terça-feira, 23 de junho de 2009

Governo peruano volta atrás e tenta novo diálogo com os índios

Passadas duas semanas desde que a Polícia Militar do Peru avançou, por ordem presidencial, sobre uma concentração de mais de 1.000 indígenas Awajun, que estavam embarrerando uma estrada federal numa província onde inicia a parte norte da Amazônia peruana, em protesto por não serem ouvidos a respeito de projetos de desenvolvimento em suas terras, o rescaldo de mortes não resultou em evidências a mais do que aquelas anunciadas poucos dias depois. Isto é, morreram 34 pessoas, sendo 24 policiais, 8 indígenas e 2 jornalistas. Tenho tentado saber como morrem 24 policiais num ataque desse tipo, cheio de armamentos, contra indígenas portanto arcos e flechas e porretes, mas os relatos são variados. Os índios dizem que foram mortos por fogo cruzado dos próprios policiais; os policiais e o governo peruano dizem que foram assassinados pelos índios depois de presos em emboscada. O relator da ONU para direitos indígenas, James Anaya, esteve no local e declarou que não houve massacre, nem genocídio, confirmando de certo modo as alegações do governo peruano.

Na semana passada, o presidente Alan Garcia, pressionado pela opinião pública nacional e internacional, decidiu cancelar dois de seus atos discricionários (poder que lhe fora concedido pelo próprio Congresso peruano) em que abria e loteava a Amazônia peruana para a exploração de petróleo e gás, sem levar em consideração a quem pertencia ou estavam destinadas essas terras. Isto é, os povos indígenas. Pediu ao Congresso peruano que revogasse esses decretos, o que foi feito sexta-feira p.p. E convidou os índios ao diálogo.

Uma tentativa de diálogo havia sido entabulada durante algumas semanas anteriores ao ataque policial, já que os índios tinham se levantado em protesto e fechado essa estrada desde abril p.p. Entretanto, o primeiro-ministro do Peru não se deu bem nesse diálogo. Era um diálogo de senhor para servo, próprio da elite peruana. Os índios endureceram e apostaram na radicalização. Deu certo. Isto é, excetuando as mortes, o resultado é que o governo vergou à demanda indígena, que agora quer instituir um diálogo verdadeiro, em diálogo entre partes respeitantes.

Os índios, ou pelo menos aqueles ligados à Aidesep, que é uma das três principais associações indígenas amazônidas do Peru, dizem que não são contra o desenvolvimento da Amazônia. Apenas querem ser ouvidos e participar. Ser ouvidos não como ato displicente, feito com ouvidos de mercador, mas ouvido em diálogo, onde suas opiniões se tornem contraditório a serem incorporadas. Querem também participar dos benefícios das riquezas que das suas terras, ou mesmo de terras vizinhas, da região sejam extraídas. Querem uma racionalidade nova na economia amazônida. Querem participar com garantia de receber dividendos e alferir ganhos.

Tudo isso é novidade no Peru, acostumado a tratar os índios do altiplano como se camponeses fossem. Talvez estes sejam sociologicamente camponeses, como interpretava José Carlos Mariátegui, o grande marxista peruano da década de 1920, mas os índios da Amazônia não o são. Têm consciência de suas diferenças culturais fundamentais em relação aos indígenas descendentes do Império Inca, e do caráter colonialista com que são tratados.

É interessante notar que, ontem mesmo, o governo da província de Cuzco, que foi a capital do Império Inca, declarou ter cancelado um investimento japonês de mais de 300 milhões de dólares para a construção de uma hidrelétrica na região de Canchis porque os índios da região protestaram que não a queriam em suas terras. Se a moda pega...

Um novo diálogo não vai ser fácil para o governo peruano incorporar. Não há tradição indigenista naquele país. Mas, temos que desejar boa sorte a todos. Talvez de onde não tenha tradição saia alguma coisa de novo. Difícil, porém não impossível.

No Brasil, está chegando a hora em que o diálogo com os índios terá que rejuvenescer de um modo diferente do que vem acontecendo ultimamente. Nem um diálogo paternalista, seja pelo lado do governo, seja pelo lado das Ongs, nem um diálogo inter-classe. O Brasil tem uma tradição indigenista que não é para ser descartada. Seu resultado é o reconhecimento dos povos indígenas como parte essencial da Nação. É tradição premente, real, objetiva e subjetiva, mas, dentro da história, é para ser superada, transcendida, reincorporada com o aprendizado do presente, com a presença manifesta dos povos indígenas em busca de um espaço digno na nação.

2 comentários:

guilherme carrano disse...

Se a moda pega e no Brasil seja exemplo, o programa energético brasileiro, o PAC no geral, deve ser revisto e começar a considerar e respeitar os Povos Indígenas e outras populações nacionais.
O modelo europeu de dominação e exploração dos recursos naturais está falido, sua hegemonia é destruidora do social, do cultural e dos recursos naturais.
Sufoca os princípios dignos desenvolvidos pela humanização.
O PAC no Brasil está desrespeitando tudo que seja minimamente ético e étnico, favorecendo as grandes empresas internacionais em nome do "desenvolvimento e do progresso",postura proferida pela ditadura militar que considerava os que buscavam conhecimento e uma construção mais digna de país, estudantes e trabalhadores, como inimigos...
Postura dos que discriminam e promovem o desrespeito ao outro.
Essa investidura de globalizaçao que está sendo praticada pelo Partido dos Trabalhadores é degradante e anti-democrática,
e falsa aos princípios socializantes.

Cavalleiro disse...

No Brasil, nunca teremos esses problema pois aqui o governo está sériamente comprometido em fazer uma FUNAI forte, eficiente, com plano de carreira e concurso público, capaz de coordenar de fatos as ações voltadas aos índios e de proteger o patrimônio ambiental e cultural desses povos. É também um governo totalmente comprometido com a noção de desenvolvimento sustentável, basta ver as obras previstas no PAC, todas ambientalmente corretas. Além disso eu também acredito em Papai Noel e acho que na lua habitam fadas e gnomos.

 
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