Trata-se da aplicação de uma política fundiária que reconhece a presença de lavradores, sitiantes, colonos, agricultores e boiadeiros, de plantadores de cana e de fazendas de agronegócio naquela grande região brasileira.
A MP 498 foi formalmente enviada ao Congresso Nacional com a rubrica do presidente e do ministro do Desenvolvimento Agrário, porém, na verdade, foi inspirada nas análises e propostas do ministro Mangabeira Unger, da Secretaria de Assuntos Estratégicos.
Os argumentos de Mangabeira junto ao presidente Lula partiram da demonstração de que a situação fundiária na Amazônia era um caos absolutamente inviável e desconhecido, com menos de 4% de seu território ocupado formalmente legalizado. Até as pequenas propriedades urbanas das cidades amazônicas não tinham registro jurídico de propriedade. Assim, para se criar uma política ambiental e desenvolvimentista, não de cima para baixo, imposta aos ocupantes das terras amazônicas, mas com a participação de todos, fazia-se necessário regularizar a presença desses usos da terra através da titulação de terras em propriedades. A ideia filosófica é de que, se você é dono da terra, cuida dela com responsabilidade e visão de futuro.
No início, o ministro Mangabeira foi muito criticado por sua ousadia. As pessoas em geral falavam que isto seria o reconhecimento formal do capitalismo na Amazônia, como se se pudesse isolar a Amazônia do capitalismo brasileiro. Os ambientalistas, por sua vez, tinham objeções mais precisas, e até hoje permanecem contra as ideias por trás dessa MP e receiam por suas consequências. Acima de todos, ecoando as objeções de todos, a então ministra Marina Silva se contrapôs veementemente a essa MP. No debate interno no governo, ela se desconcertou com os argumentos do ministro Mangabeira, contra-argumentando que tais medidas iriam legalizar o crime de invasão e grilagem de terras, o esbulho de pequenos lavradores pela compra de suas ocupações, a continuação da exploração desordenada e, enfim, a intensificação da devastação ambiental da Amazônia.
O presidente Lula também sofreu críticas de amigos e companheiros. Venceram, na visão do Planalto, as ideias de Mangabeira. Agora está sacramentada uma nova política fundiária na Amazônia no governo do presidente Lula. Essa política basicamente declara que, quem tem terras na Amazônia até 1.500 hectares pode encontrar um jeito legal de torná-las suas propriedades, comprando-as em leilão facilitado. Quem tiver entre 401 e 1500 poderá comprá-las por um preço simbólico. E quem tiver propriedades com até 400 hectares poderá registrá-las sem pagar nada.
Há condicionamentos para a regularização dessas propriedades e para a sua manutenção, tanto de ordem ambiental no seu uso, quanto de ordem econômica, como a proibição de venda por algum tempo. No mais, o direito de propriedade prevalece. O veto presidencial se deu sobre o artigo 7º que permitia a obtenção de título de terra por pessoa jurídica, por empresas, quer dizer. Há inúmeras ocupações e usos de terra na Amazônia que são de empresas. Aí não se sabe o que vai acontecer com elas.
Lembro aqui, a propósito de uma comparação, que o grande presidente americano Abraham Lincoln, por volta de 1861, estimulou a grande colonização do oeste americano instituindo uma política que permitia a qualquer pessoa ou família se deslocar para o oeste do rio Mississippi, delimitar uma área de 120 acres (30 hectares ±), lá permanecer e cultivar por um mínimo de dois anos, que adquiriria direito de propriedade. Com isso os Estados Unidos se fizeram no campo pela pequena propriedade rural. Às custas dos povos indígenas que habitavam as terras mais férteis, há que se relembrar. Ao final, a sociedade americana se consolidou como uma sociedade básica de pequenos proprietários rurais, os farmers, que deram-lhe o fundamento de sua riqueza e de sua democracia.
No Brasil, mais ou menos pela mesma época, a coisa se deu diferentemente. Só tinha direito de propriedade quem fosse ao cartório e registrasse uma determinada terra, sem limites de tamanho. Assim, os pobres, agregados e homens livres que vivem em terras suposta de alguém ou entre tradicionais fazendas, sem condições e sem ao menos saber da famosa Lei da Terra (1850, regulamentada em 1854), não conseguiram regularizar suas posses e ocupações e terminaram perdendo-as, sendo expulsos ou absorvidos pelos fazendeiros em expansão.
O que acontecerá agora com a Amazônia? Terão razão os ambientalistas, os partidários do MST, a Igreja Católica -- ou terão razão os defensores da MP 498?
Um comentário:
Cadê a MP?
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