medo de dizer que é índio ainda cala muitos povos, “mas tem aumentado o engajamento, a gente percebe que algumas pessoas vêm pela primeira vez, vêem os índios falando de direito, de reconhecimento, e passam a fazer parte do movimento”, comenta a antropóloga Joceny Pinheiro, há mais de 10 anos acompanhando o movimento dos índios no Ceará e doutoranda em Antropologia Social com Mídia Visual, pela Universidade de Manchester, Inglaterra. Os pesquisadores acadêmicos — notadamente antropólogos — são importantes aliados da causa indígena. Identificados com a luta desses povos (a primeira começa entre estes próprios, pela superação do medo e o auto-reconhecimento), militam no Ceará antropólogos como Joceny, também Max Maranhão, Gerson Oliveira, Isabelle Braz, Sérgio Brissac e Kleber Saraiva, dentre outros, a maioria discente na Universidade Federal do Ceará (UFC) ou na Universidade Estadual do Ceará (Uece).
Vem dos anos 80 o período de mais crescente discussão e mobilização sobre etnicidade no Ceará, no campo acadêmico, mas principalmente nas terras indígenas, muitas ainda hoje cobiçadas por grandes grupos empresariais.
Com os Tapeba (Caucaia), Tremembé (Itarema), Pitaguary (Pacatuba) e Jenipapo-Kanindé (Aquiraz), a luta indígena ganha corpo, e o que estava “entalado” por várias gerações ressona como um grande grito de resistência: “Eu sou índio!”.
A desconstrução do mito e o reconhecimento étnico-cultural ficam evidentes em jovens como João Neto, 14 anos, da etnia Tapeba, da cidade de Caucaia. O jovem cresceu sabendo ser índio. À sombra do cajueiro da aldeia, pôs seu cocá, vestiu-se de natureza (as peças são feitas de pena e palha), pintou o rosto, os braços, deixou os olhos brilharem e, com outras dezenas, assumiu seu posto na dança toré, ao som de tambô, macará, mas, principalmente, das vozes uníssonas: “Ô, desenrole essa corrente/ Ô, deixe o índio trabalhar...”.
Melquíades Júnior
Colaborador
SAIBA MAIS
Concentrações
A Coordenação dos Povos Indígenas do Ceará (Copice) têm registradas 12 concentrações de etnias indígenas no Ceará: Tapeba (Caucaia), Tremembé (Acaraú, Itarema e Itapipoca), Pitaguary (Maracanaú e Pacatuba), Jenipapo-Kanindé (Aquiraz), Kanindé (Canindé e Aratuba), Potiguara (Tamboril, Crateús, Monsenhor Tabosa e Novo Oriente), Tabajara (Monsenhor Tabosa, Crateús, Tamboril, Poranga e Quiteranópolis), Kalabaça (Crateús e Poranga), Kariri (Crateús), Anacé (São Gonçalo do Amarante e Caucaia), Gavião (Monsenhor Tabosa) e Tubiba-Tapuia (Monsenhor Tabosa). O número pode ser maior, na medida em que ocorrem os processos de auto-reconhecimento dos povos indígenas.
Migração
A capitania do Siará-Grande abrigou mais de 20 etnias, sendo considerada por muitos como um refúgio para onde migraram diversos povos, que vieram das capitanias vizinhas de Rio-Grande, Paraíba, Pernambuco, e ocuparam parte desta terra, que já era habitada por outros povos. O Siará-Grande só começou a ser invadido pelos europeus efetivamente no início do século XVII.
Fonte: Coordenação dos Povos Indígenas do Ceará (Copice)
CADASTRO
22 mil índios é o número de cadastro realizado pela Fundação Nacional do Índio (Funai) no Estado do Ceará no ano de 2008
Mais informações:
XIV Assembléia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará, Coordenação das Organizações dos Povos Indígenas do Ceará, (85) 3481.7009
LIDERANÇAS NA ALDEIA
Assembléia torna-se fórum de discussão dos povos
Poranga. Quando começou, em 1994, também neste município, a Assembléia dos Povos Indígenas não tinha metade da representação de hoje. Hoje são 12 etnias do Ceará, em diferentes estágios de identificação. Algumas só reconhecidas (por parte dos próprios índios), outras já também demarcadas e, assim, já admitidas e reconhecidas pelos órgãos públicos, privados (com sérias exceções) e pelas comunidades de não-índios. O evento é de reafirmação da identidade, assegurada enquanto se reivindicam os direitos para todos os povos.
“Não é só uma assembléia, é um fórum de discussão”, afirma Dourado Tapeba, vice-coordenador da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme). “A gente precisa saber quem realmente está nessa luta”, completa. “Tem liderança que se diz liderança, mas será que está fazendo o seu papel?”, reclama Ceiça Pitaguary, de Maracanaú. Ainda cobrou a participação de todos na produção e consumo de produtos agroecológicos, pela “natureza limpa”. Ceiça representa os povos indígenas do Ceará na sede da Apoinme em Olinda (PE). Acontecendo desde segunda-feira passada até o próximo sábado, a XIV Assembléia Estadual dos Povos Indígenas do Ceará inicia, pelas manhãs, com ritos, celebrações e a dança toré, da qual participam todas as etnias, pedindo benção ao Deus-pai Tupã, para “iluminar” as discussões. “O lema é nossa terra, nossa vida”. Num dia fala-se da terra, noutro da saúde, seguido da educação, e outras discussões que surgem a partir das primeiras pautas, terminando com a elaboração de propostas para 2009, mas não sem antes reclamar ou agradecer pelo que foi reivindicado para 2008.
O principal gargalo da saúde, verificada nas aldeias, é o saneamento
Na educação, por exemplo, haviam proposto o concurso público para professores indígenas, sugestão já acolhida pela Funai e pela Secretaria de Educação do Estado.
“A questão agora é outra, que é saber a forma como esse processo de magistério está se dando, se os índios estão sendo ouvidos”, afirmou Rosa, da Coordenação dos Povos Indígenas do Estado do Ceará (Copice) e da Associação das Mulheres Indígenas do Ceará (Amice). As mulheres têm um papel forte de liderança dentro da organização dos movimentos e na elaboração de políticas públicas de educação.
O principal gargalo da saúde é o saneamento. E logo no primeiro dia da encontro, a falta d’ água na comunidade fez homens deslocarem-se quilômetros para conseguir água potável para abastecimento de mais de 250 pessoas. A bomba hidráulica instalada foi promessa da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) para antes de começar o evento. A instalação foi resolvida de última hora por agentes da Funai, que apóia o evento. Apesar de convidada a participar, até ontem não havia nenhum representante da Funasa nas discussões.
Xukuru-Kariri lutam por suas terras
O mundo indígena, em certas partes do Brasil, é constituído no meio de lutas imensas. A causa dos índios Xukuru-Kariri, da cidade de Palmeira dos Índios, é uma delas.
Esse povo indígena, que teve em Maninha Xukuru, até recentemente, uma grande e saudosa líder, vem tentando há muitos anos recuperar uma parte das terras que ocupavam no século XIX, e que lhes foi subtraída após a Revolta dos Cabanos, da qual participaram esses índios. Essa rebelião contou com a participação de diversas comunidades indígenas da região ao mesmo tempo que estava ocorrendo a Cabanagem, no Pará. Foi uma luta semelhante àquela mais conhecida, onde, a partir de uma disputa entre elites fazendeiras regionais, os índios entraram na liça e terminaram engrossando o caldo e tomando a rebelião em suas mãos. Porém pouco se sabe sobre ela. Um grande intelectual alagoano, cujo nome me escapa nesse momento, tem um livro detalhado sobre esse rebelião.
O SPI reconheceu a existência dos Xukuru-Kariri desde os anos 1920, logo que chegou ao Nordeste. Tentou em algumas ocasiões delimitar suas terras, sem obter mais do que um pífio resultado, comprando de um fazendeiro decadente um lote de terras onde muitas famílias Xukuru-Kariri se estabeleceram. Grande parte dos Xukuru-Kariri ficaram morando na periferia de Palmeira dos Índios, ou como agregados de fazendas.
Nos últimos 10 anos, depois de muitas idas e vindas na tentativa de reconhecer o perímetro das terras outorgadas aos Xukuru-Kariri, que, inclusive envolvia parte do perímetro urbano de Palmeira dos Índios, uma antropóloga da FUNAI conseguiu estabelecer e negociar com os índios um perímetro razoável de terras para a sua demarcação.
Porém as dificuldades estão se amontoando. A matéria abaixo retrata um pouco do que está acontecendo na região. A tendência é ficar mais difícil nos próximos meses. Este é mais um caso que terminará desembocando no STF.
A intervenção estadual e do Ministério da Justiça vai ser eventualmente requisitada pelas partes. O que a matéria jornalística mostra é que algumas lideranças indígenas estão pedindo a interferência da Polícia Federal, pois há perigo de vida dessas lideranças. Um procurador da República, que abraçou a causa dos Xukuru-Kariri, também foi acionado pelos índios. A FUNAI de Alagoas é dirigida por um índio Kariri-Xocó e certamente está ao lado dessa causa. O curioso é que essas lideranças estão reclamando da presença de dois antropólogos, "vindos do Norte", que estariam insuflando os fazendeiros a não aceitar a proposta de demarcação da FUNAI.
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Índios denunciam prefeito, fazendeiros e antropólogos e pedem intervenção da PF
Vanessa Alencar/Alagoas24horas
Depois de denunciarem ameaças feitas pelo fazendeiro Val Basílio, no domingo, 14, representantes dos índios Xukuru-Kariri, da comunidade Monte Alegre, de Palmeira dos Índios, fizeram novas e graves denúncias com relação ao clima hostil enfrentado pelas comunidades indígenas da região desde a aprovação da demarcação de terras indígenas no município.
Liderados pelo cacique Chiquinho e pelo pajé Xareu Porã, os representantes se reuniram na tarde desta quarta-feira, 17, com integrantes do Movimento Social Contra a Criminalidade (MSCC) para buscar o apoio da entidade.
Segundo o cacique, em uma reunião ocorrida ontem (terça-feira), entre o prefeito de Palmeira dos Índios, Albérico Cordeiro e fazendeiros locais, dois antropólogos oriundos do Norte do País – que teriam vindo para Alagoas por intermédio do prefeito – estariam incentivando o conflito, instigando os fazendeiros a usarem de violência. “Eles propuseram a nossa extinção, a nossa aniquilação”, desabafou Chiquinho.
Essa e outras denúncias serão formalizadas no final da tarde de hoje, quando representantes dos índios e do MSCC se reúnem na superintendência da Polícia Federal com o delegado Nilton Ribeiro, superintendente interino da PF em Alagoas.
“Estamos com medo e vamos denunciar as ameaças que temos sofrido. Queremos garantias e proteção da Polícia Federal para resolver o conflito”, disse o cacique.
“Nosso objetivo é mediar o debate para evitar um confronto. Sugerimos que a Funai reúna os fazendeiros e os índios em um local neutro para aprofundar o debate e chegar a um consenso”, acrescentou Jorgelson Veras, presidente do Sindicato dos Servidores Públicos Federais, que integra o MSCC.
A ameaça
Segundo o cacique Chiquinho informou, o fazendeiro Val Basílio – ex-proprietário das terras retomadas pelos índios em Palmeira - esteve em uma reunião da comunidade no domingo passado para intimidar os índios. “Ele afirmou que, se em três meses a Funai não resolvesse a indenização dele nos colocaria para fora. São oitos comunidades nessa situação e todas sofrendo ameaças diversas. Só queremos o que é nosso, por isso precisamos da demarcação já!”, finalizou.
De acordo com informações da assessoria de imprensa da Funai, o procurador federal João Sila irá até a Delegacia de Palmeira dos Índios nesta quinta-feira (18) prestar queixa de Val Basílio.
quarta-feira, 17 de dezembro de 2008
Resultado da Enquete sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol
O resultado da Enquete "E agora, como votarão os ministros do STF diante do voto de Ayres Britto", que durou de agosto até o dia 10 de dezembro de 2008, é o seguinte:
1. Sim ao voto do ministro-relator --- 77 votos (53%)
2. Não ao voto do ministro-relator --- 50 votos (33%)
3. Sim, mas com ressalvas --- 22 votos (14%)
Podemos dizer que os participantes votaram em sua maioria com otimismo. Efetivamente, podemos dizer que este resultado correspondeu, pois, afinal, a homologação foi confirmada em seus termos essenciais. Isto é, os limites foram reafirmados e os invasores foram ipso facto condenados à extrusão.
As ressalvas que foram feitas pelo ministro Menezes Direito, seguidas em sua quase totalidade pelos sete ministros que votaram, afetarão sem dúvida nenhuma o futuro do indigenismo brasileiro.
Na melhor das hipóteses, o Ministério da Justiça e a FUNAI poderão negociar o significado das 18 ressalvas, sobretudo no que concerne a demarcação das terras indígenas mais urgentes.
Na pior das hipóteses, se a promulgação final, que se dará em fevereiro ou março do próximo ano, contemplar como parte do resultado a argumentação do ministro Menezes Direito sobre a prevalência de uma chamada teoria do "fato indígena", algo inusitado no indigenismo brasileiro -- em contraposição ao chamado "indigenato" -- dificilmente haverá mais do que 20 ou 30 terras indígenas a serem demarcadas. Isto porque a tal teoria do fato indígena determina que a noção de ocupação permanente se restringirá à presença indígena por volta de 1988, quando da promulgação da Constituição Federal. Assim, as terras que muitos povos indígenas declaram serem suas por terem sido ocupadas por antepassados recentes não serão contempladas, a não ser que se prove que essa ocupação se dera no período prescrito.
Eis o pior cenário possível do indigenismo brasileiro. Cabe agora ao Executivo, através do Ministério da Justiça e da FUNAI encontrar um termo mais correspondente ao melhor do indigenismo brasileiro. De todo modo, o estrago está feito. Foi a reação do Judiciário ao desmantelo provocado pela atual gestão da FUNAI sobre a tradição do indigenismo rondoniano.
1. Sim ao voto do ministro-relator --- 77 votos (53%)
2. Não ao voto do ministro-relator --- 50 votos (33%)
3. Sim, mas com ressalvas --- 22 votos (14%)
Podemos dizer que os participantes votaram em sua maioria com otimismo. Efetivamente, podemos dizer que este resultado correspondeu, pois, afinal, a homologação foi confirmada em seus termos essenciais. Isto é, os limites foram reafirmados e os invasores foram ipso facto condenados à extrusão.
As ressalvas que foram feitas pelo ministro Menezes Direito, seguidas em sua quase totalidade pelos sete ministros que votaram, afetarão sem dúvida nenhuma o futuro do indigenismo brasileiro.
Na melhor das hipóteses, o Ministério da Justiça e a FUNAI poderão negociar o significado das 18 ressalvas, sobretudo no que concerne a demarcação das terras indígenas mais urgentes.
Na pior das hipóteses, se a promulgação final, que se dará em fevereiro ou março do próximo ano, contemplar como parte do resultado a argumentação do ministro Menezes Direito sobre a prevalência de uma chamada teoria do "fato indígena", algo inusitado no indigenismo brasileiro -- em contraposição ao chamado "indigenato" -- dificilmente haverá mais do que 20 ou 30 terras indígenas a serem demarcadas. Isto porque a tal teoria do fato indígena determina que a noção de ocupação permanente se restringirá à presença indígena por volta de 1988, quando da promulgação da Constituição Federal. Assim, as terras que muitos povos indígenas declaram serem suas por terem sido ocupadas por antepassados recentes não serão contempladas, a não ser que se prove que essa ocupação se dera no período prescrito.
Eis o pior cenário possível do indigenismo brasileiro. Cabe agora ao Executivo, através do Ministério da Justiça e da FUNAI encontrar um termo mais correspondente ao melhor do indigenismo brasileiro. De todo modo, o estrago está feito. Foi a reação do Judiciário ao desmantelo provocado pela atual gestão da FUNAI sobre a tradição do indigenismo rondoniano.
Enquete sobre a demarcação da Terra Indígena dos Pataxó
O resultado final da Enquete "E agora, como votará o STF sobre a retirada dos fazendeiros da Terra Indígena dos Pataxó após o voto do ministro Eros Grau" foi o seguinte:
1. Sim ao voto do ministro --- 46 votos
1. Nao ao voto do ministro --- 29 votos
3. Sim, mas com ressalvas --- 10 votos
Infelizmente o STF não recolocou em votação essa questão tão crucial para o povo Pataxó Hãhãhãe que vive na Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, na região de Ilhéus. Vamos ter aguardar para o próximo ano essa votação.
1. Sim ao voto do ministro --- 46 votos
1. Nao ao voto do ministro --- 29 votos
3. Sim, mas com ressalvas --- 10 votos
Infelizmente o STF não recolocou em votação essa questão tão crucial para o povo Pataxó Hãhãhãe que vive na Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, na região de Ilhéus. Vamos ter aguardar para o próximo ano essa votação.
segunda-feira, 15 de dezembro de 2008
Antropólogo discute Raposa Serra do Sol -- 1
Esses dias estou passando férias na praia, com dificuldades para acessar a Internet. Não estou reclamando. De modo que não tenho acompanhado as notícias sobre questões de Antropologia e Índios.
Hoje tive uma chance e li que alguns indigenistas haviam feito ressalvas às ressalvas dos ministros do STF. Recebi um comentário do antropólogo e indigenista Artur Mendes, da FUNAI, mencionando a vitória da reafirmação da homologação da Raposa Serra do Sol, lembrando meu papel durante o tempo que o presidente Lula precisou para tomar sua decisão, e sugerindo que eu talvez não estivesse tão feliz com o resultado.
Seu comentário está publicado, com meu comentário em seguida. Outros que quiserem fazer comentários com história de Raposa Serra do Sol ou sobre as possíveis consequências das ressalvas dos ministros do STF, fiquem à vontade que as publicarei na postagem principal com muito gosto.
_________________________________________
Prezado Mércio,
Entendo suas preocupações frente aos 18 pontos apresentados pelo STF como condições para o exercício da posse indígena em Raposa Serrra do Sol.
Entretanto, julgo que isso não retira nem diminui a importância da vitória obtida pelos índios e pelo indigenismo "rondoniano". Me veio a lembrança histórica de um Alípio Bandeira e sua luta desigual, sem o amparo de uma lei que pudesse ser invocada em defesa dos índios nas primeiras décadas do século passado. Ver hoje a corte suprema reconhecer e reafirmar os direitos indígenas sobre suas terras, contra todos os interesses da cobiça, nos faz meditar a respeito do quanto se avançou no Brasil nessa matéria.
Mas me fez também lembrar da firmesa e da altivez com que você a defendeu em todas as arenas quando presidia a FUNAI, contra todos os que, tanto da esquerda como da direita, procuravam solapá-la. E não foram poucos. Não menospreze a vitória que é também sua. Parabéns mais do que merecidos a você também pelo êxito que, se não é completo, é apenas para nos lembrar que a luta continua.
Li e reli uma dezena de vezes as tais condições e, ao final, percebi que não há nelas tantos recuos como à primeira vista parecem conter. De todo modo elas ainda serão objeto de discussão e poderão ser modificadas, o que não acontecerá com o reconhecimento da posse indígena.
Um abraço,
Artur Mendes
11 de Dezembro de 2008 23:25
Mércio P. Gomes disse...
Caro Artur, Muito bom que você tenha vindo ao meu Blog para ajudar a clarificar a questão de Raposa Serra do Sol.
Agradeço-lhe por lembrar minha luta naquela ocasião. Luta que também foi sua, com toda a habilidade de enviar uma equipe a Roraima com rapidez para que pudéssemos fazer a demarcação in situ das mudanças contidas na portaria de demarcação do ministro e depois no decreto presidencial de homologação.
Por tudo isso e mais a continuidade dessa luta, estamos todos honrados e felizes com a votação feita pelos ministros. Disse-o naquela ocasião e repeti-o nesse Blog que essa homologação constitui a consagração do indigenismo brasileiro. Rondoniano, sim, sem aspas, porque não há outro que se preste a essa honraria.
Sinto apenas que essa decisão veio acompanhada de restrições não propriamente à RSS (exceto na parte do Parque Nacional de Monte Roraima e na administração do Instituto Chico Mendes, e não da FUNAI), mas ao indigenismo brasileiro.
Uma relativização explícita do direito indígena em relação a outros direitos me pareceu desnecessário, e só aconteceu para realçar uma atitude negativa.
Não ser mais necessário pedir o consentimento dos índios (nem da FUNAI) para se entrar em terras indígenas; nem tampouco para se fazer pesquisas quanto aos recursos hídricos e minerais -- me pareceu até, diria, inconstitucional, se não fosse pronunciado pelo próprio STF!
Demarcar terras com a presença explícita de municípios e estados -- você sabe -- será dificílimo para não dizer impossível nesse clima de hostilidade que a atual gestão da FUNAI estabeleceu.
Eis o meu caveat. Ainda cheio de esperanças porque as coisas poderão mudar em princípio. Mas as dificuldades aumentaram imensamente.
Com um abraço,
Mercio
Hoje tive uma chance e li que alguns indigenistas haviam feito ressalvas às ressalvas dos ministros do STF. Recebi um comentário do antropólogo e indigenista Artur Mendes, da FUNAI, mencionando a vitória da reafirmação da homologação da Raposa Serra do Sol, lembrando meu papel durante o tempo que o presidente Lula precisou para tomar sua decisão, e sugerindo que eu talvez não estivesse tão feliz com o resultado.
Seu comentário está publicado, com meu comentário em seguida. Outros que quiserem fazer comentários com história de Raposa Serra do Sol ou sobre as possíveis consequências das ressalvas dos ministros do STF, fiquem à vontade que as publicarei na postagem principal com muito gosto.
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Prezado Mércio,
Entendo suas preocupações frente aos 18 pontos apresentados pelo STF como condições para o exercício da posse indígena em Raposa Serrra do Sol.
Entretanto, julgo que isso não retira nem diminui a importância da vitória obtida pelos índios e pelo indigenismo "rondoniano". Me veio a lembrança histórica de um Alípio Bandeira e sua luta desigual, sem o amparo de uma lei que pudesse ser invocada em defesa dos índios nas primeiras décadas do século passado. Ver hoje a corte suprema reconhecer e reafirmar os direitos indígenas sobre suas terras, contra todos os interesses da cobiça, nos faz meditar a respeito do quanto se avançou no Brasil nessa matéria.
Mas me fez também lembrar da firmesa e da altivez com que você a defendeu em todas as arenas quando presidia a FUNAI, contra todos os que, tanto da esquerda como da direita, procuravam solapá-la. E não foram poucos. Não menospreze a vitória que é também sua. Parabéns mais do que merecidos a você também pelo êxito que, se não é completo, é apenas para nos lembrar que a luta continua.
Li e reli uma dezena de vezes as tais condições e, ao final, percebi que não há nelas tantos recuos como à primeira vista parecem conter. De todo modo elas ainda serão objeto de discussão e poderão ser modificadas, o que não acontecerá com o reconhecimento da posse indígena.
Um abraço,
Artur Mendes
11 de Dezembro de 2008 23:25
Mércio P. Gomes disse...
Caro Artur, Muito bom que você tenha vindo ao meu Blog para ajudar a clarificar a questão de Raposa Serra do Sol.
Agradeço-lhe por lembrar minha luta naquela ocasião. Luta que também foi sua, com toda a habilidade de enviar uma equipe a Roraima com rapidez para que pudéssemos fazer a demarcação in situ das mudanças contidas na portaria de demarcação do ministro e depois no decreto presidencial de homologação.
Por tudo isso e mais a continuidade dessa luta, estamos todos honrados e felizes com a votação feita pelos ministros. Disse-o naquela ocasião e repeti-o nesse Blog que essa homologação constitui a consagração do indigenismo brasileiro. Rondoniano, sim, sem aspas, porque não há outro que se preste a essa honraria.
Sinto apenas que essa decisão veio acompanhada de restrições não propriamente à RSS (exceto na parte do Parque Nacional de Monte Roraima e na administração do Instituto Chico Mendes, e não da FUNAI), mas ao indigenismo brasileiro.
Uma relativização explícita do direito indígena em relação a outros direitos me pareceu desnecessário, e só aconteceu para realçar uma atitude negativa.
Não ser mais necessário pedir o consentimento dos índios (nem da FUNAI) para se entrar em terras indígenas; nem tampouco para se fazer pesquisas quanto aos recursos hídricos e minerais -- me pareceu até, diria, inconstitucional, se não fosse pronunciado pelo próprio STF!
Demarcar terras com a presença explícita de municípios e estados -- você sabe -- será dificílimo para não dizer impossível nesse clima de hostilidade que a atual gestão da FUNAI estabeleceu.
Eis o meu caveat. Ainda cheio de esperanças porque as coisas poderão mudar em princípio. Mas as dificuldades aumentaram imensamente.
Com um abraço,
Mercio
quarta-feira, 10 de dezembro de 2008
O STF cumpre o seu papel!
Acabou há pouco a sessão do STF que votou a legitimidade do decreto presidencial que homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
Por 8 votos -- faltando ainda três votos, incluindo o do presidente da Corte Suprema -- o STF recepcionou apenas parcialmente a ação civil pública que pedia a nulidade do decreto presidencial de homologação.
Essa parcialidade se referiu a 18 ressalvas, produzidas pelo ministro Menezes Direito, o segundo a votar, que favorece a presença do Estado brasileiro nos aspectos da ações de defesa nacional, proteção do meio ambiente, serviços de saúde, educação e circulação livre de pessoas.
Quanto à presença de terceiros com interesses econômicos, especificamente agropecuários, foi definitivamente banida da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Os arrozeiros terão que sair logo que a decisão for proclamada!
Esta é a grande vitória do indigenismo brasileiro sobre a qual escrevi um artigo logo que o presidente Lula assinou o decreto de homologação.
Congratulo-me com os índios Makuxi, Taurepang, Uapixana, Patamona e Ingarikó por essa grande vitória.
Agora, temos que esperar o voto dos três ministros restantes, que só ocorrerão no próximo ano, e a proclamação do resultado. Com isso os arrozeiros terão que sair imediatamente.
Por outro lado, há que se compreender o teor e as consequências das 18 ressalvas expostas no voto do ministro Menezes Direito, que trouxeram grande preocupação à causa indígena brasileira.
Elas apontam para um novo regulamento de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, e esse novo regulamento vai se tornar extremamente difícil de demarcar novas terras indígenas.
Eis o preço que os demais indígenas brasileiros pagarão por essa decisão do STF. É um preço altíssimo. Os votos concordantes com as 18 ressalvas produzidas pelo ministro Menezes Direito diminuem o direito indígena sobre o usufruto pleno das riquezas de suas terras, dos potenciais hídricos e minerais, da recuperação de terras usurpadas e da sua auto-determinação.
É irônico que essas determinações tenham sido pronunciadas precisamente no 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pelo menos seis ministros se pronunciaram contra os termos libertários da Declaração Universal dos Direitos Indígenas no que concerne a auto-determinação, o direito de ir e vir entre fronteiras e a necessidade consulta prévia e consensual sobre ações governamentais que afetem os povos indígenas e suas terras.
Por que ressalvas que se apresentam como diretrizes tão duras? Só com mais reflexão poderemos chegar a uma conclusão mais completa e profunda. O processo social que nos leva até esse ponto é cheio de meandros, de idas e vindas, e de fatores sociais e econômicos ligados ao nosso tempo. Talvez até o renascimento de um novo tipo de nacionalismo esteja surgindo no Brasil, e este caso surge como ponta-de-lança desse momento.
Por enquanto, no nível mais local do momento político-cultural brasileiro, fica o sentimento de que o voto do ministro Menezes Direito, que modificou consideravelmente o teor libertário do voto do ministro-relator Ayres Britto, foi pronunciado como uma reação às atitudes destemperadas que as Ongs vêm proclamando como sendo direitos dos povos indígenas e o papel que elas vêm exercendo especialmente sobre jovens lideranças indígenas que dependem dessas visões para estabelecerem-se no movimento indígena. O descalabro administrativo da atual gestão da FUNAI levantou o sentimento anti-indigenista brasileiro de tal forma que os estados federados se levantaram contra os povos indígenas de um modo nunca visto. O STF parece estar refletindo esse sentimento.
Tivesse o movimento indígena atual seguido as orientações mais ponderadas e estratégicas das velhas lideranças, acredito, em princípio, que o STF não teria se pronunciado com tanta dureza com propostas que irão modificar ou desviar o curso da auto-determinação dos povos indígenas e de seu relacionamento harmonioso com a sociedade brasileira.
Quanto à demarcação de novas terras, ou até das que estão em curso, o procedimento atual terá que ser revisto, na recomendação final feita pelo presidente do STF Gilmar Mendes.
Alguns pronunciamentos foram ainda mais contundentes do que as ressalvas do ministro Menezes Direito. Por exemplo, o ministro Cézar Peluzo disse se sentir constrangido em votar favoravelmente pela manutenção do decreto presidencial pois não acreditava que os relatórios dos antropólogos estivessem corretos sobre o uso e a ocupação efetiva daquelas terras. Em compensação, enfatizava a ressalva que conclama que nenhuma terra indígena pode ser demarcada sem a consulta expressa dos municípios e dos estados. E quando o ministro Ayres Britto apontou que a consulta aos municípios iria dificultar enormemente o reconhecimento de terras indígenas, recebeu a resposta de que cabe ao STF equilibrar o princípio federativo e o direito dos entes federativos. Isto é, ignorou a ponderação de Ayres Britto.
Portanto, dá-se com uma mão e tira-se com outra. O STF se pronunciou. Cabe ao Executivo e ao Legislativo seguir novas linhas de ação.
Vamos precisar de muita ponderação, estratégia e liderança para recriar a defesa dos povos indígenas em novos termos. Do jeito que está, se os índios e suas lideranças mais expressivas não fizerem o suficiente, os resultados serão um retrocesso incomensurável pelos próximos anos.
Espero que o Ministério da Justiça e a FUNAI estejam à altura dos novos tempos que se deslumbram a partir dessa decisão histórica.
Por 8 votos -- faltando ainda três votos, incluindo o do presidente da Corte Suprema -- o STF recepcionou apenas parcialmente a ação civil pública que pedia a nulidade do decreto presidencial de homologação.
Essa parcialidade se referiu a 18 ressalvas, produzidas pelo ministro Menezes Direito, o segundo a votar, que favorece a presença do Estado brasileiro nos aspectos da ações de defesa nacional, proteção do meio ambiente, serviços de saúde, educação e circulação livre de pessoas.
Quanto à presença de terceiros com interesses econômicos, especificamente agropecuários, foi definitivamente banida da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Os arrozeiros terão que sair logo que a decisão for proclamada!
Esta é a grande vitória do indigenismo brasileiro sobre a qual escrevi um artigo logo que o presidente Lula assinou o decreto de homologação.
Congratulo-me com os índios Makuxi, Taurepang, Uapixana, Patamona e Ingarikó por essa grande vitória.
Agora, temos que esperar o voto dos três ministros restantes, que só ocorrerão no próximo ano, e a proclamação do resultado. Com isso os arrozeiros terão que sair imediatamente.
Por outro lado, há que se compreender o teor e as consequências das 18 ressalvas expostas no voto do ministro Menezes Direito, que trouxeram grande preocupação à causa indígena brasileira.
Elas apontam para um novo regulamento de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, e esse novo regulamento vai se tornar extremamente difícil de demarcar novas terras indígenas.
Eis o preço que os demais indígenas brasileiros pagarão por essa decisão do STF. É um preço altíssimo. Os votos concordantes com as 18 ressalvas produzidas pelo ministro Menezes Direito diminuem o direito indígena sobre o usufruto pleno das riquezas de suas terras, dos potenciais hídricos e minerais, da recuperação de terras usurpadas e da sua auto-determinação.
É irônico que essas determinações tenham sido pronunciadas precisamente no 60º aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Pelo menos seis ministros se pronunciaram contra os termos libertários da Declaração Universal dos Direitos Indígenas no que concerne a auto-determinação, o direito de ir e vir entre fronteiras e a necessidade consulta prévia e consensual sobre ações governamentais que afetem os povos indígenas e suas terras.
Por que ressalvas que se apresentam como diretrizes tão duras? Só com mais reflexão poderemos chegar a uma conclusão mais completa e profunda. O processo social que nos leva até esse ponto é cheio de meandros, de idas e vindas, e de fatores sociais e econômicos ligados ao nosso tempo. Talvez até o renascimento de um novo tipo de nacionalismo esteja surgindo no Brasil, e este caso surge como ponta-de-lança desse momento.
Por enquanto, no nível mais local do momento político-cultural brasileiro, fica o sentimento de que o voto do ministro Menezes Direito, que modificou consideravelmente o teor libertário do voto do ministro-relator Ayres Britto, foi pronunciado como uma reação às atitudes destemperadas que as Ongs vêm proclamando como sendo direitos dos povos indígenas e o papel que elas vêm exercendo especialmente sobre jovens lideranças indígenas que dependem dessas visões para estabelecerem-se no movimento indígena. O descalabro administrativo da atual gestão da FUNAI levantou o sentimento anti-indigenista brasileiro de tal forma que os estados federados se levantaram contra os povos indígenas de um modo nunca visto. O STF parece estar refletindo esse sentimento.
Tivesse o movimento indígena atual seguido as orientações mais ponderadas e estratégicas das velhas lideranças, acredito, em princípio, que o STF não teria se pronunciado com tanta dureza com propostas que irão modificar ou desviar o curso da auto-determinação dos povos indígenas e de seu relacionamento harmonioso com a sociedade brasileira.
Quanto à demarcação de novas terras, ou até das que estão em curso, o procedimento atual terá que ser revisto, na recomendação final feita pelo presidente do STF Gilmar Mendes.
Alguns pronunciamentos foram ainda mais contundentes do que as ressalvas do ministro Menezes Direito. Por exemplo, o ministro Cézar Peluzo disse se sentir constrangido em votar favoravelmente pela manutenção do decreto presidencial pois não acreditava que os relatórios dos antropólogos estivessem corretos sobre o uso e a ocupação efetiva daquelas terras. Em compensação, enfatizava a ressalva que conclama que nenhuma terra indígena pode ser demarcada sem a consulta expressa dos municípios e dos estados. E quando o ministro Ayres Britto apontou que a consulta aos municípios iria dificultar enormemente o reconhecimento de terras indígenas, recebeu a resposta de que cabe ao STF equilibrar o princípio federativo e o direito dos entes federativos. Isto é, ignorou a ponderação de Ayres Britto.
Portanto, dá-se com uma mão e tira-se com outra. O STF se pronunciou. Cabe ao Executivo e ao Legislativo seguir novas linhas de ação.
Vamos precisar de muita ponderação, estratégia e liderança para recriar a defesa dos povos indígenas em novos termos. Do jeito que está, se os índios e suas lideranças mais expressivas não fizerem o suficiente, os resultados serão um retrocesso incomensurável pelos próximos anos.
Espero que o Ministério da Justiça e a FUNAI estejam à altura dos novos tempos que se deslumbram a partir dessa decisão histórica.
As 18 diretrizes do Ministro Menezes Direito sobre a demarcação de terras indígenas
O voto do ministro Menezes Direito, favorável ao decreto presidencial que homologou a T.I. Raposa Serra do Sol veio acompanhado de 18 requisitos, ou ressalvas, ou condições que deverão ser preenchidos parcialmente no caso em vista e parcialmente para os futuros casos de demarcação de terras indígenas.
Os demais sete ministros (Carmen Lúcia, Lewandowski, Joaquim Barbosa, Peluzo, Ellen Gracie e o próprio relator Ayres Britto) que votaram com alguns argumentos diferentes daqueles de Menezes Direito, afirmaram a sua concordância quase integral com essas 18 ressalvas.
Portanto, elas se constituem em recomendações do STF para a demarcação de novas terras indígenas. Em consequência, o Ministério da Justiça terá que modificar os procedimentos que regulamentam a demarcação de terras indígenas, seguindo as recomendações pertinentes.
Vale a pena lê-las e debatê-las porque serão significativas daqui por diante na demarcação de terras indígenas.
_____________________________________
18 condições para a demarcação de novas terras indígenas, segundo o voto do ministro Menezes Direito
1 - O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o interesse público da União na forma de Lei Complementar;
2 - O usufruto dos índios não abrange a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;
3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
4 - O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, de ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
5 - O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
6 - A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
7 - O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;
8 - O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;
10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração;
11 - Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;
12 - O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
13 - A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;
14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;
15 - É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;
16 - Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;
17 - É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
18 - Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.
Os demais sete ministros (Carmen Lúcia, Lewandowski, Joaquim Barbosa, Peluzo, Ellen Gracie e o próprio relator Ayres Britto) que votaram com alguns argumentos diferentes daqueles de Menezes Direito, afirmaram a sua concordância quase integral com essas 18 ressalvas.
Portanto, elas se constituem em recomendações do STF para a demarcação de novas terras indígenas. Em consequência, o Ministério da Justiça terá que modificar os procedimentos que regulamentam a demarcação de terras indígenas, seguindo as recomendações pertinentes.
Vale a pena lê-las e debatê-las porque serão significativas daqui por diante na demarcação de terras indígenas.
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18 condições para a demarcação de novas terras indígenas, segundo o voto do ministro Menezes Direito
1 - O usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas pode ser suplantado de maneira genérica sempre que houver como dispõe o artigo 231 (parágrafo 6º, da Constituição Federal) o interesse público da União na forma de Lei Complementar;
2 - O usufruto dos índios não abrange a exploração de recursos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre da autorização do Congresso Nacional;
3 - O usufruto dos índios não abrange a pesquisa e a lavra de recursos naturais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
4 - O usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem a faiscação, dependendo-se o caso, de ser obtida a permissão da lavra garimpeira;
5 - O usufruto dos índios fica condicionado ao interesse da Política de Defesa Nacional. A instalação de bases, unidades e postos militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico a critério dos órgãos competentes (o Ministério da Defesa, o Conselho de Defesa Nacional) serão implementados independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
6 - A atuação das Forças Armadas da Polícia Federal na área indígena, no âmbito de suas atribuições, fica garantida e se dará independentemente de consulta a comunidades indígenas envolvidas e à Funai;
7 - O usufruto dos índios não impede a instalação pela União Federal de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de transporte, além de construções necessárias à prestação de serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e de educação;
8 - O usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica restrito ao ingresso, trânsito e permanência, bem como caça, pesca e extrativismo vegetal, tudo nos períodos, temporadas e condições estipuladas pela administração da unidade de conservação, que ficará sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade;
9 - O Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade responderá pela administração da área de unidade de conservação, também afetada pela terra indígena, com a participação das comunidades indígenas da área, em caráter apenas opinativo, levando em conta as tradições e costumes dos indígenas, podendo, para tanto, contar com a consultoria da Funai;
10 - O trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e condições estipulados pela administração;
11 - Deve ser admitido o ingresso, o trânsito, a permanência de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela Funai;
12 - O ingresso, trânsito e a permanência de não-índios não pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qualquer natureza por parte das comunidades indígenas;
13 - A cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço do público tenham sido excluídos expressamente da homologação ou não;
14 - As terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer ato ou negócio jurídico, que restrinja o pleno exercício da posse direta pela comunidade jurídica ou pelos silvícolas;
15 - É vedada, nas terras indígenas, qualquer pessoa estranha aos grupos tribais ou comunidades indígenas a prática da caça, pesca ou coleta de frutas, assim como de atividade agropecuária extrativa;
16 - Os bens do patrimônio indígena, isto é, as terras pertencentes ao domínio dos grupos e comunidades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto no artigo 49, XVI, e 231, parágrafo 3º, da Constituição da República, bem como a renda indígena, gozam de plena isenção tributária, não cabendo a cobrança de quaisquer impostos taxas ou contribuições sobre uns e outros;
17 - É vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
18 - Os direitos dos índios relacionados as suas terras são imprescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis.
Voto do ministro Menezes Direito é duro
A sessão do STF que está tratando da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol foi suspensa agora há pouco, até as 14 horas, para que os ministros decidam se vão continuar a proferir seus votos ou se suspendem a votação em virtude de um pedido de vistas feito pelo ministro Marco Aurélio de Mello.
Apenas votou o ministro Menezes Direito.
Seu voto foi duro, impondo imensas restrições ao processo de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, proibindo diversas ações que os povos indígenas vinham já acostumados como lhes pertencendo por direito adquirido ou direito constituído por suas práticas. Mas, por outra, o voto não esclareceu alguns pontos cruciais que, por essa razão vão provocar algumas pequenas ambiguidades. Ao final, acolheu parcialmente a ação civil pública contra a homologação e listou uma série de 17 requisitos extras que têm que ser cumpridos no exercício da efetivação dessa homologação do presidente Lula e das futuras. Esses requisitos serão discutidos em detalhes em outra postagem mais tarde.
Em nenhum momento o voto do ministro Direito disse explicitamente que os arrozeiros devem se retirar imediatamente das terras que ocupam. Entretanto, o voto diz que pessoas não indígenas não têm direito de cultivar, criar gado ou negociar em terras indígenas. Isto significa que os arrozeiros são ilegítimos em suas pretensões de viver e trabalhar na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Portanto, concluo, devem ser retirados imediatamente.
Se assim for, ponto para os índios de Raposa Serra do Sol!!
Entretanto, alguns pontos muito duros foram proferidos pelo ministro. Talvez o principal deles é o de que o direito indígena não é absoluto e não pode prevalecer sobre outros direitos, como o ambiental e o da segurança nacional. E concluiu daí que, no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o Instituto Chico Mendes é que deve regulamentar o Parque Nacional de Roraima, que está dentro da referida terra indígena. E que os índios Ingarikó têm o direito de usá-lo em atividades de coleta, visita, reverenciação, etc., não de garimpagem ou de criação de gado. Em todo caso, esse usufruto tem que ser comunicado ao Instituto Chico Mendes. Os Ingarikó não vão gostar dessa idéia.
Outro aspecto importante é o da defesa nacional. O ministro Menezes Direito foi duríssimo ao dizer que as Forças Armadas não têm que pedir licença alguma dos índios, nem seu consentimento prévio, sobre a utilização de terras indígenas em faixas de fronteira para fins de defesa nacional.
Nesse sentido, um dos aspectos mais duros do voto de Menezes Direito foi o de que o Brasil não tem que seguir nem a Declaração Universal dos Direitos Indígenas, votada pela ONU, com voto brasileiro, nem a Convenção 169, da OIT. Repetiu, nesse caso, o voto do ministro Ayres Britto no aspecto que diz que a Constituição brasileira já atende a todos os aspectos importantes do direito indígena.
Vai dar muito pano para manga.
Em relação à FUNAI, O ministro Menezes Direito trouxe aportes preocupantes que modificarão o procedimento demarcatório e o papel da FUNAI em prosseguir no seu trabalho de acordo com a portaria ministerial 1775/96. Arrolou uma série de medidas que o órgão tem que tomar para reconhecer terras indígenas, entre elas a presença de pelo menos três antropólogos em cada estudo, de outros especialistas e de entidades públicas interessadas, como os estados e municípios. Proibiu peremptoriamente que as terras já demarcadas sofressem processos de ampliação. E determinou que a data da promulgação da Constituição de 1988 é que determina o conceito de ocupação de uma terra que se queira declarar como indígena.
Por que esse voto tão duro? A resposta não pode ser fácil. Não é uma questão a ser reduzida à antinomia esquerda-direita, mesmo porque, inesperadamente, o ministro Ayres Britto, a quem se poderia reconhecer como homem de esquerda, se declarou completamente favoravelmente aos 17 requisitos expostos pelo ministro Menezes Direito. E disse que esses itens já estavam contidos em seu voto!
O voto do ministro Menezes Direito não foi proferido com leveza, nem com serenidade, não obstante sua abrangência e profundidade. Sua fisionomia era de dureza, não diria de raiva, propriamente, mas de severidade, e suas palavras estavam entumecidas de uma certa exasperação, uma certa impaciência e uma determinação para mudar um determinado quadro que prevalece atualmente na questão indígena brasileira.
Não sei como os demais ministros votarão hoje à tarde, ou se a coisa toda vai ser adiada para o próximo ano. De qualquer jeito, a FUNAI perdeu muito de suas prerrogativas a partir desse voto. E todo o discurso de Ongs que estavam determinando suas ações foi desautorizado em quase sua totalidade. É um voto que vai provocar muita infelicidade entre os povos indígenas. Um voto, em muitos aspectos, do qual não estávamos precisando.
Apenas votou o ministro Menezes Direito.
Seu voto foi duro, impondo imensas restrições ao processo de reconhecimento e demarcação de terras indígenas, proibindo diversas ações que os povos indígenas vinham já acostumados como lhes pertencendo por direito adquirido ou direito constituído por suas práticas. Mas, por outra, o voto não esclareceu alguns pontos cruciais que, por essa razão vão provocar algumas pequenas ambiguidades. Ao final, acolheu parcialmente a ação civil pública contra a homologação e listou uma série de 17 requisitos extras que têm que ser cumpridos no exercício da efetivação dessa homologação do presidente Lula e das futuras. Esses requisitos serão discutidos em detalhes em outra postagem mais tarde.
Em nenhum momento o voto do ministro Direito disse explicitamente que os arrozeiros devem se retirar imediatamente das terras que ocupam. Entretanto, o voto diz que pessoas não indígenas não têm direito de cultivar, criar gado ou negociar em terras indígenas. Isto significa que os arrozeiros são ilegítimos em suas pretensões de viver e trabalhar na Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Portanto, concluo, devem ser retirados imediatamente.
Se assim for, ponto para os índios de Raposa Serra do Sol!!
Entretanto, alguns pontos muito duros foram proferidos pelo ministro. Talvez o principal deles é o de que o direito indígena não é absoluto e não pode prevalecer sobre outros direitos, como o ambiental e o da segurança nacional. E concluiu daí que, no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, o Instituto Chico Mendes é que deve regulamentar o Parque Nacional de Roraima, que está dentro da referida terra indígena. E que os índios Ingarikó têm o direito de usá-lo em atividades de coleta, visita, reverenciação, etc., não de garimpagem ou de criação de gado. Em todo caso, esse usufruto tem que ser comunicado ao Instituto Chico Mendes. Os Ingarikó não vão gostar dessa idéia.
Outro aspecto importante é o da defesa nacional. O ministro Menezes Direito foi duríssimo ao dizer que as Forças Armadas não têm que pedir licença alguma dos índios, nem seu consentimento prévio, sobre a utilização de terras indígenas em faixas de fronteira para fins de defesa nacional.
Nesse sentido, um dos aspectos mais duros do voto de Menezes Direito foi o de que o Brasil não tem que seguir nem a Declaração Universal dos Direitos Indígenas, votada pela ONU, com voto brasileiro, nem a Convenção 169, da OIT. Repetiu, nesse caso, o voto do ministro Ayres Britto no aspecto que diz que a Constituição brasileira já atende a todos os aspectos importantes do direito indígena.
Vai dar muito pano para manga.
Em relação à FUNAI, O ministro Menezes Direito trouxe aportes preocupantes que modificarão o procedimento demarcatório e o papel da FUNAI em prosseguir no seu trabalho de acordo com a portaria ministerial 1775/96. Arrolou uma série de medidas que o órgão tem que tomar para reconhecer terras indígenas, entre elas a presença de pelo menos três antropólogos em cada estudo, de outros especialistas e de entidades públicas interessadas, como os estados e municípios. Proibiu peremptoriamente que as terras já demarcadas sofressem processos de ampliação. E determinou que a data da promulgação da Constituição de 1988 é que determina o conceito de ocupação de uma terra que se queira declarar como indígena.
Por que esse voto tão duro? A resposta não pode ser fácil. Não é uma questão a ser reduzida à antinomia esquerda-direita, mesmo porque, inesperadamente, o ministro Ayres Britto, a quem se poderia reconhecer como homem de esquerda, se declarou completamente favoravelmente aos 17 requisitos expostos pelo ministro Menezes Direito. E disse que esses itens já estavam contidos em seu voto!
O voto do ministro Menezes Direito não foi proferido com leveza, nem com serenidade, não obstante sua abrangência e profundidade. Sua fisionomia era de dureza, não diria de raiva, propriamente, mas de severidade, e suas palavras estavam entumecidas de uma certa exasperação, uma certa impaciência e uma determinação para mudar um determinado quadro que prevalece atualmente na questão indígena brasileira.
Não sei como os demais ministros votarão hoje à tarde, ou se a coisa toda vai ser adiada para o próximo ano. De qualquer jeito, a FUNAI perdeu muito de suas prerrogativas a partir desse voto. E todo o discurso de Ongs que estavam determinando suas ações foi desautorizado em quase sua totalidade. É um voto que vai provocar muita infelicidade entre os povos indígenas. Um voto, em muitos aspectos, do qual não estávamos precisando.
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
STF decide amanhã sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol
Hoje é o último dia para se votar na enquete ao lado que pergunta como votarão os ministros do STF em relação à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol -- se acompanhando o voto primeiro do relator Carlos Ayres Britto, se contra, se com ressalvas.
Amanhã dia 10, a partir das 10 horas, o STF estará reunido para votar sobre esse assunto. Até agora apenas o ministro-relator do caso, Carlos Ayres Britto, encaminhou e votou a matéria. Votou favoravelmente à manutenção do decreto que homologou essa Terra Indígena com aproximadamente 1.730.000 hectares, situada no ponto mais setentrional do Brasil, no estado de Roraima.
Em antecipação, a tensão está crescendo na própria Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com grupos indígenas favoráveis e outros contra, entre os arrozeiros que não querem sair de lá e forçaram a barra para essa decisão, está crescendo entre os índios em suas terras e está crescendo no indigenismo brasileiro. Ninguém sabe o que pode acontecer daqui por diante em matéria de demarcação de terras indígenas.
A matéria abaixo, de O Estado de São Paulo, bota lenha nessa fogueira. Sugere que, nos bastidores, alguns ministros do STF já se manifestaram favoravelmente a mudanças nos contornos dessa homologação, isto é, preservando a homologação, mas com ressalvas, e apresentando linhas de entendimento sobre a questão indígena que irão modificar bastante o entendimento que a FUNAI tem sobre o assunto.
Por exemplo, terra indígena em fronteira poderá ser debatido. É seguro para a nação? Esse assunto vem sendo tema de discussão em círculos militares e círculos nacionalistas mais exaltados e menos conhecedores da história brasileira. Mas o que será resolvido, não se sabe. O governo já decidiu aumentar o contingente de pelotões do Exército em diversas terras indígenas que fazem fronteira com outros países. Certo. Se for só assim, tudo bem.
Aliás, dos 17.000 km que temos de fronteira, 5.700 são compostos por terras indígenas. Até agora nunca houve qualquer perigo para o Brasil. Não sei se os países vizinhos gostam ou não de terem terras indígenas como fronteira. Alguns deles as têm, como a própria Venezuela, a Colômbia, o Peru, etc. Assim, é impossível que algo drástico, como a destituição dessas terras indígenas, venha a ser sugerida pelo STF. Nesse sentido, essa é uma discussão retórica e vazia.
Sugere a matéria também que os ministros do STF estão receosos quanto à presença de Ongs nas terras indígenas. Não sabemos ainda se esse receio é do tipo militaresco, qual seja, de que as Ongs são agentes dos interesses internacionais sobre as riquezas das terras indígenas na Amazônia e assim desafiam a soberania nacional, ou se é num sentido mais brando, qual seja, de que as Ongs querem levar os povos indígenas a comportamentos anti-integracionistas, ou mesmo no sentido de que as Ongs, sem nenhuma legitimidade formal para tanto, querem dominar a questão indígena brasileira acima do Estado e prevalecer sobre os povos indígenas. Esta última certamente faz sentido.
A questão indígena brasileira está tomada por forças antagônicas muito radicais nesse segundo mandato do presidente Lula. A própria FUNAI foi tomada por pessoas -- antropólogos, advogados e jovens políticos -- que trabalhavam em Ongs com o espírito de que a FUNAI não é competente em sua atitude rondoniana e precisaria ser modificada para atender as novas demandas dos povos indígenas. Enfraqueceram a capacidade de ação do órgão pela exasperação com que o administram. Nesse sentido, sem querer querendo, como a cobra engolindo o seu próprio rabo, as Ongs terminam se encontrando ao lado das forças anti-indigenistas comandadas por políticos, fazendeiros e até um filósofo respeitado, que acham que o Estado, especialmente o Executivo, especialmente a FUNAI, concentra muito poder na defesa dos índios. Querem que a questão indígena seja comandada pelo Legislativo.
A atual direção da FUNAI, que conta com pessoas que trabalhavam até então no ISA, no CTI e em outras pequenas Ongs, encaminhou uma série de atos ao Ministério da Justiça que, inadvertidamente, o levaram a abrir frentes de batalha dificílimas com governos estaduais como Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Propor, de uma só tacada, a demarcação de cinco terras indígenas no oeste de Santa Catarina inviabilizou a demarcação dessas terras provavelmente pelos próximos anos, demarcação esta que poderia ser realizada com uma estratégia mais sensata, caso a caso, negociando as possibilidades que se fossem abrindo. Mais desastroso ainda foi o caso de alardear que iriam demarcar cerca de 500.000 e 1.000.000 de hectares no Mato Grosso do Sul, como se para tanto bastante apenas um ato de querer.
Não restam dúvidas de que, de uns anos para cá, todos os casos de demarcação de terras indígenas são contestados por terceiros que tenham interesse nas mesmas. Até em estados como o Amazonas cujo problema principal não é falta de terras. E essas contestações desembocam e desembocarão inevitavelmente no STF.
Em janeiro de 2006, em entrevista à Agência Reuters, que foi repercutida pelo O Estado de São Paulo, inicialmente d modo correto, mas logo em seguida interpondo frases que não haviam sido proferidas por mim na entrevista original, notei que esse processo vinha acontecendo e previ que seria o STF que definiria uma nova modelagem de reconhecimento de terras indígenas e sua consequente demarcação. Isso poderia ser feito com o STF tranquilamente respondendo a um pedido feito pela FUNAI. Entretanto, os ruídos criados contra minha fala foram tão estridentes que não consegui apoio para fazer esse pedido de esclarecimento ao STF. Maldisseram as Ongs que eu estava querendo que o STF tomasse nas rédeas o processo de demarcação que cabe ao Executivo brasileiro fazer.
Ora, está agora nas mãos do STF decidir como interpretar a Constituição a respeito do que constitui uma terra indígena em seus aspectos mais controversos, como tradicionalidade de ocupação, temporalidade, modos de uso, etc. Até mesmo uma discussão eminentemente antropológica, como a questão da aculturação, integração e a continuidade étnica, passará pelo discernimento dos senhores ministros do STF para amparar suas decisões eminentemente políticas.
Assim será feito, segundo a matéria abaixo. E, infelizmente, essa decisão será tomada em cima de um caso que seria, em outros tempos, líquido e certo a favor dos índios concernentes. E repercutirá em outro caso líquido e certo, como a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia, que já esteve em votação, já recebeu o voto favorável do relator, mas que agora fica pendurado pela decisão sobre Raposa Serra do Sol. Sem falar nas terras que os Guarani e Kaingang necessitam para continuar a viver uma vida minimamente indígenas, como querem.
Por outro lado, pode ser que o STF, ao final, como em tantas vezes, não defina nada suficientemente e deixe novas ambiguidades no ar. Se isso acontecer, a questão indígena brasileira poderá entrar em parafuso, sem norte e sem oeste, rumo ao conflito permanente e à entropia.
________________________________________
STF deve pôr em xeque critérios da Funai ao decidir sobre reserva
Corte discutirá se índios comprovadamente aculturados precisam de reservas como se fossem tribos nômades
Mariângela Gallucci, para O Estado de São Paulo
A retomada no Supremo Tribunal Federal (STF), amanhã, do julgamento sobre a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, vai abrir uma discussão constitucional sobre os conceitos que a Fundação Nacional do Índio (Funai) usa para fazer as demarcações das terras indígenas. Os 11 ministros vão discutir se índios comprovadamente aculturados precisam de reservas para caçar e praticar a agricultura como se fossem tribos nômades. Podem emergir do julgamento, portanto, novos conceitos jurídicos e sociais para a demarcação de reservas indígenas.
Entenda a disputa da Raposa Serra do Sol
“É natural que se tenha uma discussão além do caso concreto”, admitiu ontem o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, durante viagem a Montes Claros (MG) e Teresina (PI), onde lançou um programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denominado Casas de Justiça e Cidadania - cujo objetivo é prestar assistência social e jurídica à população.
Há quase um consenso entre os ministros do STF de que a demarcação da Raposa Serra do Sol tem uma série de erros e exageros na maneira como trata os índios, mas não existe disposição de anular todo o processo. A direção da Funai, por meio de sua assessoria de imprensa, disse ontem que “segue e faz o que manda fazer a Constituição”. E a Constituição, acrescentou a assessoria, “diz que a demarcação de terras indígenas é uma política do Poder Executivo”.
Segundo ministros ouvidos na semana passada pelo Estado, é possível que o Supremo construa uma saída para o caso da reserva em Roraima e oriente as demarcações futuras - o que interessa especialmente a Mato Grosso do Sul. Vai ser discutido, também, o poder da Funai para decidir sozinha as demarcações que envolvam direitos federativos de Estados e municípios. O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), diz que “é preciso fazer mudanças, porque não se pode deixar esse poder nas mãos de uma pessoa só”. Anchieta sugere que os processos de demarcação de terras tramitem no Congresso como projeto de lei e sejam votados por deputados e senadores.
Um ministro do Supremo chegou a dizer ao Estado que a Funai se recusa a levar em conta a relação dos índios com os não-índios e encara a demarcação “como se estivesse apenas criando cercas de proteção, como se estivesse implantando zoológicos de preservação, uma política que os índios rejeitam”. O pior, na visão desse ministro, é que a Funai “faz as cercas, fica em paz com as organizações não-governamentais, mas depois abandona os índios e oferece uma assistência precária”.
“É a primeira vez que o STF se debruça, pós-1988, com profundidade sobre esse assunto (demarcação de terras)”, disse o presidente do Supremo. Segundo ele, a decisão do tribunal será cumprida. “Não haverá resistência à decisão. Podemos ter aqui ou acolá críticas à decisão, mas, certamente, ela será cumprida.”
Há ainda grande preocupação com o fato de a reserva se estender à zona de fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana. Também é criticada constantemente pelos ministros a atuação de muitas ONGs na área. Os ministros do STF avaliam que o julgamento deve servir de parâmetro para uma nova disputa em curso envolvendo índios guaranis-caiuás e fazendeiros de Dourados, Miranda, Naviraí, Rio Brilhante e Maracaju, todos em Mato Grosso do Sul.
Amanhã dia 10, a partir das 10 horas, o STF estará reunido para votar sobre esse assunto. Até agora apenas o ministro-relator do caso, Carlos Ayres Britto, encaminhou e votou a matéria. Votou favoravelmente à manutenção do decreto que homologou essa Terra Indígena com aproximadamente 1.730.000 hectares, situada no ponto mais setentrional do Brasil, no estado de Roraima.
Em antecipação, a tensão está crescendo na própria Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com grupos indígenas favoráveis e outros contra, entre os arrozeiros que não querem sair de lá e forçaram a barra para essa decisão, está crescendo entre os índios em suas terras e está crescendo no indigenismo brasileiro. Ninguém sabe o que pode acontecer daqui por diante em matéria de demarcação de terras indígenas.
A matéria abaixo, de O Estado de São Paulo, bota lenha nessa fogueira. Sugere que, nos bastidores, alguns ministros do STF já se manifestaram favoravelmente a mudanças nos contornos dessa homologação, isto é, preservando a homologação, mas com ressalvas, e apresentando linhas de entendimento sobre a questão indígena que irão modificar bastante o entendimento que a FUNAI tem sobre o assunto.
Por exemplo, terra indígena em fronteira poderá ser debatido. É seguro para a nação? Esse assunto vem sendo tema de discussão em círculos militares e círculos nacionalistas mais exaltados e menos conhecedores da história brasileira. Mas o que será resolvido, não se sabe. O governo já decidiu aumentar o contingente de pelotões do Exército em diversas terras indígenas que fazem fronteira com outros países. Certo. Se for só assim, tudo bem.
Aliás, dos 17.000 km que temos de fronteira, 5.700 são compostos por terras indígenas. Até agora nunca houve qualquer perigo para o Brasil. Não sei se os países vizinhos gostam ou não de terem terras indígenas como fronteira. Alguns deles as têm, como a própria Venezuela, a Colômbia, o Peru, etc. Assim, é impossível que algo drástico, como a destituição dessas terras indígenas, venha a ser sugerida pelo STF. Nesse sentido, essa é uma discussão retórica e vazia.
Sugere a matéria também que os ministros do STF estão receosos quanto à presença de Ongs nas terras indígenas. Não sabemos ainda se esse receio é do tipo militaresco, qual seja, de que as Ongs são agentes dos interesses internacionais sobre as riquezas das terras indígenas na Amazônia e assim desafiam a soberania nacional, ou se é num sentido mais brando, qual seja, de que as Ongs querem levar os povos indígenas a comportamentos anti-integracionistas, ou mesmo no sentido de que as Ongs, sem nenhuma legitimidade formal para tanto, querem dominar a questão indígena brasileira acima do Estado e prevalecer sobre os povos indígenas. Esta última certamente faz sentido.
A questão indígena brasileira está tomada por forças antagônicas muito radicais nesse segundo mandato do presidente Lula. A própria FUNAI foi tomada por pessoas -- antropólogos, advogados e jovens políticos -- que trabalhavam em Ongs com o espírito de que a FUNAI não é competente em sua atitude rondoniana e precisaria ser modificada para atender as novas demandas dos povos indígenas. Enfraqueceram a capacidade de ação do órgão pela exasperação com que o administram. Nesse sentido, sem querer querendo, como a cobra engolindo o seu próprio rabo, as Ongs terminam se encontrando ao lado das forças anti-indigenistas comandadas por políticos, fazendeiros e até um filósofo respeitado, que acham que o Estado, especialmente o Executivo, especialmente a FUNAI, concentra muito poder na defesa dos índios. Querem que a questão indígena seja comandada pelo Legislativo.
A atual direção da FUNAI, que conta com pessoas que trabalhavam até então no ISA, no CTI e em outras pequenas Ongs, encaminhou uma série de atos ao Ministério da Justiça que, inadvertidamente, o levaram a abrir frentes de batalha dificílimas com governos estaduais como Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Propor, de uma só tacada, a demarcação de cinco terras indígenas no oeste de Santa Catarina inviabilizou a demarcação dessas terras provavelmente pelos próximos anos, demarcação esta que poderia ser realizada com uma estratégia mais sensata, caso a caso, negociando as possibilidades que se fossem abrindo. Mais desastroso ainda foi o caso de alardear que iriam demarcar cerca de 500.000 e 1.000.000 de hectares no Mato Grosso do Sul, como se para tanto bastante apenas um ato de querer.
Não restam dúvidas de que, de uns anos para cá, todos os casos de demarcação de terras indígenas são contestados por terceiros que tenham interesse nas mesmas. Até em estados como o Amazonas cujo problema principal não é falta de terras. E essas contestações desembocam e desembocarão inevitavelmente no STF.
Em janeiro de 2006, em entrevista à Agência Reuters, que foi repercutida pelo O Estado de São Paulo, inicialmente d modo correto, mas logo em seguida interpondo frases que não haviam sido proferidas por mim na entrevista original, notei que esse processo vinha acontecendo e previ que seria o STF que definiria uma nova modelagem de reconhecimento de terras indígenas e sua consequente demarcação. Isso poderia ser feito com o STF tranquilamente respondendo a um pedido feito pela FUNAI. Entretanto, os ruídos criados contra minha fala foram tão estridentes que não consegui apoio para fazer esse pedido de esclarecimento ao STF. Maldisseram as Ongs que eu estava querendo que o STF tomasse nas rédeas o processo de demarcação que cabe ao Executivo brasileiro fazer.
Ora, está agora nas mãos do STF decidir como interpretar a Constituição a respeito do que constitui uma terra indígena em seus aspectos mais controversos, como tradicionalidade de ocupação, temporalidade, modos de uso, etc. Até mesmo uma discussão eminentemente antropológica, como a questão da aculturação, integração e a continuidade étnica, passará pelo discernimento dos senhores ministros do STF para amparar suas decisões eminentemente políticas.
Assim será feito, segundo a matéria abaixo. E, infelizmente, essa decisão será tomada em cima de um caso que seria, em outros tempos, líquido e certo a favor dos índios concernentes. E repercutirá em outro caso líquido e certo, como a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia, que já esteve em votação, já recebeu o voto favorável do relator, mas que agora fica pendurado pela decisão sobre Raposa Serra do Sol. Sem falar nas terras que os Guarani e Kaingang necessitam para continuar a viver uma vida minimamente indígenas, como querem.
Por outro lado, pode ser que o STF, ao final, como em tantas vezes, não defina nada suficientemente e deixe novas ambiguidades no ar. Se isso acontecer, a questão indígena brasileira poderá entrar em parafuso, sem norte e sem oeste, rumo ao conflito permanente e à entropia.
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STF deve pôr em xeque critérios da Funai ao decidir sobre reserva
Corte discutirá se índios comprovadamente aculturados precisam de reservas como se fossem tribos nômades
Mariângela Gallucci, para O Estado de São Paulo
A retomada no Supremo Tribunal Federal (STF), amanhã, do julgamento sobre a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, vai abrir uma discussão constitucional sobre os conceitos que a Fundação Nacional do Índio (Funai) usa para fazer as demarcações das terras indígenas. Os 11 ministros vão discutir se índios comprovadamente aculturados precisam de reservas para caçar e praticar a agricultura como se fossem tribos nômades. Podem emergir do julgamento, portanto, novos conceitos jurídicos e sociais para a demarcação de reservas indígenas.
Entenda a disputa da Raposa Serra do Sol
“É natural que se tenha uma discussão além do caso concreto”, admitiu ontem o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, durante viagem a Montes Claros (MG) e Teresina (PI), onde lançou um programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denominado Casas de Justiça e Cidadania - cujo objetivo é prestar assistência social e jurídica à população.
Há quase um consenso entre os ministros do STF de que a demarcação da Raposa Serra do Sol tem uma série de erros e exageros na maneira como trata os índios, mas não existe disposição de anular todo o processo. A direção da Funai, por meio de sua assessoria de imprensa, disse ontem que “segue e faz o que manda fazer a Constituição”. E a Constituição, acrescentou a assessoria, “diz que a demarcação de terras indígenas é uma política do Poder Executivo”.
Segundo ministros ouvidos na semana passada pelo Estado, é possível que o Supremo construa uma saída para o caso da reserva em Roraima e oriente as demarcações futuras - o que interessa especialmente a Mato Grosso do Sul. Vai ser discutido, também, o poder da Funai para decidir sozinha as demarcações que envolvam direitos federativos de Estados e municípios. O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), diz que “é preciso fazer mudanças, porque não se pode deixar esse poder nas mãos de uma pessoa só”. Anchieta sugere que os processos de demarcação de terras tramitem no Congresso como projeto de lei e sejam votados por deputados e senadores.
Um ministro do Supremo chegou a dizer ao Estado que a Funai se recusa a levar em conta a relação dos índios com os não-índios e encara a demarcação “como se estivesse apenas criando cercas de proteção, como se estivesse implantando zoológicos de preservação, uma política que os índios rejeitam”. O pior, na visão desse ministro, é que a Funai “faz as cercas, fica em paz com as organizações não-governamentais, mas depois abandona os índios e oferece uma assistência precária”.
“É a primeira vez que o STF se debruça, pós-1988, com profundidade sobre esse assunto (demarcação de terras)”, disse o presidente do Supremo. Segundo ele, a decisão do tribunal será cumprida. “Não haverá resistência à decisão. Podemos ter aqui ou acolá críticas à decisão, mas, certamente, ela será cumprida.”
Há ainda grande preocupação com o fato de a reserva se estender à zona de fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana. Também é criticada constantemente pelos ministros a atuação de muitas ONGs na área. Os ministros do STF avaliam que o julgamento deve servir de parâmetro para uma nova disputa em curso envolvendo índios guaranis-caiuás e fazendeiros de Dourados, Miranda, Naviraí, Rio Brilhante e Maracaju, todos em Mato Grosso do Sul.
segunda-feira, 8 de dezembro de 2008
Ministério da Justiça regulamenta entrada de Ongs em terras indígenas
O Ministério da Justiça enviou à Casa Civil uma proposta de regulamentação da presença de entidades e pessoas em terras indígenas. Especialmente de Ongs, missões e estrangeiros.
A regulamentação, conforme apresentada em matéria de O Estado de São Paulo, requer que o interessado preencha formulário do MJ, demonstrando boa fé, fonte de recursos, intenções, etc.
A FUNAI tem uma tal regulamentação que, no caso dos antropólogos e outros cientistas sociais, é seguida ao pé da letra. Qualquer antropólogo que deseje entrar em terra indígena para fins de estudar algum aspecto de uma sociedade indígena tem que passar pelo crivo da FUNAI. Poucas pessoas têm reclamado contra isso. Em geral o setor que trata disso na FUNAI entra em contato com o povo indígena interessado e comunica-lhe sobre o assunto. O povo ou uma aldeia específica responde se quer ou não quer, se aceita ou não aceita, a presença de tal antropólogo. O nível de manipulação dessa questão é mínimo. Os antropólogos são sempre benvindos entre os índios.
A reação do CIMI, a principal missão católica a tratar dos índios -- mas não a única -- foi de oposição veementemente. O próprio bispo Dom Thomas Balduíno foi encarregado de falar sobre o assunto ao jornal O Estado de São Paulo. Disse que nem a FUNAI nem alguém no Ministério da Justiça teria legitimidade para barrar alguém entre os católicos. E reclamou que há muita gente evangélica que entra em terras indígenas sem nenhuma autorização. A bronca entre missões aparece até nesses momentos!
Da parte dos cientistas, nenhuma entidade foi consultada. Entretanto, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, falou que seria uma discriminação tola embarrerar tanto a presença de cientistas nas terras indígenas.
Da FUNAI não houve declarações até agora.
É possível que a proposta do MJ seja muito rigída. Em geral é assim que saem tais propostas. Aí, depois, a Casa Civil amortece o impacto. Sobretudo porque há uma pressão forte por parte da Igreja Católica sobre esse assunto. O CIMI, como demonstrou a entrevista de Dom Thomaz, não quer se considerar ilegal em suas ações nas terras indígenas.
Que muitos povos indígenas precisam do Estado para protegê-los não resta a mínima dúvida. Se a FUNAI tivesse mais poder, poderia continuar seu trabalho sem interposição do MJ. Mas é o sinal dos tempos. Este segundo governo Lula de fato está meio perdido na área indígena e a FUNAI perde poder em todas as áreas de atuação.
A regulamentação, conforme apresentada em matéria de O Estado de São Paulo, requer que o interessado preencha formulário do MJ, demonstrando boa fé, fonte de recursos, intenções, etc.
A FUNAI tem uma tal regulamentação que, no caso dos antropólogos e outros cientistas sociais, é seguida ao pé da letra. Qualquer antropólogo que deseje entrar em terra indígena para fins de estudar algum aspecto de uma sociedade indígena tem que passar pelo crivo da FUNAI. Poucas pessoas têm reclamado contra isso. Em geral o setor que trata disso na FUNAI entra em contato com o povo indígena interessado e comunica-lhe sobre o assunto. O povo ou uma aldeia específica responde se quer ou não quer, se aceita ou não aceita, a presença de tal antropólogo. O nível de manipulação dessa questão é mínimo. Os antropólogos são sempre benvindos entre os índios.
A reação do CIMI, a principal missão católica a tratar dos índios -- mas não a única -- foi de oposição veementemente. O próprio bispo Dom Thomas Balduíno foi encarregado de falar sobre o assunto ao jornal O Estado de São Paulo. Disse que nem a FUNAI nem alguém no Ministério da Justiça teria legitimidade para barrar alguém entre os católicos. E reclamou que há muita gente evangélica que entra em terras indígenas sem nenhuma autorização. A bronca entre missões aparece até nesses momentos!
Da parte dos cientistas, nenhuma entidade foi consultada. Entretanto, o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, falou que seria uma discriminação tola embarrerar tanto a presença de cientistas nas terras indígenas.
Da FUNAI não houve declarações até agora.
É possível que a proposta do MJ seja muito rigída. Em geral é assim que saem tais propostas. Aí, depois, a Casa Civil amortece o impacto. Sobretudo porque há uma pressão forte por parte da Igreja Católica sobre esse assunto. O CIMI, como demonstrou a entrevista de Dom Thomaz, não quer se considerar ilegal em suas ações nas terras indígenas.
Que muitos povos indígenas precisam do Estado para protegê-los não resta a mínima dúvida. Se a FUNAI tivesse mais poder, poderia continuar seu trabalho sem interposição do MJ. Mas é o sinal dos tempos. Este segundo governo Lula de fato está meio perdido na área indígena e a FUNAI perde poder em todas as áreas de atuação.
domingo, 7 de dezembro de 2008
Jobim diz que Amazônia não é jardim para deleite dos europeus
O ministro da Defesa Nelson Jobim esteve em Washington esses dias para apresentar ao futuro novo governo americano de Barack Obama a nova visão de defesa que o Brasil está preparando.
Jobim falou grosso e com convicção. Não se sabe qual o efeito que isso pode ter com os americanos. Provavelmente vão interpretar como um pouco de mudança real que está acontecendo com o Brasil e um pouco como bazófia gaúcha e, de certo modo, lulista.
Porém o ministro disse três coisas importantes para nós antropólogos, índios e indigenistas. Uma é de que o Brasil está se preparando para mostrar que tem poder. Por isso está comprando novos aviões de guerra, novas armas e vai fazer um submarino nuclear. Vai defender suas fronteiras territoriais e marítimas. Quer mostrar ao mundo que tem musculação condizente com sua pretensão de ser uma nova potência mundial. Isto virou ordem do dia, não sabemos se real ou volitiva.
A segunda coisa importante que o ministro Jobim falou é que o Brasil tem sua própria visão sobre o que é a Amazônia e está se preparando para exercer total controle e soberania sobre ela. Disse que o Brasil não vai mais se pautar pelas Ong internacionais e suas exigências de que a Amazônia vire um jardim para o deleite dos europeus nos fins de semana. Disse que há 20 milhões de brasileiros morando na Amazônia e que eles precisam de uma economia bem desenvolvida. Disse que o Brasil não quer viver de doações dos outros para se desenvolver.
A terceira coisa dita pelo ministro Jobim, a qual já havia sido dito pela diplomacia brasileira na pequena conferência sobre o clima que está acontecendo na Polônia, é que o Brasil é contra o chamado "crédito de carbono" ou, em inglê, "carbon swap mechanism".
Este é um mecanismo econômico-político pelo qual uma empresa poluidora da Europa ou dos Estados Unidos ou do próprio Japão paga, ou "compra" o direito de continuar poluindo ou emitindo CO2 contando que outro país despolua o equivalente de sua poluição através do florestamento ou reflorestamento ou até simplesmente mantendo sua floresta em pé.
Há muita controvérsia sobre esse mecanismo de compra de carbono. Uns acham que isso termina preservando a poluição. Outros que é o único modo de fazer com que não se queime mais florestas no mundo.
Bem, ao rejeitar as "trocas de carbono" o Brasil joga um balde de água fria sobre as Ongs que estavam se preparando para convencer os índios a colocar suas florestas à disposição desse mecanismo, e com isso receberem algum recurso para preservar seu patrimônio. Alguns índios também estavam começando a pensar seriamente nessa possibilidade.
De todo modo, o que podemos apreender da fala de Jobim é que o panorama político-ecológico brasileiro realmente está mudando. Jobim e Mangabeira formam uma parelha que está dando um novo tom ao governo Lula. Marina Silva, Minc e os conselhos de meio ambiente que estão por aí, ao lado das Ongs e do movimento ambientalista, perderam a luta política nesse governo. A estratégia geral, que alia defesa e desenvolvimento da Amazônia, está com Jobim e Mangabeira.
O que será da demarcação das novas terras indígenas?
No próximo dia 10 de dezembro, no STF, a decisão final sobre a manutenção da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol dará um sinal sobre a disposição da elite jurídica brasileira sobre esse tema. Fala-se que Jobim, como ex-ministro do STF tem estado com muitos ministros falando sobre sua visão dessa homologação. Esperamos que seja de um modo positivo.
Jobim falou grosso e com convicção. Não se sabe qual o efeito que isso pode ter com os americanos. Provavelmente vão interpretar como um pouco de mudança real que está acontecendo com o Brasil e um pouco como bazófia gaúcha e, de certo modo, lulista.
Porém o ministro disse três coisas importantes para nós antropólogos, índios e indigenistas. Uma é de que o Brasil está se preparando para mostrar que tem poder. Por isso está comprando novos aviões de guerra, novas armas e vai fazer um submarino nuclear. Vai defender suas fronteiras territoriais e marítimas. Quer mostrar ao mundo que tem musculação condizente com sua pretensão de ser uma nova potência mundial. Isto virou ordem do dia, não sabemos se real ou volitiva.
A segunda coisa importante que o ministro Jobim falou é que o Brasil tem sua própria visão sobre o que é a Amazônia e está se preparando para exercer total controle e soberania sobre ela. Disse que o Brasil não vai mais se pautar pelas Ong internacionais e suas exigências de que a Amazônia vire um jardim para o deleite dos europeus nos fins de semana. Disse que há 20 milhões de brasileiros morando na Amazônia e que eles precisam de uma economia bem desenvolvida. Disse que o Brasil não quer viver de doações dos outros para se desenvolver.
A terceira coisa dita pelo ministro Jobim, a qual já havia sido dito pela diplomacia brasileira na pequena conferência sobre o clima que está acontecendo na Polônia, é que o Brasil é contra o chamado "crédito de carbono" ou, em inglê, "carbon swap mechanism".
Este é um mecanismo econômico-político pelo qual uma empresa poluidora da Europa ou dos Estados Unidos ou do próprio Japão paga, ou "compra" o direito de continuar poluindo ou emitindo CO2 contando que outro país despolua o equivalente de sua poluição através do florestamento ou reflorestamento ou até simplesmente mantendo sua floresta em pé.
Há muita controvérsia sobre esse mecanismo de compra de carbono. Uns acham que isso termina preservando a poluição. Outros que é o único modo de fazer com que não se queime mais florestas no mundo.
Bem, ao rejeitar as "trocas de carbono" o Brasil joga um balde de água fria sobre as Ongs que estavam se preparando para convencer os índios a colocar suas florestas à disposição desse mecanismo, e com isso receberem algum recurso para preservar seu patrimônio. Alguns índios também estavam começando a pensar seriamente nessa possibilidade.
De todo modo, o que podemos apreender da fala de Jobim é que o panorama político-ecológico brasileiro realmente está mudando. Jobim e Mangabeira formam uma parelha que está dando um novo tom ao governo Lula. Marina Silva, Minc e os conselhos de meio ambiente que estão por aí, ao lado das Ongs e do movimento ambientalista, perderam a luta política nesse governo. A estratégia geral, que alia defesa e desenvolvimento da Amazônia, está com Jobim e Mangabeira.
O que será da demarcação das novas terras indígenas?
No próximo dia 10 de dezembro, no STF, a decisão final sobre a manutenção da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol dará um sinal sobre a disposição da elite jurídica brasileira sobre esse tema. Fala-se que Jobim, como ex-ministro do STF tem estado com muitos ministros falando sobre sua visão dessa homologação. Esperamos que seja de um modo positivo.
sábado, 6 de dezembro de 2008
A vida de um casal de missionários-linguistas na Amazônia
Matéria da revista mensal PIAUÍ descreve com muita simpatia e sensibilidade a vida de um casal de missionários-linguistas do Summer Institute of Linguistics e a questão das línguas indígenas do Brasil e de outros países.
Vale a pena ler a matéria por completo e refletir sobre o papel dos missionários. A revista PIAUÍ está de parabéns.
O exemplo do casal aqui revelado em muitos detalhes demonstra a sua dedicação pessoal e o gesto extremamente humano de viver outra vida em benefício de um outro povo. Não trata de outras motivações para o ato de tornar-se missionário, se não o desejo de servir a Deus.
O fato dos índios Nadeb, também conhecidos como Maku, terem se tornado evangélicos é compreendido como um ato consciente e auto-determinado, não havendo nenhuma imposição, seja por recursos, seja por imposição social.
Entretanto, a jornalista revela uma certa relatividade nessa conversão.
Ao final, a jornalista se posiciona com respeito tanto aos missionários como à causa de aprender as línguas indígenas para o fim máximo de converter os índios. Sobre os índios, não ousa discorrer sobre o sentido do conhecimento e da vivência do cristianismo, apenas os compara com outro grupo Nadeb que vive em condições precárias e aparentemente já perdendo sua cultura e sua língua.
Vale a pena ler a matéria por completo e refletir sobre o papel dos missionários. A revista PIAUÍ está de parabéns.
O exemplo do casal aqui revelado em muitos detalhes demonstra a sua dedicação pessoal e o gesto extremamente humano de viver outra vida em benefício de um outro povo. Não trata de outras motivações para o ato de tornar-se missionário, se não o desejo de servir a Deus.
O fato dos índios Nadeb, também conhecidos como Maku, terem se tornado evangélicos é compreendido como um ato consciente e auto-determinado, não havendo nenhuma imposição, seja por recursos, seja por imposição social.
Entretanto, a jornalista revela uma certa relatividade nessa conversão.
Ao final, a jornalista se posiciona com respeito tanto aos missionários como à causa de aprender as línguas indígenas para o fim máximo de converter os índios. Sobre os índios, não ousa discorrer sobre o sentido do conhecimento e da vivência do cristianismo, apenas os compara com outro grupo Nadeb que vive em condições precárias e aparentemente já perdendo sua cultura e sua língua.
sexta-feira, 5 de dezembro de 2008
Plano de Defesa Nacional ignora FUNAI
O novo Plano de Defesa Nacional, elaborado pelos ministérios da Defesa e de Assuntos Estratégicos, não se deu ao trabalho de consultar a FUNAI nem para se orientar sobre a presença de povos indígenas nas áreas de fronteira, nem sobre suas intenções de instalar uma série de novos postos ou pelotões de defesa na fronteira, algumas delas em terras indígenas.
Pergunto-me por que? Será que foi desprezo à causa indígena, desconsideração com os povos indígenas que habitam terras que fazem fronteira com outros países?
Ou será que, simplesmente, não consultaram a FUNAI porque acham que, como está sendo dirigida, suas considerações não iriam acrescentar nem demover em nada as intenções dos elaboradores do Plano?
Eis a questão. O estrago está feito, nem adianta reclamar, porque é passar recibo de um fato desmerecedor à FUNAI. Os ministros Mangabeira Unger e Nelson Jobim parecem não estar nem aí para as reclamações. Mandaram o presidente da FUNAI apresentar suas idéias no Congresso Nacional, como se ele não fosse do governo.
A matéria da Folha de São Paulo, abaixo, fala por si mesmo. Nos seus reclamos, o presidente da FUNAI julga que os soldados brasileiros (diga-se a Defesa nacional) está no século XIX quanto ao conhecimento da problemática indigenista. Já o secretário do CIMI resmunga que Mangabeira Unger não entende de nada da Amazônia e chega à conclusão que o governo Lula está desacreditado em sua política indigenista. Porém o CIMI reclama, reclama mas não rompe com o governo; ao contrário, não deixa de frequentar as rodas do governo que tratam da questão indígena, seja na Secretaria do Palácio, seja no Ministério da Justiça, seja na FUNAI, seja na CNPI (onde tem assento permanente).
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Governo ignora índios em seu plano de defesa, afirma Funai
Folha de São Paulo, por Cláudio Dantas Sequeira
Com foco na proteção das fronteiras da Amazônia, a minuta da Estratégia Nacional de Defesa não aborda a questão indígena ao prever a instalação de aeroportos e novos pelotões do Exército na região. Para o presidente da Funai, Márcio Meira, o erro poderá provocar atritos entre índios e militares.
Meira diz que não foi consultado sobre o novo plano de defesa, que será divulgado no dia 11, e nunca se reuniu com o ministro Mangabeira Unger. "Não me chamaram nem sequer para uma consulta informal."
Procurado pela Folha, Mangabeira não quis se pronunciar. Já o Ministério da Defesa, também responsável pelo documento, informou que "todo cidadão brasileiro, por intermédio do Congresso, terá a oportunidade de contribuir para o aperfeiçoamento da Estratégia Nacional de Defesa quando forem debatidos os projetos que a implementarão".
Como a reportagem revelou no último domingo, a Amazônia é um dos palcos principais das hipóteses de emprego das Forças Armadas. Para aumentar a presença militar na região, deverão ser instalados mais 28 pelotões de fronteira. "Eles vão instalar isso tudo onde? No meio de uma aldeia, perto de uma cachoeira considerada sagrada pelos índios?", questiona Meira. Para ele, é preciso "um pacto prévio" com as lideranças indígenas.
"Sem um acordo sobre como isso vai ser feito é um absurdo. O Exército sempre colocou [os pelotões de fronteira] onde quis, porque queria controlar os índios", afirma.
Índios-soldados
O presidente da Funai avalia ainda que os militares, em sua formação acadêmica, carecem de um "aparato científico-contemporâneo" sobre a realidade indígena. "Vivemos uma situação anacrônica. Os índios estão no século 21 e os soldados, no século 19. Essa visão genérica perpassa a maioria da sociedade", diz. Meira afirma que boa parte dos pelotões de fronteira é formada por índios-soldados, que poderiam se ressentir com eventuais efeitos negativos da ação militar em suas comunidades. "Os índios são os melhores defensores da Amazônia."
Para Saulo Feitosa, do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), o projeto "desacredita o governo Lula em sua política indigenista". "O Mangabeira não sabe nada de índio nem de Amazônia", diz.
Pergunto-me por que? Será que foi desprezo à causa indígena, desconsideração com os povos indígenas que habitam terras que fazem fronteira com outros países?
Ou será que, simplesmente, não consultaram a FUNAI porque acham que, como está sendo dirigida, suas considerações não iriam acrescentar nem demover em nada as intenções dos elaboradores do Plano?
Eis a questão. O estrago está feito, nem adianta reclamar, porque é passar recibo de um fato desmerecedor à FUNAI. Os ministros Mangabeira Unger e Nelson Jobim parecem não estar nem aí para as reclamações. Mandaram o presidente da FUNAI apresentar suas idéias no Congresso Nacional, como se ele não fosse do governo.
A matéria da Folha de São Paulo, abaixo, fala por si mesmo. Nos seus reclamos, o presidente da FUNAI julga que os soldados brasileiros (diga-se a Defesa nacional) está no século XIX quanto ao conhecimento da problemática indigenista. Já o secretário do CIMI resmunga que Mangabeira Unger não entende de nada da Amazônia e chega à conclusão que o governo Lula está desacreditado em sua política indigenista. Porém o CIMI reclama, reclama mas não rompe com o governo; ao contrário, não deixa de frequentar as rodas do governo que tratam da questão indígena, seja na Secretaria do Palácio, seja no Ministério da Justiça, seja na FUNAI, seja na CNPI (onde tem assento permanente).
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Governo ignora índios em seu plano de defesa, afirma Funai
Folha de São Paulo, por Cláudio Dantas Sequeira
Com foco na proteção das fronteiras da Amazônia, a minuta da Estratégia Nacional de Defesa não aborda a questão indígena ao prever a instalação de aeroportos e novos pelotões do Exército na região. Para o presidente da Funai, Márcio Meira, o erro poderá provocar atritos entre índios e militares.
Meira diz que não foi consultado sobre o novo plano de defesa, que será divulgado no dia 11, e nunca se reuniu com o ministro Mangabeira Unger. "Não me chamaram nem sequer para uma consulta informal."
Procurado pela Folha, Mangabeira não quis se pronunciar. Já o Ministério da Defesa, também responsável pelo documento, informou que "todo cidadão brasileiro, por intermédio do Congresso, terá a oportunidade de contribuir para o aperfeiçoamento da Estratégia Nacional de Defesa quando forem debatidos os projetos que a implementarão".
Como a reportagem revelou no último domingo, a Amazônia é um dos palcos principais das hipóteses de emprego das Forças Armadas. Para aumentar a presença militar na região, deverão ser instalados mais 28 pelotões de fronteira. "Eles vão instalar isso tudo onde? No meio de uma aldeia, perto de uma cachoeira considerada sagrada pelos índios?", questiona Meira. Para ele, é preciso "um pacto prévio" com as lideranças indígenas.
"Sem um acordo sobre como isso vai ser feito é um absurdo. O Exército sempre colocou [os pelotões de fronteira] onde quis, porque queria controlar os índios", afirma.
Índios-soldados
O presidente da Funai avalia ainda que os militares, em sua formação acadêmica, carecem de um "aparato científico-contemporâneo" sobre a realidade indígena. "Vivemos uma situação anacrônica. Os índios estão no século 21 e os soldados, no século 19. Essa visão genérica perpassa a maioria da sociedade", diz. Meira afirma que boa parte dos pelotões de fronteira é formada por índios-soldados, que poderiam se ressentir com eventuais efeitos negativos da ação militar em suas comunidades. "Os índios são os melhores defensores da Amazônia."
Para Saulo Feitosa, do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), o projeto "desacredita o governo Lula em sua política indigenista". "O Mangabeira não sabe nada de índio nem de Amazônia", diz.
quinta-feira, 4 de dezembro de 2008
Índios Pareci, Nambiquara e Bakairi fazem protesto na FUNAI
Ontem a FUNAI, em Brasília, foi palco de uma grande demonstração por parte de cerca de 250 índios que vieram do Mato Grosso, precisamente da região oeste do estado, onde vivem os grandes povos Pareci, Nambiquara, os Irantxe, Bakairi, Umutina e Chiquitanos.
Os índios vieram para protestar contra alguns atos e posicionamentos que estão sendo feitos pela atual direção da FUNAI.
O principal deles é que não querem que o Estatuto do Índio seja posto em votação no Congresso Nacional.
Argumentam que não é hora de se mexer com uma lei que até agora só fez bem aos povos indígenas. Apresentá-lo à mudança num Congresso que vivencia um forte anti-indigenismo é uma temeridade política e uma irresponsabilidade imensa.
A atual direção da FUNAI tem feito um grande esforço para convencer os índios de que o Estatuto deve ser modificado, seguindo as orientações que vêm das Ongs neoliberais, principalmente do ISA e do CTI, mas também com a conivência do CIMI e até, pasmem, do Ministério Público Federal.
O principal instrumento para convencer os índios, ou melhor para se legitimar nessa tentativa, tem sido a Comissão Nacional de Política Indigenista, órgão que está marcado pela influência dessas Ongs. A FUNAI tem promovido algumas reuniões em regiões brasileiras para convencer os índios a acatar as propostas de um novo estatuto, inclusive para retirar do texto legal o instrumento da tutela. Enquanto isso, os projetos de lei anti-indígena estão pululando no Congresso Nacional. Mas as Ongs neoliberais acham que podem conter a avalanche anti-indígena prevalecente na atualidade, boa parte dela insuflada por atos irresponsáveis da atual direção da FUNAI.
A outra grande motivação da vinda de tanta gente é o reconhecimento de que a atual direção da FUNAI não tem tido o devido respeito para com os povos indígenas e suas lideranças. A FUNAI só tem dado atenção para os índios que fazem parte da cota de influência das Ongs. Assim falaram os líderes Pareci e Nambiquara. Sentem-se desprezados e desconsiderados. Aliás, esse é um sentimento de todas as lideranças indígenas, bem como da grande maioria dos funcionários do órgão.
Por outro lado, os Pareci vieram para resolver alguns problemas pendentes em relação à sua auto-sustentação. Há uma dezena de anos que os Pareci vêm produzindo soja e milho através da chamada lavoura mecanizada. Isto é, por meio de tratores, adubos, colheitadeiras, etc. O capital investido vem de fazendeiros e bancos locais, que fornecem o maquinário, sementes, adubos, etc., enquanto o trabalho de produção é realizado diretamente pelos índios, muitos dos quais aprenderam a usar desse maquinário, a usar de técnicas de contabilidade e se haver com as questões de transporte. Os Pareci têm obtido um sucesso singular entre os povos indígenas nesse mister. Querem continuar a fazer lavoura mecanizada e querem ajuda da FUNAI, se não de bancos federais, para obter capital por conta própria e irem aos poucos se livrando do capital dependente dos fazendeiros. Seu protesto é que a atual direção da FUNAI não dá a mínima para essa atividade; ao contrário, considera-a ilegítima pelo relacionamento com os fazendeiros.
O protesto dos índios Pareci, Nambiquara e outros marca o início das demonstrações dos povos indígenas em relação à situação que vivem atualmente. Provavelmente no próximo ano uma onda de reivindicações vai varrer o meio indígena brasileiro. Uma administração retrógrada e dependente da ideologia das Ongs está atrasando o auto-desenvolvimento dos povos indígenas brasileiros.
As Ongs neoliberais que tanto influenciam a FUNAI vivenciam um momento de atraso político, como se estivessem na década de 1990. Os índios sabem onde estão, como vivem e as dificuldades que passam. Fazem sua reflexões e elas são diferentes do que pensam as Ongs neoliberais. Os índios querem ser protagonistas de seus destinos, sabem que precisam do auxílio dos indigenistas para os ajudarem, preferem a visão laica do mundo para se nortearem do que a visão messiânica que domina as ongs neoliberais.
O resultado desse grandioso protesto está ainda para acontecer. Não dá para ver se será ignorado ou se provocará uma resposta condigna da FUNAI. Uma comissão de índios vai permanecer em Brasília para aguardar as providências mais imediatas. Por sua vez, ficou estabelecido que não se levasse adiante a pretensão de mudar o Estatuto do Índio, nem que decisões importantes fossem tomadas pela CNPI sem a consulta com as comunidades indígenas, pois esse órgão não estaria representando os povos indígenas em toda sua complexidade e não seria tampouco uma instância superior de decisão dos povos indígenas.
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Índios protestam contra revisão de lei indígena
G1-O Globo
Cerca de 250 indígenas de Mato Grosso se dirigiram nesta quarta-feira (3) a Brasília para reivindicar mudanças nas políticas da Funai (Fundação Nacional do Índio). Eles se reuniram com o presidente da instituição, Márcio Meira, e pedem que não seja feita a revisão do Estatuto do Índio, a lei que regulamenta o tratamento dado pelo governo aos povos indígenas no Brasil.
Atualmente, tramita no congresso uma proposta de mudança do estatuto. Um dos temas polêmicos é a regulamentação da mineração em terras indígenas. “Queremos que o estatuto não seja alterado, pois ele atende a todas as nossas necessidades”, reclama Roni Pareci, um dos líderes do movimento indígena de Mato Grosso.
O indígena pareci também afirma que a Funai tem se distanciado muito dos índios, e suas decisões são baseadas na opinião de ONGs, e não de povos indígenas. “Não queremos que a Funai seja tomada por uma ideologia ‘onguista’, desconsiderando nossos anseios, nossos propósitos.”
Os indígenas de Mato Grosso representam as etnias Pareci, Xavante, Chiquitanos, Bakairis e Nhambiquaras, e ameaçam levar mais pessoas à sede da Funai caso suas reivindicações não sejam atendidas
Índios Suruí em disputa pelo cristianismo
Continua a repercutir a questão da evangelização dos índios Suruí de Rondônia.
Agora é a Ong indigenista Kanindé e o CIMI que fazem pesadas críticas à presença de uma Igreja Evangélica no meio dos Suruí. Algumas críticas são muito graves. Elas falam de presentes dados pelo pastor para conquistar fiéis Suruí, presentes tão caros como motos; falam de entrada ilegal e não autorizada pela FUNAI; da falta de respeito à cultura indígena; e até do uso de armas de fogo por parte do pastor ao entrar nas aldeias indígenas.
De fato, ao menos a parte da evangelização é verdade, mas onde é que o CIMI entra em área indígena pedindo permissão à FUNAI? Pessoalmente sei que estão tentando evangelizar os índios Guajá há alguns anos à revelia da FUNAI. É certo que o CIMI não evangeliza do modo como fazem as igrejas evangélicas, com a tradução da Bíblia e com a imposição de uma ética evangélica aos índios. Mas o fazem pelo discurso sociológico e pela visão da Teologia da Libertação, que, após passar por uma análise teo-marxista do mundo, termina por reconciliar o sentimento de que a Igreja Católica é que deve ser o seio do acolhimento de todos os povos.
Da parte do CIMI quem fala é ninguém menos que Dom Tomas Balduíno, uma figura luminar na evangelização libertária católica.
Segundo Dom Tomas,"Muitos legisladores e juízes coniventes com interesses de proprietários de terra e empresários contrários à luta de indígenas são favoráveis e esse tipo de catequização abusiva, que separa os integrantes de uma mesma comunidade, fazendo com que percam sua identidade comum e união".
A disputa entre cristãos evangélicos e cristãos católicos sobre a alma dos índios continua a prevalecer no mundo indígena da atualidade. Infelizmente.
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Assembléia de Deus faz missão em aldeias indígenas Suruí sem autorização da Funai
Integrantes da Igreja Assembléia de Deus vêm catequizando índios da tribo Suruí, em Cacoal (RO), sem terem a permissão da Fundação Nacional do Índio (Funai), prevista na legislação nacional, para freqüentar as aldeias.
Essa denúncia, feita pela coordenação da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, contradiz as declarações do pastor e também comandante da Polícia Militar (PM), Firmino do Santos, dadas ao jornal Folha de Rondônia, na semana passada.
Segundo o texto, Firmino declara que 150 índios adultos da aldeia Sete de Setembro, localizada na Linha 14 do distrito de Cacoal, em Rondônia, com cerca de 600 habitantes de etnia Suruí, foram convertidos à fé cristã, por espontânea vontade. Ainda de acordo com ele, 49 índios foram batizados, nove casais indígenas foram casados em cerimônia religiosa e uma igreja da Assembléia de Deus foi construída na aldeia, em respeito aos costumes indígenas e com total anuência da tribo.
A coordenadora de projetos e uma das fundadoras da Associação Kanindé, Ivaneide Bandeira Cardozo, discorda das afirmações do pastor, garantindo que, além de entrar ilegalmente nas terras indígenas, o religioso está sempre armado quando faz tais incursões. Conforme informações da Funai, membros da comunidade Suruí denunciaram a presença indesejada de 300 missionários cristãos no interior de suas terras. Os autores da reclamação pedem que sejam tomadas providências, dentre as quais a retirada da igreja que foi construída na aldeia e o impedimento à entrada de missionários no local onde vivem.
Em oposição a essas acusações, o pastor Firmino fez a seguinte afirmação à Folha de Rondônia: "A Funai, depois da festa de inauguração do templo realizada no período de 19 a 21 de setembro deste ano, queria que o trabalho de evangelismo na aldeia fosse retirado, inclusive com a Força do Exército. Mas os próprios índios fizeram um abaixo-assinado para que permanecêssemos e a situação foi apaziguada pela vontade e crença dos próprios índios".
Em relação à entrada de pessoas não pertencentes às tribos indígenas em Tis, a Constituição Federal e a Portaria da Fundação Nacional do Índio proíbem o desrespeito à cultura dos índios e exigem a autorização da Funai para a entrada em suas terras. Portanto, de acordo com Ivaneide, o que hoje acontece com as tribos Surui é a falta de cumprimento da legislação por parte dos missionários da Assembléia de Deus e da Funai, que deveria agir na defesa dos direitos indígenas.
"Os indígenas que se contrapõem a este tipo de descaracterização de sua cultura, dificilmente têm o apoio da Funai, que prefere não cumprir a legislação brasileira", denuncia Ivaneide, afirmando que ainda existem casos de missionários que se aproveitam da catequização para fazer biopirataria em terras indígenas. O pastor Firmino contou à Folha de Rondônia que, quando iniciou o trabalho missionário na aldeia, os índios que ali viviam eram drogados, alcoólatras e não possuíam condições de sustento e moradia. "Hoje eles têm casas arrumadinhas, roças, carros e andam bem vestidos", destacou o pastor Firmino. Ivaneide diz que a informação é mentirosa, já que os índios já tinham roças e casas antes da chegada da igreja à região. "Colocar os índios como miseráveis da forma como faz o pastor, é um total desrespeito a um povo que luta por sua autonomia e que sempre foi trabalhador, tanto na agricultura, quanto na coleta e na confecção de suas artes", afirmou a coordenadora.
Para ela, muitas vezes, a falta de educação nas aldeias é usada como justificativa para que pessoas mal intencionadas entrem nessas terras prometendo ensinar os índios a ler e a escrever, quando, na verdade, o que farão é a catequese e a destruição da cultura nativa. "Começam quase sempre traduzindo cantos religiosos à língua indígena para, em seguida, dizerem que irão traduzir a Bíblia. Dessa forma, enganam os índios e os funcionários da Funai", afirma a coordenadora.
Ela também informou que os missionários presentearam, com duas motocicletas, indígenas das aldeias Linha Nove e Linha Onze, que aceitaram abandonar sua cultura para se converter à religião cristã. "Há também casos de missões religiosas que pagam a lideranças das aldeias para que ajam como pastores e catequizem outros indígenas", concluiu.
Quanto a isso, o conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Tomás Balduíno, disse que é papel da Funai punir qualquer pastor ou religioso que abuse do função de evangelização ou escarneça a religião original do povo que pretende assistir.
Segundo ele, ainda não há um consenso entre todas as religiões sobre o modo ideal de relacionamento entre instituições religiosas e comunidades nativas. Porém, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a CPT têm o comum princípio de respeitar a cultura ancestral de qualquer povo que venham a assessorar.
Dom Balduino destacou, ainda, que embora o pastor Firmino não tenha intenções políticas com essa sua ação, as conseqüências da evangelização abusiva podem ser desastrosas do ponto de vistas político, já que muitos índios convertidos são absorvidos pela religião, chegando a abandonar sua luta por terra e outros direitos ao pensar que tais condutas são contrárias aos princípios religiosos.
"Muitos legisladores e juízes coniventes com interesses de proprietários de terra e empresários contrários à luta de indígenas são favoráveis e esse tipo de catequização abusiva, que separa os integrantes de uma mesma comunidade, fazendo com que percam sua identidade comum e união", concluiu o conselheiro.
Agora é a Ong indigenista Kanindé e o CIMI que fazem pesadas críticas à presença de uma Igreja Evangélica no meio dos Suruí. Algumas críticas são muito graves. Elas falam de presentes dados pelo pastor para conquistar fiéis Suruí, presentes tão caros como motos; falam de entrada ilegal e não autorizada pela FUNAI; da falta de respeito à cultura indígena; e até do uso de armas de fogo por parte do pastor ao entrar nas aldeias indígenas.
De fato, ao menos a parte da evangelização é verdade, mas onde é que o CIMI entra em área indígena pedindo permissão à FUNAI? Pessoalmente sei que estão tentando evangelizar os índios Guajá há alguns anos à revelia da FUNAI. É certo que o CIMI não evangeliza do modo como fazem as igrejas evangélicas, com a tradução da Bíblia e com a imposição de uma ética evangélica aos índios. Mas o fazem pelo discurso sociológico e pela visão da Teologia da Libertação, que, após passar por uma análise teo-marxista do mundo, termina por reconciliar o sentimento de que a Igreja Católica é que deve ser o seio do acolhimento de todos os povos.
Da parte do CIMI quem fala é ninguém menos que Dom Tomas Balduíno, uma figura luminar na evangelização libertária católica.
Segundo Dom Tomas,"Muitos legisladores e juízes coniventes com interesses de proprietários de terra e empresários contrários à luta de indígenas são favoráveis e esse tipo de catequização abusiva, que separa os integrantes de uma mesma comunidade, fazendo com que percam sua identidade comum e união".
A disputa entre cristãos evangélicos e cristãos católicos sobre a alma dos índios continua a prevalecer no mundo indígena da atualidade. Infelizmente.
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Assembléia de Deus faz missão em aldeias indígenas Suruí sem autorização da Funai
Integrantes da Igreja Assembléia de Deus vêm catequizando índios da tribo Suruí, em Cacoal (RO), sem terem a permissão da Fundação Nacional do Índio (Funai), prevista na legislação nacional, para freqüentar as aldeias.
Essa denúncia, feita pela coordenação da Associação de Defesa Etno-Ambiental Kanindé, contradiz as declarações do pastor e também comandante da Polícia Militar (PM), Firmino do Santos, dadas ao jornal Folha de Rondônia, na semana passada.
Segundo o texto, Firmino declara que 150 índios adultos da aldeia Sete de Setembro, localizada na Linha 14 do distrito de Cacoal, em Rondônia, com cerca de 600 habitantes de etnia Suruí, foram convertidos à fé cristã, por espontânea vontade. Ainda de acordo com ele, 49 índios foram batizados, nove casais indígenas foram casados em cerimônia religiosa e uma igreja da Assembléia de Deus foi construída na aldeia, em respeito aos costumes indígenas e com total anuência da tribo.
A coordenadora de projetos e uma das fundadoras da Associação Kanindé, Ivaneide Bandeira Cardozo, discorda das afirmações do pastor, garantindo que, além de entrar ilegalmente nas terras indígenas, o religioso está sempre armado quando faz tais incursões. Conforme informações da Funai, membros da comunidade Suruí denunciaram a presença indesejada de 300 missionários cristãos no interior de suas terras. Os autores da reclamação pedem que sejam tomadas providências, dentre as quais a retirada da igreja que foi construída na aldeia e o impedimento à entrada de missionários no local onde vivem.
Em oposição a essas acusações, o pastor Firmino fez a seguinte afirmação à Folha de Rondônia: "A Funai, depois da festa de inauguração do templo realizada no período de 19 a 21 de setembro deste ano, queria que o trabalho de evangelismo na aldeia fosse retirado, inclusive com a Força do Exército. Mas os próprios índios fizeram um abaixo-assinado para que permanecêssemos e a situação foi apaziguada pela vontade e crença dos próprios índios".
Em relação à entrada de pessoas não pertencentes às tribos indígenas em Tis, a Constituição Federal e a Portaria da Fundação Nacional do Índio proíbem o desrespeito à cultura dos índios e exigem a autorização da Funai para a entrada em suas terras. Portanto, de acordo com Ivaneide, o que hoje acontece com as tribos Surui é a falta de cumprimento da legislação por parte dos missionários da Assembléia de Deus e da Funai, que deveria agir na defesa dos direitos indígenas.
"Os indígenas que se contrapõem a este tipo de descaracterização de sua cultura, dificilmente têm o apoio da Funai, que prefere não cumprir a legislação brasileira", denuncia Ivaneide, afirmando que ainda existem casos de missionários que se aproveitam da catequização para fazer biopirataria em terras indígenas. O pastor Firmino contou à Folha de Rondônia que, quando iniciou o trabalho missionário na aldeia, os índios que ali viviam eram drogados, alcoólatras e não possuíam condições de sustento e moradia. "Hoje eles têm casas arrumadinhas, roças, carros e andam bem vestidos", destacou o pastor Firmino. Ivaneide diz que a informação é mentirosa, já que os índios já tinham roças e casas antes da chegada da igreja à região. "Colocar os índios como miseráveis da forma como faz o pastor, é um total desrespeito a um povo que luta por sua autonomia e que sempre foi trabalhador, tanto na agricultura, quanto na coleta e na confecção de suas artes", afirmou a coordenadora.
Para ela, muitas vezes, a falta de educação nas aldeias é usada como justificativa para que pessoas mal intencionadas entrem nessas terras prometendo ensinar os índios a ler e a escrever, quando, na verdade, o que farão é a catequese e a destruição da cultura nativa. "Começam quase sempre traduzindo cantos religiosos à língua indígena para, em seguida, dizerem que irão traduzir a Bíblia. Dessa forma, enganam os índios e os funcionários da Funai", afirma a coordenadora.
Ela também informou que os missionários presentearam, com duas motocicletas, indígenas das aldeias Linha Nove e Linha Onze, que aceitaram abandonar sua cultura para se converter à religião cristã. "Há também casos de missões religiosas que pagam a lideranças das aldeias para que ajam como pastores e catequizem outros indígenas", concluiu.
Quanto a isso, o conselheiro permanente da Comissão Pastoral da Terra (CPT), Dom Tomás Balduíno, disse que é papel da Funai punir qualquer pastor ou religioso que abuse do função de evangelização ou escarneça a religião original do povo que pretende assistir.
Segundo ele, ainda não há um consenso entre todas as religiões sobre o modo ideal de relacionamento entre instituições religiosas e comunidades nativas. Porém, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a CPT têm o comum princípio de respeitar a cultura ancestral de qualquer povo que venham a assessorar.
Dom Balduino destacou, ainda, que embora o pastor Firmino não tenha intenções políticas com essa sua ação, as conseqüências da evangelização abusiva podem ser desastrosas do ponto de vistas político, já que muitos índios convertidos são absorvidos pela religião, chegando a abandonar sua luta por terra e outros direitos ao pensar que tais condutas são contrárias aos princípios religiosos.
"Muitos legisladores e juízes coniventes com interesses de proprietários de terra e empresários contrários à luta de indígenas são favoráveis e esse tipo de catequização abusiva, que separa os integrantes de uma mesma comunidade, fazendo com que percam sua identidade comum e união", concluiu o conselheiro.
Terena elegem um não indígena para administrador FUNAI em Campo Grande
Depois que a direção atual da FUNAI em Brasília demitiu Claudionor Miranda da chefia da AER de Campo Grande, MS, alegando descontrole financeiro, abriu-se um vácuo político naquela administração regional da FUNAI.
A AER de Campo Grande vem sendo administrada há uns 20 anos pelos índios Terena. Seus administradores são indicados por eleições entre os líderes das principais aldeias da região, cerca de 38 caciques, e a FUNAI tem acatado essa decisão.
Pois não é que, após a intervenção da FUNAI, deu-se nova eleição e os próprios índios elegeram por maioria um não indígena!
Trata-se de Jorge Neves, um conhecido indigenista da FUNAI que há anos trabalha naquela região. Jorge sempre trabalhou em postos indígenas e foi assessor de diversos administradores terena daquela AER. Quando entrei na FUNAI, em setembro de 2003, o então governador do PT, Zeca do PT, estava furioso com a FUNAI e queria porque queria tirar o então administrador Márcio Mariano e o próprio Jorge. O Jorge era um chefe de posto e ajudava muito o Márcio e os índios da região dos municípios de Dois Irmãos e Buritis que estavam lutando pela ampliação de sua terra. Na ocasião os Terena tinham terminado de fazer um protesto violento onde tinham invadido uma propriedade pretendida e até tinham feito prisioneiros policiais federais. Até hoje a Justiça não decidiu sobre essa questão, se a terra pertence aos índios ou não, apesar dos esforços feitos pelos advogados da FUNAI.
Jorge tem crédito entre os Terena. Resta saber se ele vai conseguir segurar a onda com o atual governador e os protestos dos fazendeiros.
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“Branco” é escolhido por caciques para chefiar Funai
Ângela Kempfer
Minamar Junior
No início da tarde de hoje, 38 caciques votaram e escolheram Jorge Antônio da Neves para assumir a regional da Funai em Campo Grande, que teve o ex-administrador exonerado há duas semanas.
Em uma lista de três pessoas, Jorge era o único não índio na disputa pelo cargo, em relação elaborada pelas próprias lideranças. O índio terena Miguel Jordão, da aldeia urbana Marçal de Souza, de Campo Grande, ficou em segundo lugar e o terena Joãozinho da Silva, de Aquidauana, foi o último colocado.
Jorge ganhou com 21 votos. Servidor da Funai há 28 anos, sertanista respeitado pelas comunidades, ele conquistou reconhecimento pela atuação, principalmente, na região de Dois Irmãos do Buriti. “Nunca esperei. Os outros são nomes fortes”, comenta Jorge.
O cacique terena Elisur Gabriel, da aldeia Córrego do Meio de Sidrolândia, defende Jorge por ter provado o comprometimento com os índios no município. “Quando ele esteve lá, a coisa aconteceu, principalmente na questão fundiária”, comentou.
O terena, Rodrigues Alcântara, da aldeia Buriti, votou no eleito após anos de trabalho juntos. “Conheço o trabalho de Jorge há 12 anos”.
A decisão dos índios agora será encaminhada para avaliação do presidente da Funai, Márcio Meira, que dará a palavra final sobre o administrador. Índios que participaram da eleição hoje reclamaram da tentativa de interferência do PT, que defendeu o nome de Miguel Jordão para a posição.
“Os cargos de confiança da Funai são do governo Lula, mas vamos encaminhar como reivindicação das lideranças do Estado”, esclareceu Petrônio Machado Cavalcante, que assumiu interinamente o órgão até a nomeação de novo responsável..
O grupo de caciques reunido hoje na Capital representa as etnias da região, Kadiwéu, terena e ofaié. Índios das 3 aldeias urbanas de Campo Grande não votaram, mas aproveitaram a oportunidade para cobrar direito ao voto na próxima escolha.
Há várias administrações, sempre são escolhidos índios para a chefia da Funai em Campo Grande. O último nomeado foi o terena Claudionor Miranda, exonerado no dia 21 de novembro por irregularidades detectadas, como compras sem licitação e falhas nas prestações de contas.
terça-feira, 2 de dezembro de 2008
Índios paraguaios fazem protesto para depor presidenta do INDI
O novo presidente do Paraguai, Fernando Lugo, bispo católico ligado à Teologia da Libertação, foi eleito cheio de esperanças para o povo paraguaio. Representa uma renovação semelhante à que Lula teve para o Brasil, Evo Morales para a Bolívia e agora Obama para os Estados Unidos.
Um dos seus primeiros atos foi nomear uma índia, Margarita Mbywangui, para dirigir o Instituto Indigenista do Paraguai, o INDI, que é o equivalente à FUNAI. Nada mais justo.
Entretanto, ontem, dia 1º de dezembro, aconteceu uma grande manifestação de índios exatamente contra Margarita. Dizem os manifestantes que ela não atende seus interesses e demandas. Querem-na fora do INDI. Não lhe dão mais respaldo.
Não levou nem três meses para surgir um manifestação desse porte no Paraguai. É uma pena. Na verdade, as demandas dos índios paraguaios são imensas e variadas. Desde a falta de terras, a mais difícil de se obter num país que nunca teve tradição de demarcar terras para os índios, até a falta de assistência médica, sem falar em educação diferenciada.
Quando era presidente da FUNAI tive oportunidade de visitar o INDI e conversar com seu presidente na ocasião. O INDI está localizado num bairro central de Assunção, num velho e dilapidado prédio comprido, com longos corredores em dois andares, de onde se abrem salas com funcionários aparentemente sem terem o que fazer. O vai-e-vem, o conversê é sem fim. O então presidente lastimava não ter recursos para fazer algo pelos índios. O INDI não tem representação pelas províncias, de modo que tem que depender dos reclamos dos índios por telefonema para tentar acionar alguma ação.
Talvez o presidente Lugo tenha tentado melhorar a situação do INDI. Certamente que demarcar o mínimo de terras é parte de seu plano político. No Paraguai, em um censo feito em 2003, foram recenseados cerca de 100.000 índios auto-declarados, vivendo em zonas rurais ou urbanas. Isto sem contar os milhões que falam o guarani, mas que se consideram paraguaios não indígenas. Há uns 15 povos indígenas específicos, sendo que uns 60.000 são Guarani, que lá têm as mesmas subdivisões dos que vivem no Brasil, com nomes diferentes. Os Ñandeva daqui são chamados lá de Chiripá, os Kaiowá de Pai Taveterã. Em 2006 havia apenas uma terra demarcada em nome dos Guarani. As demais comunidades guarani vivem em pequenos lotes no meio das fazendas e sítios particulares. O conceito de tekohá certamente não se aplica por lá. Qualquer terra que chegarem a obter não vão se negar a ocupá-la.
Os demais povos indígenas vivem ao norte, como os Guarayo, no Chaco paraguaio e na fronteira com a Bolívia. Há um povo indígena, Ayoreo-Totobiegosode, que ainda se encontra autônomo na floresta que divide o Paraguai da Bolívia, sendo que suas terras estão sendo tomadas e a mata derrubada por duas empresas de agronegócio brasileira.
Muito difícil essa situação indígena. Acho que a situação vai se agravar na medida em que os índios vão exigir e protestar que o novo presidente cumpra suas promessas, e ele não seja capaz de cumpri-las a contento.
Não adianta querer ironizar e comparar essa situação com a do Brasil. O buraco no Paraguai é bem mais embaixo.
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Índios paraguaios protestam contra política indígena do Governo
Da EFE
Milhares de membros de grupos sociais e indígenas paraguaios lotaram hoje a zona do centro de Assunção em diferentes protestos, onde a Polícia teve que empregar a força para dissipar os manifestantes.
Dezenas de indígenas bloquearam o acesso da residência oficial presidencial de Mburuvichá Róga, onde foram para insistir perante o chefe de Estado, Fernando Lugo, pela destituição da diretora do Instituto Paraguaio do Indígena (Indi).
"Há 15 dias que pedimos uma audiência (com Lugo), mas ninguém nos atendeu, por isso recorremos a esta ação, a presidente do Indi não tem capacidade para conduzir essa instituição e inclusive cria mais divisão entre os indígenas", afirmou Catalino Sosa, um dos manifestantes.
A diretora do Indi, Margarita Mbywangui, primeira indígena que preside o organismo estatal no país, rejeitou esse pedido e afirmou que aqueles que pretendem sua destituição não representam os líderes das regiões de onde provêm.
Centenas de indígenas dos departamentos de Caaguazú e San Pedro, ambos no centro do país, e de Canindeyú, ao nordeste, na fronteira com o Brasil, permanecem acampados em frente à sede do Indi e anunciaram que não deixarão o local até que Mbywangui renuncie ou seja substituída.
Um dos seus primeiros atos foi nomear uma índia, Margarita Mbywangui, para dirigir o Instituto Indigenista do Paraguai, o INDI, que é o equivalente à FUNAI. Nada mais justo.
Entretanto, ontem, dia 1º de dezembro, aconteceu uma grande manifestação de índios exatamente contra Margarita. Dizem os manifestantes que ela não atende seus interesses e demandas. Querem-na fora do INDI. Não lhe dão mais respaldo.
Não levou nem três meses para surgir um manifestação desse porte no Paraguai. É uma pena. Na verdade, as demandas dos índios paraguaios são imensas e variadas. Desde a falta de terras, a mais difícil de se obter num país que nunca teve tradição de demarcar terras para os índios, até a falta de assistência médica, sem falar em educação diferenciada.
Quando era presidente da FUNAI tive oportunidade de visitar o INDI e conversar com seu presidente na ocasião. O INDI está localizado num bairro central de Assunção, num velho e dilapidado prédio comprido, com longos corredores em dois andares, de onde se abrem salas com funcionários aparentemente sem terem o que fazer. O vai-e-vem, o conversê é sem fim. O então presidente lastimava não ter recursos para fazer algo pelos índios. O INDI não tem representação pelas províncias, de modo que tem que depender dos reclamos dos índios por telefonema para tentar acionar alguma ação.
Talvez o presidente Lugo tenha tentado melhorar a situação do INDI. Certamente que demarcar o mínimo de terras é parte de seu plano político. No Paraguai, em um censo feito em 2003, foram recenseados cerca de 100.000 índios auto-declarados, vivendo em zonas rurais ou urbanas. Isto sem contar os milhões que falam o guarani, mas que se consideram paraguaios não indígenas. Há uns 15 povos indígenas específicos, sendo que uns 60.000 são Guarani, que lá têm as mesmas subdivisões dos que vivem no Brasil, com nomes diferentes. Os Ñandeva daqui são chamados lá de Chiripá, os Kaiowá de Pai Taveterã. Em 2006 havia apenas uma terra demarcada em nome dos Guarani. As demais comunidades guarani vivem em pequenos lotes no meio das fazendas e sítios particulares. O conceito de tekohá certamente não se aplica por lá. Qualquer terra que chegarem a obter não vão se negar a ocupá-la.
Os demais povos indígenas vivem ao norte, como os Guarayo, no Chaco paraguaio e na fronteira com a Bolívia. Há um povo indígena, Ayoreo-Totobiegosode, que ainda se encontra autônomo na floresta que divide o Paraguai da Bolívia, sendo que suas terras estão sendo tomadas e a mata derrubada por duas empresas de agronegócio brasileira.
Muito difícil essa situação indígena. Acho que a situação vai se agravar na medida em que os índios vão exigir e protestar que o novo presidente cumpra suas promessas, e ele não seja capaz de cumpri-las a contento.
Não adianta querer ironizar e comparar essa situação com a do Brasil. O buraco no Paraguai é bem mais embaixo.
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Índios paraguaios protestam contra política indígena do Governo
Da EFE
Milhares de membros de grupos sociais e indígenas paraguaios lotaram hoje a zona do centro de Assunção em diferentes protestos, onde a Polícia teve que empregar a força para dissipar os manifestantes.
Dezenas de indígenas bloquearam o acesso da residência oficial presidencial de Mburuvichá Róga, onde foram para insistir perante o chefe de Estado, Fernando Lugo, pela destituição da diretora do Instituto Paraguaio do Indígena (Indi).
"Há 15 dias que pedimos uma audiência (com Lugo), mas ninguém nos atendeu, por isso recorremos a esta ação, a presidente do Indi não tem capacidade para conduzir essa instituição e inclusive cria mais divisão entre os indígenas", afirmou Catalino Sosa, um dos manifestantes.
A diretora do Indi, Margarita Mbywangui, primeira indígena que preside o organismo estatal no país, rejeitou esse pedido e afirmou que aqueles que pretendem sua destituição não representam os líderes das regiões de onde provêm.
Centenas de indígenas dos departamentos de Caaguazú e San Pedro, ambos no centro do país, e de Canindeyú, ao nordeste, na fronteira com o Brasil, permanecem acampados em frente à sede do Indi e anunciaram que não deixarão o local até que Mbywangui renuncie ou seja substituída.
domingo, 30 de novembro de 2008
Aldeia-favela em Campo Grande
Uma realidade que cada vez mais está presente em muitas cidades brasileiras é retratada nessa matéria abaixo.
Trata-se da urbanização de índios Terena, Kadiwéu e Guarani na cidade de Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul.
O jornalista da MidiaMax trata com um misto de sensibilidade e preconceito a presença de mais uma aldeia nos arredores da cidade matogrossense. Chama-a de aldeião-favela, apresenta-a tendo uma população de 60 famílias e descreve a vida de algumas pessoas. Não dá mais detalhes sobre sua relação com as demais vilas ou bairros indígenas localizados em Campo Grande.
Precisamos de outras matérias de igual natureza para apresentar semelhantes realidades indígenas urbanas em cidades como Manaus, Belém, Altamira, Porto Velho, Cuiabá, Curitiba, etc.
Não há como fugir a essa realidade. Só esperamos que, como diz um velho entrevistado, permaneça o desejo na maioria dos índios de viverem em suas terras e na prática de suas culturas.
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Índios fogem da miséria em aldeia e montam favela
Osvaldo Júnior
Há cerca de dois anos e meio, a paisagem de uma pequena região, que ladeia o bairro Tarsila do Amaral e as matas do Segredo, em Campo Grande, começou a mudar: de terra e mato para um aglomerado de minúsculos barracos, feitos de materiais recolhidos de lixões. Esse lugar é, por ora, uma grande aldeia improvisada, que reune índios Terena (a maioria), Guarani, Kadiwéu e Kaiowá – são perto de 60 famílias, fugitivas de outra miséria, a que existia em suas tribos originais. Algumas dessas famílias vêem, ansiosas, casas de alvenaria brotarem do chão em um ritmo aquém de suas necessidades.
Esse aldeião-favela recebeu, há sete dias, o seu novo membro: o indiozinho Ailson. A casa dele, a exemplo das demais, é um barraco, construído com compensado, paus e lona. São restos de material de obras, tirados de lixos e convertidos em lar. A mãe de Ailson, Vitoriana Paulina, 35, é de poucas palavras. Mesmo assim, ela fala sobre algo que os olhos confirmam facilmente: a situação de pobreza extrema.
Feliz com a chegada do filho, Vitoriana faz questão de apresentá-lo. Também mostra sua casa. A beleza da criança contrasta com a pobreza do lugar. Feita de peça única, o barraco comporta uma cama de casal, uma velha geladeira, um antigo fogão, uma cama de solteiro, uma TV, posta sobre um caixote de madeira e um banco. A presença de outro móvel não é impossibilitada apenas pela falta de recurso, mas também pela ausência de espaço.
Vitoriana, índia Terena, calcula que deixou a aldeia, em Aquidauana, há seis meses. Segundo ela, o conselho para a mudança veio da sogra, que acreditava que a vida na cidade era melhor. Por enquanto, a melhoria não chegou. Com o dinheiro minguado, os bens básicos também se tornam escassos. Ao falar das dificuldades, ela lembra que, por vezes, até a comida some. A renda da família é conseguida pelo marido. “Ele trabalha na horta”, diz.
Da cana à verdura
A “horta”, mencionada por Vitoriana, é o local de trabalho de outros índios, como Márcio Gonçalves, 32. “Dá pra tirar de 120 a 150 por semana”, conta Márcio a respeito do ganho na horta – Vitoriana apresentara valor mais modesto, de R$ 50 a R$ 70.
Márcio mora com sua mulher, Luciana Dias Facuo, 23, em um barraco também construído com restos de obras. Uma cama de casal, uma geladeira e um fogão (todos velhos) formam a mobília. Antes, ele e a esposa moraram com a mãe e a irmã dele em outro barraco nas mesmas condições.
Eles deixaram uma tribo Terena, em Aquidauana, há quase dois anos. Márcio conta que trabalhava em usinas da região. O serviço era de empreita – as usinas contratavam os índios por um período de dois meses para cortar cana. A contratação temporária evitava vínculos empregatícios e dispêndios trabalhistas às usinas.
O trabalho árduo não era remunerado à altura – desproporção que pesou na decisão de Márcio de se mudar, com a família, para Campo Grande. Apenas o pai preferiu continuar na tribo. “Sempre que dá, eu vou lá”, conta o índio, salientando sentir saudade. “É porque...” – faz uma pausa, pensa e conclui – “...lá é diferente”. As diferenças, no entanto, não se estendem à renda – nos dois lugares, o dinheiro é curto. “Ah, dá pra gente comer, mas pra muita coisa não dá não”, contabiliza.
Saúde e educação
“Quando chove com vento forte, eu morro de medo”, diz a jovem avó, Rute Pereira, 35. O barraco, maior que a média (mas pequeno para a quantidade de pessoas na família), é dividido em três peças: quarto, cozinha e varanda. “Quase tudo foi feito com material do lixão”, detalha a índia. Ela lembra que, certa vez, sua casa ficou tomada pela água da chuva – as muitas frestas tornam inevitável a entrada da água. As telhas, único material que não foi trazido do lixão, impediram um estrago maior.
Rute se tornou mãe muito jovem (com 17 anos). Ela tem sete filhos e um neto, de um ano e cinco meses. A criança nasceu da filha mais velha, que tem 18 anos. Com Rute, moram o marido e cinco filhos. Eles vivem com cerca de dois salários mínimos, oriundos de duas atividades: a de pedreiro, exercida pelo marido, e a de feirante, praticada pelo casal.
Na opinião da Rute, que é Terena como Vitoriana e Márcio, a maior dificuldade é relativa à saúde. “Aqui precisa de um posto de saúde”, reclama. O posto mais perto fica a 50 minutos de caminhada. Em se tratando de unidade de 24 horas, a distância é muito maior. “O mais próximo é no [bairro] Nova Bahia. Um dia, minha mãe precisou ir lá e quando voltou já era de madrugada”, lembra-se. Em sua lista de ausências, também consta uma creche e uma escola.
Urbanização
A área com os barracos é a parte ainda não-contemplada com casas populares, construídas pela Prefeitura Municipal de Campo Grande. Trata-se de uma “favela indígena”. Os banheiros ficam do lado de fora. O lugar conta com fornecimento de água, mas a luz é “emprestada” da rede que serve as casas já prontas.
Alessandra Carvalho
Nos quintais de alguns barracos, as casas – com três pequenas peças – estão com o alicerce e o contra-piso findados. Ao lado dessa área, estão casas em fases terminais e, pouco adiante, as já encerradas. Conforme as lideranças locais, a transformação da favela em uma aldeia urbana também é fruto da persistência dos índios em evitar o despejo da área invadida.
O lugar é uma aldeia urbana em gestação e avizinha outra aldeia, a Água Bonita, edificada pelo governo estadual. De acordo com o cacique Adilson Joaquim, essa já é a quarta aldeia urbana de Campo Grande. Expansão de moradias que pode ser vista como aceleração da urbanização do índio. Entretanto, há os que estão decididos a permanecerem aldeados ou que querem voltar para as aldeias de origem. “O meu pai é um deles”, exemplifica o cacique da Água Bonita, Dionedson Cândido, que não acredita na urbanização completa dos índios.
Homenagem a Claude Lévi-Strauss -- 4
Ainda lembrando a obra de Claude Lévi-Strauss, o aluno Philipe Costa discorreu com eficiência sobre as perguntas que lhe foram feitas na avaliação dos livros O Pensamento Selvagem e Totemismo Hoje.
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Philipe Roberto Asevedo Costa
Antropologia III
Professor Mércio Pereira Gomes,
Universidade Federal Fluminense
1-Porque, ao final de tantas discussões, Lévi-Strauss chega a conclusão que animais e plantas que são referidos em sistemas totêmicos são “bons para pensar” e não, como achava Malinowski, “bons para comer” ?
De forma incansável, Lévi Strauss em seu livro Totemismo Hoje, nos apresenta as teses correntes sobre o totemismo para ir contestando-as uma a uma com o rigor da sua argumentação.
No capítulo III, Teorias funcionalistas do totemismo, Lévi-Strauss nos apresenta na primeira parte o pensamento de Malinowski sobre o totemismo, que por sua vez se encontra reduzido a três questões de fácil resposta, segundo Malinowski. A primeira delas é relativa a presente questão: “Porque o totemismo utiliza animais e plantas ?”, e a resposta de Malinowski, nas palavras de Lévi-Strauss é “porque estes dão ao homem o seu alimento e porque a necessidade de alimento ocupa o primeiro lugar na consciência do primitivo, despertando emoções intensas e variadas” (STRAUSS, Totemismo Hoje p.139).
Respondendo Malinowski, e considerando ao longo de sua explanação outros autores e seus pensamentos (Radcliff-Brow, Úrsula McConnel, Spenceer e Gillen, Firth, Freud e Durkheim) põe em cheque a resposta dada para o totemismo por Malinowski, principalmente porque este defende que o totemismo não é um fenômeno cultural, mais um “resultado natural de condições naturais”, surgindo da biologia e da psicologia e não da etnologia (idem, p.140); assim como sua “procura da utilidade “a todo custo” se choca contra estes inúmeros casos em que os animais ou plantas totêmicas não oferecem nenhuma utilidade” sendo que “ o próprio Malinowski é incapaz de permanecer fiel ao axioma (que, contudo, fundamenta seu sistema) reduzindo as espécies totêmicas a espécies úteis e, acima de tudo comestíveis ...” (idem, p.144).
Defendendo os empreendimentos práticos da antropologia, concebida por Lévi-Strauss como uma ciência que nada mais faz que “verificar uma homologia de estrutura entre o pensamento humano em exercício e o objeto humano ao qual se aplica” (idem, p.167), argumenta que, bem diferente do caminho seguido por Malinowski, porém muito aproximado por Radcliff-Brow, “o totemismo se reduz assim a um modo particular de formular um problema geral: fazer com que a oposição, em lugar de ser um obstáculo a integração, sirva antes para produzi-la” (idem, p.165). Lévi-Strauss com isto quer dizer, a partir do exemplo da divisão “falcão-gralha” das tribos do rio Darling, que esta se apresenta como modelo da aplicação de um principio estrutural, ou seja, união de termos opostos. Uma nomenclatura especial, formada em termos de animais e vegetais, exprimem basicamente correlações e oposições. Estas correlações e oposições, como demonstra, podem ser postuladas de formas diferentes tal como céu-terra, e é a união destes termos que em uma “resulta uma totalidade organizada”.
É a partir deste momento que concluí que as espécies naturais não são escolhidas por serem “boas para comer”, e sim por serem “boas para pensar”, uma vez que a realidade sensível dos animais do totemismo, demonstram relações e noções “concebidas pelo pensamento especulativo a partir dos dados da observação”. Em seu livro, Pensamento Selvagem, desenvolve mais esta questão, em termos da Ciência do Concreto, da qual partilham as sociedades primeiras.
2-Discorra sobre as diferenças e semelhanças entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato.
A semelhança que considero mais significativa no pensamento de Lévi-Strauss, em seu livro Pensamento Selvagem, entre a ciência do concreto e a ciência do abstrato, é que tanto o pensamento selvagem (ciência do concreto) como o nosso (ciência do abstrato) são lógicos. A aparente confusão e espontaneidade, no pensamento concreto, nada possui de verdadeiro.
Sendo assim, o selvagem não está exclusivamente governado por suas necessidades orgânicas e econômicas; este, pois, elabora um conhecimento sobre as espécies animais e vegetais, o que as torna úteis e interessantes porque são conhecidas e não o contrário. É neste ponto que a crítica ao pensamento funcionalista, naturalista, afetivo e utilitário de Malinowski se dá com excelência, pois demonstra que a lógica do pensamento selvagem é uma espécie de “bricolage intelectual”, onde elementos díspares e sem relação são unidos para formar um todo coerente. Desta maneira, é através do agrupamento de coisas e seres que os primitivos introduzem um principio de ordem no universo.
Discorrendo sobre a ciência do concreto Lévi-Strauss a relaciona a atividade do bricoleur, e sobre a ciência do abstrato relaciona-se a atividade do engenheiro (físico, cientista). Assim, Lévi-Strauss introduz dois elementos fundamentais que separam uma ciência da outra; enquanto o bricoleur trabalha com um instrumental fechado, matérias-primas bastante heteróclitas, o engenheiro trabalha com matérias-primas e instrumentos que deve buscar de acordo com seu projeto. Disto resulta, em sua analogia, que o engenheiro (ciência do abstrato) se situa além, está para o conceito (capacidade ilimitada); assim como o bricoleur (ciência do abstrato) se situa aquém, e está para o signo (capacidade limitada). Isto equivale dizer que o pensamento selvagem, expresso, por exemplo, nos mitos, está para metonímia da mesma forma que o pensamento cientifico está para metáfora.
Discorrendo sobre a arte, Lévi-Strauss a situa a meio caminho entre o conhecimento científico e o pensamento mítico ou mágico. O artista encerra o duplo sentido de possuir algo do cientista e do bricoleur. Neste momento que duas outras características que opõem a ciência do concreto e a ciência do abstrato se apresentam, pois enquanto o bricoleur cria fatos, pretendendo mudar o mundo através de estruturas, o cientista cria estruturas através de fatos (Lévi-Strauss adverte a inexatidão desta última informação, porém a análise que precede esclarece a questão). Assim, a ciência do concreto estaria para a contigência, sempre se reorganizando a partir dos seus elementos dados, limitados. Já a ciência do abstrato está a busca de estruturas, realizando uma necessidade da razão:
Compreende-se, assim, que o pensamento mítico ... já possa ser generalizado e, portanto, científico; ele trabalha também por analogias e aproximações, mesmo que, como no caso do bricolage, suas criações se reduzam sempre a um arranjo novo de elementos cuja natureza só é modificada à medida que figurem no conjunto instrumental ou na disposição final” (STRAUSS, O Pensamento Selvagem, p.36).
3-Discorra sobre o debate entre Lévi-Strauss e Jean-Paul Sartre a respeito das lógicas analítica e dialética e os sentidos da história e estrutura.
Difícil de compreender a resposta dada por Lévi-Strauss ao livro de Sartre Crítica a Razão Dialética. Porém um elemento se evidencia claramente, o papel da história que tanto Sartre enfatiza.
A história se opõe ao pensamento estruturalista desde o momento em que a prática historiográfica universaliza, unifica e totaliza os fatos de forma que, nas palavras de Lévi-Strauss: “mesmo uma história que se diz universal ainda não é mais que uma justaposição de algumas histórias locais, dentro das quais (e entre as quais) os vazios são muito mais numerosos que os espaços cheios” (STRAUSS, idem, p.285). Parece que o antropólogo afere valor de arbitrariedade a história, pois a narrativa que a história apresenta, através de uma espécie de sucessão de datas a fim de criar uma ordem, por mais complexa que fosse o estudo não seria capaz de cria significação. Esta significação e a possibilidade da história se tornam possíveis uma vez que para um grupo de indivíduos, em dado período, um subconjunto de fatos (e atente ai já a critica a parcialidade) a mesma significação para um outro grupo de indivíduos que não viveram estes fatos. Por este motivo sua crítica se faz pertinentemente ácida ao declarar que “a história nunca é a história mas a história-para”, e do mesmo modo se uma história fosse total ela se neutralizaria a si própria onde seu produto seria igual a zero.
O pensamento estruturalista não poderia produzir uma crítica de outra forma, uma vez que abandona a busca da origem e se ocupa em decodificar as estruturas implícitas aos fenômenos, estando dentro de um sistema a ser explanado e demonstrar seus modelos. Desta maneira, a história seria entendida como mudanças no arranjo dos modelos originando uma nova combinação dentro de um mesmo sistema. A história para o etnólogo e para o pensamento estruturalista é, portanto, descontinua, e pelo fato do pensamento sartriano privilegiar exclusivamente a história e o pensamento dialético ao qual originaria o processo histórico é que Lévi-Strauss remete tão incisivamente sua crítica não somente a história como a dialética. Sua crítica se entrelaça a crítica ao humanismo e ao sujeito, que com o desenrolar do pensamento estruturalista aparecerão de forma mais demarcada, restando somente estruturas reduzidas a combinações binárias.
Em defesa da lógica analítica, apresentada por Sartre como falsa, Lévi-Strauss demonstra categoricamente que Sartre ao discorrer na Critica a Razão Dialética, utiliza a dialética analítica. Segundo a visão sartriana, a dialética possui uma realidade sui generis existindo independentemente da razão analítica. De acordo com o pensamento marxista, a oposição entre as duas razões é relativa e não absoluta, e como a reflexão de Lévi-Strauss parte da marxista, ele nos esclarece sua posição afirmando que a razão dialética é como uma passarela infinitamente prolongada e melhorada que a razão analítica lança sobre um abismo e não chega a outra borda, mesmo sabendo que esta existe. Desta maneira, a magia volta-se contra o feiticeiro, e Lévi-Strauss afirma que o termo razão dialética encobre os contínuos esforços que a razão analítica deve fazer para reformar-se, a fim de abarcar a linguagem, a sociedade e o pensamento.
A crítica a história, de acordo como apresenta Sartre, segue como um prolongamento da crítica a razão dialética uma vez que se definiu o homem pela dialética e a dialética pela história; e então o que fazer com os povos “sem história”, uma vez que seguindo a lógica do pensamento exposto, estes então nem seriam homens? E é por ai que pretende Sartre, ao separar as duas dialéticas, a “verdadeira”, razão dialética das sociedades históricas, e a dialética repetitiva de curto prazo, as das sociedades primitivas, o que as aproxima muito a biologia. Ora, reaproximar as sociedades primitivas a biologia é negar todo o esforço empreendido pela etnologia ao longo de décadas, assim como ir contra todo o estudo do Pensamento Selvagem ! Cabe atentar que Lévi-Strauss não recusa a validade da história.
4-Quais as grandes ambições do movimento estruturalista dentro da comunidade científica ?
Ao que me parece ser, a Antropologia Social suplantou em seu programa a história e a filosofia durante o período em que Lévi-Strauss esteve a frente do Collége de France .
Dentro da comunidade científica, os ecos da ambição da ciência antropológica não poderiam ter outros resultados. Lévi-Strauss considera o etnólogo como um primeiro patamar a ser vencido, uma vez que a proposta é chegar a elaboração de uma síntese final onde o homem fosse entendido, desde sua fase hominídea aos tempos modernos, em sua totalidade. O antropólogo afirma ser a etnologia o único projeto científico que pode passar do singular para o geral, do consciente para o inconsciente.
Tratando de um universo de objetos muito diversos, tal como o mito, a arte, a linguagem, parentesco e magia, a etnologia estruturalista enuncia uma ambição a hegemonia no campo do saber que pretende abarcar o estudo sobre o homem e as sociedades buscando uma unidade estrutural que possa explicar todas as variantes do mesmo fenômeno independentemente da sociedade e do tempo em que ela tenha se encontrado. Desta forma, Lévi-Strauss define a antropologia como “teoria geral das relações”. Ao trabalhar sobre as relações, escapa-se ao que por ele foi considerado o obstáculo da antropologia: a tipologia e a classificação tipológica.
O estudo da antropologia social não separa a cultura material da espiritual, e reconhece que é no cérebro, no neurônio, que se encontra a chave para compreende o que engendra o universo simbólico; ela engloba tudo e visa alcançar a estrutura dos fenômenos. Assim a ambição do programa da antropologia era uma mudança geral nas ciências humanas, que por sua vez deveriam inspirar-se nas ciências da natureza até se identificarem com elas, ou seja:
“... fazer prevalecer uma modelização quase mecânica no âmbito de um resfriamento da temporalidade e de uma significância que escapa ao indivíduo e se constrói a partir de um tempo lógico sem que ele [o homem] se aperceba disto ” (DOSSE, História do Estruturalismo, p.217).
5- Por que e como o estruturalismo desmoronou do seu pedestal de respeitabilidade e vem sendo substituído por teorias chamadas pós-modernas?
Lévi-Strauss, através da tensão entre natureza e cultura, culmina na pretensão em ter acesso as “leis intangíveis da natureza neuronal do cérebro humano”. Renegando a história e o sujeito, o que ficam são somente estruturas; um binarismo presente no cérebro e na estrutura nervosa do ser humano que reproduz a natureza do funcionamento do corpo humano, sendo o denominador comum que contém uma espécie de código que fazem coincidir entre si as mais diversas experiências humanas.
Chega-se então a uma estrutura vazia, não possui nenhuma mensagem, a não ser que deve morrer. Ela é. “Esse gigantesco esforço chegou, portanto, ao seu fútil limite; ele desemboca nessa NADA, que é a última palavra colocada, não por acaso, ao termo desse suntuoso ‘finale’” (Lévi Strauss, apud DOSSE, História do Estruturalismo, p.297).
Entendo que o próprio movimento estruturalista foi significativo para o desenvolvimento das bases críticas, que com o percurso da pós-modernidade, vieram a questionar o próprio estruturalismo. Um profundo pessimismo, uma crítica relativista avassaladora está em concomitância com a crise dos discursos de legitimação. O que se tem é uma vontade de desconstrução de tudo que se apresenta como totalizante e globalizante, colocando-se até a noção de realidade em duvida, apos já se ter dissolvido o sujeito, e retirado o homem da história. O saber torna-se então uma questão de poder, deslocando-se para uma crise das grandes narrativas. O que importa agora é a proliferação dos múltiplos discursos, da pluralidade.
O estruturalismo então se apresenta, em última instância, como “causalismos e determinismos simplicistas”, dissolvendo a si mesmo perante o real. No processo da pós-modernidade que desencadeará esta mudança de paradigma, Heidegger influenciou toda uma geração, impregnado e potencializando o pensamento Nietzschiano. Desta maneira desconstrutiva, a-histórica, do não ser, sem o sujeito, anti humanista e iluminista, ao meu ver não poderia propiciar outra coisa senão um desencantamento profundo do mundo, uma espécie de campo devassado infinito, que por não conter nada além dele próprio, permite a possibilidade do florescimento de qualquer todo considerado em sua multiplicidade de fenômenos; a própria pós-modernidade relativista. É Jacques Derrida quem, mesmo participando da orientação geral do estruturalismo, elaborará uma crítica a Lévi-Strauss, Foucault e Lacan, o que o diferencia do estruturalismo, contribuindo para seu desmoronamento conjuntamente com Deleuze e Guatarri.
Bibliografia
STRAUSS, Claude Lévi. O Pensamento Selvagem. São Paulo: Papirus, 1989
STRAUSS, Claude Lévi. Totemismo Hoje in Os Pensadores. São Paulo: Abril, 1980
DOSSE, François. História do Estruturalismo Vol. I
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