segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Lideranças indígenas e indigenistas lançam Manifesto denunciando atual política indigenista

Por todo o Brasil está ocorrendo algo que o governo Dilma e os responsáveis pela guinada direitista da política indigenista oficial não esperavam.

Está se constituindo uma união de índios -- homens e mulheres comuns que vivem em suas aldeias -- suas lideranças, que analisam suas condições de vida diante do mundo e partilham de suas vivências com seus patrícios, e indigenistas, veteranos e novos, antropólogos, ambientalistas, jornalistas, advogados, todos em reflexão sobre o que está acontecendo, sobre as ameaças de destruição das condições dadas de existência dos povos indígenas.

Eu mesmo estive sábado passado numa aldeia de índios Terena da TI Araribá, município de Avaí, SP, conversando com algumas lideranças e com gente comum, trabalhadora, que, diante das condições de vida que suportam há tantos anos, quase sem terra, cercados por fazendas e canaviais a perder de vista, vivem sua cultura como podem, buscam se atualizar com o mundo ao redor, tateiam diante das poucas possibilidades que lhes são oferecidas, e lutam com consciência pela melhoria de suas vidas.

Pois bem, esses índios Terena estão preocupados com o que está acontecendo não só ao seu redor, à sua vida imediata, mas com o todo da vida indígena brasileira. Têm ideia clara sobre o que significou o Decreto 7056/09 que fez a Funai desmoronar em suas atividades e que abriu o flanco para a entrada de todo tipo de gente nas terras indígenas. Pressentem o que significa o Decreto 303, não só por inviabilizar a demarcação e, no caso, a ampliação de sua pequena terra, mas pelo desrespeito à sua autonomia, sua dignidade como seres humanos e como povos originários.

Nesses dias, organizou-se uma inédita assembleia de índios Kaingang e Guarani dos três estados sulistas para discutir o panorama político indigenista. Essa assembleia trabalhou por dois dias e produziu o forte documento abaixo: uma Carta de Denúncia. Lúcida, contundente, resistente.

Sei que pelo Brasil afora os índios estão se reunindo (até durante o Kwaryp em homenagem a Darcy Ribeiro, neste sábado, promovido pelos Yawlapiti) para discutir a situação indígena e encontrar meios de resistir a essa guinada direitista, fruto da última gestão da Funai e de uma determinação de política indigenista estufada de obtusidade, falta de discernimento, descompostura, desprezo, ignorância, ahistoricidade e brutalidade.

Até quando um governo democrático pode prosseguir com essa atitude?

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CARTA DE DENÚNCIA SOBRE A ATUAL POLÍTICA INDIGENISTA

Nós, lideranças indígenas dos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, participantes do Encontro de Lideranças Indígenas da Região Sul, realizada na Terra Indígena Xapecó, Ipuaçú-SC, nos dias 16 e 17 de agosto de 2012, vimos através desta expressar nosso descontentamento e preocupação quanto ao rumo que vem tomando a política indigenista promulgada pelo Estado Brasileiro, bem como nosso desagravo em relação às ações oriundas de instituições do Estado no que diz respeito aos direitos indígenas.

Estamos vivenciando um processo de deterioração contínua dos direitos indígenas, protagonizado pelo Estado Brasileiro, em nome de uma política de desenvolvimento que não reconhece a existência dos nossos Povos como sujeitos de direitos específicos, assegurados na legislação interna e internacional de direitos humanos, em especial a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho-OIT.

Este contexto se consolida a partir da PEC 215, da PEC 038 e da portaria 303/AGU, que somados ao processo de desmonte da FUNAI e ao enfraquecimento da política indigenista estabelecida pelo Decreto 7.056/2009, que reestruturou o órgão indigenista sem consulta aos Povos Indígenas, deixando os mesmos em situação de extrema vulnerabilidade, na medida em que ao mesmo tempo não lhe garante a efetivação dos direitos já conquistados, caminha para a supressão destes mesmos direitos.

Lamentamos que estas afrontas estejam acontecendo em um governo democrático que outrora construiu conosco a esperança de que ao chegar ao poder nossas lutas seriam prioridade, tendo como base o respeito, o diálogo, a boa fé e transparência.

Diante desta realidade perversa a que estamos submetidos, nós Povos Indígenas da Região Sul apoiamos a luta dos nossos parentes de todo o Brasil, e estamos comprometidos em fazer a resistência e seremos implacáveis na defesa e na garantia de nossos direitos.

Manifestamos ainda, nosso apoio incondicional aos servidores da FUNAI que se encontram em greve, e o documento destes enviado às autoridades, reivindicando além de melhorias salariais o respeito aos direitos indígenas e a proteção, defesa e promoção dos seus direitos e territórios.

Neste sentido, apelamos para o bom senso da AGU e das autoridades competentes, e exigimos a imediata revogação da portaria 303/AGU de 13 de julho de 2012, que viola frontalmente o direito à consulta, assegurado pela Convenção 169 da OIT, o qual solicitamos que seja regulamentado pelo Estado Brasileiro, garantindo assim a realização da consulta prévia, livre e informada aos Povos Indígenas sobre qualquer ação que afete seus direitos, bens e territórios.

Terra Indígena Xapecó-SC, 17 de agosto de 2012.

Um comentário:

Anônimo disse...

Depois de tantas noticias ruins a respeito do destino da Funai, hoje os servidores em greve da coordenação de Cuiabá-Mt. Tiveram a honra de ser presentiados com uma belissima palestra sobre o destino do orgão em varias etapas de governos, feita pelo competente indigianista Rondoniano ODENIR PINTO...obrigado Odenir por ter mostrado aos novatos como os antigos faziam diferença,na proteção aos povos indigenas apesar das dificuldades daquele tempo..

 
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