Hoje é o último dia para se votar na enquete ao lado que pergunta como votarão os ministros do STF em relação à homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol -- se acompanhando o voto primeiro do relator Carlos Ayres Britto, se contra, se com ressalvas.
Amanhã dia 10, a partir das 10 horas, o STF estará reunido para votar sobre esse assunto. Até agora apenas o ministro-relator do caso, Carlos Ayres Britto, encaminhou e votou a matéria. Votou favoravelmente à manutenção do decreto que homologou essa Terra Indígena com aproximadamente 1.730.000 hectares, situada no ponto mais setentrional do Brasil, no estado de Roraima.
Em antecipação, a tensão está crescendo na própria Terra Indígena Raposa Serra do Sol, com grupos indígenas favoráveis e outros contra, entre os arrozeiros que não querem sair de lá e forçaram a barra para essa decisão, está crescendo entre os índios em suas terras e está crescendo no indigenismo brasileiro. Ninguém sabe o que pode acontecer daqui por diante em matéria de demarcação de terras indígenas.
A matéria abaixo, de O Estado de São Paulo, bota lenha nessa fogueira. Sugere que, nos bastidores, alguns ministros do STF já se manifestaram favoravelmente a mudanças nos contornos dessa homologação, isto é, preservando a homologação, mas com ressalvas, e apresentando linhas de entendimento sobre a questão indígena que irão modificar bastante o entendimento que a FUNAI tem sobre o assunto.
Por exemplo, terra indígena em fronteira poderá ser debatido. É seguro para a nação? Esse assunto vem sendo tema de discussão em círculos militares e círculos nacionalistas mais exaltados e menos conhecedores da história brasileira. Mas o que será resolvido, não se sabe. O governo já decidiu aumentar o contingente de pelotões do Exército em diversas terras indígenas que fazem fronteira com outros países. Certo. Se for só assim, tudo bem.
Aliás, dos 17.000 km que temos de fronteira, 5.700 são compostos por terras indígenas. Até agora nunca houve qualquer perigo para o Brasil. Não sei se os países vizinhos gostam ou não de terem terras indígenas como fronteira. Alguns deles as têm, como a própria Venezuela, a Colômbia, o Peru, etc. Assim, é impossível que algo drástico, como a destituição dessas terras indígenas, venha a ser sugerida pelo STF. Nesse sentido, essa é uma discussão retórica e vazia.
Sugere a matéria também que os ministros do STF estão receosos quanto à presença de Ongs nas terras indígenas. Não sabemos ainda se esse receio é do tipo militaresco, qual seja, de que as Ongs são agentes dos interesses internacionais sobre as riquezas das terras indígenas na Amazônia e assim desafiam a soberania nacional, ou se é num sentido mais brando, qual seja, de que as Ongs querem levar os povos indígenas a comportamentos anti-integracionistas, ou mesmo no sentido de que as Ongs, sem nenhuma legitimidade formal para tanto, querem dominar a questão indígena brasileira acima do Estado e prevalecer sobre os povos indígenas. Esta última certamente faz sentido.
A questão indígena brasileira está tomada por forças antagônicas muito radicais nesse segundo mandato do presidente Lula. A própria FUNAI foi tomada por pessoas -- antropólogos, advogados e jovens políticos -- que trabalhavam em Ongs com o espírito de que a FUNAI não é competente em sua atitude rondoniana e precisaria ser modificada para atender as novas demandas dos povos indígenas. Enfraqueceram a capacidade de ação do órgão pela exasperação com que o administram. Nesse sentido, sem querer querendo, como a cobra engolindo o seu próprio rabo, as Ongs terminam se encontrando ao lado das forças anti-indigenistas comandadas por políticos, fazendeiros e até um filósofo respeitado, que acham que o Estado, especialmente o Executivo, especialmente a FUNAI, concentra muito poder na defesa dos índios. Querem que a questão indígena seja comandada pelo Legislativo.
A atual direção da FUNAI, que conta com pessoas que trabalhavam até então no ISA, no CTI e em outras pequenas Ongs, encaminhou uma série de atos ao Ministério da Justiça que, inadvertidamente, o levaram a abrir frentes de batalha dificílimas com governos estaduais como Santa Catarina, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia. Propor, de uma só tacada, a demarcação de cinco terras indígenas no oeste de Santa Catarina inviabilizou a demarcação dessas terras provavelmente pelos próximos anos, demarcação esta que poderia ser realizada com uma estratégia mais sensata, caso a caso, negociando as possibilidades que se fossem abrindo. Mais desastroso ainda foi o caso de alardear que iriam demarcar cerca de 500.000 e 1.000.000 de hectares no Mato Grosso do Sul, como se para tanto bastante apenas um ato de querer.
Não restam dúvidas de que, de uns anos para cá, todos os casos de demarcação de terras indígenas são contestados por terceiros que tenham interesse nas mesmas. Até em estados como o Amazonas cujo problema principal não é falta de terras. E essas contestações desembocam e desembocarão inevitavelmente no STF.
Em janeiro de 2006, em entrevista à Agência Reuters, que foi repercutida pelo O Estado de São Paulo, inicialmente d modo correto, mas logo em seguida interpondo frases que não haviam sido proferidas por mim na entrevista original, notei que esse processo vinha acontecendo e previ que seria o STF que definiria uma nova modelagem de reconhecimento de terras indígenas e sua consequente demarcação. Isso poderia ser feito com o STF tranquilamente respondendo a um pedido feito pela FUNAI. Entretanto, os ruídos criados contra minha fala foram tão estridentes que não consegui apoio para fazer esse pedido de esclarecimento ao STF. Maldisseram as Ongs que eu estava querendo que o STF tomasse nas rédeas o processo de demarcação que cabe ao Executivo brasileiro fazer.
Ora, está agora nas mãos do STF decidir como interpretar a Constituição a respeito do que constitui uma terra indígena em seus aspectos mais controversos, como tradicionalidade de ocupação, temporalidade, modos de uso, etc. Até mesmo uma discussão eminentemente antropológica, como a questão da aculturação, integração e a continuidade étnica, passará pelo discernimento dos senhores ministros do STF para amparar suas decisões eminentemente políticas.
Assim será feito, segundo a matéria abaixo. E, infelizmente, essa decisão será tomada em cima de um caso que seria, em outros tempos, líquido e certo a favor dos índios concernentes. E repercutirá em outro caso líquido e certo, como a Terra Indígena Caramuru-Paraguaçu, no sul da Bahia, que já esteve em votação, já recebeu o voto favorável do relator, mas que agora fica pendurado pela decisão sobre Raposa Serra do Sol. Sem falar nas terras que os Guarani e Kaingang necessitam para continuar a viver uma vida minimamente indígenas, como querem.
Por outro lado, pode ser que o STF, ao final, como em tantas vezes, não defina nada suficientemente e deixe novas ambiguidades no ar. Se isso acontecer, a questão indígena brasileira poderá entrar em parafuso, sem norte e sem oeste, rumo ao conflito permanente e à entropia.
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STF deve pôr em xeque critérios da Funai ao decidir sobre reserva
Corte discutirá se índios comprovadamente aculturados precisam de reservas como se fossem tribos nômades
Mariângela Gallucci, para O Estado de São Paulo
A retomada no Supremo Tribunal Federal (STF), amanhã, do julgamento sobre a reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, vai abrir uma discussão constitucional sobre os conceitos que a Fundação Nacional do Índio (Funai) usa para fazer as demarcações das terras indígenas. Os 11 ministros vão discutir se índios comprovadamente aculturados precisam de reservas para caçar e praticar a agricultura como se fossem tribos nômades. Podem emergir do julgamento, portanto, novos conceitos jurídicos e sociais para a demarcação de reservas indígenas.
Entenda a disputa da Raposa Serra do Sol
“É natural que se tenha uma discussão além do caso concreto”, admitiu ontem o presidente do STF, ministro Gilmar Mendes, durante viagem a Montes Claros (MG) e Teresina (PI), onde lançou um programa do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) denominado Casas de Justiça e Cidadania - cujo objetivo é prestar assistência social e jurídica à população.
Há quase um consenso entre os ministros do STF de que a demarcação da Raposa Serra do Sol tem uma série de erros e exageros na maneira como trata os índios, mas não existe disposição de anular todo o processo. A direção da Funai, por meio de sua assessoria de imprensa, disse ontem que “segue e faz o que manda fazer a Constituição”. E a Constituição, acrescentou a assessoria, “diz que a demarcação de terras indígenas é uma política do Poder Executivo”.
Segundo ministros ouvidos na semana passada pelo Estado, é possível que o Supremo construa uma saída para o caso da reserva em Roraima e oriente as demarcações futuras - o que interessa especialmente a Mato Grosso do Sul. Vai ser discutido, também, o poder da Funai para decidir sozinha as demarcações que envolvam direitos federativos de Estados e municípios. O governador de Roraima, José de Anchieta Júnior (PSDB), diz que “é preciso fazer mudanças, porque não se pode deixar esse poder nas mãos de uma pessoa só”. Anchieta sugere que os processos de demarcação de terras tramitem no Congresso como projeto de lei e sejam votados por deputados e senadores.
Um ministro do Supremo chegou a dizer ao Estado que a Funai se recusa a levar em conta a relação dos índios com os não-índios e encara a demarcação “como se estivesse apenas criando cercas de proteção, como se estivesse implantando zoológicos de preservação, uma política que os índios rejeitam”. O pior, na visão desse ministro, é que a Funai “faz as cercas, fica em paz com as organizações não-governamentais, mas depois abandona os índios e oferece uma assistência precária”.
“É a primeira vez que o STF se debruça, pós-1988, com profundidade sobre esse assunto (demarcação de terras)”, disse o presidente do Supremo. Segundo ele, a decisão do tribunal será cumprida. “Não haverá resistência à decisão. Podemos ter aqui ou acolá críticas à decisão, mas, certamente, ela será cumprida.”
Há ainda grande preocupação com o fato de a reserva se estender à zona de fronteira do Brasil com a Venezuela e a Guiana. Também é criticada constantemente pelos ministros a atuação de muitas ONGs na área. Os ministros do STF avaliam que o julgamento deve servir de parâmetro para uma nova disputa em curso envolvendo índios guaranis-caiuás e fazendeiros de Dourados, Miranda, Naviraí, Rio Brilhante e Maracaju, todos em Mato Grosso do Sul.
terça-feira, 9 de dezembro de 2008
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