sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Índios do Mato Grosso conseguem pequena vitória no MJ

Hoje pela manhã 14 lideranças, que comandaram o bloqueio de quatro dias de duas grandes rodovias federais, as BR 174 e 364, interrompendo o fluxo de veículos que iam a Cuiabá, se reuniram com o Ministro da Justiça e representantes do Ministério Público e da AGU, para discutir os termos da revogação do Decreto 303. Os índios ficaram pasmos com a ausência da presidente da Funai a essa reunião. Onde ela estaria que não se dignou a conversar com eles?

A ida dessas lideranças se deveu ao compromisso do governo pelo desbloqueio daquelas rodovias ontem à tardinha.

Pois bem. O ministro da Justiça e a AGU se comprometeram a emitir um decreto novo suspendo os termos do Decreto 303  -- até que todas as pendências que estão no Acórdão do STF sobre a confirmação da homologação da TI Raposa Serra do Sol sejam resolvidas. Essas pendências se devem a embargos de declaração que foram impetrados por advogados do CIMI e que precisam ser respondidas para que, ao final, a questão tenha sido de todo "transitada em julgado". Isto é, finita, acabada.

Bem, não se sabe quando o STF vai decidir sobre esses embargos de declaração. A maioria deles diz respeito à busca de esclarecimentos sobre alguns trechos do Acórdão. Isto significa que o próprio Acórdão possa ser mudado. Porém, em geral, esses embargos só suscitam esclarecimentos pro forma, com algum ou outro detalhamento. Raramente mudam qualquer teor do julgamento acordado.

Enfim. Ficou adiada sine die a validade dos termos do malfadado Decreto 303. Talvez lá para o próximo ano algo seja visto sobre o assunto.

Enquanto isto não acontecer, pode-se concluir com algum dissabor que os índios que valentemente fecharam as rodovias obtiveram uma pequena vitória. Sim, o governo deu o braço a torcer e os pediu para abrir as rodovias e os escutou no MJ e prometeu-os que iriam suspender o Decreto 303 até outro assunto acontecer.

Uma pequena vitória, sem dúvida, mas talvez uma vitória de Pirro. Venceu mas não levou. Isto porque, para o governo, agora o Decreto 303 não será mais motivo de protestos por parte dos índios. Agora os membros da CNPI, por exemplo, podem alegremente se reunir com os membros do governo e fazer suas reuniões sobre o que não será decidido, sem sentir que estão traindo os interesses da comunidade indígena em geral.

O que faltou também na discussão hoje de manhã foi o tema da reestruturação da Funai. O governo não se comprometeu com nada dessa questão, deixando-a como está. Isto quer dizer que a danação da Funai continua. As coordenações estão esvaziadas de poder, os postos indígenas inexistentes, e correndo solta a farço das comissões paritárias, que servem para enganar e não resolver nada.

E o orçamento da Funai, que mal foi aberto, já acabou?

quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Índios da CNPI criticam governo e pedem revogação do Decreto 303

Intitulando-se bancada indígena da CNPI, diversos membros dessa comissão estiveram recentemente em  Brasília convocados que foram para participar de mais uma reunião junto com os representantes do governo.

Mas recusaram-se a participar. Ao invés, lançaram o manifesto abaixo em que condenam diversas atitudes do governo Dilma e do último governo Lula, e, ao final, pedem a revogação do Decreto 303.

Enquanto isso, os índios do Mato Grosso não fazem manifesto. Simplesmente meteram a cara e a coragem e estão fechando as rodovias 174 e 364, numa decisão dura para tentar a revogação do Decreto 303. Os índios do Mato Grosso pedem também a revogação dos decretos que desestruturaram a Funai, enquanto a bancada indígena fala só no sucateamento do órgão.

Não que uma atitude seja mais importante que a outra, mas dá para ver quem tem mais decisão.

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Nós, lideranças, membros da bancada indígena da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), reunidos em Brasília, de 28 a 30 de agosto de 2012, por ocasião da 18ª. Reunião Ordinária desta comissão, considerando a decisão arbitrária do Governo da Presidente Dilma Rousseff de editar, por meio da Advocacia Geral de União (AGU), a Portaria 303, de 17 de julho de 2012, por seus efeitos nefastos aos direitos originários dos nossos povos, garantidos pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais como a Convenção 169 da OIT, que é lei no país desde 2004 e a Declaração da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas, vimos de público nos manifestar.
Primeiro - Repudiamos esta medida autoritária, cujo único propósito é restringir, reverter e anular os nossos direitos, principalmente o direito sagrado à terra e ao território, em favor dos inimigos históricos dos nossos povos, que com esta portaria acreditam que ganharam segurança jurídica para permanecerem nas terras indígenas ou voltarem para aquelas já desintrusadas, estendendo ainda os seus latifúndios sobre as terras indígenas já demarcadas. Contrariamente ao que alega a AGU, a Portaria está acirrando os conflitos fundiários e aumentando a insegurança jurídica e social a que secularmente foram submetidos os nossos povos, sob práticas de preconceito e discriminação que nos consideram empecilhos ao desenvolvimento e ameaça à segurança nacional. O feito do governo está de fato sendo comemorado pelos latifundiários e donos ou representantes do agronegócio, que se sentem empoderados ao ponto de declararem publicamente guerra aos nossos povos.
Segundo – Entendemos que a Portaria 303 é o ápice de uma seqüência de golpes contra nossos povos. O Governo Federal tem optado por adotar uma série de medidas administrativas e jurídicas que afrontam gravemente a vigência dos direitos originários, coletivos e fundamentais dos nossos povos. Dentre essas medidas antiindígenas destacamos:
- Portaria 419, de 28 de outubro de 2011. Assinada pelos ministros da Justiça, do Meio Ambiente, da Saúde e da Cultura, a Portaria visa regulamentar a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Fundação Cultural Palmares (FCP), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Saúde (MS) no que diz respeito à elaboração de pareceres em processos de licenciamento ambiental conduzidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O propósito é acelerar o processo de licenciamento de empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) diminuindo, assim, ainda mais os já reduzidos prazos vigentes de manifestação desses órgãos quanto à viabilidade ou não de implantação dos empreendimentos (hidrelétricas, mineração, portos, hidrovias, rodovias, linhas de transmissão etc.) que afetam os povos indígenas, os quilombolas e as áreas de preservação ambiental.
Portaria 2498, de 31 de outubro de 2011, do Ministério da Justiça, que define o papel da FUNAI na “intimação dos entes federados”, para participarem do processo de identificação e delimitação de terras indígenas...
Antes desta o governo tinha publicado a Portaria Nº 951, de 19 de maio de 2011, que instituía “Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar minuta de portaria que discipline a forma como os entes federados poderão participar do procedimento administrativo de identificação e demarcação de terra indígena” (Art. 1).

Ambas as portarias foram publicadas pelo governo apesar dele saber que o direito do contraditório já é garantido pelo Decreto 1775/96 que trata dos procedimentos de demarcação das terras indígenas.

- Iniciativas legislativas: PEC 215/00. Em 21 de março de 2012, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00. Esta PEC tem o propósito de transferir para o Congresso Nacional a competência de aprovar a demarcação das terras indígenas, criação de unidades de conservação e titulação de terras quilombolas, que é de responsabilidade do poder executivo, por meio da FUNAI, do Ibama e da FCP, respectivamente. A aprovação da PEC 215 - assim como da PEC 038/ 99, em trâmite no Senado - põem em risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer possível demarcação futura.
- A estas iniciativas somam-se a reforma do Código Florestal e o Projeto de Lei (PL) 1610/96 que trata da exploração mineral em terras indígenas, atualmente em trâmite no Congresso Nacional. Fazem parte ainda desta ofensiva a Portaria 7778 de reestruturação da FUNAI, editada mesmo sem a anterior, realizada através do Decreto 7056, ter sido efetivada. Finalmente, ficamos estarrecidos com a forma como o Decreto da PNGATI foi assinado, inclusive com a nossa presença, trazendo alterações que não foram aprovadas pelas nossas lideranças nas distintas consultas regionais realizadas durante quase dois anos.
Terceiro - O mais grave de todas estas medidas, tanto administrativas como legislativas, é a grotesca desconsideração do direito dos nossos povos à consulta e consentimento livre, prévio e informado estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). O irônico é que estas medidas estão sendo tomadas no contexto do processo de diálogo e negociação entre o movimento indígena e o governo a respeito da regulamentação dos mecanismos de consulta assegurados por este tratado internacional. O próprio Governo, dessa forma, desrespeita a Constituição e as leis de proteção e promoção dos direitos indígenas, e desvirtua as iniciativas e espaços de diálogo, gerando inevitável quebra de confiança na relação, construída nos últimos anos entre o Estado e os nossos povos e organizações.
Quarto - A Portaria 303 é um instrumento jurídico-administrativo absolutamente equivocado e inconstitucional, totalmente prejudicial aos nossos povos, na medida em que estende para todas as terras indígenas as condicionantes decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF). O Governo editou a Portaria mesmo sabendo que a decisão do STF ainda não transitou em julgado e essas condicionantes podem sofrer modificações ou até mesmo ser anuladas em parte. Além de se antecipar às decisões do STF, o Executivo ainda se apropriou da prerrogativa de legislar, que só cabe ao Congresso Nacional.
A Portaria afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades indígenas; determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol; ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios; limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas; transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) o controle de terras indígenas sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação; e cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional.

Quinto A nossa surpresa é que a edição da Portaria 303, aconteceu depois de várias promessas anunciadas, inclusive no âmbito da CNPI, de atendimento às demandas dos nossos povos. Mais recentemente, inclusive, durante o ato de assinatura do Decreto da PNGATI, o ministro da Secretaria Geral da Presidência, Gilberto Carvalho e o ministro da justiça, José Eduardo Cardoso, se comprometeram a articular uma reunião de trabalho com a Presidenta Dilma Rousseff para tratar,  depois da Rio+20, da agenda indígena.
Sexto – Como se fosse pouco, a este atropelo dos nossos direitos soma-se a crise que afeta os nossos povos e comunidades em todas as áreas de sua vida, decorrente da precariedade das políticas públicas. Na contramão das expectativas, entre outros retrocessos ressaltamos: o atendimento diferenciado nas áreas da saúde e da educação piorou, os conflitos fundiários acirraram-se, a criminalização de lideranças e comunidades aumentou, a FUNAI está sucateada e os projetos do nosso interesse como o do Estatuto dos Povos dos Indígenas e o do Conselho Nacional de Política Indigensita (CNPI) continuam engavetados no Congresso Nacional.
Sétimo - Por todas estas e outras razões já explicitadas em manifestações das nossas organizações de base e pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e por diversas instituições, inclusive governamentais, personalidades, organizações e movimentos sociais aliados exigimos a revogação imediata e integral da Portaria 303.
O atendimento desta demanda implicará numa demonstração clara da vontade política do governo de continuar o diálogo democrático, franco e transparente, que seus representantes têm manifestado com freqüência às nossas lideranças e organizações nas distintas iniciativas e espaços de diálogo que como a CNPI discutem ou deliberam sobre as políticas de interesse dos nossos povos e comunidades.
Brasília-DF, 28 de agosto de 2012.
Bancada Indígena da CNPI

segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Índios do Mato Grosso protestam contra Decreto 303 e fecham BR-174 e BR-364

Dezesseis etnias distintas do Mato Grosso, precisamente aquelas que vivem na parte sul e oeste do estado, Haliti-Pareci, Irantxe, Nambiquara, Cintas-Largas, Rikbatsa, Kayabi, Enawenê-Nawê, Umutina, Bakairi e outros se uniram para demonstrar seu protesto contra o Decreto 303 e contra o que estão chamando de "sucateamento" da Funai.

Sua demonstração é das mais duras à economia daquele estado. Precisamente fechar e barrar o acesso de duas importantes rodovias interestaduais, a BR-174 e a BR-364.

Começaram sua ação às duas horas da madrugada. Trouxeram barracas, redes, apetrechos de cozinha e comida para passar ao menos sete dias sem ter que voltar para casa ou pedir ajuda. Aliás, estão preparados para passar bem mais tempo, se a coisa apertar.

São 1.400 índios homens, jovens guerreiros, dispostos a enfrentar frio, calor, pressão, discussão, gritaria e debate com quem vier tentar desbaratar seu protesto.

Os índios protestam contra tudo que vem acontecendo na Funai e na questão indígena brasileira nos últimos cinco anos.

Protestam especificamente contra o Decreto 303 e nisto estão se somando aos protestos de todos aqueles que de alguma forma fazem parte do movimento indigenista e indígena e têm simpatia pelos índios.

Protestam contra o chamado "sucateamento" da Funai. Que sucateamento é esse? É o produto do decreto 7056/2009 que desfez aquilo que vinha funcionando minimamente na Funai: suas administrações e seus postos indígenas, para substitui-los por reles coordenações e pelas mais reles ainda coordenações técnicas locais.

Os índios sabem o que significou na sua vida a extinção de postos indígenas, só por puro preconceito contra o indigenismo rondoniano. Uma instituição de 100 anos, que deu muita força à garantia e proteção das terras indígenas, que ajudou os índios há muitos anos a encontrar seu caminho pelo mundo dos brancos, e que agora foi jogada na lata do lixo como se fosse papel velho. E vieram as CLTs localizadas nas cidades vizinhas para o melhor conforto dos funcionários do órgão, só pode ser! Só que também muito poucas foram instaladas e funcionam. Piora a proteção das terras e abriu um flanco de fraqueza dos índios diante dos ambiciosos brancos que cobiçam suas terras.

Acima de tudo, enfraquecida a Funai pelas medidas instaladas pelas ONGs que controlam o órgão indigenista, agora vem o governo através da AGU manifestar sua concordância absoluta com as ressalvas criadas à louca por um ministro de direita do STF, a qual foi seguida pelos demais ministros todos meio embasbacados com as propostas extemporâneas do tal ministro.

Os índios, sabem os que convivem com eles e deles ficam amigos, têm seu próprio tempo de reflexão e análise sobre um tema. Às vezes, pulam na frente, às vezes ficam remoendo o que está acontecendo. São estratégias diferentes, para cada caso que analisam, e da parte de cada povo indígena.

No caso dos desmantelos provocados na Funai pela última gestão (que aparentemente continua dominando o órgão pelas beiradas), houve uma alvoroço de protesto por parte dos índios do Nordeste. Eles tomaram a Funai e lá ficaram por 15 dias até serem retirados, meios que na enrolação da direção do órgão.

Os demais índios do Brasil sentiram o baque, começaram a experimentar as agruras dessa desestruturação, mas ficaram na sua. Esperavam que houvesse uma reversão desse desmantelo, ao menos uma simples volta ao que já existia de bom. Não houve, e agora que o Decreto 3030, que é evidentemente sinal do desprezo pelos índios que tomou conta do governo Dilma Rousseff, estorou a tampa da panela.

Os índios do Mato Grosso estão fazendo o movimento mais bem organizado e mais estratégico que já vi em muitos protestos de índios há muitos anos. Eles têm, por assim dizer, "bala na agulha" para gastar. Querem uma palavra da presidente Dilma no sentido de revogação do 303 e na reformulação da Funai.

Se a presidente Dilma, através do seus ministros, por exemplo (já que a direção da Funai não tem mais autonomia para nada, nem para negociar com os próprios índios), der uma sinal de que esse decreto vai ser jogado na lata do lixo, e não os postos indígenas; que o tal decreto 7778 de re-reestruturação for cancelado ou refeito adequadamente, os índios saem de sua posição de desafio e voltam às suas aldeias.

Se não, o bicho vai pegar. Não digo violência, não. Digo que, pior, só vai aumentar ainda mais o fosso de desconfiança dos índios para com o governo federal e as autoridades em geral (algo que coincidentemente também está acontecendo no serviço público e na sociedade brasileira em geral). Esse fosso de desconfiança poderá provocar uma atitude de desrespeito às autoridades brasileiras constituídas e muito coisa esquisita poderá vir a acontecer no futuro próximo.

O desgaste da Funai provocado pela última gestão é terrível. Pode piorar se algo não for feito. Se essa greve serviu para alguma coisa, deve ser para unir os indigenistas com os índios e reformular os termos do compromisso indigenista rondoniano para que algo de bom possa acontecer.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Orlando Villas-Boas e os primeiros contatos com os Kayapó Metuktire, antes Txukarramãe

Neste vídeo, feito em 1953, vemos os índios Kayapó Metuktire, antes chamados de Txukarramãe (na língua juruna, "povo sem arco"), nos primeiros tempos do contato. Orlando Villas-Boas comenta as cenas e fala de um episódio em que quase foram mortos.

Vale a pena ver e refletir sobre esses tempos. Este é o povo do Raoni e Megaron, mas não vemos ainda o grande Raoni entre aqueles com batoque no lábio.

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Lideranças indígenas e indigenistas lançam Manifesto denunciando atual política indigenista

Por todo o Brasil está ocorrendo algo que o governo Dilma e os responsáveis pela guinada direitista da política indigenista oficial não esperavam.

Está se constituindo uma união de índios -- homens e mulheres comuns que vivem em suas aldeias -- suas lideranças, que analisam suas condições de vida diante do mundo e partilham de suas vivências com seus patrícios, e indigenistas, veteranos e novos, antropólogos, ambientalistas, jornalistas, advogados, todos em reflexão sobre o que está acontecendo, sobre as ameaças de destruição das condições dadas de existência dos povos indígenas.

Eu mesmo estive sábado passado numa aldeia de índios Terena da TI Araribá, município de Avaí, SP, conversando com algumas lideranças e com gente comum, trabalhadora, que, diante das condições de vida que suportam há tantos anos, quase sem terra, cercados por fazendas e canaviais a perder de vista, vivem sua cultura como podem, buscam se atualizar com o mundo ao redor, tateiam diante das poucas possibilidades que lhes são oferecidas, e lutam com consciência pela melhoria de suas vidas.

Pois bem, esses índios Terena estão preocupados com o que está acontecendo não só ao seu redor, à sua vida imediata, mas com o todo da vida indígena brasileira. Têm ideia clara sobre o que significou o Decreto 7056/09 que fez a Funai desmoronar em suas atividades e que abriu o flanco para a entrada de todo tipo de gente nas terras indígenas. Pressentem o que significa o Decreto 303, não só por inviabilizar a demarcação e, no caso, a ampliação de sua pequena terra, mas pelo desrespeito à sua autonomia, sua dignidade como seres humanos e como povos originários.

Nesses dias, organizou-se uma inédita assembleia de índios Kaingang e Guarani dos três estados sulistas para discutir o panorama político indigenista. Essa assembleia trabalhou por dois dias e produziu o forte documento abaixo: uma Carta de Denúncia. Lúcida, contundente, resistente.

Sei que pelo Brasil afora os índios estão se reunindo (até durante o Kwaryp em homenagem a Darcy Ribeiro, neste sábado, promovido pelos Yawlapiti) para discutir a situação indígena e encontrar meios de resistir a essa guinada direitista, fruto da última gestão da Funai e de uma determinação de política indigenista estufada de obtusidade, falta de discernimento, descompostura, desprezo, ignorância, ahistoricidade e brutalidade.

Até quando um governo democrático pode prosseguir com essa atitude?

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CARTA DE DENÚNCIA SOBRE A ATUAL POLÍTICA INDIGENISTA

Nós, lideranças indígenas dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, participantes do Encontro de Lideranças Indígenas da Região Sul, realizada na Terra Indígena Xapecó, Ipuaçú-SC, nos dias 16 e 17 de agosto de 2012, vimos através desta expressar nosso descontentamento e preocupação quanto ao rumo que vem tomando a política indigenista promulgada pelo Estado Brasileiro, bem como nosso desagravo em relação às ações oriundas de instituições do Estado no que diz respeito aos direitos indígenas.

Estamos vivenciando um processo de deterioração contínua dos direitos indígenas, protagonizado pelo Estado Brasileiro, em nome de uma política de desenvolvimento que não reconhece a existência dos nossos Povos como sujeitos de direitos específicos, assegurados na legislação interna e internacional de direitos humanos, em especial a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT.

Este contexto se consolida a partir da PEC 215, da PEC 038 e da portaria 303/AGU, que somados ao processo de desmonte da FUNAI e ao enfraquecimento da política indigenista estabelecida pelo Decreto 7.056/2009, que reestruturou o órgão indigenista sem consulta aos Povos Indígenas, deixando os mesmos em situação de extrema vulnerabilidade, na medida em que ao mesmo tempo não lhe garante a efetivação dos direitos já conquistados, caminha para a supressão destes mesmos direitos.

Lamentamos que estas afrontas estejam acontecendo em um governo democrático que outrora construiu conosco a esperança de que ao chegar ao poder nossas lutas seriam prioridade, tendo como base o respeito, o diálogo, a boa fé e transparência.

Diante desta realidade perversa a que estamos submetidos, nós Povos Indígenas da Região Sul apoiamos a luta dos nossos parentes de todo o Brasil, e estamos comprometidos em fazer a resistência e seremos implacáveis na defesa e na garantia de nossos direitos.

Manifestamos ainda, nosso apoio incondicional aos servidores da FUNAI que se encontram em greve, e o documento destes enviado às autoridades, reivindicando além de melhorias salariais o respeito aos direitos indígenas e a proteção, defesa e promoção dos seus direitos e territórios.

Neste sentido, apelamos para o bom senso da AGU e das autoridades competentes, e exigimos a imediata revogação da portaria 303/AGU de 13 de julho de 2012, que viola frontalmente o direito à consulta, assegurado pela Convenção 169 da OIT, o qual solicitamos que seja regulamentado pelo Estado Brasileiro, garantindo assim a realização da consulta prévia, livre e informada aos Povos Indígenas sobre qualquer ação que afete seus direitos, bens e territórios.

Terra Indígena Xapecó-SC, 17 de agosto de 2012.

terça-feira, 14 de agosto de 2012

Índios emparedam ministros da Justiça e da AGU

Mais de 60 índios, entre Kayapó, Xavante, Fulniô, Terena e representantes das associações indígenas, indigenistas da FUNAI e missionários do CIMI estiveram no Auditório do Ministério da justiça, onde foram recebidos pelo Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o Advogado Geral da União, Luís Inácio Adams.

Os índios falaram e falaram bem. O grande líder Raoni Metuktire falou na própria língua, com tradução do seu sobrinho Megaron Txukarramãe. A fala de Raoni é simples e objetiva. Ele quer a revogação do Decreto 303, emitido pela AGU, à revelia da FUNAI, dos indigenistas e dos próprios índios. Esse Decreto restringe direitos indígenas já consagrados, leis estabelecidas e práticas de convivência entre índios e o Brasil. É um acinte aos índios, um retrocesso político e pré-rondoniano, e, segundo Dalmo Dallari, inconstitucional.

O advogado-geral da União, Sr. Luís Inácio Adams fez um discurso que beirou o patético. Disse que estava simplesmente regulamentando a súmula exarada pelo STF por ocasião da confirmação da homologação da TI Raposa Serra do Sol. Estaria estabelecendo um "marco legal" para que as terras indígenas e as novas demarcações tivessem segurança jurídica. Ninguém comprou seu peixe, e quase foi vaiado. Seu constrangimento se manifestava em cores, em seu passo lento e em seu rosto assustado.

Adams teve que admitir, quase digo "confessar", que fez esse decreto sem consultar ninguém do governo, nem MJ nem Funai, muito menos os índios. Também essa ninguém acreditou. Alguém está por trás disso, e ele não teria publicado algo de que se falava há muitos meses, e especialmente nos últimos dias, sem os retoques do MJ, da Funai e da Secretaria Geral do Governo. Porém, sua fala desculposa foi corroborada pelo ministro Cardozo que na frente de todos disse que nem estava sabendo do que estava acontecendo. Opa, mais um pateta no circo. A tônica de "toda culpa para a AGU" saiu da fala do ministro Cardozo, e foi repercutida até pela presidente da FUNAI. Estava evidentemente combinado que todo o governo empurrou a AGU de bode expiatório em relação à concepção desse decreto e sua ousada e intempestiva publicação. Luís Inácio Adams teve naturalmente que entubar. Dificilmente, com tal nível de passividade, vai ter peso político para ser indicado ao STF, como sói acontecer com advogados-gerais.

Os índios ligados às associações indígenas, sob o guarda-chuva da APIB, também falaram com uma só voz. São uníssonos porque seu discurso é aprendido nas falas do CIMI e de outras ONGs. Não têm as sutilezas étnicas das lideranças de raiz, que falam o que aprenderam a partir de sua vivências, errando na concordância aqui e acolá, mas vocalizando um destemor natural. Muito diferente da fala dos índios Kayapó e Xavante, por exemplo. No seu discurso são violentamente, inapelavelmente, irredutivelmente contra o Decreto 303. Declararam que só aceitariam voltar a participar do CNPI quando o decreto fosse revogado. Ora, lembro aqui, no ano passado, quando receberam um bolo do então presidente, disseram que só voltariam ao CNPI se fossem recebidos pela presidente Dilma Rousseff. Não o foram, mas voltaram ao CNPI esse ano, a pedido e sob o comando da presidente Marta Azevedo. O CNPI, aliás, já é visto como um corroborador do que o governo quer fazer, como a reestruturação da Funai, por exemplo, ou a criação de um grupo de controle de terras indígenas, o tal PNGATI.

Tomo a liberdade de criticar o discurso dos índios de associações porque eles precisam se libertar da tutela das ONGs e do CIMI. Eles deixaram de apoiar seus confrades em 2010 por ocasião dos protestos contra o Decreto 7056, a horrível desestruturação da Funai, porque estavam videntemente presos na gaiola ideológica das ONGs, que eram a favor da desestruturação da FUNAI.

Que aproveitem essa ocasião de agora, radical em muitos aspectos e crucial para a sobrevivência da FUNAI como órgão de assistência aos índios, para se libertar dessa tutela. É uma tutela aparentemente fiel, determinada, radical, mas que tem sua própria agenda e desígnios. Elaboram um discurso inflamado contra o governo, enquanto, nos bastidores, já estão negociando a revogação do Decreto em conversas com gente da Secretaria de Governo e da própria AGU. Tenebrosas transações...

A recepção dada pelos referidos ministros foi uma concessão ao movimento indígena lato sensu. Índios de raiz, índios de associações, indigenistas da Funai e missionários do CIMI tiveram uma vitória certa. Ao final, o advogado-geral sinalizou que iria pensar sobre a revogação do Decreto 303. Falou suave e manso, e aproveitou a ocasião para dizer que tinha ficado sensibilizado com a fala de Raoni. Todo mundo quer tirar uma casquinha com Raoni!

Pode ser que o Governo esteja ganhando tempo, enrolando todo mundo, enquanto prepara outro bode para botar na sala. Porém, o Governo sentiu a força desse movimento indigenista. Recebeu a todos porque não lhes restava alternativa. O caldo contrário estava engrossando em demasia.

Revogar ou inventar outro bode, outra ação para enfurecer a todos nós e continuar mandando e desmandando doidivanamente na questão indígena?

Acho que vai revogar e negociar o bode da reestruturação. Com isso divide o movimento indigenista atual, já que o CIMI nem liga para a reestruturação da FUNAI, pois nisso está junto com as ONGs que conceberam esse projeto. Acabar ou fazer esquecer a história do SPI e da FUNAI é um dos grandes propósitos dos que praticam um indigenismo anti-rondoniano na atualidade. Aí há mais gente nesse fronte do que os que estão na luta neste momento. Nisso estão de acordo com os fazendeiros.

Aí é que está. A luta pela autonomia do movimento indígena, pela ascensão de índios na Funai e no panorama político-cultural brasileiro vai continuar. A vitória de hoje, no Auditório do MJ, é só uma batalha.

PS
Vejam esse video em que Sonia Guajajara, vice-presidente da Coiab, rasga o Decreto 303 em frente aos ministros e a presidente da Funai.

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

José Heleno, índio Xocó, funcionário da FUNAI, de volta aos espíritos do Ouricuri

José Heleno de Souza é um dos exemplos de índios que se tornaram funcionários da FUNAI, desde fins da década de 1970, e que, por seu desempenho no ofício, por sua dedicação, integridade, infatigabilidade e luta, deixaram sua marca nos anais do órgão indigenista.

José Heleno nasceu em Sergipe em uma aldeia na beira do rio São Francisco que, na ocasião, não tinha terra demarcada, mas estava em contencioso com um fazendeiro local. Aliás, o fazendeiro era nenhum outro senão o pai do atual presidente do STF, Carlos Ayres Britto. Os Xocó ganharam o direito de posse sobre a Ilha de São Pedro, e o fazendeiro abriu mão de sua usurpação. O povo Xocó, ou Kariri-Xocó, como ficou conhecido, vivia com imensas dificuldades para ser reconhecido como indígena. O pai de José Heleno, que o sobrevive, e seus tios haviam estado com funcionários do antigo SPI e há anos buscavam esse reconhecimento. Os vizinhos brasileiros, negros, cafusos e brancos, davam pouco valor à identidade indígena. Aliás, muitos Xocó têm aparência de cafuso, misturados fortemente com negros, como quase todos os indígenas de Alagoas e Sergipe.

Apesar de todas as dificuldades, os Kariri-Xocó persistiram. Talvez não como memória histórica, mas como memória mitológica, os Xocó, os Kariri, os Xukuru, os Wassu-Cocal sabem que passaram por grandes lutas no passado. Foram dos mais destemidos grupos indígenas a participar nas terríveis lutas da província de Alagoas, em busca de sua autonomia, numa época que antecipou (1832) as lutas que ficaram mais famosas, com larga participação indígena, como a Balaiada, no Maranhão (1836-38), e a Cabanagem, no Pará (1838-40). Na historiografia regional essa rebelião é conhecida como a "Guerra dos Cabanos", não menos porque a maioria de seus participantes eram indígenas, seja auto-denominados, seja nomeados como "cabano" termo equivalente a "caboclo" ou ainda, para alguns cronistas da época, como "gente pobre livre".

José Heleno era um sujeito destemido, arrojado, nervoso e ao mesmo tempo conciliador, amável, gentil. Tem um histórico de ações indigenistas na FUNAI, desde o tempo em que foi contratado e alocado para trabalhar no Maranhão, com os Guajajara, onde eu próprio, como antropólogo de campo, o conheci como chefe de posto. Na ocasião falavam que ele era índio Tuxá, tão pouco eram conhecidos os Kariri-Xocó.

A folha de serviço de José Heleno mostra o quanto ele trabalhou pela FUNAI e especialmente pelos índios do Nordeste. Apresento aqui um pequeno comentário de Wagner Tramm sobre a primeira vez que viu o José Heleno; o necrológico emocionado de Walfredo Silva, indigenista da FUNAI, sobre o amigo de longa data e com quem trabalhara havia muitos anos; Walfredo, que acompanhou a vida de José Heleno e esteve com ele nos seus últimos momentos, também relatou o enterro do amigo.

José Heleno deve servir de exemplo dos índios que podem e devem servir à FUNAI. Foi contratado, trabalhou mais de 30 anos, sob todas as provas e ordálias, e nunca sofreu uma advertência. Foi um exemplo para seu povo e para os povos indígenas do Nordeste. Foi um excelente administrador da FUNAI nos anos que a presidi. Foi demitido injustamente em 2008 e sofreu muito por isso.

É preciso que a FUNAI, no seu próximo concurso, abra-o exclusivamente para índios, com criterios específicos que valorizem a capacidade indígena de conhecimento do mundo indígena e de diálogo com o mundo envolvente. Não pode ser um concurso generalizado, com bases exclusivamente acadêmicas. Se continuar assim, poucos índios terão chance de passar. O exemplo de índios no serviço público e especialmente na FUNAI é fundamental para que haja uma inserção verdadeira, uma integração (no bom sentido) do potencial indígena na Nação brasileira. Os povos indígenas querem essa integração saudável, a despeito de algumas opiniões de antropólogos de gabinete. É essencial também para que funcionários não indígenas aprendam a trabalhar em cooperação e com o coração aberto.

Considero essa proposta uma homenagem a José Heleno e a todos os índios que têm servido à FUNAI e que devem um dia dirigi-la.

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Walfredo Silva, no enterrro de José Heleno:

"quarta-feira, 8 de agosto de 2012 Uma despedida emocionante 
Acabei de chegar do enterro meu amigo José Heleno. Centenas de pessoas estiveram presentes. As homenagens que faltaram em vida, concretizaram-se na sua partida para as lutas na outra dimensão. Se índios existirem lá, provavelmente ele será convocado a liderá-los e com certeza utilizará toda sua experiência desta vida para encaminhá-los a uma existência com menos sofrimento. O que lhe faltou em conhecimento teórico foi substituído pela praticidade com que conseguiu se conduzir entre as tão distintas etnias com quem trabalhou, mesmo sendo um índio nordestino. E, comprovou, na prática, o que escreveu " Euclides da Cunha", - o nordestino é, antes de tudo, um forte- índio, mestiço ou branco, se existir... 


Wagner Tramm, lembrando de sua passagem com José Heleno no Maranhão:

Quando eu estava saindo da Aldeia São José, Posto Indígena do mesmo nome, na Terra Indígena Apinajé, o Zé Heleno vinha chegando. Ele juntamente com Chico Paraiba fizeram a minha mudança para  a cidade de Amarante no estado do Maranhão para trabalhar com os Tenetehara, do Posto Indígena Araribóia. Permutei a vaga com o Chico (Francisco de
Assis Pinheiro). Foram duas fascinantes experiências. O Zé Heleno era uma figura, desfrutamos de bons momentos que recordo com saudade !!!!


Gilberto Silva escrevendo sobre José Heleno:



AOS AMIGOS E COLEGAS DA FUNAI DE TODO O BRASIL.


É com profundo pesar que comunicamos o falecimento de nosso colega, amigo, índio Kariri-Xocó, José Heleno de Souza. Indigenista de carreira, foi alçado a condição de Administrador Executivo Regional de Maceió, onde permaneceu por 7 anos, um dos mais longos períodos já vividos por um servidor da Funai em toda a existência da administração .

Liderança incontestável entre os índios de Alagoas. Começou a apresentar problemas de saúde há alguns anos em virtude do stress acumulado nesses duríssimos anos administrando com parcos recursos os problemas de quase 15 mil índios da região nordeste. 


Nas últimas semanas teve agravado seu estado de saúde, já debilitado pelo diabetes, com problemas cardíacos graves que culminou com duas cirurgias para implantação de pontes de safena e, no último sábado, com mais uma cirurgia para eliminar coágulos no cérebro, sequelas do último AVC.


É mais um guerreiro que se vai, deixando na história um currículo invejável para quem começou como auxiliar de serviços gerais e permaneceu na Funai por mais de 30 anos, como técnico indigenista, assumindo vários cargos de chefia nas mais diversas regiões do país.

Que os guerreiros que já se foram possam estar unidos pra recebê-lo nessa nova jornada que se inicia pelos caminhos que só os grandes chefes índios podem trilhar.
                               
Maceió, 07 de agosto de 2012.

quarta-feira, 8 de agosto de 2012

União entre APIB, CIMI e Ansef pode fazer a diferença na crise atual

Há alguns dias o CIMI procurou diversos líderes indigenistas para conversar sobre a situação indigenista brasileira. Com ele veio a APIB, a federação que congrega algumas das principais associações indígenas do Brasil, como a COIAB, Apoinme, Arpinsul e outras. Os três discutiram as causas da atual crise indigenista brasileira. Viram a raiz dessa crise na última gestão da Funai, no decreto 303 da AGU, na ridícula reestruturação da desastrada reestruturação da Funai, e, no cômputo geral, no desencaminhamento da política indigenista do governo Dilma, enraizada no último mandato de Lula.

Eis o que essa união produziu. Um manifesto com grande força de análise e com grande determinação política.

Pergunto: cadê as ONGs que tanto usufruíram da Funai nos últimos cinco anos?

Não importa. Importa que há gente que tem uma visão comum e que pode fazer a diferença.

Eu assino embaixo. Aliás, já assinei algo parecido diversas vezes neste Blog.

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Governo Dilma promove a maior cruzada contra os direitos indígenas com trapalhadas jurídicas e medidas administrativas e políticas nunca vistas na história do Brasil democrático
O movimento Indígena, por meio da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIBdepois de repudiar a publicação, por parte da Advocacia Geral da União (AGU) da Portaria 303, de 16 de julho de 2012, exigiu do Governo Federal a total revogação deste instrumento cujo propósito é ”restringir os direitos dos povos indígenas garantidos pela Constituição Federal e por instrumentos internacionais como a Convenção 169 da OIT, que é lei no país desde 2004, e a Declaração da ONU sobre os direitos dos Povos Indígenas.”
Em razão de seu viés claramente antiindígena, diversos povos e associações indígenas, personalidades, organizações e movimentos sociais e inclusive setores do governo reagiram repudiando o feito. Como resposta, o Governo tomou a decisão de adiar por 60 dias, até o dia 24 de setembro, a entrada em vigor da Portaria, para nesse período permitir “a oitiva dos povos indígenas sobre o tema”.
Adiar não significa suspender, muito menos revogar, demonstrando com isso a clara intenção do governo federal em mais uma vez atropelar a Constituição brasileira, os mais de 800 mil índios (IBGE 2010) que habitam este País, no que consideramos a maior e mais desleal ofensiva na história do Brasil democrático contra os direitos originários desses povos.
A Portaria 303 é um instrumento jurídico-administrativo absolutamente equivocado e inconstitucional, na medida em que estende condicionantes para todas as demais terras indígenas, decididas pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Judicial contra a Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Petição 3.888-Roraima/STF).
É de conhecimento público que a decisão do STF ainda não transitou em julgado e essas condicionantes podem sofrer modificações ou até mesmo ser anuladas em parte.
O poder executivo, por meio da AGU, de forma irresponsável e atendendo à voracidade do capital, do agronegócio e de outras forças econômicas e políticas interessadas nas terras indígenas e riquezas nelas existentes, simplesmente antecipou a sua interpretação do que os ministros decidiram em 2009, atropelando assim uma decisão que cabe ao STF.  

Principais pontos da Portaria que trazem grandes prejuízos aos povos indígenas
1. Afirma que as terras indígenas podem ser ocupadas por unidades, postos e demais intervenções militares, malhas viárias, empreendimentos hidrelétricos e minerais de cunho estratégico, sem consulta aos povos e comunidades indígenas;
2. Determina a revisão das demarcações em curso ou já demarcadas que não estiverem de acordo com o que o STF decidiu para o caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol;
3. Ataca a autonomia dos povos indígenas sobre os seus territórios. Limita e relativiza o direito dos povos indígenas sobre o usufruto exclusivo das riquezas naturais existentes nas terras indígenas; 
4. Transfere para o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO) o controle de terras indígenas, sobre as quais indevida e ilegalmente foram sobrepostas Unidades de Conservação;
5. Cria problemas para a revisão de limites de terras indígenas demarcadas que não observaram integralmente o direito indígena sobre a ocupação tradicional.

Por que a Portaria é inconstitucinal e afronta os direitos indígenas?
1. A decisão do STF na Petição 3388 só vale para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol em Roraima. Recentemente três Ministros do STF reafirmaram esse entendimento;
2.Essa decisão do STF pode ainda sofrer alterações, pois as comunidades indígenas da Terra Indígena Raposa Serra do Sol estão questionando judicialmente a decisão do STF, por meio de Embargos de Declaração ainda não julgados;
3. O Advogado Geral da União não tem poderes para fazer leis que afetem os povos indígenas, o que compete ao Congresso Nacional;
4. Coloca condicionantes para usufruto exclusivo pelos povos indígenas das riquezas naturais existentes em suas terras em visível desrespeito ao  artigo 231 da Consituição Federal;
5. Desrespeita o direito que os povos indígenas têm de serem consultados sobre medidas ou projetos governamentais que podem afetá-los, como determina a Convenção 169 da OIT.

Muita atenção !!! Todas as Terras Indígenas brasileiras estão em grave situação de risco!
Os artigos 2º e 3º da Portaria 303 questionam a validade de tudo o que já foi feito em relação à demarcação das terras indígenas. Isso quer dizer que inclusive as terras já demarcadas podem ser revistas e ajustadas. Ao levantar irresponsavelmente incertezas sobre a legalidade da demarcação das terras indígenas, o governo federal, por meio da AGU, acabou por criar expectativas àqueles setores que sempre cobiçaram essas terras, estimulando assim a violência no campo, já que é certo o aumento de invasões de terceiros. A memória das numerosas lideranças indígenas mortas pelo latifúndio na luta intransigente pela regularização de suas terras foi irremediavelmente abalada e o futuro das novas gerações ficou gravemente comprometido.

A quem interessa a Portaria 303 !
A pergunta que as lideranças e organizações indígenas e os aliados se fazem é sobre os motivos que levaram a AGU a publicar uma Portaria com implicações tão graves e tão descaradamente contrárias aos interesses e direitos dos povos indígenas.
É, no mínimo, um ato do mais puro cinismo termos a Portaria 303 publicada justamente no momento em que o governo chama os povos indígenas para “dialogar” sobre a promoção e a proteção dos direitos indígenas no âmbito da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI). Mais hipócritas ainda são as discussões levadas à frente pelo Grupo de Trabalho Interministerial (GTI) para regulamentar os mecanismos de consulta e consentimento livre, prévio e informado, estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A publicação da Portaria 303 deixa claro que o governo de fato não tem qualquer intenção de estabelecer um diálogo democrático e transparente quanto aos assuntos que realmente importam para os povos indígenas e para as questões ambientais.
Com a publicação da Portaria 303, perpetua-se em pleno século XXI a falsa e injusta compreensão de que os povos indígenas e as terras habitadas pelos mesmos são empecilhos ao “desenvolvimento”, porque dificultariam o licenciamento e a construção de hidrelétricas, rodovias, linhas de transmissão entre outros empreendimentos e impediriam o avanço da exploração dos recursos naturais.
Num jogo desleal com os povos indígenas, o governo apresenta-se interessado em discutir a Convenção 169, mas na calada da noite já arquitetava a Portaria 303 empurrando goela abaixo dos povos e comunidades indígenas empreendimentos como a hidrelétrica de Belo Monte, o conjunto de hidrelétricas na região do rio Tapajós e rodovias que impactam terras indígenas, assim como tantos outros empreendimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
É sintomático o amplo apoio que a Portaria 303 recebe do agronegócio. De acordo com representantes deste, essa iniciativa do governo, daria mais segurança jurídica aos “proprietários” não índios que ocupam as terras indígenas, porque não seriam mais obrigados a devolvê-las aos povos indígenas e ainda teriam a possibilidade de estenderem seus latifúndios sobre as terras indígenas já demarcadas.

A Portaria 303 é o ápice de uma sequência de golpes contra os Direitos Indígenas
O governo federal, desde a edição do PAC, tem provocado um retrocesso nunca antes vivido neste País, tanto no que cabe aos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais (quilombolas, por exemplo), quanto à legislação ambiental. Isso é um fato já amplamente denunciado pelo movimento indígena brasileiro, organizações e movimentos sociais e entidades indigenistas e ambientalistas. Determinado a levar em frente e a qualquer custo o seu plano neodesenvolvimentista, o progresso e o crescimento econômico do Brasil, o Governo Federal tem optado por adotar uma série de medidas administrativas e jurídicas que afrontam gravemente a vigência dos direitos originários, coletivos e fundamentais dos povos indígenas, sendo a Portaria 303 o último golpe. Dentre essas atabalhoadas medidas destacamos :
1. Portaria 419
Em 28 de outubro de 2011, o Governo Federal editou a Portaria Interministerial de número 419, que foi assinada pelos ministros da Justiça, do Meio Ambiente, da Saúde e da Cultura. Essa Portaria visa regulamentar a atuação da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Fundação Cultural Palmares (FCP), do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) e do Ministério da Saúde (MS) no que diz respeito à elaboração de pareceres em processos de licenciamento ambiental conduzidos pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). O propósito dessa Portaria é acelerar o processo de licenciamento de empreendimentos do PAC diminuindo, assim, ainda mais os já reduzidos prazos vigentes de manifestação desses órgãos quanto à viabilidade ou não de implantação dos empreendimentos que afetam os povos indígenas, os quilombolas e as áreas de preservação ambiental. Em outras palavras, busca agilizar e facilitar a concessão das licenças ambientais aos grandes projetos econômicos, especialmente de hidrelétricas, mineração, portos, hidrovias, rodovias e de expansão da agricultura, do monocultivo e da pecuária.
2. PEC 215 e outras iniciativas legislativas
Em 21 de março de 2012, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados aprovou a admissibilidade da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/00. Esta PEC tem o propósito de transferir para o Congresso Nacional a competência de aprovar a demarcação das terras indígenas, criação de unidades de conservação e titulação de terras quilombolas, que antes é de responsabilidade do poder executivo, por meio da Funai, do Ibama e da FCP, respectivamente. A aprovação da PEC põe em risco as terras indígenas já demarcadas e inviabiliza toda e qualquer possível demarcação futura.
No Senado tramita a PEC 038/99 que tem o mesmo propósito da PEC 215.
Recentemente foram aprovadas mudanças no Código Florestal pelo Congresso Nacional, as quais irão facilitar a exploração dos recursos naturais e desencadear impactos negativos para o meio ambiente e, as terras indígenas certamente serão atingidas.
Na Câmara dos Deputados também tramita o Projeto de Lei (PL) 1610/96 que trata da exploração mineral em terras indígenas. O PL representa uma abertura total das terras indígenas à livre exploração das empresas mineradoras. O texto original não prevê qualquer proteção ao território, ao meio ambiente e muito menos à vida das pessoas que vivem nas comunidades indígenas a serem afetadas.
Como as PEC, as Portarias, os Decretos e as mudanças do Código Florestal já citados, no Legislativo são produzidos dezenas de projetos de lei referentes aos direitos indígenas, sendo a maioria com o propósito de reverter os direitos garantidos pela Constituição Federal.

O desmonte da FUNAI
Ao mesmo tempo que o Executivo tenta legislar sobre os direitos indígenas, que não é seu papel constitucional, tem optado também por desmontar totalmente o órgão indigenista, a Funai. Anular a atuação do órgão faz parte de toda essa maléfica estratégia contra os diretos dos povos indígenas.
Em 2009, mais uma vez na calada da noite e sem ouvir índios e servidores publicou-se o Decreto 7056/09, que literalmente desmontou toda a estrutura administrativa da Funai em suas bases. Servidores e índios lutaram com todas as forças para reverter o malfadado Decreto, mas como resistir ante a ocupação da Sede da Funai em Brasília pela Força Nacional durante o longo período de janeiro até meados de outubro de 2010!
A nova estrutura da Funai prevista pelo Decreto 7056/09 até os dias atuais não foi implantada efetivamente. Inúmeros Relatórios da Controladoria Geral da União (CGU) vêm comprovando a situação vivida pela Funai e pelos povos indígenas, dando conta dos fatos ocorridos.
Quase três anos após a publicação do Decreto 7056/09 e, com a Funai em plena crise administrativa, é publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 30 de julho de 2012 o Decreto 7778/12, que vem substituir o anterior, mudando novamente a estrutura organizacional da Funai. Índios e servidores, mais uma vez, ficaram à parte da proposição desse Decreto e a tão esperada abertura de diálogo com a Direção da Funai não foi concretizada mais uma vez.
Se a primeira mudança demonstrou-se um fracasso, a segunda certamente será o desastre final.
A Funai desmontada, a SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena) inoperante, o MEC (Ministério de Educação) ausente, é obvio concluir que os povos indígenas brasileiros estão literalmente entregues à própria sorte e por força da necessidade submetidos a madeireiros, garimpeiros, empreendimentos desenvolvimentistas, políticos inescrupulosos, etc.

A máscara caiu!
Não dá mais para esconder! A Portaria 303, e outras medidas adotadas pelo Governo Federal desde a edição do PAC, acabaram por revelar a verdadeira face do Governo Dilma.

E agora o que fazer?
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, o Conselho Indigenista Missionário e a Associação Nacional dos Servidores da Fundação Nacional do Índio, numa aliança inédita, mas necessária e urgente, entende que somente a união e a mobilização dos povos indígenas e grupos aliados poderão conter e reverter a ofensiva contra os direitos dos povos e comunidades indígenas.
Apelamos, portanto, a todos que de fato tenham interesse em garantir aos povos indígenas brasileiros os seus direitos constitucionais que divulguem amplamente o presente documento. Façam-no chegar às mais longínquas aldeias. Auxiliem os povos e comunidades indígenas na leitura e compreensão do grave momento por que passamos todos.
Por todos os motivos apresentados acima, a luta no presente momento deve ser focada na revogação definitiva da Portaria 303 e da Portaria 419, bem como do Decreto 7778/12 e no repúdio à PEC 215.  

Brasília – DF, 07 de agosto de 2012.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
Conselho Indigenista Missionário - CIMI
Associação Nacional dos Servidores da Fundação Nacional do Índio - ANSEF
 
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