José Heleno nasceu em Sergipe em uma aldeia na beira do rio São Francisco que, na ocasião, não tinha terra demarcada, mas estava em contencioso com um fazendeiro local. Aliás, o fazendeiro era nenhum outro senão o pai do atual presidente do STF, Carlos Ayres Britto. Os Xocó ganharam o direito de posse sobre a Ilha de São Pedro, e o fazendeiro abriu mão de sua usurpação. O povo Xocó, ou Kariri-Xocó, como ficou conhecido, vivia com imensas dificuldades para ser reconhecido como indígena. O pai de José Heleno, que o sobrevive, e seus tios haviam estado com funcionários do antigo SPI e há anos buscavam esse reconhecimento. Os vizinhos brasileiros, negros, cafusos e brancos, davam pouco valor à identidade indígena. Aliás, muitos Xocó têm aparência de cafuso, misturados fortemente com negros, como quase todos os indígenas de Alagoas e Sergipe.
Apesar de todas as dificuldades, os Kariri-Xocó persistiram. Talvez não como memória histórica, mas como memória mitológica, os Xocó, os Kariri, os Xukuru, os Wassu-Cocal sabem que passaram por grandes lutas no passado. Foram dos mais destemidos grupos indígenas a participar nas terríveis lutas da província de Alagoas, em busca de sua autonomia, numa época que antecipou (1832) as lutas que ficaram mais famosas, com larga participação indígena, como a Balaiada, no Maranhão (1836-38), e a Cabanagem, no Pará (1838-40). Na historiografia regional essa rebelião é conhecida como a "Guerra dos Cabanos", não menos porque a maioria de seus participantes eram indígenas, seja auto-denominados, seja nomeados como "cabano" termo equivalente a "caboclo" ou ainda, para alguns cronistas da época, como "gente pobre livre".
José Heleno era um sujeito destemido, arrojado, nervoso e ao mesmo tempo conciliador, amável, gentil. Tem um histórico de ações indigenistas na FUNAI, desde o tempo em que foi contratado e alocado para trabalhar no Maranhão, com os Guajajara, onde eu próprio, como antropólogo de campo, o conheci como chefe de posto. Na ocasião falavam que ele era índio Tuxá, tão pouco eram conhecidos os Kariri-Xocó.
A folha de serviço de José Heleno mostra o quanto ele trabalhou pela FUNAI e especialmente pelos índios do Nordeste. Apresento aqui um pequeno comentário de Wagner Tramm sobre a primeira vez que viu o José Heleno; o necrológico emocionado de Walfredo Silva, indigenista da FUNAI, sobre o amigo de longa data e com quem trabalhara havia muitos anos; Walfredo, que acompanhou a vida de José Heleno e esteve com ele nos seus últimos momentos, também relatou o enterro do amigo.
José Heleno deve servir de exemplo dos índios que podem e devem servir à FUNAI. Foi contratado, trabalhou mais de 30 anos, sob todas as provas e ordálias, e nunca sofreu uma advertência. Foi um exemplo para seu povo e para os povos indígenas do Nordeste. Foi um excelente administrador da FUNAI nos anos que a presidi. Foi demitido injustamente em 2008 e sofreu muito por isso.
É preciso que a FUNAI, no seu próximo concurso, abra-o exclusivamente para índios, com criterios específicos que valorizem a capacidade indígena de conhecimento do mundo indígena e de diálogo com o mundo envolvente. Não pode ser um concurso generalizado, com bases exclusivamente acadêmicas. Se continuar assim, poucos índios terão chance de passar. O exemplo de índios no serviço público e especialmente na FUNAI é fundamental para que haja uma inserção verdadeira, uma integração (no bom sentido) do potencial indígena na Nação brasileira. Os povos indígenas querem essa integração saudável, a despeito de algumas opiniões de antropólogos de gabinete. É essencial também para que funcionários não indígenas aprendam a trabalhar em cooperação e com o coração aberto.
Considero essa proposta uma homenagem a José Heleno e a todos os índios que têm servido à FUNAI e que devem um dia dirigi-la.
_____________________________
Walfredo Silva, no enterrro de José Heleno:
"quarta-feira, 8 de agosto de 2012 Uma despedida emocionante
Acabei de chegar do enterro meu amigo José Heleno. Centenas de pessoas estiveram presentes. As homenagens que faltaram em vida, concretizaram-se na sua partida para as lutas na outra dimensão. Se índios existirem lá, provavelmente ele será convocado a liderá-los e com certeza utilizará toda sua experiência desta vida para encaminhá-los a uma existência com menos sofrimento. O que lhe faltou em conhecimento teórico foi substituído pela praticidade com que conseguiu se conduzir entre as tão distintas etnias com quem trabalhou, mesmo sendo um índio nordestino. E, comprovou, na prática, o que escreveu " Euclides da Cunha", - o nordestino é, antes de tudo, um forte- índio, mestiço ou branco, se existir...
Wagner Tramm, lembrando de sua passagem com José Heleno no Maranhão:
Quando eu estava saindo da Aldeia São José, Posto Indígena do mesmo nome, na Terra Indígena Apinajé, o Zé Heleno vinha chegando. Ele juntamente com Chico Paraiba fizeram a minha mudança para a cidade de Amarante no estado do Maranhão para trabalhar com os Tenetehara, do Posto Indígena Araribóia. Permutei a vaga com o Chico (Francisco de
Assis Pinheiro). Foram duas fascinantes experiências. O Zé Heleno era uma figura, desfrutamos de bons momentos que recordo com saudade !!!!
Assis Pinheiro). Foram duas fascinantes experiências. O Zé Heleno era uma figura, desfrutamos de bons momentos que recordo com saudade !!!!
Gilberto Silva escrevendo sobre José Heleno:
AOS AMIGOS E
COLEGAS DA FUNAI DE TODO O BRASIL.
É com profundo pesar que comunicamos o falecimento de nosso colega, amigo, índio Kariri-Xocó, José Heleno de Souza. Indigenista de carreira, foi alçado a condição de Administrador Executivo Regional de Maceió, onde permaneceu por 7 anos, um dos mais longos períodos já vividos por um servidor da Funai em toda a existência da administração .
Liderança
incontestável entre os índios de Alagoas. Começou a apresentar problemas de
saúde há alguns anos em virtude do stress acumulado nesses duríssimos anos
administrando com parcos recursos os problemas de quase 15 mil índios da região
nordeste.
Nas últimas semanas teve agravado seu estado de saúde, já debilitado pelo diabetes, com problemas cardíacos graves que culminou com duas cirurgias para implantação de pontes de safena e, no último sábado, com mais uma cirurgia para eliminar coágulos no cérebro, sequelas do último AVC.
É mais um guerreiro que se vai, deixando na história um currículo invejável para quem começou como auxiliar de serviços gerais e permaneceu na Funai por mais de 30 anos, como técnico indigenista, assumindo vários cargos de chefia nas mais diversas regiões do país.
Que os guerreiros que já se foram possam estar unidos pra recebê-lo nessa nova jornada que se inicia pelos caminhos que só os grandes chefes índios podem trilhar.
2 comentários:
VOCÊS USURPADORES DE DIÁRIAS, NÃO SENTIRAM REMORSOS COM O QUE FIZERAM CONTRA O ZÉ HELENO, A JUSTIÇA TARDA MAIS NÃO FALHA E A PROPRIA FUNAI VAI DA ESSE TROCO
Bom dia Mércio.
Solicito informar que o texto apresentado como de Gilberto Silva é na verdade, de Walfredo Silva.
Postar um comentário