quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

Último dia do ano: a Funai resiste

Neste último dia do ano de 2009, talvez o pior ano para o indigenismo brasileiro desde o tempo dos militares, inicia-se a resistência dos povos indígenas e dos indigenistas brasileiros aos desmandos e despautérios criados pela atual administração da Funai.

O decreto 7.056, assinado pelo presidente da República no dia 28, pelo visto sem que o presidente soubesse o que estava fazendo, está sendo visto por muitos povos indígenas como um desrespeito às suas visões políticas e um retrocesso inominável ao movimento político que vinham criando dentro do panorama político brasileiro. Muitos se sentem traídos por terem acreditado nas palavras fáceis da atual gestão da Funai.

Por sua vez, os indigenistas brasileiros, de início, pasmos e inermes diante do inacreditável que viram com a extinção de postos indígenas e 24 administrações regionais, estão analisando esse decreto e o interpretando como o auge de uma política irresponsável e desmiolada, fruto de amadorismo canhestro e de interesses inconfessáveis.

Agora todos estão se unindo para preparar a resistência. Que virá na forma de protestos em Brasília e em pressão política na Casa Civil e com o presidente da República. Os políticos de Pernambuco, Goiás, Paraná, Bahia e Rondônia já foram contatados. Tanto os do governo como os da oposição. Os do Pará ainda não, mas, se os políticos não quiserem ajudar, os próprios índios de Altamira e REdenção certamente vão fazer algo muito sério.

A matéria abaixo, vinda do jornal Diário de Pernambuco, é a primeira que saiu com clareza sobre esse assunto e a resistência que se prepara. Outras virão mais adiante. De Mato Grosso e de Goiás, do Paraná e do Pará, da Paraíba e do Maranhão. Não importa que esse decreto tenha sido assinado no final do ano para esvaziar a resistência. Ela se fará efetiva de qualquer jeito a partir da próxima semana.

____________________________________


Funai  Silêncio continua após extinção da regional



Dirigentes e servidores da administração regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Pernambuco viveram ontem mais um dia angústia com o silêncio da direção do órgão em Brasília. Dois dias depois da publicação do decreto em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) extinguiu a representação estadual, nenhuma informação foi repassada pela presidência da fundação. "Nem mesmo um contato telefônico foi feito. Não conseguimos localizar o presidente (Márcio Meira)", observou a administradora regional, Estela Parnes. Ela acrescentou que, pelo modo como os acontecimentos vêm se desenrolando, tudo indica que a decisão pelo fechamento foi premeditada para evitar reações.

"Parece que estudaram a data. Escolheram uma época de festas em que a mobilização é difícil de ser feita. Os deputados estão em recesso, não conseguimos localizar lideranças indígenas. Tudo isso colabora para que a repercussão seja a menor possível", disse. "Mas estamos reagindo. Recebemos apoio dos deputados (federais) Fernando Ferro (PT)e Paulo Rubem (PDT)", completou Estela Parnes. De acordo com ela, pelos contatos feitos ontem com o interior do estado, a revolta e a indignação entre as comunidades indígenas é grande.

Ontem também foram enviadas aos líderes indígenas cópias do decreto. A estratégia é que cada etnia reflita sobre a decisão do governo federal e traga sugestões para a reunião que ocorrerá no Recife na próxima terça-feira (5 de janeiro) para tratar da questão. Estão sendo esperadas mais de 40 lideranças indígenas. "Vamos reunir organizações não governamentais, parlamentares, sindicatos. Faremos encaminhamentos sobre como vamos agir. Pensamos em ir a Brasília pressionar para que esse decreto seja revisto".

A decisão foi publicada terça-feira no Diario Oficial da União, no mesmo decreto em que Lula da Silva determinou a criação de 3,1 mil cargos nos próximos três anos para a Funai. Além da falta de informação nessa fase pós-extinção da regional, os integrantes da fundação em Pernambuco se queixam da inexistência de diálogo do período que antecedeu o decreto. Índios, deputados e servidores foram ignorados no processo, mesmo o estado possuindo a maior população indígena do Nordeste e a terceira maior do país, com cerca de 40 mil índios de 11 etnias. Todo esse contigente continua a desconhecer as razões que motivaram a extinção da Funai do Recife. 

terça-feira, 29 de dezembro de 2009

A reestruturação da Funai: promessa do caos


Ontem o presidente Lula assinou o Decreto 7.056 pelo qual reestrutura a Fundação Nacional do Índio. O decreto saiu publicado hoje e estourou que nem uma bomba no meio indigenista.

Ao contrário do que foi alardeado pelo atual presidente da Funai, a reestruturação se apresenta como um retrocesso ao indigenismo brasileiro, que estará fazendo 100 anos em 2010.

Em primeiro lugar, ficam extintos todos os postos indígenas do Brasil. Os postos indígenas constituem a estrutura mínima que está presente e atuante nas aldeias indígenas. Muitos deles são formados por apenas um chefe de posto, que se desdobra para manter o contato, o relacionamento, a proteção e a assistência mínima aos índios que vivem exclusivamente nas aldeias. Os postos indígenas sempre foram a ponta do indigenismo brasileiro. São eles que dão suporte imediato às demandas mais corriqueiras e também as mais urgentes das aldeias indígenas. Quase todos os postos indígenas estavam localizados nas próprias aldeias indígenas, ou perto delas, sem interferir em sua vida cotidiana. Alguns deles já eram mais que centenares, pois, ou foram criados por Rondon, ou vêm ainda desde o Império.

Essa extinção vai dar o que falar e os índios vão sentir terrivelmente esse baque.

A estrutura da Funai-sede em Brasília sofreu algumas modificações negativas. Foi extinta a Coordenação-geral que cuidava do incentivo à produção de artesanato indígena, um dos pilares econômicos de muitos povos indígenas. Essa coordenação incentivava essa produção pela compra do artesanato por preços bastante razoáveis, se não justos, o que fazia com que o mercado para esses produtos favorecesse economicamente a produção indígena. Agora os artesãos indígenas ficaram à mercê do mercado.

Outra modificação foi a extinção da Coordenação-geral de Estudos e Pesquisas, que acumulava as funções de intermediar estudos etnológicos de antropólogos, contatando as populações indígenas para obter permissão de visitas de estudiosos, e de publicação de textos oriundos desses estudos. Agora tudo isso será feito no Museu do Índios, no Rio de Janeiro, longe do contato com os índios e do burburinho da Funai. Como a atual direção do Museu do Índio, junto com a Funai, tem segundas intenções de retirar o Museu do Índio do âmbito da Funai, o distanciamento entre pesquisas, interesses do órgão e os índios vai ficar cada vez maior.

No mais, a presidência da Funai agora acumula uma série de DAS como assessores pessoais, e alguns nomes de algumas coordenações gerais e de diretorias, foram mudadas. Nada substantivo. A criação de uma diretoria colegiada formada pelo presidente e os três diretores, com voto qualificado do presidente, é uma filigrana burocrática sem qualquer sentido digno de nota. Igualmente um certo Comitê Regional, a ser formado pelos coordenadores regionais que devem se reunir uma vez por semestre para debater seus problemas, não passa de assembleismo tolo.

Junto com a extinção dos postos indígenas, vieram extinções de diversas administrações regionais da Funai, algumas tradicionais, outras criadas mais recentemente. A lógica por trás dessas mudanças escapa ao senso deste que vos escreve, a não ser o interesse em manter algumas prerrogativas de amigos.

Foram extintas as administrações regionais de:

No Nordeste:

1. Recife, que serve aos índios Xukuru, Fulniô, Kampinawá, Atikum, Pankararu e outros do estado de Pernambuco.

2. João Pessoa, que serve aos Potiguara da Baía da Traição.

3. São Luís, que assiste aos Guajajara, Guajá, Urubu-Kaapor, Timbira e outros.

4. Kanela, na cidade de Barra do Corda, que serve aos Canela Ramkokamekra e Apanyekra.

5. Barra do Corda, que serve aos Guajajara.

6. Porto Seguro ou Ilhéus, que serve aos Pataxó e aos Pataxó Hãhãhãe, respectivamente.

Supostamente esses povos indígenas vão passar a ser assistidos por, respectivamente, Fortaleza (Recife e João Pessoa), a qual não tem nenhuma tradição indigenista e foi criada por esse decreto; Imperatriz, no Maranhão, que também cuidará dos extintos núcleos localizados em Barra do Corda; e Ilhéus ou Porto Seguro que passará a assistir aos Pataxó da região de Porto Seguro.

Prevê-se insatisfação geral entre os índios Potiguara, Fulniô, Atikum, Kapinawa, Guajajara, Guajá, Urubu-Kaapor, Canela, Timbira e Pataxó.

Ficaram as administrações regionais de Paulo Afonso, que cuida dos povos indígenas do rio São Francisco, e Maceió, que assiste aos índios daquele estado e de Sergipe.

A extinção de Recife, São Luís e João Pessoa estarrece a todos, sobretudo pela tradição as duas primeiras, mas também por servir a mais de 50.000 índios.

Na Amazônia Oriental e Setentrional, foram extintas as seguintes administrações:

7. Oiapoque, no Amapá, onde há uma grande concentração de índios na fronteira com a Guiana Francesa. Ficará sob a responsabilidade de Macapá.

8. Parintins, no Amazonas, que provavelmente vai depender de Manaus.

9. Altamira, no Pará, que, por conta do rebuliço que haverá com a construção da Usina de Belo Monte, ficará ao deus-dará. Com a ausência de uma administração, os povos indígenas que lá habitam – Xikrin, Parakanã, Arara, Araweté, Juruna, Xipaya e Kuruaya – poderão ser assistidos pela AER mais próxima, talvez Manaus, a 1.000 km de distância, ou Marabá, a 1.100.

10. Redenção, no Pará, que provavelmente vai se contentar com a Administração de Tucumã, ambas para índios Kayapó do Pará.

Na Amazônia Ocidental, foi extinto o Núcleo de Apoio de Vilhena (11), em Rondônia, que serve os índios Nambiquara, e as demais administrações ou núcleos de apoio tiveram seus nomes mudados.

No Centro-Oeste, foram extintos, entre núcleos e administrações:

12. São Felix do Araguaia, que serve aos índios Karajá, da Ilha de Bananal.

13. Água Boa, que serve aos Xavante de Pimentel Barbosa.

14. Xavantina, que serve aos Xavante de Parabubure.

15. Campinápolis que serve aos Xavante de Obawawe e Parabubure

16. Primavera do Leste, que serve aos Xavante de Ronuro e Sangradouro.

17. Tangará da Serra, que assiste aos Pareci, Irantxé, Nambiquara.

18. Rondonópolis, que assiste aos Bororo.

19. Goiânia, uma das mais ativas administrações, que atendia aos Xavante, Tapuio e Avá-Canoeiro.

20. Araguaína, em Tocantins, que atendia aos Krahô, Xambioá e Apinajé.

21. Gurupi, que atendia aos Karajá, Javaé, Atikum e Xerente.

No Sudeste e Sul, foram extintas:

22. Guarapuava, no Paraná, que serve aos Kaingang

23. Londrina, no Paraná, que serve aos Kaingang e Guarani

24. Curitiba, que serve aos Xokleng, Kaingang e Guarani

(25). Paranaguá, que serve aos Guarani do litoral, provavelmente a nova sede da nova Administração do Litoral Sul.


Portanto, foram 24 administrações regionais e núcleos de apoio extintos de uma só canetada.

Prevê-se que haverá protestos da parte dos povos indígenas e dos indigenistas de todas essas partes excluídas da estrutura da Funai. Fica evidente porque foi mantido tanto segredo sobre essa reestruturação. Ninguém da Funai sabe quem participou desse estratagema. Tampouco os representantes indígenas da CNPI foram informados sobre o teor dessa reestruturação. Alguns devem estar se arrependendo amargamente de ter participado da reunião que aprovou essa reestruturação sem vê-la.

Por seu lado, o atual presidente da Funai fez muito alarde sobre a contratação até o ano de 2012 de 3.100 novos funcionários para a Funai. Entretanto, tal proposta não está contida no Decreto presidencial nº 7.056 publicado no DOU de hoje. Ela vale tanto quanto a sua palavra, não mais.

Portanto, o resultado da reestruturação é esse que aí está. Dizer que isso é bom para a Funai e para o indigenismo, e que nesse segundo mandato o presidente Lula está fazendo o que não fez no primeiro – é brincar com a graça alheia.

A sorte está lançada. O indigenismo rondoniano está na alça de mira. Agora é esperar como isso será aplicado e qual será a reação dos atingidos.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Balanço 2009: Entrevista com Mércio Gomes sobre política indigenista

O site Amazonia.org.br acaba de publicar uma série de matérias avaliando questões indígenas, ambientalistas, políticas e sociais sobre a Amazônia.

Na matéria abaixo, em entrevista ao antropólogo que vos escreve, é feito um balanço da política indigenista brasileira para esse lamentável ano de 2009.

Neste ano de 2009 pode até ter dado certo para muitos brasileiros, menos para os índios do Brasil.

__________________________

Política indigenista ficou 'maculada' pelas condicionantes de Raposa Serra do Sol - 28/12/2009

Local: São Paulo - SP
Fonte: Amazonia.org.br
Link: http://www.amazonia.org.br 


Thiago Peres

Como parte do especial Retrospectiva 2009, o site Amazonia.org.br conversou com o antropólogo e ex-presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai) Mércio Gomes.

Mércio fez um balanço do ano para os povos indígenas, que foi influenciado principalmente pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) em março.  O STF confirmou a demarcação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, mas traçou condicionantes que modificam a atual política indígena.

O ex-presidente da Funai também destacou os problemas com a questão da saúde e o luta do povo Kayapó contra a usina de Belo Monte, no rio Xingu (PA).

Amazonia.org.br - O que a demarcação contínua da Terra Indígena (TI) Raposa Serra do Sol, determinada por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) proferida em março, representou para os povos indígenas do País?


Mércio Gomes - Por um lado, a decisão demonstra que o Brasil respeita os povos indígenas, reconhece sua territorialidade e entende perfeitamente quem é intruso.  Porém, esse reconhecimento na votação dos ministros do STF veio com uma série de ressalvas e um ponto fundamental que transformou toda política indigenista brasileira.  É como se o tribunal tivesse dado aos índios com uma mão e tirado com a outra.  Os índios de Roraima, que vivem na TI Raposa Terra do Sol, viram consagrados seus direitos.  Os demais, porém, cujas terras ainda não foram demarcadas porque eles mesmos não as ocupavam em 1988, tiveram suprimido o direito de tentar recompor sua territorialidade perdida em outras épocas.

A ressalva, feita pelo ministro Ayres Britto, que diz que a ocupação da terra tem que estar efetivada no dia da promulgação da Constituição de 1988, inviabiliza a demarcação das terras dos índios Guarani, por exemplo, que lá não estavam nessa data - seja porque estavam em épocas anteriores ou porque chegaram após 1988.  O mesmo exemplo vale para os índios do nordeste que estão em processo de ressurgimento ou etnogênese, como esse processo de recuperação de visão de mundo é chamado.

Outro ponto importante é a ressalva feita pelo ministro Gilmar Mendes, que diz que os Estados e municípios têm de estar presentes no reconhecimento de uma terra indígena.  Antes, a questão indígena era estritamente federal, o que era essencial, pois os dois outros entes federativos são antiindígenas pela própria natureza.  Essa decisão, portanto, representa um retrocesso.  Por isso que digo que estamos no limiar de uma nova política indigenista.  Essa votação conduziu a política indigenista brasileira a termos que dificultarão uma nova composição do relacionamento desses povos indígenas com a nação e a sociedade brasileira.

Amazonia.org.br - Qual a situação hoje na região?

Mércio Gomes - Pelas informações que tenho, não há mais plantadores de arroz nem aquelas antigas propriedades que ocupavam a área.  Está todo mundo fora.  Neste momento, eles passam pelo processo de saber como lidar com aquilo que já está investido, ou seja, se vão aproveitar as fazendas de arroz ou não, se vão refazê-las de um outro modo, se vão ampliar a cultura de criação de gado ou se vão entrar em outros processos de desenvolvimento econômico.  Acredito que as associações que eram contrárias entre si, embora permaneça uma rivalidade, vão se juntar para encontrar um encaminhamento para essas questões.  A perspectiva é positiva, pois o governo federal está disposto a ajudá-los.

Amazonia.org.br - Qual sua avaliação geral das políticas públicas voltadas aos povos indígenas ao longo deste ano?

Mércio Gomes - A política indigenista atual está maculada primeiramente em razão dessa decisão do STF, que deixou desbaratinadas todas as pessoas que trabalham com a questão indígena e buscam a harmonização de seus conflitos.  Ela causou um desequilíbrio porque não se sabe como compensar o sofrimento dos povos indígenas sem terra que passam por dificuldades.

Ao lado disso, ficou mais do que evidente que a política de educação é falha, sem sentido, pois quer forçar os índios a serem incluídos num processo de aprendizado atabalhoadamente, sem uma programação específica.  O reconhecimento da diferença indígena é feita da boca para fora, porque não há de fato uma análise sobre essa questão.  Não se sabe o que significa a diferença no estudo específico.  Como é que se ensina aos Xavantes, por exemplo, a conhecerem sua história e ao mesmo tempo se reconhecerem inseridos no Brasil.  Essa filosofia indigenista foi perdida.

Outro ponto que deve ser destacado é a saúde.  Está mais do que evidente que a Funasa não tem uma filosofia de saúde para os índios, e que está afundada no lamaçal da corrupção local e na corrupção no alto nível político.  Há dois anos o ministro da Saúde promete criar uma secretaria mas não consegue politicamente viabilizar o projeto.

Amazonia.org.br - O EIA/Rima da usina de Belo Monte (PA) foi apresentado e discutido durante audiências públicas que aconteceram em setembro em quatro cidades paraenses.  Segundo o MPF-PA e integrantes de movimentos sociais, naquelas oportunidades houve pouco espaço para a participação da população, o que levou os procuradores, posteriormente, a tomarem medidas para garantir a representatividade.  Como você avalia esse cenário?

Mércio Gomes - Não é fácil realizar audiências públicas com questões indígenas que já estão viciadas por tantas opiniões diversas.  Eu acho que as próprias lideranças sabiam pouco, de fato, sobre o que vai acontecer.  Além disso, as comunidades eram, muitas vezes, insufladas por opiniões estranhas.  Não houve uma clareza.  Faltou sobretudo um diálogo com os índios, antes mesmo das audiências.  As informações vinham, ou de um lado, da Igreja, do Cimi, que dizia "não"; ou de outro lado, dos empresários, que diziam "sim".  Mas não veio de outras instâncias possíveis e esclarecedoras - sobretudo, da Funai.  A Funai tem que ser de todo modo leal aos índios.

Amazonia.org.br - Ainda em relação a Belo Monte, qual sua avaliação sobre o parecer favorável da Funai?

Mércio Gomes - Acho que foi péssimo, porque foi coagido pelo governo federal.  Pelo que vejo, os técnicos que fizeram o parecer o deixaram na ambiguidade.  Transparece claramente no relatório que os índios não estão sabendo o que vai acontecer efetivamente.  Que é preciso mais esclarecimentos, não em audiências públicas, mas de um modo pedagógico para que eles entendam tudo.  Os técnicos destacaram isso, e mesmo assim foi dada a anuência com o mínimo de restrições e recomendações.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Ministro Gilmar Mendes suspende ato de homologação do presidente Lula

O ministro Gilmar Mendes não perdeu tempo nem titubeou ao dar uma liminar, no dia 24 de dezembro, véspera de Natal, ao pedido de um fazendeiro para suspender os efeitos do ato de homologação do presidente Lula, assinado no dia 21 de dezembro, da terra indígena Arroio-Korá, para os índios Guarani, no Mato Grosso do Sul.

O fazendeiro alegou que possuía uma fazenda com cerca de 184 hectares, a qual foi incluída no perímetro da área de 7.175 hectares configurado para aquela terra indígena. Essa fazenda seria propriedade privada reconhecida desde 1924.

A base jurídica da liminar concedida, por enquanto exclusivamente para aquela fazenda, foi o próprio voto do Ministro Ayres Britto pronunciado por ocasião da votação sobre Raposa Serra do Sol. Naquela votação o ministro Britto pronunciou que o reconhecimento de ocupação permanente por parte de um grupo indígena cinge-se à data de promulgação da Constituição de 1988. Caso estivesse lá antes e de lá fosse retirado ou se retirasse por outra razão, a ocupação permanente perderia sua validade. A não ser que houvesse "ânimo" de permanência, algo sutil e subjetivo de ser argumentado com segurança. De qualquer modo, não o foi porque essa condicionante, ou interpretação da Constituição, sobre o processo de demarcação de terra indígena não existia quando foi feito o laudo antropológico.

Segundo a matéria abaixo, é possível que outros fazendeiros entrem com pedido de liminar pelo mesmo motivo. Aí a questão vai virar nova celeuma!

Eis como chega, melancolicamente, dramaticamente, o final desse terrível ano de 2009 para os povos indígenas.

Só espero que a assinatura do presidente Lula sobre um desconhecido projeto de reestruturação da Funai, a ser realizada no próximo dia 28 de dezembro, não traga mais confusões, mais descontrole da Funai e mais más notícias para os povos indígenas, já sobrecarregados demais.


___________________________________


STF suspende homologação de terra indígena em Paranhos
PDF
Imprimir
E-mail
Escrito por Silvia Frias TV Morena
Sex, 25 de Dezembro de 2009 18:03


Recurso suspende efeitos de homologação em 184 hectares da Fazenda Iporã



O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Gimar Mendes, suspendeu, em caráter liminar, os efeitos do decreto do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que havia homologado a demarcação de terra indígena Arroio-Korá, em Paranhos. A liminar refere-se a 184 hectares do total de 7,1 mil, atendendo aos proprietários da Fazenda Iporã, que foi considerada área de propriedade dos índios guarani-caiuá.

O decreto presidencial foi publicado no dia 22 de dezembro no Diário Oficial da União, juntamente com outras homologações na Amazônia, Pará e Roraima. Em relação a Paranhos, 7.175 hectares foram considerados de propriedade indígena.
Os produtores rurais Maxionillio Machado Dias e Hayde Castelani Dias contestaram a homologação das terras deles, os 184 hectares da Fazenda Iporã. Conforme termos do mandado de segurança, o decreto é ilegal, pois o presidente da República não teria legitimidade para a demarcação de terras, competência exclusiva do Congreso Nacional.

No recurso, o advogado recorre ainda a decisão anterior do STF, que determinou a data de promulgação da Constituição de 1988 como data para efetivação de terras tradicionalmente indígenas, o que não se aplicaria a Fazenda Iporã, já que os produtores tem a posse desde 1924. Eles ainda alegam que não tiveram direito a defesa ampla.

No despacho com data de ontem (24), Gilmar Mendes acatou os argumentos dos produtores rurais e concedeu a liminar, já que o decreto estipulava prazo de trinta dias para o registro do imóvel em nome da União e a demora na análise da ação poderia implicar em perda definitiva da propriedade.

O presidente do STF determinou que a suspensão dos efeitos do decreto presidencial “tão somente em relação ao imóvel de propriedade dos impetrantes, denominado Fazenda Itaporã, até decisão final no presente mandado de segurança”. A advogada Luana Ruiz Silva explica que a medida não inviabiliza o registro das outras áreas, mas a decisão abre caminho para que os produtores diretamente atingidos com a decisão possam se utilizar de argumento semelhante para contestar a homologação da demarcação feita pela Fundação Nacional do Índio (Funai).

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Conselheiro da OAB-MS defende povos indígenas

O Conselheiro da OAB-MS, Marcus Antonio Ruiz- Karaí Mbaraté, proferiu discurso de despedida do cargo de vice-presidente da subomissão especial de defesa dos povos indígenas, da OAB. Suas palavras foram inspiradas no discurso de Martin Luther King "I have a dream" e ecoam os discursos indianistas de décadas atrás, sem perder em emoção e sinceridade.

 _____________________________________

 Inspirado no discurso proferido por Martin Luther King (1963) EU TENHO UM SONHO

 “Eu estou contente em estar aqui com os senhores na última sessão do Conselho desta diretoria, capitaneada pelo ilustre advogado Fábio Trad, cuja gestão ultrapassou a função corporativa posicionando-se como porta voz da sociedade civil em diversas lutas e que entrará para a história por sua realizações.

 Hoje, nesta sala veremos a “demonstração da luta pela liberdade e igualdade de direitos em nosso Estado”, impulsionada por ideais elevados como a criação da Comissão Especial de Assuntos Indígenas da OAB/MS, a única em todo o Brasil.

 Vinte e um anos atrás, um grande brasileiro, na qual estamos sob sua simbólica sombra, Ulisses Guimarães , lutou e sonhou pela Promulgação da Constituição Cidadã de 05 de outubro de 1988. Essa importante Lei veio como um grande farol de esperança para centenas de etnias de índios deste país, que tinham murchados nas chamas da injustiça. A Constituição Cidadã veio como uma alvorada para terminar a longa noite de seus cativeiros de exploração e descaso.

Mas, vinte e um anos depois, o Índio ainda não é livre. Vinte e um anos depois, a vida do Índio ainda é tristemente inválidada pelas algemas da intolerância e pelas cadeias da discriminação. Vinte e um anos depois, o Índio vive em uma ilha de pobreza no meio de um vasto oceano de prosperidade material. 

Vinte e um anos depois, o Índio ainda adoece nos cantos da sociedade sul-mato-grossense e se encontra exilado em sua própria terra. Assim, nós viemos aqui hoje para dramatizar sua vergonhosa condição. De certo modo, viemos à capital de nosso Estado para trocar um cheque.

 Quando os arquitetos de nossa república escreveram as magníficas palavras da Constituição de 88, eles estavam assinando uma nota promissória para a qual todo brasileiro seria seu herdeiro. Esta nota era uma promessa que todos os homens, sim, os homens índios, como também os homens não índios, teriam garantidos os direitos inalienáveis de vida, liberdade, alimentação, locomoção, saúde, segurança e a busca da felicidade.

 Hoje, é óbvio que aquele Brasil não apresentou esta nota promissória. Em vez de honrar esta obrigação sagrada, o Brasil e Mato Grosso do Sul deram para os povos indígenas um cheque sem fundo, um cheque que voltou marcado com “fundos insuficientes”.

 Mas nós nos recusamos a acreditar que o banco da Justiça é falível. Nós nos recusamos a acreditar que há capitais insuficientes de oportunidade neste Estado e nesta nação. Assim nós viemos trocar este cheque, um cheque que nos dará o direito de reclamar as riquezas de liberdade, de igualdade e a segurança da Justiça. Nós também viemos para recordar à Mato Grosso do Sul dessa cruel urgência.

 Este não é o momento para descansar no luxo refrescante das salas climatizadas ou tomar o remédio tranqüilizante da conveniência. Agora é o tempo para transformar em realidade as promessas de democracia.

Agora é o tempo para subir do vale das trevas da segregação ao caminho iluminado pelo sol da Justiça verdadeira. Agora é o tempo para erguer nosso Estado das areias movediças da injustiça racial para a pedra sólida da fraternidade. Agora é o tempo para fazer da justiça uma realidade para todos os filhos de Adão. Seria fatal para Mato Grosso do Sul negligenciar a urgência desse momento.

 Este é o verão sufocante do legítimo descontentamento dos Índios e não passará até termos um renovador outono de liberdade e igualdade. Este ano de 2009 não é um fim, mas um começo. Esses que esperam que o Índio se encontre satisfeito, terão um violento despertar se Mato Grosso do Sul voltar aos negócios e maneiras de sempre.

Não oferece a face quem já foi brutalmente machucado. Mas há algo que eu tenho que dizer aos meus patrícios que se dirigem ao portal que conduz ao Palácio da Justiça. No processo de conquistar nosso legítimo direito, nós não devemos ser culpados de ações de injustiças. Não vamos satisfazer nossa sede de liberdade bebendo da guampa da amargura e do ódio. Nós sempre temos que conduzir nossa luta num alto nível de dignidade e disciplina. Nós não devemos permitir que nosso protesto se degenere em violência física. Novamente e novamente nós temos que subir às majestosas alturas da reunião da força física com a força de alma. A nova e maravilhosa combatividade mostrou à comunidade indígena que não devemos ter uma desconfiança para com todas as pessoas não índias, pois muitos irmãos não índios, como vemos aqui hoje, sabem entender que o destino deles é amarrado ao nosso destino. Eles percebem que a liberdade deles é ligada indissoluvelmente a nossa liberdade.

Nós não podemos caminhar só. E como nós caminhamos, nós temos que fazer a promessa que nós sempre marcharemos à frente. Nós não podemos retroceder. Há aqueles que estão perguntando para os devotos dos direitos humanos: “Quando vocês estarão satisfeitos?” Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto o Índio for vítima dos horrores indizíveis da brutalidade policial, da fome e do descaso. Nós nunca estaremos satisfeitos enquanto nossos corpos, pesados com a fadiga do trabalho, não poderem ter salário igual aos dos não índios. Nós não estaremos satisfeitos enquanto um Índio não puder retirar uma CNH (Carteira Nacional de Habilitação) ou abrir uma conta bancária por não ter um Registro Civil igual ao dos não índios.

Não! Não! Nós não estamos satisfeitos e nós não estaremos satisfeitos até que a justiça e a retidão rolem sobre nós como águas de uma poderosa correnteza. Alguns dos que nos procuraram vieram de áreas onde sua busca pela liberdade lhes deixaram marcas pelas tempestades das perseguições e pelos ventos da brutalidade policial, das seguranças privadas e da própria classe produtora.

São veteranos do sofrimento e continuam trabalhando com a fé no Grande Arquiteto do Universo, de que sofrimento imerecido é redentor.

Vieram das ruas sujas e beira de estrada de nossas cidades de Dourados, Coronel Sapucaía, Amambaí, Paranhos, Maracaju, Antonio João, sabendo que de alguma maneira esta situação pode e será mudada. Pois estivemos na aldeia Kurusu Ambá em Coronel Sapucaia/MS.

A Comissão Especial de Assuntos Indígenas esteve lá ... Os advogados que a compõe estiveram lá ... A Ordem dos Advogados do Brasil esteve lá... e pudemos ver o sangue do líder kaiowá Ortiz Lopes secando em frente a sua casa onde fora assinado em 2007... Nós podemos ver o medo nos olhos daquelas pessoas... Nós estivemos na delegacia de Cel. Sapucaia... no fórum de Amambái... Falamos com o magistrado e com promotor do caso... Criamos esperança de Justiça para aquela comunidade Guarani e kaiowá ... De que haverá Justiça para Xuritê Kaiowá , para Ortiz ... De que haverá justiça para os professores Olindo Verá e Genivaldo Verá , recentemente assassinados em Paranhos/MS.

Pois MS tem movido uma guerra silenciosa contra os guarani e kaiowá e já a algum tempo ostentamos o odioso título do Estado que mais mata lideranças indígenas no país... Não podemos deixar que caiam no vale do desespero.

Eu digo hoje a este Conselho, meus amigos, embora enfrentemos as dificuldades de hoje e de amanhã, eu ainda tenho um sonho. É um sonho profundamente enraizado no coração de Mato Grosso do Sul.

Eu tenho um sonho que um dia este Estado se levantará e viverá o verdadeiro significado de sua crença – nós celebraremos estas verdades e elas serão claras para todos, que os homens são criados iguais.

Eu tenho um sonho que um dia nas serras da Bodoquena os filhos dos Kadiwéu, Kinikinao, Terenas e seus descendentes e os filhos dos fazendeiros e seus descendentes poderão se sentar junto à mesa da fraternidade.

Eu tenho um sonho que um dia, até mesmo os campos de Coronel Sapucaia/MS, um município que transpira com o calor da injustiça, que transpira com o calor de opressão, será transformado em um oásis de liberdade e justiça.

Eu tenho um sonho que meus dois guris vão um dia viver em um Estado onde as pessoas não serão julgadas pela origem, pela etnia, pela cor da pele e de seus cabelos, mas pelo conteúdo de seu caráter.

Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho que um dia, Mato Grosso do Sul com seu governador que tem os lábios gotejando palavras de negação e discursos dúbios que estimulam práticas racistas; Que nesse justo dia no Estado do Pantanal, meninos índios e meninas índias poderão unir as mãos com meninos e meninas não índios como irmãs e irmãos.

Eu tenho um sonho hoje! Eu tenho um sonho hoje, que na próxima administração desta Instituição, da OAB, a Comissão Especial de Assuntos Indígenas se mantenha e tenha o mesmo valor e importância que é dado a Comissão de Assuntos Agrários e Agronegócios. Pois é sabido senhores, que a picanha que degustamos nos restaurantes finos desta capital tem a presença da mão-de-obra indígena ... no peão que cuidou do bezerro, no empreiteiro que roçou o pasto, no aramador que lampinou os postes da cerca e os palanques do mangueiro. Pois é sabido senhores, que o açúcar do nosso café com creme tem a presença da mão-de-obra indígena naqueles que plantam , cortam e colhem a cana nas usinas deste Estado. Pois é sabido senhores, que a segurança das instituições financeiras que guardam nossos dinheiros tem a presença da mão-de-obra indígena daqueles que se postam armados nas portas dos bancos e no interior dos carros blindados dos transportes de valores.

Pois a presença indígena é inexoravelmente marcante neste Estado! Nesse Mato Grosso do Sul que possui a segunda maior população indígena do Brasil, mas que hipocritamente nós não os enxergamos... Não os vemos por ocuparem os lugares invisíveis... São aquelas pessoas que nos servem água e café, que cuidam de nossos jardins, que lavam nossa roupas... Que fazem nossa comida, que guiam os coletivos, que recolhem nosso lixo, que entregam nossa correspondências, que varrem as nossas ruas... Que cuidam de nossos carros nos estacionamentos, da portaria de nossos edifícios... que saciam a nossa libido em camas estranhas a nossa casa ....

Por isso eu tenho um sonho ! Que um dia todo vale será exaltado, e todas as serras e morros virão abaixo! Os lugares ásperos serão aplainados e os lugares tortuosos serão endireitados e a verdade dos deuses será revelada. Esta é nossa esperança.

Esta é a fé com que regressarei para Jardim, as margens do Rio Miranda. Com esta fé nós poderemos cortar da rocha do desespero uma pedra de esperança. Com esta fé nós poderemos transformar as discórdias estridentes de nosso Estado em uma sinfonia de fraternidade. Com esta fé nós poderemos trabalhar juntos, rezar juntos, lutar juntos, defender direitos juntos, e quem sabe nós seremos um dia livres... Este será o dia!!! Este será o dia quando todas as crianças desta terra poderão cantar o hino nacional com um novo significado; “Se o penhor desta Igualdade! Conseguimos conquistar com braço forte! Em Teu seio, oh Liberdade, Desafia o nosso peito a própria morte!” E se o Brasil é uma grande nação, isto tem que se tornar verdadeiro.

E assim ouvirei o grito da liberdade nas águas do Rio Paraguai, em Porto Murtinho.
Ouvirei o grito da liberdade nas belas montanhas da Serra da Bodoquena, em Bonito.
Ouvirei o grito da liberdade nos engrandecidos campos de soja e trigo de Dourados.
Ouvirei o grito da liberdade nos milharais floridos de Maracaju.
Ouvirei o grito da liberdade nas avenidas largas de Campo Grande. Mas não é só isso.
Ouvirei o grito da liberdade nas águas caudalosas do Rio Paraná, em Três Lagoas.
Ouvirei o grito da liberdade nos ervais de Amambaí.
Ouvirei o grito da liberdade na pedra do Morro do Chapéu, em Aquidauana.
Ouvirei o grito da liberdade nos arrozais de Miranda.
Ouvirei o grito da liberdade nos campos das fazendas de gado do Pantanal.

Em todos os lugares, ouviremos o grito da liberdade. E quando isto acontecer, quando nós permitimos o grito da liberdade soar; Quando nós o deixarmos soar em toda aldeia e todo vilarejo ; em todo estado e em toda cidade; em toda escola e em toda prisão... Nós poderemos acreditar que neste dia, quando todos os filhos de Deus, índios e não índios, patrões e empregados, protestantes e umbandistas, heterossexuais e gays, pessoas com e sem necessidades especiais, poderão unir as mãos e cantar as palavras do Hino Nacional:

Ó PÁTRIA AMADA! DOS FILHOS DESTE SOLO ÉS MÃE GENTIL, PÁTRIA AMADA, BRASIL!

Sala das Sessões
Campo grande 11 de dezembro de 2009
Conselheiro Marcus Antonio Ruiz – Karaí Mbaretê
Vice- presidente da Comissão Especial de Assuntos Indígenas

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Presidente Lula homologa 10 terras indígenas

O presidente Lula assinou ontem a homologação de nove terras indígenas demarcadas anteriormente, sendo 5 no Amazonas, 1 em Roraima, 2 no Pará e 1 no Mato Grosso do Sul. Assinou também um decreto de desapropriação de terras para o assentamento de centenas de famílias do povo Tuxá que foram deslocadas desde 1986 pela inundação da barragem de Itaparica.

Desde 2007 o presidente Lula não assinava atos de homologação de terras indígenas. No período do seu primeiro governo foram homologadas 67 terras indígenas. No segundo mandato esse número diminuiu para 23.

O processo de demarcação de uma terra indígena segue um rito burocrático determinado pelo Decreto 1775/96. Inicia-se com uma portaria do presidente da Funai criando um grupo de trabalho para identificar a área pertencente ao povo indígena; segue com uma portaria da Funai delimitando essa putativa terra indígena; em seguida vem uma portaria declaratória assinada pelo ministro da Justiça reconhecendo os estudos da Funai e mandando-a proceder à demarcação; em seguida, uma vez demarcada in situ vem o ato homologatório do presidente da República; e por fim, o registro dessa terra nos cartórios municipais pertinentes.

Das nove terras homologadas e publicadas no DOU, hoje, com todos os dados geográficos e de tamanho, seis são resultados de estudos e portarias declaratórias assinadas pelo ministro Márcio Thomas Bastos, sendo presidente da Funai este que vos escreve. Duas foram assinadas pelo atual ministro Tarso Genro e 1 vem ainda do tempo de Fernando Henrique Cardoso, quando o ministro da Justiça era José Gregori.


Eis as terras com atos de demarcação durante minha presidência:

1. Trombetas-Mapuera, nos estados do Amazonas, Pará e Roraima, com 3.970.898 hectares para os povos indígenas Karafawyana, Waiwai, Katuena, Hixkaryana, Mawayana, Xwreu, Cikiyana, Tunayama, Yapiana, Pianokoto e Waimiri-Atroari, além de possíveis grupos indígenas em estado de autonomia, com população estimada em 3.000 pessoas.

2. Balaio, no estado do Amazonas, com 257.281 hectares, para os povos indígenas Tukano, Yepamashã, Desana, Kobewa, Pirá-Tapuya, Tuyuka, Baniwa, Baré, Kuripako e Tariano, com população de 350 pessoas.

3. São Domingos do Jacapari e Estação, no Amazonas, com 134.781 hectares, para o povo indígena Kokama, com população de 480 pessoas.

4. Anaro, no estado de Roraima, com 30.473 hectares, para uma população de 52 Wapixana.

5. Las Casas, no Pará, com 21.344 hectares, para uma população de cerca de 60 Kayapó.

6. Arroio-Korá, no Mato Grosso do Sul, com 7.145 hectares, para cerca de 410 índios Guarani-Kaiowá.


As terras demarcadas no período do atual ministro Tarso Genro são:

7. Largo do Correio, no Amazonas, com 13.209 hectares, para famílias Kokama e Tikuna.

8. Prosperidade, no Amazonas, com 5.572 hectares, para famílias Kokama.


A terra indígena demarcada no período do ministro José Gregori é:

9. Zoé, no estado do Pará, com 668.565 hectares, para cerca de 170 índios do povo Zoé.


A área expropriada para fins de assentamento de famílias Tuxá se encontra no município de Rodelas, no estado da Bahia, e soma 4.328 hectares.

quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

"A Funai só sobrevive se for tomada pelos índios", diz antropólogo

Veja matéria publicada no Portal Amazonia.org.br em que falo sobre a importância dos índios exercerem papel mais relevante na Funai.

______________________

Caciques da Funai: especialistas analisam a participação dos índios na gestão do órgão



Fabíola Munhoz
Casos como o do índio Joel Oro Nao, que foi eleito para o cargo de administrador-regional da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Guajará-Mirim (RO), são cada vez mais freqüentes, e mostram que as lideranças indígenas vêm ganhando espaço na administração pública.

Especialistas avaliam esse contexto, chegando à conclusão de que o crescimento da participação de índios na gestão de órgãos públicos é uma tendência, não só do movimento indígena, mas da sociedade brasileira como um todo.

"A Funai só sobrevive se for tomada pelo índios, se os índios começarem a dirigir a fundação.  É o futuro dos índios terem seu espaço fundamental, e esse é o começo do qual ninguém pode mais recuar", diz a respeito o antropólogo Mércio Gomes.

Ele informa que, durante o tempo em que foi presidente da Funai, entre 2003 e 2007, havia três diretores indígenas, três coordenadores gerais, e cerca de 15 indígenas nas administrações espalhadas pelo Brasil. 

Segundo o antropólogo, os índios estão, aos poucos, tomando e ocupando cargos das administrações regionais por mérito próprio.

"Ocupar cargos na administração da Funai e de outros órgãos é um modo de os índios encontrarem seu espaço político.  Isso vai dar mais responsabilidade aos índios e às lideranças indígenas, que vão estar na 'lâmina da navalha' entre o mundo indígena e o mundo dos brancos, que tem um predomínio na questão administrativa", afirmou.

O sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira acredita que, a partir da década de 1980 os índios começaram a ter uma participação mais efetiva na sociedade.  "Terminada a Ditadura, os povos indígenas, com o apoio dos setores democráticos da sociedade, conseguiram inscrever seus direitos na Constituição de 1988.  Foi a Constituição que possibilitou essa participação".

"Antes escondiam o nosso direito e o que o governo deve fazer.  Agora, acredito que está se tornando mais fácil para nós", diz Joel Oro Nao, novo administrador de Guajará-Mirim.

Mas, se a opção por líderes indígenas no momento da escolha de ocupantes para cargos públicos vem se tornando mais comum, o número de índios que desempenham tais funções ainda é pequeno, em comparação à participação dos não-índios.

"A atual administração fez muito pouco para a participação dos índios na Funai.  Ela tirou diversos deles [dos cargos que ocupavam].  Tirou o pareci de Tangará da Serra (MT), tirou Zeca Pataxó, tirou Kaiapó da administração de Redenção (PA)", informou Mércio.

De acordo com ele, a abertura de espaço para a integração dos índios à administração pública requer uma visão política e uma determinação de que isso é bom para os índios.

"Em Manaus, há Jecinaldo Barbosa, como secretário da questão indígena.  Em Tocantins e Mato Grosso, também estão fazendo isso.  Os índios estão começando a tomar as rédeas", destacou o antropólogo.


Resistência à gestão indígena

Mércio indica como empecilho à escolha de índios para cargos de chefia da Funai o fato de que, em algumas regiões administrativas, onde há vários povos indígenas, a opção pelo integrante de um determinado povo pode gerar uma tensão entre as demais etnias.  "É preciso saber de uma pessoa que tenha capacidade de negociar com as demais etnias", afirmou.

Outro obstáculo indicado por ele é a falta de conhecimento administrativo por parte dos índios que têm liderança política.  "Isso leva tempo para eles aprenderem.  O índio ter que ter uma base para que se dê bem no seu trabalho e resolva os problemas".

Joel concorda que a falta de conhecimento sobre os procedimentos administrativos dificulta a participação dos índios.  "No começo, a gente sente dificuldade, mas tem pessoas com experiência lá dentro que me ajudaram muito", contou sobre o início da sua gestão na Funai de Guajará-Mirim.

O antropólogo Mércio também apontou o preconceito como fator desfavorável à participação indígena.

O sociólogo Paulo concorda.  "Ainda nos vemos pelo espelho dos povos brancos, que nos colonizaram.  Para termos nossa cara nacional, precisamos nos confrontar com outras caras, diferentes da nossa.  Pois, são as nações indígenas que nos ajudam nessa tarefa histórica.  Só não entende isso quem vê o povo brasileiro como um sub-povo, que precisa imitar norte-americanos e europeus".

Joel conta que há uma minoria dos funcionários da fundação que não está satisfeita com sua administração, por não aceitar um índio como seu superior.  "Eu falo para eles: 'Mesmo que vocês não queiram que índio assuma, agora um índio assumiu, e vocês têm que aceitar.  Se vocês não aceitarem, isso se chama discriminação'", relata como tem reagido.


Integração X Entrega

Mércio diz que a maior participação indígena no desempenho de funções administrativas revela uma busca desses povos por se integrar à sociedade e, ao mesmo tempo, ampliar sua cultura.

"A palavra integrar não significa entregar.  Na medida em que você participa da sociedade brasileira e mantém sua base fundamental, você amplia sua cultura ao invés de substituir aspectos dela", explica.

Ele também diz que tudo depende do modo como os índios se incorporam à sociedade nacional, e garante que isso pode ser feito de forma harmoniosa, como prevê o Estatuto dos Povos Indígenas.

Paulo destaca a importância dessa integração ao restante da sociedade.  "Prejudicial é uma inserção que desconsidere sua identidade nacional e seus direitos como pessoa, e trate o índio como se ele não tivesse uma cultura própria.  A inserção do índio na sociedade, respeitando seus direitos, só favorece o índio e a própria sociedade brasileira", afirma.

Joel, que é professor há 20 anos, hoje cursa Licenciatura Intercultural em Pedagogia, na universidade, por acreditar que o ensino superior pode torná-lo mais preparado para administrar, sem deixar de valorizar as próprias raízes.  "Esse curso que estou fazendo é uma forma de valorizar mais a nossa cultura.  Hoje estamos resgatando o que foi perdido e pesquisando com os mais velhos, que estão morrendo", diz.


Administração "branca"

Para Mércio, a administração por não-índios na Funai não é sinônimo de gestão que não atenda aos interesses indígenas.  "Teve muito administrador branco de grande competência e dedicação".

Já o sociólogo Pedro acredita que a falta de participação direta dos índios gera impacto à realização dos direitos indígenas.  "Prejudica não só os direitos deles, mas os direitos de todas as minorias sociais, isto é, dos grupos que não fazem parte da minoria branca, letrada, proprietária e culturalmente dominante", afirma.

Joel confirma a ideia de que o índio está mais apto a reconhecer e compreender os reais anseios dos povos indígenas.  "Eles [os não-índios] faziam um projeto escondido, que não era da tradição da comunidade indígena.  Mas, hoje quero fazer um orçamento dentro da aldeia", diz.


Veja outros indígenas que trabalharam na Funai:

1 -Benedito Fernandes Machado, administrador de São Gabriel da Cachoeira/AM;
2 - Félix Xavante, Barra do Garças/MT;
3 - Isarire Lukukui Karajá, Araguaia/MT;
4 - Megaron Txucarramãe, Colíder/MT;
5 - Claudionor do Carmo Miranda, Campo Grande/MS;
6 - Tamalui Meinako, Xingu/MT;
7 - Bruno Tsupto, General Carneiro/MT;
8 - Zezito Pataxó, Monte Pascoal/BA;
9 - Beneildo Matos, Porto Seguro/BA;
10 - Paulo Dumhiwe, Norotã/MT;
11 - Antônio Apurinã, Rio Branco/AC;
12 - Vanderley Terena, Campo Grande/MS;
13 - Edgar Fernandes Rodrigues, Manaus/AM;
14 - Rildo Fulni-ô, Recife/PE;
15 - Tokran Kayapó, Redenção/PA;
16 - Kubey Kayapó, Redenção/PA;
17 - José Heleno de Souza, Maceió/AL;
18 - Waldemar Krenak, Governador Valadares/MG.

Dentre as lideranças citadas, há aquelas que administram atualmente as respectivas regiões, e outras que já ocuparam o cargo de Administrador Regional.

Em Rondônia, antes de Joel Oro Nao como chefe regional de Guajará-Mirim, a administração da Funai em Cacoal havia sido ocupada pelo índio Nacoça Pio Cinta-Larga.

Segundo a assessoria da Funai, que forneceu essas informações, é possível que além dos nomes mencionados, haja outros índios que já ocuparam ou ainda ocupam funções na fundação, mas não tenham sido catalogados devido à falta de sistematização do setor de recursos humanos do órgão.

Paulo Pankararu é atual Coordenador-Geral de Defesa dos Direitos Indígenas, vinculado ao gabinete da Presidência- cargo antes ocupado pela liderença Azelene Kaingang- e Léia Wapixana, atua como coordenadora de Mulheres Indígenas, vinculada à Diretoria de Assistência da Funai.

Antônio Apurinã foi outro integrante de destaque no quadro administrativo da fundação, já que, além de ter atuado como administrador regional de Rio Branco (AC), exerceu o cargo de diretor de assistência do órgão.

sábado, 12 de dezembro de 2009

Indigenista da Funai conclama colegas a repudiar ato de expulsão dos Xavante

Num ato de extrema lucidez e percuciência e de destemor orgulhoso, o indigenista Rogério Oliveira, da Funai, com larga experiência de campo desde os idos da década de 1970, entre os Xavante, até o presente, onde exerce função não gratificada na Coordenação Geral de Índios Isolados, escreveu a carta abaixo aos seus colegas servidores e funcionários da Funai.

Na carta, Rogério faz uma análise dos motivos que levaram a atual direção da Funai a pedir à AGU para entrar com uma ação de reintegração da posse com despejo de índios Xavante que se encontravam no prédio da Funai. Não são bons os motivos. São ignóbeis, para falar a verdade. E conclama seus colegas indigenistas e servidores a levantar a cabeça e não deixar se esmorecer diante do que está acontecendo.

Essa carta é um sinal dos tempos. Rogério, pela sua coragem de se expor, junto a muitos outros indigenistas e servidores da Funai demonstram que não estão abúlicos diante do poder atual e protestam contra o que está acontecendo, contra o que vem acontecendo nesses longos e desastrosos dois anos e meio na Funai, antecipando o pior que está para vir, se a coisa continuar pelo mesmo caminho.

Há que lembrar que desde 2007 não se demarcava tão poucas terras pela Funai. Na verdade, a atual gestão não demarcou uma terra indígena sequer. Todas as terras homologadas em 2007 vieram das demarcações feitas na gestão anterior, por este que vos escreve. O ano passado nenhuma terra foi demarcada ou homologada. Este ano, prometido para o dia 23 próximo, o presidente Lula irá homologar três terras indígenas que foram demarcadas em 2006. Uma delas é a Terra Indígena Trombetas-Mapuera, com quase 4 milhões de hectares, demarcada em 2006 e só agora pronta para ser homologada.

Há que lembrar que, por efeito reativo desastroso causado pela retórica desmesurada das Ongs, do CIMI e da atual gestão da Funai, o STF lançou uma série de vinte ressalvas ou condições para a demarcação de terras indígenas. Essas ressalvas praticamente inviabilizaram a recuperação de terras indígenas usurpadas em passado recente.

Esse legado horrível tem donos, nomes e endereços. Estão aí, na mídia eletrônica, nos interstícios das aldeias indígenas, nos gabinetes do governo. Não são os indigenistas da Funai, nem é este antropólogo que aqui escreve. São atores esdrúxulos, pequenos potentados que tomaram de assalto o órgão, expulsando raivosa e desavergonhadamente o espírito rondoniano que deveria prevalecer na questão indígena brasileira e que tem sido o inspirador de atos e ações humanas da mais nobre dedicação nos últimos 100 anos em nosso país.

________________________________


O indigenismo é para poucos, e é formado e lapidado na existência nas aldeias, no caminho das roças, nas estradas enlameadas, nas trilhas na mata, nas subidas das serras, no remar das canoas nos igarapés, nos rituais que vimos, nas mortes que compartilhamos, nas tempestades que passamos debaixo de árvores, nas carrocerias dos velhos toyotas bandeirantes, as conversas intermináveis em volta de uma fogueira.
Para muitos, isso nunca aconteceu, e para tantos esse tempo passou, ou como dizem os novos entendidos, "estamos ultrapassados". (Moacir Santos, Indigenista – dez 2009)


Colegas,


A citação acima, de um colega indigenista, retrata bem o choque de entendimentos que ocorre atualmente na Funai. Hoje, o grupo que se encontra na Direção da Funai, nega esse capital institucional, e se delicia com uma aparente vitória, quando obtiveram na Justiça, induzida por argumentos francamente preconceituosos, a decisão de expulsar os índios que se encontravam ocupando o prédio da Funai.
Esta carta tem um objetivo claro. Obter o maior numero possível de assinaturas em apoio à Nota de Repúdio que foi redigida por um grupo de pessoas que não concordam com a decisão adotada pela atual Direção da Funai de, por meio de ação judicial, expulsar os índios que estavam ocupando[i] o prédio da Funai, com a falsa acusação de que os mesmos estariam colocando em risco a integridade física dos servidores.
Nesse sentido, é preciso que antes de se decidir pelo apoio ou não a referida NOTA DE REPÚDIO, cada servidor deve ler os Termos da ação que motivaram a decisão da justiça, bem como entender a participação dos personagens envolvidos.
A Ação denominada de Reintegração de Posse foi solicitada pela Direção da Funai, representada pelo Presidente, Diretor de Assistência, Chefe de Gabinete e Diretora de Assuntos Fundiários. Mas dizem que com o apoio de alguns Coordenadores Gerais.
Todos esses personagens acima, a exceção do Presidente, tiveram participaram direta no recente e lamentável episódio quando os índios xavante levaram o Diretor de assistência à força para o auditório e lá o teriam obrigado a atender suas reivindicações, e no tumulto formado, algumas mulheres xavante teriam ameaçado de morte a Chefe de Gabinete.
A tão lamentável episódio, infelizmente recorrente com diversos colegas não só na sede, mas em diversas Administrações Regionais,  obviamente que devemos deixar claro nossa posição de repúdio, já que é inadmissível qualquer ato de violência contra qualquer servidor. Mas a acusação contra os xavante, de colocar a integridade física dos servidores em risco só é verdadeira se for estendida exclusivamente à Direção da Funai, que como tal são servidores. E ai, o que se poderia desejar, seria a solidariedade dos demais servidores, num salutar espírito-de-corpo, para condenar explicitamente o ato dos xavante contra o Diretor.
Mas só é possível exigir tal solidariedade, quando verdadeiramente se atua em ambiente de recíproco respeito e sentimento de colaboração. E infelizmente, não é assim que a atual Direção trata os servidores. O pouco que se sabe, são manifestações de escárnio proferidos contra os servidores. Tratados por “os antigos servidores da Funai, ultrapassados, assistencialistas, manipuladores de índios”. E talvez, a maior prova do sentimento de desconfiança que nutre a atual Direção contra “esses servidores antigos”, seja a forma como conduzem a discussão da reestruturação do órgão, do qual a maioria dos servidores foi excluída.
Então, o silêncio dos servidores que se seguiu ao episódio entre o Diretor e os xavante, pode em parte ser explicado por esta razão.
Mas haveria uma explicação a motivar a decisão dos índios? Bom, desde que a atual Direção da Funai assumiu, muitas das práticas condenáveis de atender as reivindicações de lideranças, em moldes clientelistas e assistencialistas foram mantidos. Dentre elas, nomeações de índios, criações e extinções de unidades administrativas, sem nenhum estudo de viabilidade, se repetiram à exaustão. E sobre isto, o TCU já fez diversas determinações à Funai.
A cada AER, Núcleo ou nomeação de DAS conquistado por um grupo xavante, se seguia a imediata reação do grupo que se julgava prejudicado se deslocando para Brasília para reivindicar o mesmo tratamento. Sendo uma pratica insustentável é lógico e trágico o que se poderia esperar desse modelo de indigenismo.
Desde então, conviver diariamente com cenas de tradicionais lideranças xavante, mulheres e crianças dormindo nos corredores, na garagem e em frente aos elevadores, tem sim um significado de DRAMÁTICA VIOLÊNCIA! E é obvio que não é a violência dos índios, mas contra eles.
Em ambiente de tão gritante desrespeito e escárnio à dignidade humana, faltava pouco para acender o estopim que culminou com a agressão (reação?) ao Diretor. E tentar criminalizar esta reação dos xavante será um crime ainda maior, por esconder o fracasso daqueles que defendem praticar um novo e moderno indigenismo[ii].
É preciso que se diga que não foi o primeiro conflito do Diretor de Assistência com comunidades indígenas presentes aqui na sede. Mas citar diversos exemplos que resultaram em claros “constragimentos”, digamos assim, vividos pelo Diretor, e do conhecimento da maioria dos servidores, poderia provocar o equivoco de criar falsos debates.
Mas o fato é que houve uma clara diferença de tratamento dispensado pela atual Direção para semelhantes casos de “constrangimento” vivenciados em outras ocasiões, apesar da situação análoga aquela que os xavante são agora denunciados.
Sabemos que a questão xavante suscita acalorados debates e divergências de opiniões, mesmo entre servidores da Funai. Vistos por alguns como excessivamente agressivos em suas reivindicações, em detrimento de outras etnias, podem provocar reações de apoio às medidas duras como as que agora foram adotadas pela Direção. Mas é um equivoco abissal adotar este entendimento. Acreditem. Há sutilezas gravíssimas neste episódio. Os índios xavante estão sendo acusados pela atual Direção de colocarem em risco a integridade física dos servidores. Isto não é verdade e a Justiça não pode ser induzida, por deliberada má fé, a proferir uma decisão baseada neste entendimento. Somos nós, servidores, que herdaremos as conseqüências nefastas deste entendimento, que terá conseqüências em tenebroso ambiente, cuja superação para restabelecer o diálogo com os índios, será contaminada por desconfianças mutuas.
No novo cenário de atuação indigenista que se descortina, o maior capital que uma instituição possuirá, será justamente a capacidade de diálogo com as comunidades indígenas. E Neste quesito, a Funai, é disparada, a que tem o maior patrimônio. Mas que está sendo jogada fora pela atual Gestão.
Sou servidor lotado aqui na sede, e como tantos outros, venho assistindo a uma tentativa silenciosa para acabar com a Funai, em favor de uma nova instituição que eles insistem em esconder da gente.
Tenho algumas suspeitas, mas não é o caso de se tratar neste documento.
Somente uma forte reação do conjunto dos servidores poderá impedir o êxito desse grupo de pessoas.
E uma demonstração clara de que os servidores não ficarão parados diante de decisões arbitrárias que signifiquem a desmoralização da instituição, dos índios e dos servidores, depende da reação individual de cada um de nós, servidores e indios.
Decisões claras e incisivas são necessárias em momentos de risco. E acreditem, não tomar tais decisões, significará o fortalecimento daqueles que precisam do enfraquecimento da Funai.
Neste momento, com minhas convicções, eu estou assumindo tais riscos. Deixar claro que existe um projeto em curso, que se levado adiante, sem a resistência do servidores e índios, levará ao enfraquecimento, desmoralização e finalmente a extinção da Funai.
Por isso, a minha decisão de assinar o documento Nota de Repudio.
Por isso, a minha decisão de pedir aos demais colegas da Funai e índios que assinem uma lista de abaixo-assinados em favor da Nota de Repúdio e consigam o máximo de assinaturas possível.
Eles contam com nosso medo! Eles contam com o apoio político de aliados que sempre odiaram a Funai! Eles contam com o apoio de aliados que precisam de uma Funai fraca, para legitimarem suas atividades! Eles precisam de uma Funai fraca para poderem continuar viajando pelo mundo (e somente no primeiro mundo) para provar como o estado brasileiro é incompetente para proteger e cumprir a política indigenista.
E tudo isto eles conseguirão somente com o nosso silêncio. Insisto! Cada um de nós que escolher o silêncio, fornecerá a principal arma que eles precisam para se fortalecer.
Reflitam e decidam. Cada um de nós tem nas mãos a condição de impedir esse projeto irresponsável, que, com o enfraquecimento e extinção da Funai, jogará os índios em um arriscado cenário de conflitos!
Enviar respostas para roger.eo@uol.com.br com cópias para ansef@funai.gov.br e repudio.100anosindigenismo@gmail.com. Podem também fazer um abaixo assinado  identificando a AER e enviar para o Fax da ANSEF - (61) 3226-6697 ou 3225-0747
Brasília, 07 de dezembro de 2009

Rogerio Eustáquio de Oliveira
Técnico Indigenista


PS.: ouve-se muitas manifestações de repúdio nos corredores, mas poucas explicitas. De colegas que estão fora da Funai, surgem atitudes corajosas como o email que está circulando pela internet, de uma conhecida indigenista (Blog do Mércio: Índios, Antropologia, Cultura: ESCÂNDALO NA FUNAI: Juiz Federal determina expulsão dos Xavante!).  Mas falta algo: A clara manifestação dos servidores!



[i] Muitos xavantes saíram pacificamente do prédio na ultima sexta-feira, 04/12 (após a notícia da morte do cacique Carlos Xavante). Numa cena lamentável, em silêncio cerimonioso, mulheres e crianças embarcaram em ônibus na porta da Funai, levando malas e bagagens de doações de roupas usadas recebidas de moradores de Brasília – seriam estes os xavante que estariam colocando a integridade física dos servidores em risco?.
[ii] Está análise é uma simplificação apenas para ilustrar a parte superficial da crise. Fatos muito mais complexos, que exigiriam uma análise igualmente profunda, devem e precisam ser tratados em outra oportunidade. Ao tentar atingir os xavante com esta medida violenta de expulsão, a atual direção revela uma luta surda nos bastidores, e o objetivo seria atingir grupos políticos que eles acreditam serem seus inimigos.

quinta-feira, 10 de dezembro de 2009

Inesc faz filme sobre Audiência Pública contra Belo Monte

A Audiência Pública convocada pelo Ministério Público Federal, em Brasília, teve pouca repercussão, em relação ao esperado. Tudo indica que tal fato se deu pela ausência dos presidentes do IBAMA e da FUNAI.

A questão está rolando. O IBAMA até agora não deu a licença prévia para que se possa fazer o leilão para os interessados. Mas a FUNAI deu, apesar das dúvidas constantes no relatório dos técnicos do órgão.

O cacique Raoni disse outro dia que uns três meses atrás o presidente da FUNAI teria dito a ele que não iria dar a anuência do órgão. Terminou dando. Ninguém sabe exatamente o motivo de ele ter contrariado não somente os índios e os povos atingidos, mas também todos seus aliados, como o CIMI, o ISA, o Inesc e o Ministério Público Federal. A CNPI está reunida e não apresentou nenhuma moção de repúdio a esse gesto.

Está tudo muito confuso em Brasília.

De qualquer modo, o vídeo abaixo, feito pelo INESC, com falas de indígenas e autoridades do MPF, mais parece comentários sobre um velório. Será que houve protestos mesmo?




A tragédia guarani prossegue

Relato conciso de uma tragédia que não acaba

____________________________

Dois índios são encontrados enforcados no sul de MS



Dois índios guarani-kaiowá foram encontrados enforcados nos últimos dias em aldeias de Caarapó e Juti, na região sul de Mato Grosso do Sul. Os dois casos são investigados pela Polícia Civil como suicídio. Na aldeia Tey Kuê, em Caarapó, Irineu de Souza, 26, foi encontrado morto na segunda-feira, um dia após desaparecer de sua casa.

A sogra de Irineu, Constância Vilhalba, disse que ele teve uma discussão no domingo e falou para a esposa que iria se matar. Irineu correu para uma mata nos arredores da aldeia e no dia seguinte foi encontrado pendurado em uma árvore.

Ontem à noite, na aldeia Taquara, em Juti, a adolescente indígena Sandra Vilhalba, 14, foi encontrada enforcada em uma árvore perto da casa da irmã. Sandra morava na aldeia Tey Kuê, em Caarapó, e passeava na casa da irmã, que mora na aldeia de Juti. De acordo com a rádio Grade FM, a adolescente teria contado à irmã que perdeu a vontade de viver após o fim de um namoro com um jovem da aldeia de Caarapó.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Indigenistas da Funai publicam Nota de Repúdio

Um grupo de indigenistas da Funai leva a público a presente Nota de Repúdio, que está circulando pela internet para obter adesão dos demais servidores da Funai. Por sua vez, os Xavante estão se organizando para acionar a Funai judicialmente pelo ato de reintegração de posse.

Eis a Nota de Repúdio

____________________________


 

NOTA DE REPUDIO

1.    Nós, servidores da Fundação Nacional do Índio, com longa experiência no trabalho com diferentes povos indígenas, aos quais temos dedicado grande parte de nossas vidas, seja no convívio em suas aldeias, seja em diferentes atividades na Sede do Órgão em Brasília, REPUDIAMOS a decisão da Direção do Órgão de acusar os índios Xavante e outras etnias de colocar em risco a segurança e integridade física dos funcionários, conforme o teor  surreal da ‘AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE COM PEDIDO DE LIMINAR’, que resultou na Decisão 400-A/2009;

2.    No dia, 02 de dezembro de 2009, fomos surpreendidos ao tomar conhecimento, na sede da FUNAI  em Brasília, do MANDADO DE REINTEGRAÇÃO NA POSSE N 1267/2009, da 6ª Vara Federal, contra alguns indígenas da Xavante e outras etnias que estão nesta capital,  ao que tudo indica,  a pedido da atual Direção da FUNAI.

3.    Não fossem as cópias do referido MANDADO, fartamente distribuídos nos corredores da FUNAI, seria difícil senão impossível, nós funcionários do Órgão Indigenista acreditarmos em tal absurdo. Mas a incredulidade não veio só no fato da provável utilização de três procuradores federais, pela atual Direção do Órgão, para impedir indígenas de utilizarem as dependências da instituição indigenista. A surpresa maior está no texto do pedido da AÇÃO DE MANUTENÇÃO DE POSSE COM PEDIDO DE LIMINAR, nos argumentos ali utilizados, nas inverdades ali proferidas e na intenção cristalina de retaliação contra os Xavante, que terminou por induzir o Judiciário Federal a cometer uma das maiores injustiças contra um povo indígena neste limiar de cem anos de história indigenista brasileira.

4.    Os Xavante “e outras etnias” vitimados pelo referido MANDADO,   vêm a Brasília resolver diversos problemas que os afligem nas suas aldeias. Foi assim, é assim e sempre será assim enquanto não houver nas Unidades Regionais da FUNAI suficiente e adequada capacidade administrativa para gerenciar e resolver suas necessidades de sobrevivência, de forma mais próxima às suas aldeias.  A cada ano que passa, o desmantelamento na estrutura social, cultural e econômica desses povos é tão visível e assustador que, é muito provável que sejam esses os motivos que levaram a atual Direção da FUNAI  a não recebê-los em Brasília, e agora impedi-los de freqüentar a sede do Órgão indigenista.

5.    É estarrecedor para nós funcionários desta instituição indigenista, encontrar diariamente com famílias Xavante com suas crianças, mulheres e velhos, e muitos destes importantes e antigas lideranças se submetendo a utilizar meses seguidos partes das dependências da Sede, sem serem recebidos por representantes da atual Direção, para busca de solução de seus problemas aqui trazidos. Assim, diariamente, nos deparamos com várias famílias Xavante, muitos necessitando de cuidados médicos, que estão dormindo nas portas dos elevadores, nas escadas e nos diferentes cantos do prédio, e que retornam às suas aldeias levando apenas “o lixo da capital”. A atual Direção, então, encontrou a “competente” solução para os problemas dos Xavante e outras etnias, tomando a desumana providência de peticionar,  o MANDADO que expulsa os Xavante (e outras etnias) da Sede da FUNAI. Estaria assim, expulsando os Xavante e outras etnias das consciências da atual Direção!!!!????

6.    Na sanha para justificar a decisão de expulsar os índios do prédio da FUNAI, a Direção “se esqueceu” de mencionar que a FUNAI possui meios de encontrar solução digna, respeitosa e simétrica. É questão de vontade, vontade também política de querer buscar e enfrentar competentemente a situação. Deve ser lembrado que a FUNAI possui uma excelente estrutura em Sobradinho, agora abandonada, e que poderia, sob administração competente, dar dignidade aos índios que precisam ficar em Brasília.

7.    O sentido da existência desta Fundação, em suma, recai na defesa, garantia e promoção dos direitos adquiridos pelos povos indígenas e na interlocução entre esses e a sociedade não-indígena brasileira. A FUNAI re-estruturada deve fortalecer esse sentido. A atual Direção caminha em sentido oposto. O simples fato de haverem indígenas ocupando  de forma precária e por longos meses, as dependências do prédio desta Fundação já é por si só uma incongruência gritante da atual Direção.

8.    A expulsão dos indígenas da Sede da FUNAI reforça a ignorância indigenista e administrativa da atual Direção e expõe de forma flagrante a total incapacidade de diálogo desta com os indígenas e indigenistas da instituição. Tal ato, de tamanha truculência, intolerância, ignorância, incompetência – representará o esvaziamento de sentido de “ser” desta Fundação.


Dezembro de 2009

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Xavante enviam Carta-Pública de explicação sobre morte de Carlos Dumhuwi


Morre liderança Xavante por descaso da Funai
Na madrugada desta sexta-feira (04) faleceu, em Brasília, o ancião Carlos Dumhiwi, Chefe de Posto da Funai de Parabubure, município de Nova Xavantina-MT, ele estava em Brasília desde o início de novembro, dormindo nas dependência da Funai junto à outras lideranças da região. Vale ressaltar que, esses indígenas estão em Brasília para reivindicar algumas demandas das comunidades da Terra Indígena Parabubure, do povo Xavante. Entre as demandas estava criação de um Núcleo de Apoio da Funai na região.
Ao chegarem à Capital, sem condições de pagar hospedagem os indígenas se alojaram nas dependências da Funai e ficaram com 02 marmitas distribuídas à todos 02 vezes ao dia. No dia 17 de novembro Carlos e seus companheiros invadiram o gabinete, pediram ao Diretor de Assistência, Aloysio Guapindaia, esse que por pressão e coação, criou uma Administração em Nova Xavantina, e em seguida, essa ordem foi desfeita por um ato do presidente, Márcio Meira, no dia 17. Depois os dirigentes do órgão: o presidente, o Diretor de Assistência, a Diretora de Assuntos Fundiários, Maria Auxiliadora Leão, e a Chefe de Gabinete, Salete Miranda fazem um pedido de Reintegração de Posse da Funai, com expulsão dos Xavante por se sentirem incapacitados a trabalhar, esse expulsaria os indígenas até o dia 05.12 da sede da Funai, em Brasília.  
 Uma semana antes da desocupação, o ancião, Carlos caiu em um corredor da Funai, não consegui se levantar e seguiu em coma para o hospital de Base. “Meu pai tinha diabetes, anemia e devido à péssima alimentação ele não sobreviveu”, entristecido explicou Isaias. Nesta sexta-feira (04) as lideranças Xavante e os filho do ancião seguiram pra aldeia, sem soluções, mas com um problema maior ainda, aquele velho que há 30 anos defende o seu povo estava em um caixão.    


 
Share