São Paulo, dias 26 e 27 de Abril de 1981.
O Nascimento da UNIÃO DAS NAÇÕES INDÍGENAS – UNI.
Com muito clareza, eu e outros companheiros que têm acesso a imprensa à níveis nacional e internacional temos defendido a demarcação da Terra para as Nações Indígenas. Havia muita expectativa dos índios para ter a expressão própria, pois eu e Mário Juruna tivemos que sair do Brasil para falar com os homens que defendem os Direitos Humanos dos Povos Indígenas.
Evidentemente, os intelectuais brasileiros que atuavam nas Organizações Não-Governamentais, por exemplo, Comissão Pró-Indio, CPI – SP; Comissão Pró-Indio, CPI – AC; Operação Anchieta, OPAN – AM; Centro de Trabalho Indigenista, CTI – SP; Associação de Apoio ao Índio, ANAI –POA; ANAI – RJ; ANAI – BA; CCPY – SP estavam com pensamentos amadurecidos e eram os defensores árduos da causa indígena. A ABA – Associação Brasileira de Antropologia, uma instituição científica, tem tomado a posição política afirmativa para defender os índios brasileiros nos cenários nacionais e internacionais. Outros brasileiros, também, acadêmicos que não fugiram da ditadura militar formaram suas instituições, como por exemplo, Centro Ecumênico de Documentação e Informação – CEDI- SP. A Igreja Católica criou o CIMI – Nacional. Os Evangélicos Luteranos sensibilizaram os membros das demais igrejas para respeitar e defender as questões indígenas.
Tendo essa visão política é que a Dra. Manoela Carneiro da Cunha; Dra. Lux Vidal; Dra. Aracy Lopes, Rosa Pena; Luis Pena; Alba Lucy Figueroa, Carlos Alberto Ricardo e outros, em conjunto, organizaram o Encontro dos Povos Indígenas na cidade de São Paulo. Assim, vieram muitos índios de diversos lugares do Brasil e ficamos hospedados no Pacaembú, Estádio de Futebol, entre os dias 26 e 27 de Abril de 1981, e ficamos falando de nossos assuntos relativos à demarcação das terras indígenas do Brasil.
Enquanto isso, no Palácio do Planalto, o General Golbery Couto, Chefe da Casa Civil, ficou ofendido com as palavras: Nações Indígenas. Fomos mal interpretados... Sendo o Militar de Alta Patente e, falando pelo Governo Brasileiro, usou expressões negativas e humilhantes contra os povos indígenas. Essa notícia foi parar em nossos ouvidos e houve a reação imediata dos líderes indígenas. Assim, os coronéis da FUNAI, não queriam ouvir falar de Nações Indígenas, porque para eles só existia a Nação Brasileira.
Na verdade ninguém queria formar outros ESTADOS dentro do ESTADO BRASILEIRO. O que defendemos foi a demarcação das terras indígenas, segundo à luz da CF/Lei N°6001/Barra Estatuto do Índio. Como cidadãos brasileiros defendemos as culturas e tradições dos povos indígenas que têm suas terras tradicionais. O General Golbery não poderia desfazer a Constituição Federal que defende os nossos direitos, via FUNAI, o Estado Brasileiro, tinha que demarcar os territórios das tribos distintas que vivem pelo nosso país e, entender que as Terras Indígenas são os bens da UNIÃO. Achamos que o General Golbery estava muito atrasado para dirigir e defender os interesses dos povos indígenas. Assim, combinamos com todos os líderes para formar uma Organização Indígena no Brasil.
São Paulo, dia 28 de Abril de 1981.
O Dia mais agitado dos índios.
Estamos numa manhã agitada por parte das lideranças indígenas que se encontram hospedados no estádio de Pacaembú. Por que será? Todos agitados, curiosos. Por exemplo, o Cacique Mário Juruna é o mais nervoso de todos e, tão cedo, de madrugada, extraordinariamente, convocou os líderes de sua confiança para um debate pré-liminar. Era bem cedo, ainda a maioria de lideranças estavam dormindo e desconhecem o barulho do Juruna. O Sr. Domingos Veríssimo Marco, Presidente Provisório da UNI Nacional, se espantou com barulho, acordou desconfiado. Na verdade deve ter ouvido algumas palavras proferidas pelo Mário Juruna contra ele. E foi mesmo, pois este companheiro gosta de centralizar o poder e não respeita a posição política de outros líderes jovens de sua tribo. O Sr. Domingos não desconheceu da atitude do Mário Juruna que, na certa irá dar o golpe político na direção da UNI.
Os momentos foram se passando, e sob arbitrariedade do companheiro Mário Juruna, em meio a tanta confusão de fala alta, todos os líderes que já acordaram, sentados nas cadeiras numa sala pequena, aguardavam ansiosos para ouvir a palavras da Ordem do Dia. Os índios subiam e desciam para se vestir, alguns tomavam o banho e outros partiam em direção os quartos para apressar os companheiros para acordar os lentos. Todos estão curiosos e ninguém sabe o que poderá acontecer nos minutos posteriores.
O povo Xavante é muito forte em tudo – de físico à pressão política em cima da FUNAI para que demarque a terra. Realmente, esse povo não brinca no trabalho. É povo guerreiro, destemido e que guarda na memória histórias tristes de tantas confusões de fazendeiros e grileiros que roubam a terra dos índios. Assim, o Juruna anda nervoso, apressado.. Assim, em seguida, convoca os amigos para dar o apoio ao movimento indígena, e diz que é para corrigir os erros do Governo Federal. Em resumo: O Mário Juruna quer criar a Federação Indígena e, mais uma vez, faz crítica dura os dirigentes do Estado Brasileiro, a FUNAI que não cumpre o seu papel.
Nesse momento todos os líderes ficam admirados e outros se perdem no espaço e no pensamento. O Juruna se aproveita do tempo para dar a nova mensagem em Português “primário” difícil e, fácil ao mesmo tempo para todos os líderes, pois ele pensa rápido e joga os objetivos claros. Ele convoca à todos líderes para uma eleição para escolha de dirigentes nacionais. “ É confusão animada para solucionar o problema do índio brasileiro”, diz. E pede para pensar direito, rápido, e aprovar a convocação da eleição imediata. Enfim, todos aprovam. O Juruna ficou animado, falou, e falou duro e não percebeu que a hora do café estava passando. Vendo o movimento de outros para tomar o café, reagiu. “E tem mais, mandem adiar o Café um pouco mais. Esse café é menos gostoso do que a nossa discussão”
Juruna falou dos dirigentes FUNAI que são indigenistas e sertanistas que são contrários a opinião dele. Enfim, fez um belo relato histórico de sua luta em defesa da causa indígena e reprovou muita coisa do órgão indigenista oficial. Assim, deu a palavra aos outros e deles ouviu atentamente sobre as reclamações em torno dos dirigentes da FUNAI. O Juruna ficou mais animado e começou a revelar de que os índios têm muita força política a ser construída pelo Brasil.
O Mário Juruna de olho nas próximas eleições.
Até o presente momento nenhum de nós estava ligado no movimento político para as próximas eleições. Mas, o Mário Juruna já tinha feito seus planos para carreira política. Aliás, estava ali como um dos grandes político petulante para cobrar do Estado Brasileiro para que a FUNAI cumpra o seu papel constitucional. Ele estava com sorriso meio bicudo do jeitão Xavante. Ontem ele visitou o Líder Sindicalista, LUIS INÁCIO LULA DA SILVA, em São Bernardo do Campo e, com certeza, falou de política. Como adora a mídia e gente famosa, também, conversou muito com a artista de cinema Sônia Braga.
Depois da fala de líderes, o Mário Juruna abriu o jogo: Disse que vai concorrer as eleições para Deputado Federal, pois achou importante chegar no Congresso Nacional, a fim de discutir com os demais parlamentares sobre a situação dos povos indígenas do Brasil.
Não deu outra coisa, todos concordaram. Em seguida a tese foi defendida pelo Chefe Xavante, o Aniceto. Este disse que o Mário Juruna quer concentrar atenção do povo brasileiro, verificar, denunciar a omissão do Estado Brasileiro que não demarca as terras indígenas. Disse mais: “ Os políticos manipulam os poderes, centralizam esses poderes para não perder o controle sob seus súditos. Nisso a questão indígena não escapa.” Continuou dizendo, que o Mário Juruna estava fazendo o comício político para se candidatar a Deputado Federal e, por isso, pediu apoio de todos os líderes presentes”. Concluiu:” O Juruna irá defender os interesses dos povos indígenas do Brasil. O Juruna deve ter mais compromisso com a luta dos povos indígenas do Brasil, ter maior compromisso com o povo brasileiro e que não deve ser manipulado pelos indigenistas mal acostumados. E, para fazer pelos índios, nunca se deve basear na religião de branco que só atrapalha os grupos indígenas. Muitos líderes se confundem nesse ponto”.
Em tom cobrança, o Aniceto esbravejou:”Que devemos ter a ética indígena, comportar como chefes tribais; que certos líderes que usam o poder em nome da religião dos brancos e que usam as palavras bonitas, não condizem com a realidade dos povos indígenas tão sofridos... É difícil cumpri as Leis dos brancos. Não é a hora de falar bonito diante de outros. Antes, é preciso trabalhar duro nas comunidades com os irmãos e só depois é que se pode obter o verdadeiro papel de líder”
Essa cobrança áspera do Aniceto era focalizada em cima do Domingos Veríssimo Marco, o tio do Marco Terena, que até então era o Presidente Provisório da UNI Nacional criada em Campo Grande, MS. A presença de lideranças jovens não agradava os dirigentes da UNI Terena que, na concepção deles, só os velhos poderiam comandar a política. Ficou claro assim, que havia uma briga de família Terena pelo poder. A falta de confiança mútua era o que predominava entre o Marco e Domingo.
Ouvindo as propostas novas para criar a Federação Indígena do Brasil, o Sr. Domingos Veríssimo Marco, adiantou a defesa em pról de sua diretoria que já estava formada desde Campo Grande. Ele disse que os jovens não podem mandar nos velhos Terena, que o Marco Terena era jovem demais e que estava sob a custódia dos velhos.
Nesse momento houve a reação de líderes de outros povos, isto é, o Sr. Domingos não os convenceu. Nessa confusão o Mário pediu a palavra e defendeu a Chapa 2 com os seguintes candidatos:
Presidente da Federação: Mariano Marco – Terena;
Vice-Presidente: Álvaro Fernandes Sampaio – Tukano.
Secretário: Lino Pereira Cordeiro – Miranha e
Assessor/Secretário: Hibes Menino de Freitas – Wassú.
Mais adesões de idéias só animou o Mário Juruna. E, fazendo um discurso contudente, o Mário Juruna impôs pela aprovação da Chapa 2. Niguém reagiu. Era uma surpresa política. Então, Mário Juruna pediu à todos para terem a calma e convidou a platéia para sair da sala e tomar o café gostoso. Um dia antes eu já percebia o que Mário aprontaria: Usar artimanha para acabar com a vaidade do Domingos Veríssimo Marco. Assim, nos momentos de tomar o café acertamos os detalhes e, em seguida fomos até a igreja dos missionários Dominicanos, no Bairro Perdizes, por onde funcionava a sede da Comissão Pró-Índio de São Paulo.
A II Sessão da UNI, em 28 de Abril de 1981.
Até ontem a FUNAI não admitia nenhuma reclamação política por parte de índios. Eu fui considerado como mentiroso quando teci a crítica em cima dos missionários salesianos que trabalham no Rio Negro. Aqui deu para perceber que a FUNAI é problemática mesmo. Assim, é preciso construir a política pública para os povos indígenas; construir a democracia, a autodeterminação. E, se a FUNAI fosse dirigida por um civil educado, certamente, os índios saberiam discutir seus problemas e agradeceriam os funcionários pelo serviço prestado.
Muita coisa de ruim aconteceu nas comunidades indígenas, e por isso, o discurso dos índios desviou a programação feita pelos organizadores do evento. Os índios nervosos taxaram alguns brancos como “manipuladores”, porque houveram de fato as interferências de pessoas de apoio para poder conduzir o encontro. Parecia uma intervenção “disciplinada”, mas não deixava de ser a pura manipulação. A única alternativa que os índios encontraram foi a saída de todos os representantes das entidades da sala de reunião. Menos a Equipe de Documentação para acompanhar os trabalhos transparentes dos índios.
A maioria dos líderes quer a unidade de pensamento do movimento indígena, ter maior participação dos índios nas discussões que tratem do Governo em relação à demarcação da Terra e bem como na elaboração de outras atividades que visem dar benefício. Assim, o Mário Juruna quer a melhor representatividade do movimento indígena no Brasil, mais presença de lideranças indígenas nos seminários regionais, nacionais e internacionais.
Não foi por ingenuidade não, uns três representantes das entidades insistiram em permanecer na igreja e, por isso, em consenso os índios pediram para que eles se retirassem. Feito isso, continuamos discutindo e muitos curiosos nos olhavam pelas brechas das janelas da igreja. Os brancos estavam nervosos, tinham medo de que houvesse o confronto entre os índios. Os brancos falavam baixinho, faziam a confusão entre eles, se desentendiam e cada uma queria ficar com seus “indiozinhos”. Uns não queriam nem saber do movimento indígena para não perder o controle, outros achavam muito bom e que era o momento exato para fundar a organização indígena no Brasil.
Depois de muita bate-boca, o Domingos Veríssimo se sentiu cansado e teve que ceder o espaço para os novos líderes indígenas do Brasil. A UNI de Campo Grande foi muito criticada, pois durante um ano essa entidade pouco fez pela causa indígena e quase não cobrou nada da FUNAI. O Domingos tentou convencer mais uma vez, e levou mais pressão dos líderes. Foi uma briga de alto nível de índio com índio, de índio com os brancos de entidades, de branco para branco e muita correria de idéias. Uma verdadeira loucura...
A Comissão Pró-Índio de São Paulo teve o apoio incondicional das lideranças indígenas, porque defende autenticidade do movimento indígena e exige a maior abertura política do Estado Brasileiro em relação à Questão Indígena. Feitas a tanta crítica em cima da FUNAI, só o movimento indígena organizado pode fazer mudar a História do Brasil. Não houve o intervalo, ficamos olhando entre nós mesmo, pensativos.
Insistiu o Domingos Veríssimo: “ O Governador de Mato Grosso do Sul tomou a iniciativa e convidou as lideranças indígenas para falar de suas questões durante a Semana de Índio, objetivando tornar a Questão Indígena como problema causado pela sociedade brasileira. A questão indígena não deveria ser discutida somente pela FUNAI, mas sim, com a participação plena da sociedade brasileira. No final de toda essa conversa nasceu a UNI – União das Nações Indígenas no dia 19 de Abril de 1980. Foi o resultado de grandes conseqüências negativas do órgão tutor, a FUNAI, que em vez de ajudar os índios estava subtraindo a proteção constitucional. Quando acabou o Serviço de Proteção ao Índio – SPI, entrou a FUNAI pelo Nº6001, O Estatuto do Índio, em 1973. A UNI nasceu para pressionar o Governo Brasileiro para que os preceitos constitucionais sejam aplicados. Desta maneira seria necessário mudar os dirigentes da FUNAI e colocar pessoas comprometidas com a questão indígena.
O Mário Juruna estava furioso e disse: “ A UNI do Domingos Terena não tem força e ninguém dos membros dessa Diretoria defendeu o povo indígena. E, disso todos sabem... Eu defendo o índio, o Marco Terena, Álvaro Tukano, Lino e outros que já brigaram com a FUNAI. Agora é a hora de criar uma Federação Indígena e deixar de lado a diretoria de Campo Grande que está fraca e que só faz o Papel de Inteligente, mas na prática, essa é uma utopia.”
Nesse momento muitos índios do Nordeste apoiaram o Mário Juruna, surgiram de novo as discussões calorosas, polarizadas.
E, continuou o Domingos:” Foram feitas as normas da UNI. Uma delas é para consultar a várias pessoas das tribos para ver se querem ser os membros da UNI, sem fins lucrativos, que representa todas nações indígenas, que visa promover as culturas, dar autodeterminação aos povos indígenas, e tudo mais. Assim, aquele momento era ideal para fazer a divulgação da UNI em todas as instâncias do Governo e nas Entidades de Apoio à Causa Indígena. A organização indígena deve denunciar a omissão do Governo; o contra-ataque é constante, que vem as represálias ou ameaças de morte contra as lideranças. Por isso, os líderes se arriscam com suas vidas, cada vez mais, os fazendeiros ou grupos econômicos se mobilizam para acabar com a raça indígena. Já estão mexendo no Estatuto do Índio, e, agora, o Serviço Nacional de Informação – SNI, através de seu Chefe da Casa Civil, o General Golbery Couto e Silva, quer derrubar a nossa organização, conforme os noticiários de 26 de novembro de 1980” Houve o controle de emoções por parte de índios.
Entendi que a UNI tinha força política de caráter moral e que era preciso conjugar as nossas forças junto as entidades de apoio à causa indígena.
O Manoel Celestino, Xucuru Cariri, disse que os índios devem ser fortes no território brasileiro; todos devem ser membros da UNI e participar diretamente nos debates e decisões políticas, buscar alianças transparentes e assim cuidar de nossa questão. Só assim vamos fazer funcionar a idéia desse encontro.”
O Marco Terena explicou como os índios estavam sendo tratados pela FUNAI, em Brasília. Disse: ”Existem muitas idéias de brancos da FUNAI que massacram as nossas idéias, as idéias de certos funcionários para dividir o nosso movimento e nossos líderes. Existe a discriminação e o aumento de miséria nas comunidades. A FUNAI gosta de ver grupos indígenas fracos, que as denúncias de índios só saem no dia 19 de Abril ou então, quando há calamidade. Agora é a hora de acabar com a divisão entre os índios”.
Vimos que a pressão da FUNAI cai em cima dos bons funcionários e que, a maioria de pessoas das ong´s um dia já passaram pelo órgão. Muitos de nossos participantes não anotavam, porque não sabiam escrever. Mas, com olhares atentos gravavam as mensagens de nossos oradores. Os índios são bons historiadores, contam tudo e, muito bem.
Na maior parte do tempo eu fiquei calado. Agora dei o apoio a UNI que deveria ser mais ágil. O Lino Cordeiro, Povo Miranha, Tefé, AM, disse que o Mário Juruna fora um dos coordenadores da mesa quando a UNI foi criada em Campo Grande. Agora, não entendia o por quê Juruna fazia intervenções desconfiadas.
Todos ficaram a favor da UNI. O Mário Juruna parecia estar calmo, pois outros índios falaram muito bem. Estando de lado, sozinho, o Juruna se sentiu traído e começou apertar os punhos das mãos. Assim saímos para o almoço.
Esse almoço não foi tão gostoso como café da manhã. O Mário Juruna estava muito bravo, muito sentido e veio tomar o assento a meu lado, e disse: “Quero ficar sentado aqui a seu lado para falar a verdade. Álvaro, você não conhece os Terena. O Lino Cordeiro não conhece os Terena e nem o Hibes Menino. Essa gente só sabe mandar em cima dos Guarani, Kaiowá e outros índios que não são guerreiros para brigar contra os fazendeiros e coronéis da FUNAI. Essa gente só usa nós, só quer emprego na FUNAI, eles gostam de poder, são politiqueiros, falam bonito e negociam com os fazendeiros e FUNAI por debaixo do pano e, depois mandam matar os verdadeiros líderes... Álvaro, eu me senti traído por você.... Meu amigo, você está dando ouvido ao Domingos Veríssimo. Ele está manipulando vocês, Lino Cordeiro, Hibes e Marco Terena. Vocês não tem que se afastar de mim”. Assim foi apanhar a comida. Chegou disposto a tudo, comia, observava... Comia muito e olhava nervoso em cima do Domingos. Muitos estavam desconfiados e não mais falaram com Juruna. Aí o Chefe Juruna ficou mais desconfiado. A respiração dele estava descompassada, e começou a exigir de mim a prudência, a coragem e pensar no futuro dos índios.
E, quando terminou de comer me disse: “ Ôh! Álvaro, você já ouviu o meu conselho. Você não pode fugir de mim e nem ter medo dos Terena que não querem a Federação. Vou tomar o poder dos velhos Terena e vou dar o apoio para vocês, jovens. Certo?!..
Respondi-lhe que, sim. Eu estava comendo devagar e pedi-lhe para continuar a conversa e nisso ele me atendeu. Eu disse que não estava traindo ninguém. E, sim, que queria ver a posição da maioria e, por isso, fiquei calado. E falar, se necessário, na hora exata. Agora, se é para tomar o poder do Domingos que não gosta do Marco que é jovem, então, o jeito seria provocar uma eleição urgente, apesar de contrariar o Estatuto da UNI.
- Mário: É mesmo! Então, Álvaro, vamos fazer isso? Então, Álvaro, acho que fechamos o acordo. Agora, vou falar com os Xavantes e outros para fazer essa eleição.
- Álvaro: Vamos! Pode ficar frio e confiar na vitória.
Voltamos na igreja dos Dominicanos. Parecia que estávamos mais ou menos aliviados. Fiz mais intervenções e sempre acalmando os mais nervosos. Foi assim que preparamos a eleição forçada. Falamos de embasamento político, mais habilidade para discutir na FUNAI e dar a vez aos caciques das aldeias. Lançamos muitos nomes para serem votados. Colocamos a URNA, melhoramos o diálogo entre os índios para fazer o campo político e partimos para votação. Foi quando, então, abrimos as portas para todos os representantes das entidades entrar para acompanhar a votação. A imprensa gostou e, logo começou a votação para escolher a nova diretoria da UNI.
Sem dúvida, esse foi o momento mais importante em que construímos, democraticamente, o movimento indígena no Brasil. Todos votaram num país por onde ninguém votava ainda para o Presidente da República. Nasceu a “ Flor da Esperança dos Povos Indígenas”, resultado de uma ação integrada de nossos povos ali representados. Os oprimidos, índios e camponeses, os trabalhadores urbanos querem as mudanças de nossos governantes. Os índios querem a expressão própria para defender os seus territórios. Por isso, assim foi o resultado dessa eleição:
Presidente: Mariano Justino Marco – Terena, 58 votos; Vice-Presidente: Álvaro Fernandes Sampaio, Tukano, 8 votos e, Secretário: Lino Pereira Cordeiro, 5 votos. Em seguida o Sr. Domingos Veríssimo Marco, deu a posse a nova diretoria e parabenizou, e pediu uma salva de palmas. Em seguida, o Marco Terena tomou o microfone para dar a mensagem aos índios brasileiros e imprensa. Em seguida foi a vez do Mário Juruna que ficou muito animado com o resultado das eleições e, disse: “ A FUNAI não é PAI NOSSO e, por isso, nasce a UNI”
Depois vieram muitos líderes para nos cumprimentar. Todos estavam contentes, aliviados. E foi assim que saímos para jantar, pois à noite, teríamos uma grande manifestação com todos os líderes dos movimentos populares, Ong´s e seria uma Festa dos Índios Brasileiros.
Às 19:00 horas já estávamos de volta. Os índios estavam pintados, todos alegres. Falou o Marco e que comoveu a platéia que bateu as palmas. Todos nos parabenizaram, os índios dançaram, cantaram e tiraram as fotos.
Depois foi a vez de falar do Dom Tomás Balduíno, Bispo de Goiás Velho e, disse: “ Os amigos dos índios se sentem alegres por terem colhido o fruto do esforço de seu trabalho junto aos demais membros das entidades”. Avaliou a situação política do país, falou da necessidade de resolver os problemas dos povos indígenas, pedir a demarcação das terras.
O Dom Tomás Balduíno foi muito elogiado pelos índios e por todos ali presentes. Falou pelo CIMI/CNBB, órgão voltado para orientar os missionários e leigos para defender os nossos direitos. Outro orador foi o Mário Juruna e criticou duramente o Presidente da República, e disse que deveria chamar atenção do Presidente da FUNAI. Reprovou os grandes projetos econômicos, as empresas multinacionais e chamou seus funcionários de “ladrões”, amigos do Governo Ditador que mata de fome o povo brasileiro. Disse que o General Golbery é criminoso, não repassa a verdade dos fatos ao Presidente da República. Terminamos nosso encontro e nos cumprimentamos numa boa.
O Marco Terena veio embora para Brasília e Domingos para Campo Grande. E, nós ficamos pelo meio do caminho, em São Paulo, pois depois teríamos outro encontro em Aquidauana, MS.
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