Esses intelectuais indígenas, muito jovens à época, fizeram acontecer no Brasil, proporcionando a jovens indígenas e jovens não indígenas muita inspiração para estar ao lado dos índios. Diversas pessoas se tornaram antropólogas ou jornalistas por essa inspiração: de estar ao lado dos índios. Acima deles estava o índio xavante Mário Juruna, por ter uma personalidade forte e determinada e não ter qualquer compromisso que não fosse o destino dos povos indígenas.
Álvaro Tukano permanece um intelectual indígena respeitável, em busca de uma solução para a situação indígena brasileira. Morando em Brasília, com um cargo de assessoramento na Funai, ele vive num estado permanente de alerta e de expectativa. Sofre por tudo que está vendo acontecer e mais ainda porque sente que o movimento indígena está indo por um caminho que ele gostaria que não fosse.
Marcos Terena e Ailton Krenak já desistiram de lutar ao lado do movimento indígena. Sabe que não é benvindo entre suas lideranças porque suas vozes ressoam diferente das vozes atuais. Mas Álvaro não desiste. Busca estar ao lado das novas lideranças, sem impor seu conhecimento e sua personalidade. Como indígena, sabe que para tudo há um tempo, e ele não pode forçar a barra pois nada adianta.
Recentemente escreveu um belíssimo texto sobre os inícios do movimento indígena. Sua saga pessoal é relatada mesclada com análises sobre os acontecimentos e com descrições dos traços das personalidades indígenas e não indígenas que encontrou pelo caminho. Seus textos são importantes para a história do movimento indígena, que tem que pôr a mão na consciência e entender, respeitar e emular os pioneiros do movimento que eles agora têm a responsabilidade de liderar.
Agora Álvaro ficou bravo e escreveu um texto poderoso sobre a atual situação por que passam os índios, sobretudo aqueles que precisam da Funai para assisti-los minimamente. Eis o texto de Álvaro, em forma de uma carta de apoio à ANSEF, a associação dos servidores da Funai, cujos membros estão pasmos com o que está acontecendo no órgão em relação a uma proposta de reestruturação:
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Brasília, 26 de outubro de 2009.
De: Álvaro Fernandes Sampaio
Liderança do Povo Tukano – AM.
Para: Diretoria da ANSEF – Associação dos Servidores da FUNAI
Assunto: A Questão Indígena.
Prezados Senhores e Senhoras.
Sou uma das lideranças indígenas do Povo Tukano, município de São Gabriel da Cachoeira, AM, e, por isso, tenho a honra de cumprimentá-los e, dizer que, Associação dos Servidores da FUNAI – ANSEF, conhece a realidade dos Povos Indígenas do Brasil.
Na última de abril de 1981, com apoio da Associação Brasileira de Antropologia - ABA, Conselho Indigenista Missionário - CIMI, Associação Nacional de Apoio ao Índio - ANAI ( RS, RJ e BA), Operação Anchieta - OPAN, Centro Ecumênico de Documentação e Informação - CEDI e Comissão Pró-Índio ( SP e AC), estávamos reunidos em São Paulo, capital, para eleição da nova diretoria da UNI - UNIÃO DAS NAÇÕES INDÍGENAS. O cineasta Hernamo Pena que registrou todo esse processo e a nossa posse foi prestigiada com a presença de personalidades importantes: Sindicalista LULA, hoje, Presidente da República, Sônia Braga e outros artistas e intelectuais contrários à Ditadura Militar.
Posteriormente, como Presidente da UNI convoquei a diretoria e lideranças de bases para traçar diretrizes políticas, reuniões regionais e assembléias nacionais para unir os líderes, defender a demarcação da terra e combater a ditadura militar. De 1981 a 1988 enfrentamos tantas confusões pelo país e, graças o espírito guerreiro das lideranças é que foi possível garantir os Artigos 231 e 232 da Constituição Federal. A UNI fez aliança com CNS - Conselho Nacional de Seringueiros e outros Movimentos Populares da Amazônia, para conjugar as forças políticas para combater a grilagem de terra, a devastação e monocultura na Amazônia e Projetos que eram financiados pelo Banco Mundial.
Naquela época sempre contamos com o apoio político do saudoso, Deputado Federal Mário Juruna, PDT, RJ, que sempre falou a verdade quando Estado Brasileiro diminuía os direitos dos povos indígenas. Também, participamos das eleições partidárias para Constituinte no Partido dos Tralhadores e no Partido Democrático Trabalhista. Levamos as mensagens da UNI nos cenários nacionais e internacionais juntamente com outras organizações indígenas da América Latina, América do Norte e com os Samys para defender as Culturas e Territórios. Portanto, existem documentos que foram escritos por nós na ONU, em Genebra, Suíça e em Washington, Estados Unidos. Essa época marcou a resistência dos povos indígenas na América Latina.
Primeiro mandato do Governo LULA.
Quando o Presidente Lula ganhou as eleições, certamente, muitos eleitores choraram de alegria, pois esperavam ver as mudanças profundas na estrutura de administração do Estado. Ficou claro para nós, que nesse governo sonhávamos a maior participação dos índios na FUNAI e nos outros órgãos que trabalham com a Política Indigenista. Em consenso, foi dito que, alguém não-índio assumiria o cargo para fortalecer o movimento indígena e reestruturar a FUNAI ouvindo os líderes e suas organizações de bases em todo Brasil. Durante o primeiro mandato do Presidente Lula, com o apoio da FUNAI foi possível realizar as articulações políticas entre líderes e organizações de bases. Foram feitas as Conferências Regionais e a Conferência Nacional dos Povos Indígenas, nos dias 12 a 19 de abril de 2006, no Parque da Cidade, em Brasília, com a participação de mais de 950 líderes de bases que aprovaram 169 Artigos. Portanto, houve a participação de lideranças expressivas de nossos movimentos e o Documento foi entregue nas Governo Brasileiro que foi representado por General Felix, Chefe-do-Gabinete Militar da Presidência da República Federativa do Brasil e outras autoridades presentes. Esse Documento foi filmado do começo ao fim por uma equipe que foi contratada pela FUNAI. Esse documento não é para ficar escondido nas gavetas da FUNAI e, sim, que deve ser enviado as lideranças que participaram a conferência.
Segundo mandato do Governo LULA.
Durante o segundo mandato do Governo LULA, percebemos que a Questão Indígena tornou-se muito difícil para a maioria dos líderes indígenas e suas organizações. Houve a troca do Presidente da FUNAI. Saiu o Mércio Pereira Gomes e entrou o Márcio Augusto Freitas de Meira.
Quando o Mércio foi o presidente da FUNAI não trouxe gente de fora para compor sua equipe e não fêz a vontade dos pedidos dos parlamentares e/ou de partido nenhum. Que eu saiba ele só trouxe a Dra Betinha que trabalhou no Museu do Índio – Rio de Janeiro e, infelizmente, esta ficou pouco tempo e depois voltou.
Ele trabalhou com os Administradores da FUNAI , Brasília, DF, e com os das Regionais que conheciam os problemas dos índios brasileiros. Encaminhou para frente os problemas de demarcação que ficaram parados há tempos. Por exemplo, a TI Balaio ficou mais 22 anos entre DEID/DAF. Juntos com Mércio Pereira Gomes tivemos reunião na sede do IBAMA, em Brasília, para tratar da Terra Indígena. Depois ele visitou a nossa aldeia Balaio, município de São Gabriel da Cachoeira, AM, e conheceu a triste realidade da Estrada BR-307, as habitações precárias e a situação geral nada agradável de nossos povos por causa da briga que travamos com IBAMA e, hoje, o Instituto Chico Mendes que não quer que os índios pesquem e cacem para se sobreviverem. O importante é que o nosso povo recebeu o Presidente da FUNAI na aldeia Balaio e resolveu o problema da Demarcação da Terra. Pelo que conheço, foi o segundo Presidente da FUNAI que conheceu o interior da “Região de Cabeça-de-Cachorro”, depois do General Ismarth que esteve por lá quando a FUNAI começou existir em l973.
O Mércio visitava as Terras Indígenas e promovia reuniões nas aldeias os caciques quando estas enfrentavam o problema. Por exemplo, foi isso que ele fez com os Xavantes e com outros povos de Rondônia, Maranhão, Pará, Roraima, Mato do Sul que passaram por momentos delicados diante dos invasores.
O Dr Mércio Pereira Gomes cativou a história de Marechal Cândido Mariano Rondon e da FUNAI. Ele sempre lembrava do saudoso Deputado Federal Mário Juruna e respeitava o pensamento dos índios e dos intelectuais que sempre defenderam a Política Indigenista. O Ministro da Justiça, Thomás Bastos e Presidente Lula e líderes dos movimentos indígenas sabem muito como foi importante a passagem do Mércio na FUNAI.
No segundo mandato do Governo LULA, quem tomou a posse foi o Dr Márcio Augusto Freitas de Meira. Naquela solenidade de posse vieram personalidades importantes do PT. Por exemplo, o Ministro Luís Dulce e outros. Até aí tudo bem, porque a maioria pensou que a FUNAI fosse melhorar muito em todos os sentidos. Nesse período o que se percebeu e, disso todo mundo sabe é que a mudança de Presidente e da Administração de modo geral causou o desgosto interno.
Os funcionários antigos da FUNAI foram colocados de escanteio. Os Cargos de Confiança foram distribuídos entre os amigos vindos de fora que nunca participaram e/ou que nunca apoiaram o movimento indígena em nenhum momento. Ouvimos dizer o seguinte dos funcionários: “Que esses “amigos” trouxeram seus “amigos” para ocupar outros cargos na FUNAI”... Isso resultou num atrito interno entre os velhos funcionários e novos. Houve remanejamento de funcionários antigos contra a vontade. Os trabalhadores mais antigos da FUNAI que conhecem a vida dos povos indígenas e que têm a experiência acumulada no campo profissional sofreram muito com a mudança até nos dias de hoje e não existe o diálogo pelo que acompanhamos.
A grande novidade que se viu nessa administração foi a instituição da Comissão Nacional de Política Indigenista – CNPI, resultado da Conferência Nacional dos Povos Indígenas. Esse canal oficial era para levar as reivindicações indígenas. Na prática, A Conferência Nacional dos Povos Indígenas, pelo Regimento Interno, não contemplou a participação da maioria absoluta das lideranças indígenas do Brasil e, por isso, os líderes das bases começaram ficar desconfiados.
Nos últimos dois anos é comum ouvir a queixa dos líderes que dizem assim: “A equipe atual que dirige a FUNAI começou discutir a Política Indigenista como se esta fosse nova. O Órgão Indigenista Oficial do Estado Brasileiro foi tratado como se fosse a propriedade particular e, por isso, os membros das ONG´s tiveram mais peso nas decisões políticas e ocuparam os Cargos de Confiança que tratavam de assuntos estratégicos dentro da FUNAI. Todas as discussões e decisões que fizemos na Conferência Nacional dos Povos Indígenas, os 169 Artigos foram ignorados pelos membros do CNPI”. Outros dizem: “A CNPI funcionou mais para o Presidente da e suas Secretárias que viajam pelo Brasil para terem reuniões com número reduzido de líderes”. Outras lideranças dizem: “Houve a manobra política de cunho ideológico sobre a Política Indigenista – Tudo bonitinho no papel, e prática a pobre FUNAI vai de mal a pior.”
No caso da Região Norte por onde temos 60% da população indígena, a COIAB – Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira, com sede na cidade de Manaus, passava por crise política interna nos cenários nacional e internacional por causa de falta de transparência nas prestações de contas. E, não faltaram as reclamações: “O Estado do Amazonas que tem 67 Povos Indígenas e com mais 100 mil índios, infelizmente, foi mal representados na Conferência Nacional dos Povos Indígenas. Os líderes das bases do Estado do Amazonas NÃO DISCUTIRAM A REESTRURAÇÃO DA FUNAI. Os dirigentes da COIAB, em Manaus, acompanharam e apoiaram as invasões de índios nas sedes da FUNAI e FUNASA”.
Lamentavelmente, soubemos que os índios saquearam o patrimônio público – computadores, impressoras, voadeiras e motores de popa, máquinas filmadoras e outros instrumentos de trabalho. Em outras regiões do Brasil alguns escritórios da FUNAI e da FUNASA foram ocupadas pelos índios por vários motivos. A imprensa divulgou essas notícias tristes.
Os Povos Indígenas continuam enfrentando os problemas e, por isso, procuram os Postos Indígenas, as Administrações Regionais e a sede Nacional da FUNAI. Cada liderança e/ou organização indígena têm sua versão como está a situação da FUNAI em cada lugar. O Estado Brasileiro continua impondo a pobreza e a violência generalizada; a brutalidade da Polícia Federal no sul da Bahia... Os índios derramaram o sangue nos Estados de Pernambuco, Maranhão, Roraima e outros Estados da Federação. O trabalho escravo, a perseguição e separação nas famílias para trabalhar fora de suas terras acontecem no Mato do Grosso e, segundo os Relatórios do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, foram assassinados 97 índios nos últimos sete anos do Governo LULA e, mais 2 recentemente. No segundo mandato do Governo LULA, só foi homologada uma Terra Indígena.
Em outras vezes ouvimos dizer dos funcionários e índios: “A FUNAI foi entregue para pessoas oportunistas que estão à serviço das Organizações Não-Governamentais espalhadas pelo país. Diante desse quadro é que muitos índios que eram do Partido dos Trabalhadores saíram e foram para o Partido Verde e outros.” “ Eles têm razão, porque o PAC só trouxe problemas para os Povos Indígenas.”
Outro assunto que vale ressaltar, aqui, em Brasília: A falta de Assistência ao Índio. Esses comentários saem da porta da FUNAI: “Não adianta ir nas bases para ver a situação triste dos Povos Indígenas. Nessa gestão da FUNAI houve a preocupação com segurança dos executivos do órgão. Quem aumenta a segurança só pode ser pessoas inseguras para trabalhar na sede da FUNAI. Líderes importantes do Povo Xavante dormem no chão no sub solo, na entrada e no mesanino.”
Sim, eu mesmo sempre vejo o meu amigo Celestino Xavante deitado em cima do papelão bem na porta da Coordenação-Geral de Artesanato - CGART. O Cacique Pio Xavante, o Cacique Aniceto Xavante e outros líderes importantes não estão tratados com respeito e dignidade. Uma senhora do Povo Xavante, que mal falava português, queria falar muito com alguém da Presidência. A segurança não a deixou entrar no Gabinete. A pobre senhora chorou e chorou mesmo!.. E, não foi atendida pelo presidente e pela chefe do Gabinete.
A garagem da FUNAI é o reduto de Xavante que vêm a Brasília em busca de soluções.. Eles dizem que não tem o papel higiênico suficiente e banheiros ficaram fedorentos, insuportáveis. Eu e outros funcionários índios vimos que muitos índios ficaram doentes de gripe. Uma Xavante teve derrame de tanto deitar no chão frio de cimento e outra quase que deu luz a uma criança que, graças à habilidade do Corpo-de-Bombeiros nasceu pelo meio do caminho a Hospital. Essas coisas aconteceram na sede da FUNAI por onde trabalham os executivos e funcionários de muitos anos e, sem falar de alimentação precária, mal-feita.
Outras vezes ouvimos dizer: “Que os índios discutiram com a Chefe-do-Gabinete no elevador, porque esta não gosta de índios e quer elevador somente para ela.” Eu não duvido nada, porque uma vez, eu estava no sub solo e fui em direção ao elevador para cumprimentar o meu Presidente da FUNAI e, infelizmente, fui barrado pela segurança. Isso me dói até nos de hoje.
Todos nós sabemos o quanto de roupa velha que os Xavantes levam para suas aldeias. Levam o lixo da cidade. Menos a solução de seus problemas. Esse quadro é ridículo. Os índios Xavante que vêm a Brasília não estão sofrendo. Até quando vamos ver esse quadro caótico?
A ANSEF fez muito bem quando mandou a carta para o Presidente questionando sobre a Reestruturação da FUNAI. Temos que saber se essa discussão ocorreu nas regionais ou não. E, se não aconteceu, sim, vamos exigir a participação de todos os representantes das Nações Indígenas do Brasil. Somente assim é podemos comemorar os 100 Anos de Política Indigenista no Brasil.
Não havendo mais assuntos, renovamos os nossos protestos de estima e consideração.
Atenciosamente,
Álvaro Fernandes Sampaio
Liderança do Povo Tukano – AM.
Um comentário:
conheci um padre indigena que tbm morava na "cabeça do cachorro", ele veio visitar as comunidade indigenas do Pr e ficou espantado com a situação dos indígenas da Aldeia Rio das Cobras que sofrem com a questão do alcoolismo, lembro-me de uma de suas palavras ao chegarmos na aldeia ele disse " o meu coração chora" ao presenciar aquela dura realidade.
O meu tbm chora...
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