quarta-feira, 18 de julho de 2012

Portaria 303 da AGU é terrível! Vejam aqui de onde veio

A Portaria 303, da Advogacia Geral da União, publicada dia 16 deste mês, confirma as ressalvas proferidas durante a votação da questão da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

A indignação de índios e indigenistas, antropólogos e advogados, é imensa. Não que viesse a ser surpresa, já que, desde aquela súmula, se esperava uma regulamentação por parte do Ministério da Justiça. Quem a regulamentou afinal foi a AGU, livrando a responsabilidade do MJ e, por extensão, da FUNAI. Agora, que estes órgãos se pronunciem. A questão é muito sério para fingir que não é com eles.

Ficar indignado e não fazer nada é mesmo que choro de criança. Algo tem que ser feito, a partir da OAB, da ABA e da própria FUNAI, que não pode ficar inerme a esse ato anti-indigenista.

Agora, fingir surpresa, não. Desde o início da votação sobre o tema Raposa Serra do Sol, em agosto de 2008, que se sabe que o STF iria apresentar mudanças na visão indigenista brasileira. Os ministros consultaram diversos antropólogos, ONGs, CIMI e outras associações sobre esse tema. Desde a votação final, em 19 de março de 2009, que se vem esperando uma atitude por parte do indigenismo oficial brasileiro sobre as várias questões que foram deflagradas pelas 19 ressalvas e mais a definição da data da promulgação da Constituição de 1988 como base temporal para definir ocupação indígena de determinada terra. O próprio STF, através de decisões liminares, já se pronunciou sobre algumas das ressalvas em casos diferentes. Surpreendentemente, o que um ministro diz, o outro desdiz.

Apresento abaixo uma série de artigos que escrevi com base nas discussões sobre o caso Raposa Serra do Sol e a súmula cheia de ressalvas daquela votação. Dá para ver o que estava para vir, e veio. Numa entrevista de julho de 2008, antes de proferir seu voto, Ayres Britto já antecipa que o caso Raposa Serra do Sol vai definir como será o processo de regulamentação de terras indígenas. Será que ele sabia que o ministro Madeiro iria pedir vistas para apresentar as tais ressalvas? Bem, é possível.

O leite está derramado. Agora é lutar para mudar tudo isso, não só essa decisão da AGU, mas a posição que a FUNAI deve manifestar. A política indigenista de caráter rondoniano tem uma resposta clara. Resta saber se o que está sendo implementado é desse caráter, ou se a política indigenista atual vai continuar no papel de desfocar os casos mais importantes para o futuro dos índios, aplicar uma cortinha de fumaçã e regredir para o tratamento infantil que vem sujeitando os povos indígenas brasileiros.

Aproveitem as leituras, comparem com o que outros estão escrevendo e façam os comentários que acharem pertinentes. Esse assunto é fundamental para definir o futuro dos índios brasileiros.

Blog do Mércio: Índios, Antropologia, Cultura: Raposa Serra do Sol -- 9 X 1 -- Arrozeiros

http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/12/o-stf-cumpre-o-seu-papel.html

http://merciogomes.blogspot.com.br/2009/03/ressalva-n-20-data-da-promulgacao-da.html

http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/08/ayres-britto-d-voto-brilhante-sobre.html

http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/09/ayres-britto-v-integrao-indgena-na.html

http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/06/ministro-ayres-britto-em-entrevista.html

Um comentário:

Rafael disse...

A Portaria n. 303 faz de uma decisão específica, para um caso concreto, uma regra geral. Assevere-se que ela está em absoluto descompasso coma Declaração Internacional sobre Povos Indígenas, aprovada pela Assembléia-Geral da ONU em 2007, inclusive pelo Brasil.
Na verdade, com todo o respeito pelo eminentes Ministros do Supremo Tribunal Federal, o conteúdo da decisão Raposa do Sol, ao impor diversas salvaguardas, contraria a tendência de reconhecimento do direito à auto-determinação dos povos indígenas e atropela a Convenção n. 169/OIT.
Se a pedra de toque da Convenção 169 é o direito de participação dos povos indígenas em todo procedimento legislativo e administrativo que afete seus interesses, parece que o Estado brasileiro (inclusive o STF) se esquece disso. Essa visão ultrapassada que coloca o "usufruto" indígena à serviço dos interesses do Estado, sem ouvir os povos indígenas e desrespeita sua integridade cultural e territorial, não mais pode ser sustentada à vista do direito - seja ele internacional ou constitucional. A AGU deveria rever essa portaria, e o STF deveria rever seu posicionamento.

 
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