domingo, 8 de novembro de 2009

A morte de Claude Lévi-Strauss é lembrada por muitos: Ondina Fachel Leal

Mais um antropólogo fala da vida e obra de Claude Lévi-Strauss. Desta vez é a professora de antropologia da UFRGS, Ondina Leal, num resumo sucinto de algumas de suas principais obras: parentesco, mitos e totemismo.

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Dos totens, mitos e tabus à universalidade do homem


ONDINA FACHEL LEAL *




Claude Lévi-Strauss abriu novas possibilidades de interpretação ao discutir a cultura, seus símbolos e 

suas questões formais. Ofereceu uma ruptura muito radical no modo como as Ciências Sociais até então 

pensavam a realidade


Lévi-Strauss inaugura na Antropologia uma tradição: o estruturalismo. Sua proposta é buscar os princípios lógicos universais que dão ordem à diversidade de experiências humanas. A noção central ao pensamento de Lévi-Strauss é a de que realidades culturais são interessantes porque expressam configurações básicas do pensamento humano. A cultura é tomada como um sistema de significados, e essa ideia é a base do fazer antropológico.

Para Lévi-Strauss, seguindo a tradição de sociologia francesa no início do século 20, o totem não é a coisa que ele representa em si, mas é emblemático da organização em clãs de determinados povos. Se animais e plantas são considerados sagrados, ou se são tomados como tabus, são porque representam alguma coisa, a sociedade que fazem parte. Nos diz Lévi-Strauss, rompendo com uma visão utilitarista sobre tabus totêmicos, até então vigente na Antropologia: os animais e vegetais usados como totem, não o são porque “são bons para comer”, mas porque “são bons para pensar”.

Para Lévi-Strauss, o totemismo é irrelevante como sistema de organização social real, empírico. Para ele, o totem é um sistema social que classifica seres e coisas em espécies e gêneros, do mesmo modo que os homens ao viver em sociedade se classificam. A capacidade de erigir totens é um fenômeno muito mais geral. É, por um lado, uma forma de selecionar, organizar, representar intelectualmente e estruturar semelhanças e diferenças que os homens percebem na natureza e no mundo social; por outro lado, é uma forma de relacionar objetos culturais com objetos naturais.

O mito, para Lévi-Strauss, é também uma modalidade discursiva que organiza uma explicação a respeito de realidade social. O mito nos fala do homem e de sua inserção no mundo da natureza: apresenta-nos uma explicação sobre o lugar do indivíduo no mundo. Estabelece um conjunto de significados e prescreve condutas que são condições para que um indivíduo constitua-se enquanto pessoa e, portanto, seja, em um determinado grupo.

Assim como o totem, o mito é tomado por Lévi-Strauss como composto por elementos que funcionam como operadores lógicos de classificação social – uma realidade discursiva que opera uma ruptura com o real, mas é pleno de coerência ao referir-se a uma realidade de outra ordem. Mitos exprimem sentimentos fundamentais, tais como amor e ódio, relativos em última instância, ao desejo do indivíduo e à interdição social do desejo; ou ainda, à dicotomia básica organizadora do mundo, da natureza e da cultura. Trata-se de sentimentos universais, comuns à condição humana. O não compromisso do mito com o real é o que permite a este contemplar uma dimensão estética, afetiva – e, reside aí a sua verdade.

Outro caminho percorrido por Lévi-Strauss em sua coleta de diversidades etnográficas, em As Estruturas Elementares de Parentesco, nos remete à noção de reciprocidade social. Ele aplica o termo reciprocidade ao sistema de prestação total: as obrigações de dar, receber e retribuir os presentes nas chamadas sociedades “primitivas”. Reciprocidade indica estabilidade através de troca entre agentes ou grupos sociais desiguais e rivais. Sistema de parentesco para Lévi-Strauss é um sistema de alianças, do qual os indivíduos e grupos dependem. Relações de parentesco são um conjunto de regras, por exemplo, aquelas de exogamia e de proibição do incesto, que regulam as relações sexuais, o casamento, a reprodução e os padrões de descendência na sociedade. Essas regras que estabelecem tabus são funções do princípio de reciprocidade, que dizem respeito à circulação de mulheres como um objeto valioso.

A partir do momento que existe a proibição do uso de uma mulher para um homem, essa mulher se torna disponível para outro homem. Então, há em algum lugar um homem que renuncia a uma mulher (sua irmã ou sua filha), que daí se torna igualmente disponível. O que Lévi-Strauss nos ensina é que existe um sistema inteiro de prestação social, junto com a troca de mulheres: há uma troca de pudins e de comida cozida do lado feminino, por caça e peixe do lado masculino. Isso coloca a mulher na posição de agente transformador da natureza – ela é quem cuida do fogo e cozinha. Ela é quem torna a cultura uma instituição. Para Lévi-Strauss, o papel feminino é o de reprodução social (de forças produtivas, isto é, de homens), com a capacidade de gerar cultura. Homens teriam que dominar as mulheres para se fazerem parte da cultura, para terem controle sobre a reprodução social.

O argumento principal de Lévi-Strauss é que sistemas de aliança de parentesco, em suas variações, na exogamia ou no tabu do incesto, desempenham o papel de um princípio único. São, de fato, um conjunto de regras, estabelecidas socialmente, que prescrevem com quem o indivíduo pode casar, ou com quem ele não pode casar. Ambas as limitações são fenômenos do mesmo tipo. É claro que, como a metade poderosa (mulher/natureza) é dominada pela metade não-poderosa (homem/cultura) permanece uma questão não resolvida. Os mitos, que Lévi-Strauss analisou extensamente, legitimam o domínio e o poder masculino, mas não o explicam.

Estudando totens, mitos, tabus ou arranjos matrimoniais, Lévi-Strauss constituiu o estruturalismo que marcou um rompimento radical com as formas que as ciências sociais pensavam a realidade. Com Lévi-Strauss, o foco da análise deslocou-se para a formalidade do sistema, para a sua estrutura.

Totens, mitos ou ritos são “ordens” ou níveis de um princípio estrutural subjacente que Lévi-Strauss chama de a “ordem das ordens”: a Cultura. Em outras palavras, é a estrutura de pensamento humana que permite aos homens categorizar e relacionar símbolos e coisas, e é isso o que faz o homem parte da cultura e algo diferente da natureza.

Perplexos com a universalidade da condição humana, resta-nos desejar que, encompassados com a reprodução da ordem simbólica, os elementos de transformação desta ordem sejam também reproduzidos. Sem estes, a própria eficácia da ordem simbólica estaria comprometida.

* PhD em Antropologia pela University of California, Berkeley, professora titular do Departamento de Antropologia da UFRGS


3 comentários:

Igor José de Renó Machado disse...

oi Mércio. Muito legal o blog, aproveito para sugerir um texto bacana do patrice maniglier, sobre o LS; http://www.lemonde.fr/planete/article/2008/11/25/ce-qu-ils-ont-appris-de-levi-strauss-pascal-maniglier_1122719_3244.html#ens_id=1262333
abçs
igor

Mércio P. Gomes disse...

Igor, Li o texto, bom e ao ponto, mas não tenho saco para fazer a tradução. Em francês fica difícil para a maioria dos leitores. O Blog está aberto para algum texto seu sobre L-S ou outro, se quiser. Abs, Mércio

igor disse...

Ok Mércio. Se eu tiver saco, traduzo e te envio. entrementes, se puder divulgar meu blog (o chihuahua anão), agradeço demais!
http://igorreno.wordpress.com ! Há dois textos rápidos sobre o LS.

 
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