Foi publicado hoje no DOU o Decreto 7.778 que dá nova versão à reestruturação da FUNAI. Nova versão? Que nada! Apenas piora o já velho e malfadado Decreto 7056 de 2009, que tanto protestou causou da parte dos índios durante todo o primeiro semestre de 2010.
O Decreto 7.778 traz três novidades: 1. Extingue a Coordenação-Geral de Educação. 2. Cria a Coordenação-Geral de Licenciamento Ambiental. E 3. A Funai ganha 7 DAS 102(1).4; 3 DAS 101.3; 1 DAS 101.2 e 3 DAS 101.1.
No resto, nenhuma mudança. Mantém as mesmas coordenação regionais, as horríveis CTLs e pronto. Apesar das críticas ferrenhas, não ressuscita as velhas administrações de Altamira, Oiapoque, São Luís, Recife, Curitiba, Porto Velho, para falar nas mais importantes que foram extinguidas. Nem se dá conta de que parte das objeções indígenas à UHE Belo Monte se deve aos desmandos administrativos resultantes da extinção da AER Altamira.
Estou espantado com o nível de desprezo e concomitante agressividade da presidência (incluindo Casa Civil e MJ) para com a questão indígena. Todo o ano de 2010, caracterizado por protestos e desorganização da FUNAI não foi suficiente para que houvesse uma revisão correta dessa reestruturação. Não foi suficiente a chegada de cento e tantos novos indigenistas, cheios de garra para aplicar as leis do país, querendo participar de uma nova visão indigenista e sendo completamente ignorados pela direção da política indigenista. Não é suficiente o fato de haver uma nova presidente da FUNAI, que certamente não está sendo consultada para nada com esse decreto e o anterior da AGU.
O que está havendo é o desmanche da FUNAI, no que diz respeito à sua ação indigenista. A FUNAI vai passar a ser um mero referendador da visão política da Casa Civil, AGU e MJ. Vai deixar com o MEC toda a visão de educação indígena, abandonando sua experiência de mais de 40 anos nesse mister. Vai ser coadjuvante do Ibama no que toca a política de licenciamento ambiental, tão atabalhoada como prejudicial aos índios.
Como na Casa Civil pontifica um ex-seminarista, ligado diretamente ao CIMI, que tem como seu principal conselheiro um ex-advogado do CIMI; como no MJ prevalece um advogado jejuno em questão indígena, aconselhado por representantes do ISA e do CTI, de base paulista e de visão neoliberal e anti-rondoniana do indigenismo, não se pode esperar ações anti-indigenistas diferentes das que estamos presenciando desde 2007.
Os funcionários da FUNAI em quase todo o Brasil estão de greve geral e plantão permanente na discussão de suas condições e trabalho e em relação ao seu compromisso de serem indigenistas. É uma pena que não estivessem assim em 2010, quando havia uma oportunidade máxima de aliança com os índios em rebelião contra o Decreto 7056. Águas passadas, espero que lição aprendida.
Agora, com esses dois últimos decretos, caiu a ficha dos funcionários da FUNAI de que não podem dormir no ponto. Ou agem para mudar esses decretos ou se entregam à condição de funcionários abúlicos, desalmados, burocratizados e aniquilados pela mó de uma política anti-rondoniana.
Será uma grande vergonha para o Brasil, que está sendo perpetrada pela atual política indigenista e por um governo surpreendentemente anti-humanista, o abandono do respeito aos povos indígenas que tinha virado parte da nossa visão brasileira de mundo e uma das nossas mais felizes contribuições à nova civilização mundial, que um dia irá desabrochar.
Não falo mais de inconstitucionalidades. São tão evidentes. E ilegalidades, grandes por demais. Deixo para os advogados das ONGs se espernearem com isso. A AGU, a advogacia da União, trabalha contra os interesses indígenas. Só isso já é um escândalo. Falo da dignidade brasileira, do respeito que construímos ao longo de 100 anos pelos povos indígenas -- que está sendo vilipendiado e destroçado por essa administração política.
Nada disso era necessário para desenvolver a Amazônia. Tudo isso é um desmando de ordem descomunal. Poderia ser bem diferente. Pode ainda ser diferente. Mas não do jeito que está.
segunda-feira, 30 de julho de 2012
quinta-feira, 26 de julho de 2012
Álvaro Tukano reflete sobre o momento atual da FUNAI
O índio Tukano, do alto Rio Negro, Álvaro Sampaio Tukano, é uma das personalidades mais marcantes do mundo indígena brasileiro. No ano passado ele publicou suas memórias das lutas políticas em que se engajou desde que saiu do internato dos padres salesianos, em São Gabriel da Cachoeira, e tomou o rumo do mundo político e cultural mais amplo. Esse livro deveria ser leitura básica para todos os indigenistas, especialmente os que estão começando a descobrir esse universo especial da nossa vida.
Pois bem, Álvaro me enviou um email ontem que resolvi publicar nesse Blog para que todos vejam como ele está refletindo sobre o momento atual da FUNAI, com suas mazelas herdadas da gestão anterior, com os jovens indigenistas tomando pé da situação, com a ameaça da traiçoeira armação para demitir Megaron Txukarramãe do serviço público, com a Portaria 303 e tantas outras ameaças que pairam sobre os índios.
Eis sua carta singela e firme.
________________________________
De: alvaro sampaio
Assunto: indios fortes.
Para: merciogomes@uol.com.br, "naiara sampaio"
Data: Quarta-feira, 25 de Julho de 2012, 22:54
Dr Mércio. Sentimos a sua falta na Funai. Depois que o Darcy Ribeiro foi para outro mundo, por aqui ficamos sob olhares de gigolôs de índios que invadiram a pobre Funai. No outro dia me encontrei com os certos companheiros de luta....Falamos bastante...O Márcio Meira, infelizmente, acabou com as conquistas nacional e internacional do movimento indígena brasileiro. É bom dizer que, de fato, lutamos contra a ditadura militar. Dentre tantos movimentos sociais, sim, o Mário Juruna foi o mais conhecido por ter o Gravador, que gravou as falsas promessas dos coronéis para atender às necessidades dos índios.
As tantas horas de gravação, tantas promessas, não eram palavras de homens sérios. Assim, o Juruna foi parar no Congresso Nacional, graças a compreensão do Darcy e Leonel Brizola. O Povo do Rio Janeiro votou no Mário para se o Deputado Federal. No primeiro ano, o Juruna foi o melhor Deputado Federal porque não mediu o sacrifício e disse a verdade. Não deixou o Paulo Maluf ser o Presidente da República. Juruna sempre esteve ao lado do Lula. Chorei muito quando o Juruna morreu. Chorei muito de alegria quando Lula ganhou as eleições, porque tenho feito a defesa ferrenha para levar as mensagens do partido nos lugares mais distantes, difíceis, sem dinheiro.
Jamais imaginei que o Lula fosse falador, esquecer as promessas para resolver definitivamente as questões indígenas. Para surpresa, os fatos estão ai. Foi nesse governo que os índios sofreram mais. O Presidente da Funai trouxe o Aloysio Guapindaia, especialista de empresas falidas para dar-lhes a vida ideal para o capitalismo. A chefe do Gabinete da Presidência da Fiunai e Elza que assumiu para tratar de culturas indígenas, na verdade, eram, anti-indígenas. Como? Tinha ódio de índios que subiam no elevador, dos índios que dormiam nos porões da Funai, na entrada e nos corredores. Os mais lascados foram os Xavantes...Sofreram muito..Muito mesmo, até agora. A pobre Funai foi assaltada pelas pessoas das Ong´s, especialistas de índios, os gigolôs. Inventaram a CNPÌ, negociaram os Cargos de Confiança, retaliaram a Funai. Mandaram embora os índios que defendiam os parentes. Colocaram os índios à gosto da Elza e Levinho;Museu de Índio - Rio de Janeiro.
Os índios foram vigiados, não podiam mais vir a Brasilia, porque o presidente da Funai era o inimigo número para combater a presença de índios Xavante em Brasília. De forma cínica, no final do ano, editou a reestruturação da pobre Funai. Depois, chegaram os índios. Passaram uns oitos meses. Enfim, vimos a Funai cheira da Força Nacional para proteger a pessoa física do presidente da Funai e sua equipe. Além disso, o Presidente da Funai deu mais aparato à segurança terceirizada que impedia a entrada de índios na Funai. Foram momentos delicados.
Pior ditadura que o Márcio Meira colocou em vigor. Hoje, a pobre Funai esta cheira de segurança, foi tomada por pessoas anti-indígenas, grosseiras, cínicas. A Funai se tornou anti-indígena. Enquanto aumento o sofrimento dos índios, o Márcio Meira e outros ganham troféus e, ocupam espaços políticos diante de olhares de líderes que perderam os parentes mortos por pistoleiros. Nunca pensei ver tantos massacres, os gigolôs de índios fazem, é tudo maravilha...O Megarom foi o último guerreiro. Sempre defendeu os direitos de nossos povos. Parabéns!
Porém, temos que entender que o movimento indígena está forte. Na Rio + 20, mais de 1.800 líderes reprovaram as ações do Márcio Meira. Portanto, foi o Cartão Internacional, Vermelho. Até agora, a pobre Funai serve mais os amigos do Márcio Meira. Para índios -ZERO.
No outro dia falei com Horácio Kayapó; Depois do Doc da AGU - 303, os índios estavam prontos para guerra conta AGU; Naturalmente, a Funai que estava conivente. Portanto, é a hora de dizer a Verdade. A Funai deveria ser dirigida por índios que defendem realmente os índios, de pessoas novas que estão de greve e, nunca por essas pessoas que dão o prazer a certas pessoas que enganam a Presidente Dilma que foi guerrilheira, presa, torturada e, hoje, querendo ouvir a Comissão da Verdade.
Queria receber o espaço para dizer que nós, os povos indígenas, fomos traídos e enganados por um governo que construímos nos últimos. A pior dor é essa. Será que podemos fazer o remédio? Então amigos, deve existir em nosso meio, certos antrópologos e outros achando que o Megaron está sózinho.
Conheço o Megoron e outras lideranças sérias, portanto nós, lideres indígenas, estamos com Megaron. Nós, os líderes que conhecemos a história da Funai e apoiamos a greve dos funcionários e, busca de uma política palpável que atenda aos nossos irmãos.
Mercio, mando abraço para os nossos guerreiros e guerreiros índios, brancos e brancas, amarelos e amarelas e demais que precisam de vida digna de povos indígena, de florestas em pé. Temos que combater e denunciar a corrupção que acontecem na Funai e outros órgãos do Governo Federal.
Pois bem, Álvaro me enviou um email ontem que resolvi publicar nesse Blog para que todos vejam como ele está refletindo sobre o momento atual da FUNAI, com suas mazelas herdadas da gestão anterior, com os jovens indigenistas tomando pé da situação, com a ameaça da traiçoeira armação para demitir Megaron Txukarramãe do serviço público, com a Portaria 303 e tantas outras ameaças que pairam sobre os índios.
Eis sua carta singela e firme.
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De: alvaro sampaio
Assunto: indios fortes.
Para: merciogomes@uol.com.br, "naiara sampaio"
Data: Quarta-feira, 25 de Julho de 2012, 22:54
Dr Mércio. Sentimos a sua falta na Funai. Depois que o Darcy Ribeiro foi para outro mundo, por aqui ficamos sob olhares de gigolôs de índios que invadiram a pobre Funai. No outro dia me encontrei com os certos companheiros de luta....Falamos bastante...O Márcio Meira, infelizmente, acabou com as conquistas nacional e internacional do movimento indígena brasileiro. É bom dizer que, de fato, lutamos contra a ditadura militar. Dentre tantos movimentos sociais, sim, o Mário Juruna foi o mais conhecido por ter o Gravador, que gravou as falsas promessas dos coronéis para atender às necessidades dos índios.
As tantas horas de gravação, tantas promessas, não eram palavras de homens sérios. Assim, o Juruna foi parar no Congresso Nacional, graças a compreensão do Darcy e Leonel Brizola. O Povo do Rio Janeiro votou no Mário para se o Deputado Federal. No primeiro ano, o Juruna foi o melhor Deputado Federal porque não mediu o sacrifício e disse a verdade. Não deixou o Paulo Maluf ser o Presidente da República. Juruna sempre esteve ao lado do Lula. Chorei muito quando o Juruna morreu. Chorei muito de alegria quando Lula ganhou as eleições, porque tenho feito a defesa ferrenha para levar as mensagens do partido nos lugares mais distantes, difíceis, sem dinheiro.
Jamais imaginei que o Lula fosse falador, esquecer as promessas para resolver definitivamente as questões indígenas. Para surpresa, os fatos estão ai. Foi nesse governo que os índios sofreram mais. O Presidente da Funai trouxe o Aloysio Guapindaia, especialista de empresas falidas para dar-lhes a vida ideal para o capitalismo. A chefe do Gabinete da Presidência da Fiunai e Elza que assumiu para tratar de culturas indígenas, na verdade, eram, anti-indígenas. Como? Tinha ódio de índios que subiam no elevador, dos índios que dormiam nos porões da Funai, na entrada e nos corredores. Os mais lascados foram os Xavantes...Sofreram muito..Muito mesmo, até agora. A pobre Funai foi assaltada pelas pessoas das Ong´s, especialistas de índios, os gigolôs. Inventaram a CNPÌ, negociaram os Cargos de Confiança, retaliaram a Funai. Mandaram embora os índios que defendiam os parentes. Colocaram os índios à gosto da Elza e Levinho;Museu de Índio - Rio de Janeiro.
Os índios foram vigiados, não podiam mais vir a Brasilia, porque o presidente da Funai era o inimigo número para combater a presença de índios Xavante em Brasília. De forma cínica, no final do ano, editou a reestruturação da pobre Funai. Depois, chegaram os índios. Passaram uns oitos meses. Enfim, vimos a Funai cheira da Força Nacional para proteger a pessoa física do presidente da Funai e sua equipe. Além disso, o Presidente da Funai deu mais aparato à segurança terceirizada que impedia a entrada de índios na Funai. Foram momentos delicados.
Pior ditadura que o Márcio Meira colocou em vigor. Hoje, a pobre Funai esta cheira de segurança, foi tomada por pessoas anti-indígenas, grosseiras, cínicas. A Funai se tornou anti-indígena. Enquanto aumento o sofrimento dos índios, o Márcio Meira e outros ganham troféus e, ocupam espaços políticos diante de olhares de líderes que perderam os parentes mortos por pistoleiros. Nunca pensei ver tantos massacres, os gigolôs de índios fazem, é tudo maravilha...O Megarom foi o último guerreiro. Sempre defendeu os direitos de nossos povos. Parabéns!
Porém, temos que entender que o movimento indígena está forte. Na Rio + 20, mais de 1.800 líderes reprovaram as ações do Márcio Meira. Portanto, foi o Cartão Internacional, Vermelho. Até agora, a pobre Funai serve mais os amigos do Márcio Meira. Para índios -ZERO.
No outro dia falei com Horácio Kayapó; Depois do Doc da AGU - 303, os índios estavam prontos para guerra conta AGU; Naturalmente, a Funai que estava conivente. Portanto, é a hora de dizer a Verdade. A Funai deveria ser dirigida por índios que defendem realmente os índios, de pessoas novas que estão de greve e, nunca por essas pessoas que dão o prazer a certas pessoas que enganam a Presidente Dilma que foi guerrilheira, presa, torturada e, hoje, querendo ouvir a Comissão da Verdade.
Queria receber o espaço para dizer que nós, os povos indígenas, fomos traídos e enganados por um governo que construímos nos últimos. A pior dor é essa. Será que podemos fazer o remédio? Então amigos, deve existir em nosso meio, certos antrópologos e outros achando que o Megaron está sózinho.
Conheço o Megoron e outras lideranças sérias, portanto nós, lideres indígenas, estamos com Megaron. Nós, os líderes que conhecemos a história da Funai e apoiamos a greve dos funcionários e, busca de uma política palpável que atenda aos nossos irmãos.
Mercio, mando abraço para os nossos guerreiros e guerreiros índios, brancos e brancas, amarelos e amarelas e demais que precisam de vida digna de povos indígena, de florestas em pé. Temos que combater e denunciar a corrupção que acontecem na Funai e outros órgãos do Governo Federal.
quarta-feira, 25 de julho de 2012
AGU analisa pedido da Funai. Mas está insatisfeita
A AGU declarou que está analisando o pedido da Funai para suspender por
60 dias os efeitos da Portaria 303. Analisa, mas provavelmente vai
suspender. O fato é que houve uma quebra de braço entre a Gilberto
Carvalho e Luiz Inacio Adams. Gilberto
tem mais força e ganhou. Adams achava que estava já tudo combinado e
recuar é sempre sinal de desprestígio na luta do poder.ESTÁ em jogo sua
indicação ao STF. Enquanto isso, a Funai vai ficar de pernas pro ar, em
desorientação geral. Imagine se na atual conjuntura ela terá condições
de abrir uma consulta aos índios para ver se eles aceitam que seus
direitos sejam restringidos!!! Toda essa confusão é herança do domínio
das ONGs sobre a Funai nos últims cinco anos. Vai ser duro refazer o
órgão.
Funai diz que portaria sobre terras indígenas será suspensa; AGU informa que está "analisando" a decisão | Agência Brasil
Funai diz que portaria sobre terras indígenas será suspensa; AGU informa que está "analisando" a decisão | Agência Brasil
sexta-feira, 20 de julho de 2012
FUNAI rejeita Portaria 303 da AGU
Mostrando-se à altura da dignidade do indigenismo brasileiro, a presidência da FUNAI respondeu à altura à AGU, rejeitando a Portaria 303. Usando do argumento jurídico de que o caso Raposa Serra do Sol ainda não está concluído devido a petições sobre o que significam as condicionantes, a FUNAI argumenta que a portaria da AGU foi precipitada. Faltou declarar que foi infiel ao espírito do indigenismo rondoniano, mas aí seria pedir demais.
Por todos os modos, parabéns à FUNAI, à presidente e aos seus funcionários. Como já disse um deputado potiguar, em eras mais difíceis, "tudo ao rei, menos a honra!"
PS1
A Associação Brasileira de Antropologia também emitiu nota de repúdio à Portaria 303 da AGU. Declara que é inconstitucional e até ilegal por contrariar a Convenção 169 e o Estatuto do Índio. Entretanto, faltou fazer uma análise criteriosa dos pontos que declara ilegais e das consequências desses pontos ao indigenismo brasileiro.
PS2
O Advogado Geral da União deu entrevista ao site BR21 em que justifica a Portaria 303 declarando que está simplesmente fazendo norma geral aquilo que foi determinado pelo STF. Entretanto, foge da pergunta sobre se o caso Raposa Serra do Sol estava juridicamente encerrado e dribla a questão de retrocesso ou não na política indigenista brasileira. Reafirma, entretanto, que as consultas a povos indígenas devem continuar nos aspectos de interesses econômicos, e não se dá conta de que algumas das ressalvas passam por cima dessas consultas!
É inacreditável que tais argumentos tenham saído do advogado geral da União brasileira!
______________
Por todos os modos, parabéns à FUNAI, à presidente e aos seus funcionários. Como já disse um deputado potiguar, em eras mais difíceis, "tudo ao rei, menos a honra!"
PS1
A Associação Brasileira de Antropologia também emitiu nota de repúdio à Portaria 303 da AGU. Declara que é inconstitucional e até ilegal por contrariar a Convenção 169 e o Estatuto do Índio. Entretanto, faltou fazer uma análise criteriosa dos pontos que declara ilegais e das consequências desses pontos ao indigenismo brasileiro.
PS2
O Advogado Geral da União deu entrevista ao site BR21 em que justifica a Portaria 303 declarando que está simplesmente fazendo norma geral aquilo que foi determinado pelo STF. Entretanto, foge da pergunta sobre se o caso Raposa Serra do Sol estava juridicamente encerrado e dribla a questão de retrocesso ou não na política indigenista brasileira. Reafirma, entretanto, que as consultas a povos indígenas devem continuar nos aspectos de interesses econômicos, e não se dá conta de que algumas das ressalvas passam por cima dessas consultas!
É inacreditável que tais argumentos tenham saído do advogado geral da União brasileira!
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Nota técnica da Funai sobre a Portaria nº 303/12 da AGU |
A Fundação Nacional do Índio - Funai, órgão federal responsável pela coordenação da política indigenista do Estado brasileiro, vem a público manifestar sua contrariedade à edição da Portaria n.º 303, de 16 de julho de 2012, que “fixa a interpretação das salvaguardas às terras indígenas, a ser uniformemente seguida pelos órgãos jurídicos da Administração Pública Federal direta e indireta, determinando que se observe o decidido pelo STF na Pet. 3.388-Roraima, na forma das condicionantes”.
Fundação Nacional do ÍndioEntendemos que a medida restringe o reconhecimento dos direitos dos povos indígenas, especialmente os direitos territoriais, consagrados pela Constituição Federal, ao adotar como parâmetro decisão não definitiva do Supremo Tribunal Federal para uniformizar a atuação das unidades da Advocacia-Geral da União. O julgamento da Petição 3.388-Roraima (referente ao caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol) ainda não foi encerrado, tendo em vista a existência de embargos de declaração pendentes de decisão junto à Corte Suprema, os quais visam esclarecer a interpretação e os efeitos atribuídos às condicionantes estabelecidas na decisão do caso mencionado. Além disso, o próprio Supremo já se manifestou no sentido de que a decisão proferida no caso da Terra Indígena Raposa Serra do Sol não possui efeito vinculante para os demais processos envolvendo a demarcação de terras indígenas, conforme consta nas Reclamações 8.070 e 13.769. A uniformização da atuação das unidades da Advocacia-Geral da União em relação aos processo envolvendo a demarcação de terras indígenas deve ser embasada em decisões definitivas do Supremo Tribunal Federal, sob pena de aumentar a insegurança jurídica e, principalmente, colocar em risco os direitos garantidos constitucionalmente às comunidades indígenas. Por essas razões, é imprescindível a revisão dos termos da Portaria nº 303, de 16 de julho de 2012. Brasília, 20 de julho, de 2012 |
quinta-feira, 19 de julho de 2012
Megaron Txukarramãe sob ameaça
Para um líder indígena experimentado como Megaron Txukarramãe, ser ameaçado por fazendeiros, madeireiros, garimpeiros e gente dessas laias nunca foi motivo de maiores preocupações. Sua postura de enfrentamento aos inimigos dos índios sempre teve um ar de ousadia e coragem fria, própria de guerreiro e líder.
Pois não é por isso que Megaron corre perigo. O perigo vem da própria FUNAI, dos acólitos da administração passada que lançaram um processo administrativo disciplinar contra Megaron e, ao ser condenado, o exoneraram do cargo de chefe da administração regional de Colíder. Os Kayapó protestaram, seu tio Raoni levantou sua voz e exigiu que o presidente da FUNAI e a presidente Dilma anulassem a exoneração. Raoni foi chamado e veio conversar com o secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho. Isso em dezembro do ano passado.
Enrolaram Raoni e Megaron, e sua exoneração permaneceu. Os Kayapó engoliram a desfeita e daí por diante pouco têm procurado a FUNAI para assisti-los em suas necessidades básicas de assistência. Ao contrário, estão sendo ajudados por associações outras, para vergonha do órgão indigenista.
Mas o que está por vir é terrível, pior do que tudo. O processo contra Megaron foi levado adiante e está sendo envolucrado para provocar a demissão de Megaron de sua função de indigenista, de funcionário público da FUNAI, que é há mais de 30 anos, por justa causa ou até a bem do serviço público!
Os amigos indigenistas de Megaron estão tentando de todos os modos parar esse descalabro institucional. Escreveram uma carta à presidente da FUNAI alertando-a do que está acontecendo e pedindo uma audiência para que o caso seja revisto.
A demissão do serviço público de Megaron constituiria uma tragédia do indigenismo brasileiro. Ou melhor, do tipo de indigenismo que vem sendo praticado nos últimos sete anos. É uma desfeita ao homem Megaron e uma desonra a um índio que representa um dos esteios da dignidade indígena brasileira. É uma desonra para a FUNAI e para todos os servidores do órgão, que são colegas de Megaron e sabem o quanto ele lutou e se sacrificou para manter a presença do Estado, da FUNAI, junto aos Kayapó.
Se esse processo não for anulado imediatamente, a conspurcação do nome da FUNAI será total. Representará sua incapacidade de dar aos índios o direito e a oportunidade de gerir seu destino, dentro da institucionalidade do estado brasileiro.
Pois não é por isso que Megaron corre perigo. O perigo vem da própria FUNAI, dos acólitos da administração passada que lançaram um processo administrativo disciplinar contra Megaron e, ao ser condenado, o exoneraram do cargo de chefe da administração regional de Colíder. Os Kayapó protestaram, seu tio Raoni levantou sua voz e exigiu que o presidente da FUNAI e a presidente Dilma anulassem a exoneração. Raoni foi chamado e veio conversar com o secretário-geral da Presidência, ministro Gilberto Carvalho. Isso em dezembro do ano passado.
Enrolaram Raoni e Megaron, e sua exoneração permaneceu. Os Kayapó engoliram a desfeita e daí por diante pouco têm procurado a FUNAI para assisti-los em suas necessidades básicas de assistência. Ao contrário, estão sendo ajudados por associações outras, para vergonha do órgão indigenista.
Mas o que está por vir é terrível, pior do que tudo. O processo contra Megaron foi levado adiante e está sendo envolucrado para provocar a demissão de Megaron de sua função de indigenista, de funcionário público da FUNAI, que é há mais de 30 anos, por justa causa ou até a bem do serviço público!
Os amigos indigenistas de Megaron estão tentando de todos os modos parar esse descalabro institucional. Escreveram uma carta à presidente da FUNAI alertando-a do que está acontecendo e pedindo uma audiência para que o caso seja revisto.
A demissão do serviço público de Megaron constituiria uma tragédia do indigenismo brasileiro. Ou melhor, do tipo de indigenismo que vem sendo praticado nos últimos sete anos. É uma desfeita ao homem Megaron e uma desonra a um índio que representa um dos esteios da dignidade indígena brasileira. É uma desonra para a FUNAI e para todos os servidores do órgão, que são colegas de Megaron e sabem o quanto ele lutou e se sacrificou para manter a presença do Estado, da FUNAI, junto aos Kayapó.
Se esse processo não for anulado imediatamente, a conspurcação do nome da FUNAI será total. Representará sua incapacidade de dar aos índios o direito e a oportunidade de gerir seu destino, dentro da institucionalidade do estado brasileiro.
quarta-feira, 18 de julho de 2012
Portaria 303 da AGU é terrível! Vejam aqui de onde veio
A Portaria 303, da Advogacia Geral da União, publicada dia 16 deste mês, confirma as ressalvas proferidas durante a votação da questão da homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.
A indignação de índios e indigenistas, antropólogos e advogados, é imensa. Não que viesse a ser surpresa, já que, desde aquela súmula, se esperava uma regulamentação por parte do Ministério da Justiça. Quem a regulamentou afinal foi a AGU, livrando a responsabilidade do MJ e, por extensão, da FUNAI. Agora, que estes órgãos se pronunciem. A questão é muito sério para fingir que não é com eles.
Ficar indignado e não fazer nada é mesmo que choro de criança. Algo tem que ser feito, a partir da OAB, da ABA e da própria FUNAI, que não pode ficar inerme a esse ato anti-indigenista.
Agora, fingir surpresa, não. Desde o início da votação sobre o tema Raposa Serra do Sol, em agosto de 2008, que se sabe que o STF iria apresentar mudanças na visão indigenista brasileira. Os ministros consultaram diversos antropólogos, ONGs, CIMI e outras associações sobre esse tema. Desde a votação final, em 19 de março de 2009, que se vem esperando uma atitude por parte do indigenismo oficial brasileiro sobre as várias questões que foram deflagradas pelas 19 ressalvas e mais a definição da data da promulgação da Constituição de 1988 como base temporal para definir ocupação indígena de determinada terra. O próprio STF, através de decisões liminares, já se pronunciou sobre algumas das ressalvas em casos diferentes. Surpreendentemente, o que um ministro diz, o outro desdiz.
Apresento abaixo uma série de artigos que escrevi com base nas discussões sobre o caso Raposa Serra do Sol e a súmula cheia de ressalvas daquela votação. Dá para ver o que estava para vir, e veio. Numa entrevista de julho de 2008, antes de proferir seu voto, Ayres Britto já antecipa que o caso Raposa Serra do Sol vai definir como será o processo de regulamentação de terras indígenas. Será que ele sabia que o ministro Madeiro iria pedir vistas para apresentar as tais ressalvas? Bem, é possível.
O leite está derramado. Agora é lutar para mudar tudo isso, não só essa decisão da AGU, mas a posição que a FUNAI deve manifestar. A política indigenista de caráter rondoniano tem uma resposta clara. Resta saber se o que está sendo implementado é desse caráter, ou se a política indigenista atual vai continuar no papel de desfocar os casos mais importantes para o futuro dos índios, aplicar uma cortinha de fumaçã e regredir para o tratamento infantil que vem sujeitando os povos indígenas brasileiros.
Aproveitem as leituras, comparem com o que outros estão escrevendo e façam os comentários que acharem pertinentes. Esse assunto é fundamental para definir o futuro dos índios brasileiros.
Blog do Mércio: Índios, Antropologia, Cultura: Raposa Serra do Sol -- 9 X 1 -- Arrozeiros
http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/12/o-stf-cumpre-o-seu-papel.html
http://merciogomes.blogspot.com.br/2009/03/ressalva-n-20-data-da-promulgacao-da.html
http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/08/ayres-britto-d-voto-brilhante-sobre.html
http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/09/ayres-britto-v-integrao-indgena-na.html
http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/06/ministro-ayres-britto-em-entrevista.html
A indignação de índios e indigenistas, antropólogos e advogados, é imensa. Não que viesse a ser surpresa, já que, desde aquela súmula, se esperava uma regulamentação por parte do Ministério da Justiça. Quem a regulamentou afinal foi a AGU, livrando a responsabilidade do MJ e, por extensão, da FUNAI. Agora, que estes órgãos se pronunciem. A questão é muito sério para fingir que não é com eles.
Ficar indignado e não fazer nada é mesmo que choro de criança. Algo tem que ser feito, a partir da OAB, da ABA e da própria FUNAI, que não pode ficar inerme a esse ato anti-indigenista.
Agora, fingir surpresa, não. Desde o início da votação sobre o tema Raposa Serra do Sol, em agosto de 2008, que se sabe que o STF iria apresentar mudanças na visão indigenista brasileira. Os ministros consultaram diversos antropólogos, ONGs, CIMI e outras associações sobre esse tema. Desde a votação final, em 19 de março de 2009, que se vem esperando uma atitude por parte do indigenismo oficial brasileiro sobre as várias questões que foram deflagradas pelas 19 ressalvas e mais a definição da data da promulgação da Constituição de 1988 como base temporal para definir ocupação indígena de determinada terra. O próprio STF, através de decisões liminares, já se pronunciou sobre algumas das ressalvas em casos diferentes. Surpreendentemente, o que um ministro diz, o outro desdiz.
Apresento abaixo uma série de artigos que escrevi com base nas discussões sobre o caso Raposa Serra do Sol e a súmula cheia de ressalvas daquela votação. Dá para ver o que estava para vir, e veio. Numa entrevista de julho de 2008, antes de proferir seu voto, Ayres Britto já antecipa que o caso Raposa Serra do Sol vai definir como será o processo de regulamentação de terras indígenas. Será que ele sabia que o ministro Madeiro iria pedir vistas para apresentar as tais ressalvas? Bem, é possível.
O leite está derramado. Agora é lutar para mudar tudo isso, não só essa decisão da AGU, mas a posição que a FUNAI deve manifestar. A política indigenista de caráter rondoniano tem uma resposta clara. Resta saber se o que está sendo implementado é desse caráter, ou se a política indigenista atual vai continuar no papel de desfocar os casos mais importantes para o futuro dos índios, aplicar uma cortinha de fumaçã e regredir para o tratamento infantil que vem sujeitando os povos indígenas brasileiros.
Aproveitem as leituras, comparem com o que outros estão escrevendo e façam os comentários que acharem pertinentes. Esse assunto é fundamental para definir o futuro dos índios brasileiros.
Blog do Mércio: Índios, Antropologia, Cultura: Raposa Serra do Sol -- 9 X 1 -- Arrozeiros
http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/12/o-stf-cumpre-o-seu-papel.html
http://merciogomes.blogspot.com.br/2009/03/ressalva-n-20-data-da-promulgacao-da.html
http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/08/ayres-britto-d-voto-brilhante-sobre.html
http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/09/ayres-britto-v-integrao-indgena-na.html
http://merciogomes.blogspot.com.br/2008/06/ministro-ayres-britto-em-entrevista.html
quarta-feira, 11 de julho de 2012
FUNAI dixit. Mas precisa dizer direito!
A presidência da Funai, ou sua Diretoria Colegiada, respondeu num longo ofício às considerações, demandas e análises feitas no Manifesto dos Servidores do órgão, em greve. O Manifesto está publicado na postagem anterior. A carta da presidência segue abaixo. Eis aqui minhas considerações a respeito.
A carta de resposta aos servidores consiste numa defesa explícita e ao mesmo tempo defensiva da última gestão do órgão, entre 2007 e 2011. Por que a nova diretoria se deu a esse trabalho, não sei. Poderia mais tranquilamente se posicionar no presente e olhar para o futuro. Mas, enfim, são três os pontos defendidos sobre os quais quero tecer alguns comentários: (1) demarcação de terras; (2) reestruturação da Funai; e (3) diálogo com os índios.
1. No primeiro ponto, a carta defende que foram constituídos mais de 100 GT para reconhecer e delimitar terras, embora reconhece que nesse período só 21 terras indígenas tenham sido homologadas. Dessas terras todas já tinham sido demarcadas in situ, como a Trombetas-Mapuera e Baú, as duas últimas grandes terras indígenas demarcadas, e avaliadas para serem homologadas pela presidência da República antes de 2007. Quer dizer, nenhuma terra nova foi efetivamente demarcada e homologada nessa última gestão da Funai. A carta peca por não analisar o Acórdão de 19 de março de 2009, do STF, que determinou, em forma de ressalvas, imensos obstáculos às novas demarcações. O que se sabe é que em breve, para os próximos dias ou semanas, será publicado um novo decreto demarcatório, com assinatura da AGU, feito precisamente para regulamentar essas ressalvas do Acórdão. Ficaria mais claro se tudo isso fosse analisado e avaliado pela atual gestão para se posicionar diante dessa questão de um modo menos defensivo. Acenar com a possibilidade de dar continuidade à estratégia de demarcação da gestão anterior, com todo o espalhafato conhecido, significa pôr em perigo uma mínima chance de ainda se demarcar algumas áreas para os Guarani, por exemplo.
2. O segundo ponto, a reestruturação da Funai é defendida quase com vergonha, passando pelo tema rapidinho. A carta dá a impressão de que em breve as tais CLTs venham a funcionar com mais verbas e mais organização. Ora, e os prejuízos dos índios de não terem postos indígenas em suas terras? Será que não vão corrigir esse desmando numa reavaliação do decreto 7056/09? E a extinção de administrações regionais em sete capitais do país? E a extinção de Altamira, para que foi feita? Como defender isso? E a de Oiapoque, na fronteira com a Guiana? E São Felix do Araguaia, Água Boa, Campinápolis, Parecis? Sem falar em mais 10 delas!
3. O terceiro ponto, o diálogo com os índios é respondido com desfaçatez. Como achar que o diálogo com o CNPI é suficiente para corresponder à obrigação da Funai de estar sempre em diálogo com os índios? Será que os 12 representantes indígenas e seus suplentes representam os povos indígenas? Será que os Xavante, os Guarani, os Terena, os Karajá, os Cintas-Largas, os Kaxarari, os Yawanawa, os Kayapó se sentem representados? Mesmo o CNPI sentiu o desprezo por parte da então diretoria da Funai em relação às suas falas, e chegaram ao ponto de fazer uma condenação formal ao então presidente há precisamente um ano. Será que nesses últimos cinco anos os índios tiveram o bom acolhimento ao diálogo por parte da diretoria que se vai?
Certamente que não. Da nova presidente se espera a retomada de um diálogo que a Funai sempre exerceu com os índios. Verdade que houve diretorias, no tempo dos militares, que punham guarda na entrada da sede do órgão. Mas, mesmo então, os índios sentiam a recepção dos indigenistas e diálogo havia por meio deles. Nesses últimos cinco anos o que houve efetivamente foi um funéreo silêncio na sede da Funai, e só agora os indigenistas novos e veteranos estão saindo do sufoco da opressão que sentiam para se abrir para os índios e não os considerar uns chatos e importunos.
4. A desculpa de que a Convenção 169 ainda não foi regulamentada sobre o que constitui "consulta prévia e informada" para se tomar decisão sobre impactos de empreendimentos hidrelétricos é um fuga à realidade. Como assim, esperar até 2013 para se encontrar a forma certa dessas consultas? Ora, os empreendimentos estão aí, rolando morro abaixo, as consultas vêm sendo feitas, a torto e a direito, a reboque do tempo ou com calma, algumas ruins e péssimas, outras melhores e boas. Não se pode esperar tanto tempo. Se as reuniões feitas com os índios em março desse ano não deram resultado, que se proponha algo com firmeza e se dialogue com os índios. Em último caso, que se convoque uma nova Conferência Nacional dos Povos Indígenas para isso! E para decidir sobre as controvérsias da proposta do tal novo Estatuto do Índio!
Quer dizer que, considerando esse Congresso Nacional e a animosidade contra os direitos indígenas, a atual direção da Funai ainda está de acordo com a ideia de lutar para que a proposta de um novo estatuto seja votada no Congresso? Querem brincar com fogo?
5. Do que não se pode fugir é do escândalo. E o que existe de escandaloso, que marca como uma pústula a dignidade da Funai, é a péssima resolução feita sobre a Usina Belo Monte e os seus desdobramentos infelizes. As consultas, até filmadas, contratadas para ONGs, se constituem em pastiche, remedos de consultas. Basta ver algumas delas no youtube, ou mesmo nesse blog. Os índios têm razão em achar que não foram consultados. As mentiras ditas a Raoni pelo então presidente de que não deixaria que se fizesse Belo Monte, para, na calada da noite, mandar seu adjunto assinar a carta de anuência, constitui uma das maiores faltas de respeito, para não dizer outros substantivos mais adequados, da história do indigenismo moderno. Isto não é indigenismo com herança de Rondon! Daí por que a indagação dos servidores em greve precisa ser respondida com mais respeito!
6. Há evidentemente um mal estar em defender coisas como proibir a entrada de grupos indígenas no órgão, colocar guarda policial armada no hall de entrada da sede em Brasília, deixar administrações regionais abandonadas, não saber nem repassar dinheiro! A carta da diretoria colegiada nem menciona essa nódoa no indigenismo brasileiro.
7. Gostaria, por fim, de dizer que me sinto mal em estar criticando a direção da Funai, mais uma vez, sobretudo a nova presidente, a quem tenho muito respeito. Faz pouco tempo que ela chegou e ainda nem tomou pé direito do que aconteceu na Funai. Assim, faço essas criticas veementes com esperança. Espero sinceramente que ela melhore a Funai, que desfaça essa reestruturação desastrosa, que abra um diálogo com os índios que são lideranças de raiz, com gente que mora nas aldeias, que sente no cangote o fungar de invasores em potenciais, que sente falta do diálogo, da compreensão indigenista, da esperança de melhoras. Há uma nova leva de jovens indigenistas, antropólogos, engenheiros, agrônomos, sei lá, tudo em quanto. É um pessoal que precisa rapidamente se dar conta do que é o indigenismo rondoniano brasileiro, de suas tradições, de suas glórias, e de seus defeitos. Repetir o que aconteceu nos últimos cinco anos pode resultar no fim desta tradição, no desapego do amor ao índio, sem o quê nenhum indigenista aguenta o tranco.
Os perigos estão aí. O Congresso Nacional vem com uma PEC que desmoronaria a política indigenista brasileira, trazendo as principais decisões para o legislativo. Os advogados e os ongueiros gritam que é inconstitucional. Ora, mas eles podem mudar a Constituição. O buraco é mais embaixo!
Vem aí a nova regulamentação sobre demarcação de terras indígenas, um novo decreto para substituir o 1756 de 1995. Vem pesado, diminuindo a prerrogativa da Funai para reconhecer terras e para avaliar se é ou não é indígena por ocupação tradicional. Vai abrir novas brechas para os advogados de terceiros. Por que isso? Por que o STF fez um Acórdão tão drástico? Por que a Funai ficou abúlica diante desse Acórdão?
Há que mudar a Funai, há que reestruturá-la adequadamente. Há que se dar participação direta aos índios. Há que encarar os desafios do desenvolvimento da Amazônia. Tapar o sol com a peneira é mais uma ilusão dessa leva de gente que se apossou do órgão e brincou com o indigenismo como Nero brincou com Roma.
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Resposta+Diretoria+Colegiada+Aos+Servidores
A carta de resposta aos servidores consiste numa defesa explícita e ao mesmo tempo defensiva da última gestão do órgão, entre 2007 e 2011. Por que a nova diretoria se deu a esse trabalho, não sei. Poderia mais tranquilamente se posicionar no presente e olhar para o futuro. Mas, enfim, são três os pontos defendidos sobre os quais quero tecer alguns comentários: (1) demarcação de terras; (2) reestruturação da Funai; e (3) diálogo com os índios.
1. No primeiro ponto, a carta defende que foram constituídos mais de 100 GT para reconhecer e delimitar terras, embora reconhece que nesse período só 21 terras indígenas tenham sido homologadas. Dessas terras todas já tinham sido demarcadas in situ, como a Trombetas-Mapuera e Baú, as duas últimas grandes terras indígenas demarcadas, e avaliadas para serem homologadas pela presidência da República antes de 2007. Quer dizer, nenhuma terra nova foi efetivamente demarcada e homologada nessa última gestão da Funai. A carta peca por não analisar o Acórdão de 19 de março de 2009, do STF, que determinou, em forma de ressalvas, imensos obstáculos às novas demarcações. O que se sabe é que em breve, para os próximos dias ou semanas, será publicado um novo decreto demarcatório, com assinatura da AGU, feito precisamente para regulamentar essas ressalvas do Acórdão. Ficaria mais claro se tudo isso fosse analisado e avaliado pela atual gestão para se posicionar diante dessa questão de um modo menos defensivo. Acenar com a possibilidade de dar continuidade à estratégia de demarcação da gestão anterior, com todo o espalhafato conhecido, significa pôr em perigo uma mínima chance de ainda se demarcar algumas áreas para os Guarani, por exemplo.
2. O segundo ponto, a reestruturação da Funai é defendida quase com vergonha, passando pelo tema rapidinho. A carta dá a impressão de que em breve as tais CLTs venham a funcionar com mais verbas e mais organização. Ora, e os prejuízos dos índios de não terem postos indígenas em suas terras? Será que não vão corrigir esse desmando numa reavaliação do decreto 7056/09? E a extinção de administrações regionais em sete capitais do país? E a extinção de Altamira, para que foi feita? Como defender isso? E a de Oiapoque, na fronteira com a Guiana? E São Felix do Araguaia, Água Boa, Campinápolis, Parecis? Sem falar em mais 10 delas!
3. O terceiro ponto, o diálogo com os índios é respondido com desfaçatez. Como achar que o diálogo com o CNPI é suficiente para corresponder à obrigação da Funai de estar sempre em diálogo com os índios? Será que os 12 representantes indígenas e seus suplentes representam os povos indígenas? Será que os Xavante, os Guarani, os Terena, os Karajá, os Cintas-Largas, os Kaxarari, os Yawanawa, os Kayapó se sentem representados? Mesmo o CNPI sentiu o desprezo por parte da então diretoria da Funai em relação às suas falas, e chegaram ao ponto de fazer uma condenação formal ao então presidente há precisamente um ano. Será que nesses últimos cinco anos os índios tiveram o bom acolhimento ao diálogo por parte da diretoria que se vai?
Certamente que não. Da nova presidente se espera a retomada de um diálogo que a Funai sempre exerceu com os índios. Verdade que houve diretorias, no tempo dos militares, que punham guarda na entrada da sede do órgão. Mas, mesmo então, os índios sentiam a recepção dos indigenistas e diálogo havia por meio deles. Nesses últimos cinco anos o que houve efetivamente foi um funéreo silêncio na sede da Funai, e só agora os indigenistas novos e veteranos estão saindo do sufoco da opressão que sentiam para se abrir para os índios e não os considerar uns chatos e importunos.
4. A desculpa de que a Convenção 169 ainda não foi regulamentada sobre o que constitui "consulta prévia e informada" para se tomar decisão sobre impactos de empreendimentos hidrelétricos é um fuga à realidade. Como assim, esperar até 2013 para se encontrar a forma certa dessas consultas? Ora, os empreendimentos estão aí, rolando morro abaixo, as consultas vêm sendo feitas, a torto e a direito, a reboque do tempo ou com calma, algumas ruins e péssimas, outras melhores e boas. Não se pode esperar tanto tempo. Se as reuniões feitas com os índios em março desse ano não deram resultado, que se proponha algo com firmeza e se dialogue com os índios. Em último caso, que se convoque uma nova Conferência Nacional dos Povos Indígenas para isso! E para decidir sobre as controvérsias da proposta do tal novo Estatuto do Índio!
Quer dizer que, considerando esse Congresso Nacional e a animosidade contra os direitos indígenas, a atual direção da Funai ainda está de acordo com a ideia de lutar para que a proposta de um novo estatuto seja votada no Congresso? Querem brincar com fogo?
5. Do que não se pode fugir é do escândalo. E o que existe de escandaloso, que marca como uma pústula a dignidade da Funai, é a péssima resolução feita sobre a Usina Belo Monte e os seus desdobramentos infelizes. As consultas, até filmadas, contratadas para ONGs, se constituem em pastiche, remedos de consultas. Basta ver algumas delas no youtube, ou mesmo nesse blog. Os índios têm razão em achar que não foram consultados. As mentiras ditas a Raoni pelo então presidente de que não deixaria que se fizesse Belo Monte, para, na calada da noite, mandar seu adjunto assinar a carta de anuência, constitui uma das maiores faltas de respeito, para não dizer outros substantivos mais adequados, da história do indigenismo moderno. Isto não é indigenismo com herança de Rondon! Daí por que a indagação dos servidores em greve precisa ser respondida com mais respeito!
6. Há evidentemente um mal estar em defender coisas como proibir a entrada de grupos indígenas no órgão, colocar guarda policial armada no hall de entrada da sede em Brasília, deixar administrações regionais abandonadas, não saber nem repassar dinheiro! A carta da diretoria colegiada nem menciona essa nódoa no indigenismo brasileiro.
7. Gostaria, por fim, de dizer que me sinto mal em estar criticando a direção da Funai, mais uma vez, sobretudo a nova presidente, a quem tenho muito respeito. Faz pouco tempo que ela chegou e ainda nem tomou pé direito do que aconteceu na Funai. Assim, faço essas criticas veementes com esperança. Espero sinceramente que ela melhore a Funai, que desfaça essa reestruturação desastrosa, que abra um diálogo com os índios que são lideranças de raiz, com gente que mora nas aldeias, que sente no cangote o fungar de invasores em potenciais, que sente falta do diálogo, da compreensão indigenista, da esperança de melhoras. Há uma nova leva de jovens indigenistas, antropólogos, engenheiros, agrônomos, sei lá, tudo em quanto. É um pessoal que precisa rapidamente se dar conta do que é o indigenismo rondoniano brasileiro, de suas tradições, de suas glórias, e de seus defeitos. Repetir o que aconteceu nos últimos cinco anos pode resultar no fim desta tradição, no desapego do amor ao índio, sem o quê nenhum indigenista aguenta o tranco.
Os perigos estão aí. O Congresso Nacional vem com uma PEC que desmoronaria a política indigenista brasileira, trazendo as principais decisões para o legislativo. Os advogados e os ongueiros gritam que é inconstitucional. Ora, mas eles podem mudar a Constituição. O buraco é mais embaixo!
Vem aí a nova regulamentação sobre demarcação de terras indígenas, um novo decreto para substituir o 1756 de 1995. Vem pesado, diminuindo a prerrogativa da Funai para reconhecer terras e para avaliar se é ou não é indígena por ocupação tradicional. Vai abrir novas brechas para os advogados de terceiros. Por que isso? Por que o STF fez um Acórdão tão drástico? Por que a Funai ficou abúlica diante desse Acórdão?
Há que mudar a Funai, há que reestruturá-la adequadamente. Há que se dar participação direta aos índios. Há que encarar os desafios do desenvolvimento da Amazônia. Tapar o sol com a peneira é mais uma ilusão dessa leva de gente que se apossou do órgão e brincou com o indigenismo como Nero brincou com Roma.
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Resposta+Diretoria+Colegiada+Aos+Servidores
quinta-feira, 5 de julho de 2012
Greve da FUNAI também tem cunho político-administrativo
É com surpresa e satisfação que publico aqui o Manifesto dos grevistas da FUNAI. É um texto forte, inteligente, político. Não pretende só protestar por salários, mas por participação no destino da FUNAI e no trabalho indigenista.
Há vários anos os indigenistas e servidores da FUNAI andavam acabrunhados, sem iniciativa, incapazes de enfrentar os desmandos e mazelas que ocorriam. O decreto de reestruturação do órgão, que teve o protesto por sete meses, entre janeiro e julho de 2010, de mais de 500 índios, foi ignorado pelos servidores, a não ser por alguns dias, quando a FUNAI foi tomada. Tempo estranho aquele, pelo abandono com que os índios se sentiram.
Mas, agora, com nova liderança, os servidores do órgão levantam a cabeça, discutem seus interesses profissionais e criam uma visão mais adequada ao momento atual.
Vejam o que anda acontecendo pelo Brasil afora. Vejam o descalabro que estão as tais coordenações regionais, sem falar nas míseras coordenadorias técnicas locais. Que nome! Digno do mais inseguro burocrata da Terra. E jogaram fora o nome "posto indígena", que marcava um status federal para os índios.
Mas vamos lá pessoal, unam-se e ajudem os índios a mudar essa FUNAI!
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Há vários anos os indigenistas e servidores da FUNAI andavam acabrunhados, sem iniciativa, incapazes de enfrentar os desmandos e mazelas que ocorriam. O decreto de reestruturação do órgão, que teve o protesto por sete meses, entre janeiro e julho de 2010, de mais de 500 índios, foi ignorado pelos servidores, a não ser por alguns dias, quando a FUNAI foi tomada. Tempo estranho aquele, pelo abandono com que os índios se sentiram.
Mas, agora, com nova liderança, os servidores do órgão levantam a cabeça, discutem seus interesses profissionais e criam uma visão mais adequada ao momento atual.
Vejam o que anda acontecendo pelo Brasil afora. Vejam o descalabro que estão as tais coordenações regionais, sem falar nas míseras coordenadorias técnicas locais. Que nome! Digno do mais inseguro burocrata da Terra. E jogaram fora o nome "posto indígena", que marcava um status federal para os índios.
Mas vamos lá pessoal, unam-se e ajudem os índios a mudar essa FUNAI!
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MANIFESTO DOS SERVIDORES E SERVIDORAS EM GREVE DA FUNAI AOS POVOS INDÍGENAS
Brasília/DF, 03 de julho de 2012
Comunicamos
aos povos indígenas, suas organizações e associações que os/as
servidores/as da Funai sede, em Brasília, deflagraram greve por tempo
indeterminado no dia 21 de junho, após deliberação em assembleia. As Coordenações
Regionais e respectivas Coordenações Técnicas Locais estão,
paulatinamente, aderindo ao movimento, cujo objetivo é atingir a adesão
nacional.
A
greve da Funai vem se somar ao movimento de greve nacional dos
servidores públicos federais, em defesa do serviço público de qualidade e
da valorização das respectivas carreiras.
A
questão indígena não tem sido uma prioridade para o Estado Nacional e
menos ainda para o atual governo. Nesse cenário, a luta na Funai passa
pela valorização da instituição e pela aplicação da política
indigenista. Política esta que passa por uma reviravolta a partir do
marco constitucional de 1988[1], em que, pela primeira vez, a
perspectiva assimilacionista e assistencialista do Estado foi deslocada
em direção ao respeito à multiplicidade étnica e às diversas formas de
territorialidade dos povos indígenas.
Porém,
essa luta ainda está em processo, uma vez que os direitos não estão
garantidos em sua plenitude, com destaque para a defasagem na
regularização fundiária dos territórios indígenas. Ao
longo da história, quase 90% do território nacional foi sendo
expropriado dos povos indígenas. Dos 12% atualmente reconhecidos como
territórios indígenas pelo Estado, menos de 60% estão regularizados e
boa parte desse total não se encontra na posse plena das populações
indígenas, gerando graves problemas de desestruturação socioambiental e
cultural.
Da
mesma forma, é preciso repensar o lugar que ocupam a saúde e a educação
indígenas, dois direitos conquistados durante longas décadas de
discussões e lutas do movimento indígena, e que ainda não foram
implementadas de forma efetiva e adequadas às especificidades dos povos
indígenas.
Entendemos
que a Funai deva exercer um papel mais atuante no desenvolvimento de
ações complementares e diferenciadas, fortalecendo as ações dos órgãos
diretamente responsáveis pelas políticas de educação e saúde, bem como
das outras Políticas de Estado voltadas aos povos indígenas.
Além
disso, enquanto órgão indigenista, a Funai deve apoiar os povos
indígenas para o exercício do controle social sobre essas Políticas para
que as mesmas sejam adequadas às suas especificidades e interesses.
No
contexto das questões levantadas acima, a Política Nacional de Gestão
Territorial e Ambiental de Terras Indígenas – PNGATI[2] passa a ser um
instrumento importante de reconhecimento da autonomia e protagonismo dos
povos indígenas por meio da gestão que fazem de seus territórios. A
Política foi conquista de um intenso debate e mobilização do movimento
indígena, que demandou do Estado brasileiro o reconhecimento da
importância dos modos de vida tradicionais e do manejo e conservação da
biodiversidade nos territórios ocupados.
Entretanto,
esse instrumento jurídico ainda carece de garantia orçamentária e
política por parte dos órgãos responsáveis para sua aplicação.
Ressalta-se que a execução dessa Política dependerá decisivamente de uma
Funai que consiga trabalhar de forma eficiente junto aos indígenas em
seus territórios. Para tanto, é fundamental que se tenha estrutura
administrativo-financeira, pessoal qualificado e definição das normas e
procedimentos internos ao órgão.
A
Funai, historicamente, vem sofrendo um processo de sucateamento que
reflete o desinteresse do Estado brasileiro com relação à política
indigenista, fundiária e ambiental. A Funai há quase três anos passa por
um processo de reestruturação que ainda não se deu na prática,
acarretando a inexistência ou a existência precária de várias
Coordenações Técnicas Locais, Frentes de Proteção Etnoambiental e até
mesmo de Coordenações Regionais.
Os/As
servidores/as são submetidos a condições degradantes de trabalho, sem
condições mínimas de logística para atendimento às demandas dos povos
indígenas; sem acesso a meios de comunicação com as outras unidades,
inclusive com a Funai sede; com procedimentos burocráticos ultrapassados
que implicam a extrema dificuldade de acesso aos recursos e execução
das atividades junto aos povos indígenas. Somam-se a esses problemas o
contigenciamento de recursos imposto pelo Governo Federal e o baixo
efetivo de servidores, sem o suporte institucional adequado de cursos de
formação para as funções exercidas.
Além
disso, a baixa remuneração dos servidores tem sido um importante fator
de evasão e precariedade dos serviços prestados. Não há política de
capacitação/qualificação, de qualidade de vida no trabalho, tampouco
política salarial. Os concursos para provimento de vagas são pouco
atraentes e mesmo os escassos processos seletivos realizados foram
incapazes de recompor o quadro de servidores. Dos 2.585 servidores
ativos da Funai, 35% poderão se aposentar até o final de 2013, e dos
remanescentes, 47% estarão aposentados até 2020.
Esses
dados reforçam a necessidade premente de novos concursos de provimento
de cargos vinculados a melhorias estruturais e de carreira, de modo que a
instituição construa uma política de valorização, garantindo a
permanência de bons profissionais.
Além
da falta de orçamento, pessoal e condições de trabalho, outro grande
gargalo para a reestruturação do órgão está na ausência de um processo
democrático e participativo dos servidores na construção do Regimento
Interno e em algumas inconsistências relativas à localização das
unidades descentralizadas.
Fica
evidente, portanto, que o Estado não vem oferecendo condições materiais
e humanas para o pleno funcionamento do órgão indigenista, impedindo o
cumprimento da missão institucional da Funai e, assim, o atendimento à
Constituição Federal no que concerne aos direitos garantidos aos povos
indígenas.
Por
isso, trazemos ao debate: a necessidade de que todas as Coordenações
Técnicas Locais entrem em funcionamento para o adequado trabalho junto
aos povos indígenas; de que as Coordenações Regionais sejam dotadas de
estrutura física e de pessoal qualificado para a execução de suas
atribuições; a desburocratização e promoção da autonomia
técnico-administrativas das Coordenações Regionais; a criação de
normativas que aprimorem e agilizem os procedimentos internos da Funai; a
criação e aprovação do Plano de Carreira Indigenista que reconheça e
valorize a real situação na lida diferenciada dos funcionários desta
Fundação com as comunidades indígenas; a participação indígena e de
servidores nas discussões sobre a reestruturação da Funai; a realização
de concurso público para provimento total dos 3100 cargos previstos no
Decreto 7056/09, incluindo a previsão de cotas para indígenas; a
discussão e construção conjunta e participativa do Regimento Interno; e,
que o orçamento da Funai seja compatibilizado às suas demandas, dentre
outras ações estruturantes para a Fundação, como reivindicações a serem
discutidas para além da greve.
Como manifestado pelo movimento indígena[3], repudiamos ais a
impunidade, a violência e a perseguição de lideranças indígenas; os
grandes empreendimentos em territórios indígenas e a falta de poder de
decisão dos povos indígenas sobre a construção desses empreendimentos,
em contradição à Constituição Federal e à Convenção 169 da OIT; a
diminuição dos territórios indígenas; o enfraquecimento da legislação
indigenista e da política ambiental que interfere diretamente na
disponibilidade e na qualidade dos recursos naturais essenciais para a
sobrevivência física e reprodução cultural dos povos indígenas; a
tentativa de, por meio da PEC 215, transferir ao Congresso Nacional a
competência para a demarcação e homologação de terras indígenas.
Repudiamos
ainda a recomendação inconstitucional da presidenta Dilma Rousseff de
submeter à aprovação do Ministério de Minas e Energia todos os processos
de regularização fundiária de terras indígenas antes da expedição de
decreto homologatório; a morosidade nos processos de regularização
fundiária; o desmonte do Código Florestal; a discussão do projeto de lei
que regulamenta a mineração e o aproveitamento de recursos hídricos em
terras indígenas sem considerar as proposições contidas no novo Estatuto
dos Povos Indígenas, que está em tramitação no Congresso há mais de uma
década; a Portaria 419, que atropela os trâmites técnico-processuais
próprios ao processo de licenciamento ambiental, em favor de maior
celeridade na condução dos empreendimentos de infraestrutura nacionais.
Exigimos
do Estado as condições adequadas para a regularização fundiária e a
proteção dos territórios indígenas; a melhoria dos serviços de saúde
prestados aos povos indígenas; a valorização dos processos educacionais
indígenas e o diálogo intercultural simétrico que respeite as
especificidades étnicas e culturais de cada povo; a participação dos
povos indígenas no planejamento decenal dos setores de infraestrutura e
energético, responsável pelos projetos de empreendimento que afetam
diretamente seus territórios; a aprovação do novo Estatuto dos Povos
Indígenas; a regulamentação do direito de consulta dos povos indígenas,
conforme disposto na Convenção 169 da OIT; ação efetiva dos demais
órgãos afetos a políticas indigenistas, a exemplo do Ministério da
Saúde, Ministério da Educação, Ministério da Cultura, Ministério do
Desenvolvimento Agrário, Ministério do Meio Ambiente, dentre outros;
capacidade administrativa para a Funai coordenar, implementar, executar e
acompanhar toda a política indigenista do estado brasileiro.
Convidamos
os povos indígenas, por meio de suas principais esferas de
representação, como APIB, COIAB, ARPINPAN, ARPINSUL, ARPINSUDESTE,
APOINME, ATY GUASSU, bem como as demais organizações e iniciativas
indígenas de nível local e regional a se juntarem a nós, servidores do
órgão indigenista oficial, na construção conjunta desse movimento que
visa à garantia efetiva dos direitos indígenas e indigenistas.
Servidoras e Servidores em Greve da Funai
[1]
Durante as décadas de 1970 e 1980 há um intenso processo de discussão e
politização do movimento indígena e indigenista não oficial, que
culmina na participação decisiva de algumas lideranças indígenas na
construção do texto constitucional vigente.
[2]
Aprovada por meio de Decreto Presidencial (nº 7.747, de 05 de junho de
2012) e não por meio de um Projeto de Lei, que garantiria maior
segurança e força do ponto de vista jurídico.
[3] Documento Final do IX Acampamento Terra Livre – Carta do Rio
Em Belo Monte até os índios que aceitaram a Usina se rebelam
A coisa está tão mal ajambrada pelos lados da FUNAI que até os índios que aquiesceram ao projeto de Belo Monte se põem em dúvidas. Desde o dia 21, durante ao Rio+20, já haviam tomado uma secadeira da usina em protesto. Querem que a empresa construtora cumpra os condicionantes que foram estabelecidos pelos relatórios da FUNAI. Ao menos isso! Acontece que não vai ser fácil cumprir esses condicionantes, e não tão ligeirinho assim! O protesto vai terminar como os outros, como tem sido até agora: os protestadores se cansam e aceitam negociar alguma coisa, Depois vão para casa.
Diferente dos Munduruku!
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Carta cobra ações da Norte Energia para indígenas afetados por usina.
Cerca de 350 representantes de nove etnias, que moram em 21 aldeias, ocupam uma ensecadeira, espécie de barragem de terra, construída no sítio Pimental – um dos principais da obra bilionária do governo federal. O local fica 50 km distante da sede da obra em Altamira.
Os manifestantes confiscaram chaves de tratores, carros e equipamentos de rádio. Eles querem a paralisação da obra de construção da hidrelétrica por considerar que a construção da usina prejudica o curso Rio Xingu.
Em entrevista concedida em São Paulo, Sandro Bebere Kayapó, o Mukuka, da etnia Kayapó Xikrin que vive na Terra Indígena (TI) Trincheira Bacajá, apresentou carta aberta que cobra ações da Norte Energia para implementar planos de proteção ao Rio Bacajá, afluente do Xingu, liberação do acesso de agentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) à aldeia, além de reivindicações de cunho social.
De acordo com Mukuka, o Rio Bacajá, um igarapé utilizado para pesca, corre o risco de secar com o funcionamento pleno de Belo Monte. “Os velhos [índios antigos da aldeia] temem que a obra seque o rio. Nós sabemos viver dele e também o dia a dia do rio”, explica.
Os indígenas pedem que a Norte Energia permita o acesso de agentes da Funai à aldeia atravessando o sítio Pimental. Segundo Mukuka, os servidores federais são impedidos pela empresa de passar por dentro do canteiro de obras e, por isso, precisam ir de barco pelo rio até a TI.
A carta aponta ainda quatro condicionantes que deveriam ser cumpridas até junho de 2011 – duas delas refere-se sobre a criação de dois comitês indígenas, um para monitorar a vazão do rio e outro para cobrar as compensações pela obra.
O manifesto pede também a capacitação de moradores locais como agentes de saúde e professores nas escolas, proteção territorial das áreas onde vivem, além de um hospital para índios em Altamira.
Por meio da assessoria de imprensa, a Norte Energia explicou ao G1 que fará uma reunião na próxima segunda-feira (9) com indígenas da região do Rio Xingu, em Altamira, onde serão divulgadas as conclusões sobre demandas apresentadas em encontro realizado há uma semana entre a empresa e as lideranças.
Sobre as dificuldades de acesso de funcionários da Funai e demais representantes de organizações não-governamentais às terras indígenas próximas ao sítio Pimental, a companhia informa que a admissão desse pessoal está autorizada desde que o trânsito seja feito pelo Rio Xingu.
Quanto à passagem de pessoas pelo canteiro do Sítio Pimental, a Norte Energia afirma que a entrada permanecerá controlada e a passagem será autorizada mediante solicitação formal, e posterior aprovação pelo Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM). A nota diz que "uma vez que, nos canteiros, há material perigos que pode expor pessoas não treinadas a riscos desnecessários.Tal procedimento já é de conhecimento da Funai".
Funai
Também por nota, a Funai informou que acompanha a situação indígena nas áreas em questão, assim como das manifestações realizadas no canteiro de obras da usina de Belo Monte.
Segundo a fundação, o Plano Básico Ambiental, ou PBA indígena, que é parte do processo de licenciamento ambiental, tem sido divulgado nas aldeias durante reuniões que tiveram início em fevereiro deste ano e já alcançaram as aldeias das terras indígenas Bacajá, Paquiçamba e Arara da Volta Grande.
Segundo a Funai, as próximas reuniões ocorrerão nas aldeias das terras indígenas Koatinemo, Araweté, Kararaô, Apyterewa, Cachoeira Seca, Arara, Xipaya, Kuruaya, Juruna do Km 17 e Ilha da Fazenda (Volta Grande do Xingu). Por fim, ocorrerão encontros com indígenas citadinos em Altamira, no Pará. Os resultados das discussões oriundas destes encontros irão subsidiar o posicionamento da Funai sobre o PBA indígena.
Diferente dos Munduruku!
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05/07/2012 14h13
- Atualizado em
05/07/2012 16h27
Índios sairão de área de Belo Monte se empresa cumprir contrapartidas
Carta cobra ações da Norte Energia para indígenas afetados por usina.
Desde 21 de junho, 350 manifestantes ocupam sítio Pimental, no Pará.
Eduardo Carvalho
Do Globo Natureza, em São Paulo
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Sandro Bebere Kayapó, o Mukuko, líder dos Xikrin,
lê carta feita por indígenas favoráveis à ocupação
de Belo Monte (Foto: Eduardo Carvalho/Globo
Natureza)
Lideranças indígenas que ocupam desde o último dia 21 de junho o sítio
Pimental da usina hidrelétrica de Belo Monte, em construção no Rio
Xingu, no Pará, afirmaram nesta quinta-feira (5) que não sairão do local
até que a Norte Energia, responsável pela obra, cumpra as
condicionantes ambientais impostas pelo Instituto Brasileiro do Meio
Ambiente e dos Recursos Naturais (Ibama).lê carta feita por indígenas favoráveis à ocupação
de Belo Monte (Foto: Eduardo Carvalho/Globo
Natureza)
Cerca de 350 representantes de nove etnias, que moram em 21 aldeias, ocupam uma ensecadeira, espécie de barragem de terra, construída no sítio Pimental – um dos principais da obra bilionária do governo federal. O local fica 50 km distante da sede da obra em Altamira.
Os manifestantes confiscaram chaves de tratores, carros e equipamentos de rádio. Eles querem a paralisação da obra de construção da hidrelétrica por considerar que a construção da usina prejudica o curso Rio Xingu.
Em entrevista concedida em São Paulo, Sandro Bebere Kayapó, o Mukuka, da etnia Kayapó Xikrin que vive na Terra Indígena (TI) Trincheira Bacajá, apresentou carta aberta que cobra ações da Norte Energia para implementar planos de proteção ao Rio Bacajá, afluente do Xingu, liberação do acesso de agentes da Fundação Nacional do Índio (Funai) à aldeia, além de reivindicações de cunho social.
De acordo com Mukuka, o Rio Bacajá, um igarapé utilizado para pesca, corre o risco de secar com o funcionamento pleno de Belo Monte. “Os velhos [índios antigos da aldeia] temem que a obra seque o rio. Nós sabemos viver dele e também o dia a dia do rio”, explica.
Imagem
de 26 de junho mostra lideranças indígenas que ocupam a ensecadeira
construída no sítio Pimental, um dos canteiros de obra da usina
hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. (Foto:
Divulgação/xingubacajairiri.blogspot.com.br)
ReivindicaçõesOs indígenas pedem que a Norte Energia permita o acesso de agentes da Funai à aldeia atravessando o sítio Pimental. Segundo Mukuka, os servidores federais são impedidos pela empresa de passar por dentro do canteiro de obras e, por isso, precisam ir de barco pelo rio até a TI.
A carta aponta ainda quatro condicionantes que deveriam ser cumpridas até junho de 2011 – duas delas refere-se sobre a criação de dois comitês indígenas, um para monitorar a vazão do rio e outro para cobrar as compensações pela obra.
O manifesto pede também a capacitação de moradores locais como agentes de saúde e professores nas escolas, proteção territorial das áreas onde vivem, além de um hospital para índios em Altamira.
Por meio da assessoria de imprensa, a Norte Energia explicou ao G1 que fará uma reunião na próxima segunda-feira (9) com indígenas da região do Rio Xingu, em Altamira, onde serão divulgadas as conclusões sobre demandas apresentadas em encontro realizado há uma semana entre a empresa e as lideranças.
Sobre as dificuldades de acesso de funcionários da Funai e demais representantes de organizações não-governamentais às terras indígenas próximas ao sítio Pimental, a companhia informa que a admissão desse pessoal está autorizada desde que o trânsito seja feito pelo Rio Xingu.
Quanto à passagem de pessoas pelo canteiro do Sítio Pimental, a Norte Energia afirma que a entrada permanecerá controlada e a passagem será autorizada mediante solicitação formal, e posterior aprovação pelo Consórcio Construtor Belo Monte (CCBM). A nota diz que "uma vez que, nos canteiros, há material perigos que pode expor pessoas não treinadas a riscos desnecessários.Tal procedimento já é de conhecimento da Funai".
Funai
Também por nota, a Funai informou que acompanha a situação indígena nas áreas em questão, assim como das manifestações realizadas no canteiro de obras da usina de Belo Monte.
Segundo a fundação, o Plano Básico Ambiental, ou PBA indígena, que é parte do processo de licenciamento ambiental, tem sido divulgado nas aldeias durante reuniões que tiveram início em fevereiro deste ano e já alcançaram as aldeias das terras indígenas Bacajá, Paquiçamba e Arara da Volta Grande.
Segundo a Funai, as próximas reuniões ocorrerão nas aldeias das terras indígenas Koatinemo, Araweté, Kararaô, Apyterewa, Cachoeira Seca, Arara, Xipaya, Kuruaya, Juruna do Km 17 e Ilha da Fazenda (Volta Grande do Xingu). Por fim, ocorrerão encontros com indígenas citadinos em Altamira, no Pará. Os resultados das discussões oriundas destes encontros irão subsidiar o posicionamento da Funai sobre o PBA indígena.
quarta-feira, 4 de julho de 2012
Decreto que cria o Serviço de Proteção aos Índios - SPI
O Decreto nº 8.072, de 20 de junho de 1910, estabelece a criação do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais. Vejam que a preocupação do governo Nilo Peçanha e do seu ministro da Agricultura, Rodolpho Miranda, era também com a massa de gente sem terra, perambulando pelas cidades e campos. Só em 1918 é que essa parte do SPI é retirada, ficando exclusivo aos índios.
Vale a pena ler o Regulamento que constituiu o SPI pela simplicidade e pelos objetivos traçados. E principalmente pelas evidentes dificuldades em conseguir cumprir o dever de proteger os índios, que é o principal objetivo do SPI. O segundo seria dar-lhes condições de se equiparar aos demais brasileiros, pelo trabalho e pelo conhecimento. Em nenhum momento se declara ou ao menos está implícito que o objetivo do SPI era controlar os índios, cercear sua vida ou mudar suas culturas para todos ficarem iguais aos brasileiros. Este foi o grande libelo feita por alguns antropólogos do Museu Nacional, nos últimos 20 anos, contra o SPI e contra Rondon, e que a maioria dessa geração de novos antropólogos engoliu a seco. Ainda é tempo de pôr a mão na consciência e mudar suas visões do mundo.
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Vale a pena ler o Regulamento que constituiu o SPI pela simplicidade e pelos objetivos traçados. E principalmente pelas evidentes dificuldades em conseguir cumprir o dever de proteger os índios, que é o principal objetivo do SPI. O segundo seria dar-lhes condições de se equiparar aos demais brasileiros, pelo trabalho e pelo conhecimento. Em nenhum momento se declara ou ao menos está implícito que o objetivo do SPI era controlar os índios, cercear sua vida ou mudar suas culturas para todos ficarem iguais aos brasileiros. Este foi o grande libelo feita por alguns antropólogos do Museu Nacional, nos últimos 20 anos, contra o SPI e contra Rondon, e que a maioria dessa geração de novos antropólogos engoliu a seco. Ainda é tempo de pôr a mão na consciência e mudar suas visões do mundo.
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Decreto nº 8.072, de 20 de Junho de 1910
Crêa o Serviço de Protecção aos Indios e Localização de Trabalhadores Nacionaes e approva o respectivo regulamento.
O Presidente da Republica dos Estados
Unidos do Brazil:
Resolve, de accôrdo com a lei n. 1.606, de 29 de dezembro
de 1906, crear o Serviço de Protecção aos Indios e Localização de Trabalhadores
Nacionaes, sujeito ao regulamento, que com este baixa assignado pelo ministro de
Estado dos Negocios da Agricultura, Industria e Commercio.
Rio de Janeiro,
20 de junho de 1910, 89º da Independencia e 22º da Republica.
NILO
PEÇANHA.Rodolpho
Nogueira da Rocha Miranda.
Regulamento a que se refere o decreto n. 8.072, de 20 de junho de 1910
Do serviço de Protecção aos Indios e Localização de
Trabalhadores Nacionaes
Art. 1º O Serviço de Protecção aos Indios e Localização
dos Trabalhadores Nacionaes, creado no Ministerio da Agricultura, Industria e
Commercio, tem por fim:
a) prestar assistencia aos indios do Brazil, quer vivam
aldeiados, reunidos em tribus, em estado nomade ou promiscuamente com
civilizados;
b) estabelecer em zonas ferteis, dotadas de condições de
saiubridade, de mananciaes ou cursos de agua e meios faceis e regulares de
communicação, centros agricolas, constituidos por trabalhadores nacionaes que
satisfaçam as exigencias do presente regulamento.
TITULO I
CAPITULO I
DA PROTECÇÃO AOS
INDIOS
Art. 2º A assistencia de que trata o art. 1º terá por
objecto:
1º, velar pelos direitos que as leis vigentes conferem aos
indios e por outros que lhes sejam outorgados;
2º, garantir a efectividade da posse dos territorios
occupados por indios e, conjunctamente, do que nelles se contiver, entrando em
accôrdo com os governos locaes, sempre que fôr necessario;
3º, pôr em pratica os meios mais efficazes para evitar que
os civilizados invadam terras dos indios e reciprocamente;
4º, fazer respeitar a organização interna das diversas
tribus, sua independencia, seus habitos e instituições, não intervindo para
alteral-os, sinão com brandura e consultando sempre a vontade dos respectivos
chefes;
5º, promover a punição dos crimes que se commetterem contra
os indios;
6º, fiscalizar o modo como são tratados nos aldeiamentos,
nas colonias e nos estabelecimentos particulares;
7º, exercer vigilancia para que não sejam coagidos a
prestar serviços a particulares e velar pelos contractos que forem feitos com
elles para qualquer genero de trabalho;
8º, procurar manter relações com as tribus, por intermedio
dos inspectores de serviço de protecção aos indios, velando pela segurança
delles, por sua tranquillidade, impedindo, quanto possivel, as guerras que entre
si manteem e restabelecendo a paz;
9º, concorrer para que os inspectores se constituam
procuradores dos indios, requerendo ou designando procuradores para
represental-os perante as justiças do paiz e as autoridades locaes;
10, ministrar-lhes os elementos ou noções que lhes sejam
applicaveis, em relação as suas occupações ordinarias;
11, envidar esforços por melhorar suas condições materiaes
de vida, despertando-Ihes a attenção para os meios de modificar a construcção de
suas habitações e ensinando-lhes livremente as artes, officios e os generos de
producção agricola e industrial para os quaes revelarem aptidões;
12, promover, sempre que for possivel, e pelos meios
permittidos em direito, a restituição dos terrenos, que lhes tenham sido
usurpados;
13, promover a mudança de certas tribus, quando for
conveniente o de conformidade com os respectivos chefes;
14, fornecer aos indios instrumentos de musica que lhes
sejam apropriados, ferramentas, instrumentos de lavoura, machinas para
beneficiar os productos de suas culturas, os animaes domesticos que lhes forem
uteis e quaesquer recursos que lhes forem necessarios; introduzir em territorios
indigenas a industria pecuaria, quando as condições locaes o
permittirem;
16, ministrar, sem caracter obrigatorio, instrucção
primaria e profissional aos filhos de indios, consultando sempre a vontade dos
paes;
17, proceder ao levantamento da estatistica geral dos
indios, com declaração de suas origens, idades, linguas, profissões e estudar
sua tuação actual, seus habitos e tendencias.
CAPITULO II
DAS TERRAS
OCCUPADAS POR INDIOS
Art. 3º O Governo Federal, por intermedio do Ministerio da
Agricultura, Industria e Commercio e sempre que fôr necessario, entrará em
accôrdo com os governos dos Estados ou dos municipios:
a) para que se legalizem convenientemente as posses das
terras actualmente occupadas pelos indios;
b) para que sejam confirmadas as concessões de terras,
feitas de accôrdo com a lei de 27, de setembro de 1860;
c) para que sejam cedidas aos Ministerio da Agricultura as
terras devolutas que forem julgadas necessarias ás povoações indigenas ou á
installação de centros agricolas.
Art. 4º Realizado o accôrdo, o Governo Federal mandará
proceder medição e demarcação dos terrenos, levantar a respectiva planta com
todas as indicações necessarias, assignalando as divisas com marcos ou padrões
de pedra.
Art. 5º Da planta e do memorial recpectivo, que deverá ser
o mais detalhado possivel, será dada cópia aos governos estaduaes e municipaes,
conservando-se o original no archivo da directoria.
Art. 6º Satisfeito o disposto nos artigos anteriores, o
governo providenciará para que seja garantido aos indios o usufructo dos
terrenos demarcados.
Art. 7º Os indios não poderão arrendar, alienar ou gravar
com onus reaes as terras que lhes forem entregues pelo Governo
Federal.
Art. 8º Os contractos dessa natureza que forem realizados
pelos mesmos, serão considerados nullos de pleno direito.
Art. 9º O governo providenciará para que nos territorios
federaes os indios sejam mantidos na plenitude da posse dos terrenos pelos
mesmos actualmente occupados.
CAPITULO III
DOS INDIOS
ALDEIADOS
Art. 10. Si os indios, que estiverem actualmente
aldeiados, quizerem fixar-se nas terras que occupam, o governo providenciará de
modo a lhes ser mantida a effectividade da posse adquirida.
Art. 11. As terras de que trata o artigo anterior serão
medidas e demarcadas na fórma do art. 4º.
Paragrapho unico. O governo, sempre que julgar necessario,
fará construir casas para residencia dos indios e estradas de rodagem para
ligação dos aldeiamentos aos centros de consumo.
Art. 12. Na medição e demarcação dos terrenos e na
concessão dos titulos, será observado o disposto no presente regulamento e nas
instrucções respectivas.
Art. 13. Quando os indios aldeiados, na forma do art. 10,
occuparem terrenos na visinhança de centros populosos, ser-lhes-ha concedida,
além da arca destinada á sua residencia habitual, uma superficie de terreno, em
logar conveniente, para as culturas a que se dedicarem.
CAPITULO IV
DOS INDIOS NOMADES E DOS QUE SE MANTIVEREM EM PROMISCUIDADE
COM CIVILIZADOS
Art. 14. A directoria, por intermedio dos inspectores,
procurará, por meios brandos, attrahir os indios que viverem em estado nomade e
prestará aos que se mantiverem em promiscuidade com civilizados a mesma
assistencia que lhe cabe dispensar aos mais indios.
Paragrapho unico. Para o serviço relativo aos indios
nomades poderá ser admitido pelo ministerio, sob proposta da directoria, o
pessoal extraordinario que fôr preciso.
CAPITULO V
DAS POVOAÇÕES INDIGENAS
Art. 15. Cada um dos antigos aldeiamentos, reconstituidos
de accôrdo com as prescripções do presente regulamento, passará a denominar-se
«Povoação Indigena», onde serão estabelecidas escolas para o ensino primario,
aulas de musica, officinas, machinas e utensilios agricolas, destinados a
beneficiar os productos das culturas, e campos apropriados a aprendizagem
agricola.
Paragrapho unico. Não será permittido, sob pretexto algum,
coagir os indios e seus filhos a qualquer ensino ou aprendizagem, devendo
limitar-se a acção do inspector e de seus auxiliares a procurar convencel-os,
por meios brandos, dessa necessidade.
Art. 16. Annexas aos campos de que trata o artigo
anterior, haverá secções especiaes para apicultura, sericicultura, pequenas
industrias, criação de animaes domesticos, etc.
Art. 17. São extensivos aos indios localizados em
«Povoação Indigena» os auxilios conferidos no presente regulamento as tribus
cujos terrenos forem medidos e demarcados pelo Governo Federal, além de
alimentação, nos seis primeiros mezes de estabelecimento da povoação, soccorros
medicos e outros recursos, sempre que forem necessarios.
Art. 18. O ministro da Agricultura, Industria e Commercio
estabelecerá premios para os funccionarios da directoria, nos Estados, que
adquirirem perfeito conhecimento da lingua geral dos indios e de seus
dialectos.
Art. 19. O Governo Federal poderá acceitar a transferencia
para sua jurisdicção dos aldeiamentos ou quaesquer instituições destinadas á
educação dos indios, mantidos por governos estaduaes, municipaes ou por
associações, desde que lhe sejam cedidos os terrenos em que forem estabelecidos
e as respectivas installações.
Art. 20. Taes aldeiamentos ou instituições passarão logo
ao regimem instituido no presente regulamento para os similares creados pelo
Governo Federal.
Art. 21. Os indios trabalharão livremente e terão pleno
direito ao producto integral do seu trabalho.
TITULO II
CAPITULO I
DA LOCALIZAÇÃO
DE TRABALHADORES NACIONAES
Art. 22. O Governo Federal, por intermedio do Ministerio
da Agricultura, Industria e Commercio, e de conformidade com este regulamento,
promoverá a installação de centros agricolas, onde serão localizados os
trabalhadores nacionaes que, por sua capacidade de trabalho e absoluta
moralidade, possam merecer os favores consignados para esse fim.
Art. 23. Os centros agricolas serão estabelecidos em boas
terras de cultura, apropriadas á lavoura mecanica, dotadas de perfeitas
condições de salubridade, de mananciaes ou cursos de agua potavel, servidas de
meios faceis de communicação e proximas dos mercados consumidores.
Art. 24. O Governo promoverá, desde já, a fundação de um
ou dous centros agricolas, em cada um dos Estados em que julgar conveniente,
inclusive o Districto Federal, devendo sempre ser preferidas para esse fim zonas
cortadas por estradas de ferro da União, e que reunam os requisitos exigidos
pelo artigo anterior.
Art. 25. O numero de centros agricolas poderá ser
augmentado annualmente, conforme permittirem as dotações
orçamentarias.
Art. 26. Si os terrenos preferidos para a fundação de um
centro agricola forem de propriedade do Governo do Estado ou do municipio, o
Governo Federal procurará obtel-os por doação.
Paragrapho unico. Os centros agricolas serão de preferencia
estabelecidos nos Estados ou municipios que fizerem á União doação de terrenos
nas condições estabelecidas no art. 26.
Art. 27. Occorrendo o facto de pertencerem os ditos
terrenos a particulares, será sempre preferida a acquisição por composição
amigavel e de conformidade com o valor locativo das terras, verificado pelo
preço médio das vendas realizadas no ultimo quinquennio, e só em caso extremo
empregar-se-ha o recurso da desapropriação.
CAPITULO II
DA INSTALLAÇÃO
DOS CENTROS AGRICOLAS
Art. 28. A escolha de terras para a installação de centros
agricolas deve preceder exame circumstanciado, por parte da Directoria do
Serviço de Protecção aos Indios e Localização de Trabalhadores Nacionaes, afim
de serem verificadas as condições estabelecidas na alinea B, art. 1º, do
presente regulamento.
Art. 29. Além das alludidas condições, devem os terrenos
ter a superficie precisa para o futuro desenvolvimento dos centros agricolas e
expansão de suas culturas, devendo possuir igualmente terrenos de
matta.
Art. 30. Nas instrucções do presente regulamento, serão
estabelecidas regras que devem ser adoptadas para os trabalhos preparatorios do
«Centro Agricola», relativos ao levantamento hydrographico e da linha de
perimetro, medico e demarcação das terras, sua divisão em lotes, e respectivas
discriminação, abertura de estradas, construcção de casas e todos os trabalhos
technicos indispensaveis, que ficarão a cargo da respectiva
sub-directoria.
Art. 31. O Governo Federal estabelecerá nos centros
agricolas escolas primarias com curso diurno e nocturno, officinas, campos de
experiencia e de demonstração, com aprendizado agricola, depositos de
instrumentos de lavoura e as installações necessarias para o beneficiamento dos
productos da lavoura local.
Paragrapho unico. As escolas, officinas, campos de
experiencia e demonstração e aprendizados agricolas poderão ser frequentados por
filhos de lavradores estranhos aos centros agricolas, de conformidade com as
instrucções que regularem o assumpto.
CAPITULO III
DOS
TRABALHADORES NACIONAES
Art. 32. Os centros agricolas serão constituidos com
trabalhadores nacionaes domiciliados no mesmo estado e que satisfaçam as
seguintes condições:
a) não ter sido condemnado por crime de qualquer natureza,
nem ter soffrido prisão correccional por embriaguez ou contravenções;
b) ser chefe de familia ou solteiro com mais de 21 annos de
idade e menos de 60;
c) ser trabalhador agricola;
d) ter capacidade physica e aptidão para o
trabalho.
Paragrapho unico. Os chefes de familia serão sempre
preferidos, desde que satisfaçam as condições das letras a, c e d.
Art. 33. Aos trabalhadores nacionaes que tiverem de
estabelecer-se nos centros agricolas serão concedidos os seguintes
favores:
a) transporte para si e sua familia, com direito á
bagagem;
b) fornecimento gratuito de ferramentas, plantas e sementes
para as primeiras culturas;
c) auxilio para a manutenção de sua familia, dentro dos
tres primeiros mezes de estabelecimento do «Centro Agricola»;
d) recurso medico gratuito, pelo prazo de um
anno.
Art. 34. A área destinada a cada «Centro Agricola» será
dividida em lotes de 25 a 50 hectares, nos quaes serão construidas casas
destinadas aos trabalhadores nacionaes, de conformidade com o plano e as
condições estabelecidas pela directoria do serviço.
Art. 35. Os trabalhadores nacionaes poderão adquirir os
lotes que lhes couberem, mediante pagamento immediato ou dentro do prazo de seis
annos, a contar da data da sua installação no nucleo, cabendo-lhes, conforme a
hypothese, titulo definitivo ou provisorio da propriedade.
§ 1º O prazo fixado para o pagamento do lote poderá ser
reduzido pelo adquirente, de modo a permittir-lhe mais prompta acquisição do
titulo definitivo de propriedade, cabendo-lhe, no caso, o abatimento que for
arbitrado pelo ministro da Agricultura, até o maximo de 20 %, de accôrdo com os
seus habitos de trabalho e sua conducta.
§ 2º O abatimento a que se refere o paragrapho anterior,
poderá ser elevado a 30 %, si, dentro de quatro annos, da data de sua
installação, tiver o trabalhador cultivado com successo, a juizo do governo,
toda a área do seu lote, com reserva de 10 % do total das terras, que deverá ser
conservada em mattas, de preferencia nas parte altas.
Art. 36. O preço dos lotes, comprehendendo a casa, será
estabelecido pelo ministro da Agricultura, de accôrdo com a proposta do director
do serviço, tendo em vista as condições que lhes foram peculiares.
Art. 37. A amortização do debito contrahido pelo
trabalhador nacional começará logo que forem decorridos 24 mezes de seu
estabelecimento e será feita em prestações mensaes ou trimensaes, na razão
annual de uma quarta parte (1/4) da importancia devida.
Art. 38. As dividas dos trabalhadores serão escripturadas
em livros especiaes, rubricados pelo director do serviço, entregando-se ao
devedor uma caderneta em que serão feitos os assentamentos que lhe
corresponderem.
Art. 39. O trabalhador nacional que tiver de incorporar-se
a um «Centro Agricola» obrigar-se-ha:
1º, a estabelecer-se com sua familia, quando a tiver, no
lote que lhe fôr designado pelo director do serviço e a cultival-o
pessoalmente;
2º, a não crear animaes sinão em terrenos fechados, de
accôrdo com instrucções que lhe forem dadas pelo director do centro;
3º, a não arrendar, vender ou hypothecar o lote e as
respectivas bemfeitorias, nem fazer sobre elle proposta de venda ou qualquer
contracto que o prive de cultivar livremente, até que obtenha o titulo
definitivo de propriedade; não podendo vendel-o ou arrendal-o, mesmo depois de
obtido o titulo definitivo, sinão a pessoas que reunam as condições do art. 32,
a juizo do director do serviço e com approvação do ministro;
4º, a submetter-se ás regras e providencias que forem
estabelecidas pelo representante da directoria a bem da ordem e da disciplina,
quer em relação aos funccionarios do Centro Agricola, quer para com os seus
proprios companheiros.
Art. 40. Em caso de morte do trabalhador nacional a quem
houver sido expedido titulo definitivo ou provisorio de propriedade, passará o
lote, na fórma commum do direito, aos seus herdeiros ou legatarios.
Art. 41. Si o chefe de familia fallecido houver adquirido
o lote a prazo, tendo contribuido com tres prestações, será passado titulo
definitivo de propriedade em favor da viuva e dos orphãos.
Art. 42. Si a familia do chefe fallecido ficar em estado
de miseria, poderá o ministro, ouvido o director de serviço, expedir a favor da
viuva e orphãos o titulo de propriedade, independente de qualquer amortização.
Art. 43. O Governo Federal procurará estimular os
trabalhadores nacionaes, incorporados aos centros agricolas, concedendo premios
de animação para certas culturas, organizando exposições regionaes,
etc.
Art. 44. A's familias de trabalhadores, que tiverem filhos
maiores de 14 annos, aptos para o trabalho agricola, poderá ser concedida, além
do lote destinado ao respectivo chefe, a área de 12 hectares para cada um
delles, com a approvação do ministro da Agricultura.
Art. 45. O trabalhador nacional que se distinguir, por sua
actividade, poderá adquirir mais de um lote, a juizo do director do serviço,
desde que tenha pago o primeiro, ou quando tenha feito mais da metade do
pagamento.
Art. 46. O trabalhador que deixar de cultivar o seu lote
por espaço de tres mezes, a não ser motivo justificado de força maior, a juizo
do director do serviço, será excluido do «Centro Agricola», sem direito a
indemnização alguma, desde que não se ache de posse do titulo definitivo de
propriedade.
Paragrapho unico. No caso de já haver obtido o titulo
definitivo, será indemnizado da importancia que tiver pago aos cofres
publicos.
Art. 47. O trabalhador que, por sua má conducta, tornar-se
um elemento de perturbação para o « Centro Agricola», fica sujeito ao disposto
no artigo anterior.
Art. 48. A exclusão, em qualquer dos casos previstos nos
artigos antecedentes, será feita por acto do director do serviço, com recurso
voluntario para o ministro da Agricultura.
TITULO III
Da organização do serviço
CAPITULO I
DISTRIBUIÇÃO DOS
TRABALHOS
Art. 49. Os trabalhos previstos neste regulamento ficarão
a cargo de uma directoria geral com duas sub-directorias e dos inspectores e
mais funccionarios indicados no art. 52.
Art. 50. A' 1ª sub-directoria incumbe
especialmente:
a) projectar, orçar e dirigir a execução dos serviços de
demarcação dos territorios occupados por indios;
b) escolher as localidades em que deverão ser installadas
as povoações indigenas e os centros agricolas;
c) proceder á divisão e demarcação dos lotes ruraes,
levantamentos topographicos, construcção de casas nas povoações e centros
agricolas e nos predios necessarios á administração;
d) projectar e dirigir a execução de obras de saneamento,
construcção de caminhos, e reparação e melhoria das estradas de rodagem que
interessem ás povoações e centros agricolas;
e) estudar e construir, nos casos de necessidade, caminhos
vicinaes ou de ligação dos centros ou povoações ás estações de estradas de
ferro, portos maritimos ou fluviaes, ou a centros commerciaes;
f) preparar em cada lote rural a área destinada ás
primeiras culturas;
g) instituir e manter no escriptorio um archivo dos
projectos, plantas topographicas e outros papeis que se relacionem com as obras
em andamento;
h) executar quaesquer outros trabalhos technicos que lhe
forem confiados pela directoria geral.
Art. 51. A' segunda sub-directoria incumbe
especialmente:
a) propôr e zelar pela rigorosa execução das medidas
adoptadas para tornar effectiva a protecção aos indios e evitar a invasão de
seus territorios; as que forem conducentes a obstar os conflictos das tribus
entre si e com os civilizados, envidando esforços para tornarem-se primeiro
pacificas e depois amistosas as relações entre estes e aquelles;
b) installar e dirigir, na parte exclusivamente
administrativa, as povoações indigenas;
c) crear escolas, proteger o salario dos indios que se
empregarem como jornaleiros e adoptar ou pedir ás autoridades competentes todas
as medidas necessarias para a manutenção da boa ordem, segurança e
desenvolvimento das povoações;
d) installar e administrar os centros agricolas,
fornecendo-lhes gratuitamente ferramentas e sementes, como auxilio de primeiro
estabecimento, além de outras vantagens prevista neste regulamento ou
posteriormente instituidas em instrucções expedidas pelo director geral por
ordem do ministro, mediante proposta ou não do sub-director;
e) porpôr a creação de campos de experiencia e demonstração
junto aos centros agricolas;
f) ter a seu cargo os trabalhos relativos a exposições
regionaes, feiras e premios de que trata o presente regulamento, ou que forem
posteriormente instituidos;
g) executar quaesquer outros trabalhos que lhe forem
confiados pela directoria geral, além do expediente da repartição, registro de
papeis, e toda a escripturação que fôr necessaria para o bom andamento do
serviço.
CAPITULO II
DO
PESSOAL
Art. 52. O pessoal do serviço dividir-se-ha em
effectivo e extraordinario.
§ 1º O pessoal effectivo será o seguinte:
Na séde do serviço:
Directoria geral:
1 director geral;
1 primeiro official (servindo de secretario);
1 segundo official.
Primeira sub-directoria:
1 sub-director (technico);
2 ajudantes (technicos);
1 agronomo (technico);
1 desenhista;
1 desenhista auxiliar;
1 terceiro official.
Segunda sub-directoria:
1 sub-director;
2 primeiros officiaes;
2 segundos officiaes;
2 terceiros officiaes.
Portaria:
1 porteiro;
1 continuo;
2 serventes.
Nos Estados:
13 inspectores, sendo 1 para cada um dos Estados do
Amazonas, Pará, Maranhão, Bahia, Espirito Santo, S. Paulo, Paraná, Santa
Catharina, Rio Grande do Sul, Minas, Goyaz, Matto Grosso e 1 para o territorio
do Acre;
10 ajudantes, sendo 2 para cada um dos Estados do Amazonas,
Pará, Matto Grosso, Goyaz e para o teritorio do Acre;
13 escreventes, sendo 1 para cada inspectoria.
Nas povoações indigenas:
1 director, 1 ajudante e 1 escrevente.
Nos centros agricolas:
1 director, 1 chefe de
culturas e 1 escrevente.
Art. 53. Além do pessoal effectivo, haverá o pessoal
extraordinario que fôr indispensavel para a execução dos serviços de demarcação,
construcções, levantamentos topographicos, localização e outros que não puderem
ser executados pelo pessoal effectivo.
Art. 54. O pessoal extraordinario, inclusive medicos,
pharmaceuticos, professores primarios e mestres de officinas, será nomeado pelo
ministro, de accôrdo com as necessidades e sob proposta do director geral;
perceberá as gratificações que lhe forem arbitradas no acto da nomeação e será
mantido somente emquanto bem servir e durar a necessidade do serviço.
CAPITULO III
ATTRIBUIÇÕES DO
PESSOAL
Do director geral:
Art. 55. Ao director geral, immediatamente subordinado ao
ministro, incumbe:
a) distribuir, dirigir e fiscalizar os serviços instituidos
por este regulamento;
b) manter e fazer manter, pelos meios ao seu alcance, a
observancia das ordens em vigor;
c) propôr ao ministro, verbalmente ou por escripto, as
providencias que julgar convenientes para o bom andamento e melhoria dos
serviços;
d) preparar e fazer preparar as instrucções que houverem de
ser expedidas para a installação, regularização e desenvolvimento dos
serviços;
e) apresentar annualmente ao ministro um relatorio dos
trabalhos realizados;
f) prestar ás autoridades federaes e estaduaes,
espontaneamente ou mediante requisição, os esclarecimentos necessarios á boa
ordem o desenvolvimento dos serviços;
g) dar posse aos seus subordinados, fazendo lavrar e
assignar os respectivos termos de promessa;
h) impor as penas disciplinares, de conformidade com o art.
68 deste regulamento;
i) assignar a folha de vencimentos dos funccionarios sob
sua direcção, concedendo ou não a justificação das faltas por elles commettidas
dentro do mez, á vista do livro do ponto, e requisitar o respectivo
pagamento;
j) rever o expediente e lançar o - visto - quando não tiver
de dar parecer nos papeis que tenham de ser apresentados ao
ministro.;
k) ordenar as despezas com o expediente e mais objectos
necessarios á directoria e mais dependencias do serviço, dentro dos recursos
orçamentarios;
I) examinar as contas e requisitar ao ministro o pagamento
das aquisições quaesquer que se tenham de effectuar para os serviços sob sua
direcção;
m) requisitar das autoridades federaes e estaduaes as
medidas necessarias para a manutenção da ordem nos differentes pontes em que
exercer a sua jurisdicção:
n) exercer quaesquer outras attribuições que lhe couberem
por este regulamento e mais disposições em vigor.
Art. 56. O director geral, em seus impedimentos ou
ausencias desta Capital, por motivo de serviço, terá por substituto o
sub-director da 1ª sub-directoria, e, em falta deste, o da 2ª
sub-directoria.
Do secretario:
Art. 57. Ao secretario, subordinado e auxiliar immediato
do director geral, incumbe:
a) receber e enviar as respectivas sub-directorias os
papeis dirigidos ao director geral e que tenham de ser nellas
processados;
b) receber das sub-directorias e fazer chegar ao
conhecimento do director geral os papeis que por elle tiverem de ser
despachados;
c) providenciar sobre a expedição dos actos do director
geral, fazendo as devidas communicações;
d) auxilar o director geral nos trabalhos que este reservar
para si;
e) providenciar sobre a correspondencia epistolar e
telegraphica da directoria.
Dos sub-directores:
Art. 58. Os sub-directores, auxiliares immediatos do
director geral, são chefes das respectivas sub-directorias e, como taes, os
unicos responsaveis perante o director geral pelos serviços que por ellas
correm.
A elles incumbe:
a) auxillar a direcção dos trabalhos segundo as instrucções
do director geral, distribuindo ao respectivo pessoal os serviços da competencia
de cada um;
b) dirigir, examinar, fiscalizar e promover todos os
trabalhos que competirem ás respectivas sub-directorias;
c) cumprir e fazer cumprir as ordens do director
geral;
d) apresentar ao director geral, até o dia 20 de fevereiro
de cada anno, as notas e elementos que lhe forem requisitados e os que julgarem
necessarios para a confecção do relatorio annual da directoria, com os
documentos que lhes servirem de base, bem como os dados necessarios para a
confecção do orçamento;
e) apresentar semestralmente ao director geral uma synopse
dos trabalhos realizados pela respectiva sub-directoria;
f) encerrar o ponto dos funccionarios subordinados, á hora
regulamentar.
Art. 59. O sub-director da 1ª sub-directoria terá sob suas
ordens immediatas dous ajudantes e um engenheiro agronomo, cujas attribuições e
deveres serão discriminados pelo mesmo sub-director, em instrucções expedidas
mediante approvação prévia do director geral.
Art. 60. As sédes das inspectorias, os deveres e
attribuições dos inspectores e pessoal das povoações indigenas e centros
agricolas serão discriminados em instrucções expedidas pelo ministro da
Agricultura, sob proposta do director geral.
Art. 61. O director geral fará a distribuição dos demais
funccionarios pelas diversas sub-directorias, incumbindo aos sub-directores
prescrever-lhes os seus respectivos deveres, guiando-se, para isto, pelos
regulamentos das repartições do Ministerio da Agricultura.
CAPITULO IV
VENCIMENTOS,
NOMEAÇÕES, DEMISSÕES, LICENÇAS, APOSENTADORIAS, MONTEPIO E OUTRAS
VANTAGENS
Art. 62. Os vencimentos dos funccionarios do serviço serão
os constantes da tabella annexa.
Art. 63. Serão nomeados, por decreto do Presidente da
Republica, o director geral e os sub-directores, e os demais funccionarios pelo
ministro da Agricultura.
Art. 64. A nomeação do director geral, bem como a do
pessoal technico, inspectores, ajudantes e pessoal das povoações indigenas e
centros agricolas será de livre escolha do governo.
Art. 65. A dos sub-directores, primeiros e segundos
officiaes será sempre por accesso dentre os funccionarios de categoria
immediatamente inferior, que tiverem dado melhores provas de competencia, zelo e
assiduidade ao serviço.
Art. 66. As nomeações dos terceiros officiaes serão feitas
mediante concurso, de accôrdo com as instrucções para esse fim expedidas pela
directoria geral.
Art. 67. Ficam extensivas aos funccionarios do serviço as
disposições contidas nos arts. 21 e 22 do regulamento da Secretaria de Estado da
Agricultura, Industria e Commercio.
Art. 68. No tocante as licenças, aposentadorias, montepio
e penas disciplinares, serão extensivas aos funccionarios do serviço as
disposições contidos nos artigos componentes dos capitulos VIII IX e X do
regulamento annexo ao decreto n. 7.727, de 9 de janeiro de 1909.
CAPITULO V
TEMPO DE TRABALHO E EXPEDIENTE
Art. 69. O trabalho, na Capital Federal, começará ás 10
horas da manhã e findará ás 3 horas da tarde nos dias uteis, podendo, porém, ser
prorogado pelo director geral, por urgencia de serviço.
Nos Estados, o trabalho começará nas horas indicadas nas
instrucções que forem expedidas pelo ministro, sob proposta do director
geral.
CAPITULO VI
DISPOSIÇÕES
GERAES
Art. 70. O Governo Federal procurará aproveitar os
indigenas em serviços industriaes compativeis com as suas aptidões,
remunerando-os de accôrdo com a sua capacidade de trabalho e conforme o
estabelecido para os mais trabalhadores.
Art. 71. Organizado definitivamente um «Centro Agricola» o
Governo Federal entrará em accôrdo com o governo local para o estabelecimento de
uma feira semanal nas proximidades do mesmo centro, prestando o auxilio
necessario para esse fim.
Art. 72. Haverá em cada «Centro Agricola» machinas e
instrumentos agricolas para serem vendidos pelo custo ou emprestados aos
trabalhadores, assim como serão montadas as machinas necessarias para
beneficiamento dos seus productos, mediante as condições que forem estabelecidas
e a juizo do governo.
Paragrapho unico. As machinas e instrumentos a que se
refere o presente artigo poderão igualmente ser emprestados aos pequenos
lavradores das proximidades, assim como as de beneficiamento poderão ser por
elles utilizadas nas mesmas condições em que o forem pelos trabalhadores do
«Centro Agricola».
Art. 73. O Governo Federal mandará fornecer gratuitamente
aos lavradores, residentes nas proximidades dos centros, sementes, mudas e
publicações relativas á agricultura e industrias ruraes, e mediante indemnização
a prazo de accôrdo com os recursos orçamentarios, conforme as instrucções que
forem approvadas pelo ministro da Agricultura, instrumentos e pequenas machinas
de lavoura, vehiculos e animaes para conducção dos productos agricolas e animaes
reproductores de raça, especialmente gallinaceos, suinos e caprinos adequados a
cada região.
Art. 74. Em caso de secca ou qualquer calamidade que
obrigue as populações ruraes a se afastarem das zonas em que se acharem fixadas,
procurará o Governo Federal localizal-as, de accôrdo com o governo estadual, em
outras zonas não assoladas do mesmo Estado, constituindo nellas centros
agricolas.
Art. 75. Sempre que houverem de ser feitas derrubadas,
aberturas de estradas, aterros e outras obras em proveito de um «Centro
Agricola», serão, de preferencia, utilizados trabalhadores nacionaes localizados
no mesmo centro, percebendo as diarias que forem fixadas pelo director do
serviço.
Art. 76. Os cargos de director geral, sub-director da 1ª
sub-directoria e seus ajudantes serão exercidos, de preferencia, por
profissionaes de reconhecida competencia.
Paragrapho unico, Terão preferencia para os cargos de
directores dos centros agricolas os agronomos diplomados e que tenham longa
pratica e experiencia de agricultura.
Art. 77. O ministro da Agricultura, Industria e Commercio
expedirá as intrucções necessarias para execução do presente
regulamento.
Tabella de
vencimentos a que se refere o art. 62 deste regulamento
VENCIMENTOS ANNUAES | ||
Categorias | Ordenado | Gratificação |
Director geral...................................................................................... | 12:000$000 | 6:000$000 |
Sub-director........................................................................................ | 8:000$000 | 4:000$000 |
Ajudante.............................................................................................. | 6:400$000 | 3:200$000 |
Agronomo........................................................................................... | 6:400$000 | 3:200$000 |
Desenhista.......................................................................................... | 4:800$000 | 2:400$000 |
Desenhista-auxiliar............................................................................. | 3:600$000 | 1:800$000 |
Secretario............................................................................................ | 6:400$000 | 3:200$000 |
1º official............................................................................................. | 5:600$000 | 2:800$000 |
2º official............................................................................................. | 4:000$000 | 2:000$000 |
3º official............................................................................................. | 3:200$000 | 1:600$000 |
Porteiro............................................................................................... | 2:000$000 | 1:000$000 |
Continuo.............................................................................................. | 1:600$000 | 800$000 |
Servente.............................................................................................. | -- | 1:800$000 |
Inspectorias | ||
Inspector............................................................................................. | 6:400$000 | 3:200$000 |
Ajudante.............................................................................................. | 4:800$000 | 2:400$000 |
Escrevente.......................................................................................... | 2:000$000 | 1:000$000 |
Povoação indígena | ||
Director............................................................................................... | 5:600$000 | 2:800$000 |
Ajudante.............................................................................................. | 4:000$000 | 2:000$000 |
Escrevente.......................................................................................... | 1:800$000 | 600$000 |
Centro agrícola | ||
Director............................................................................................... | 4:800$000 | 2:400$000 |
Chefe de culturas................................................................................ | 2:000$000 | 1:000$000 |
Escrevente.......................................................................................... | 1:800$000 | 600$000 |
Observações
1ª O director geral, sub-directores, ajudantes e agronomo,
inspectores e seus ajudantes, quando em serviço fóra da séde de seus trabalhos
terão direito a diarias que serão fixadas pelo ministro, não excedendo, porém,
as quantias de 20$ para o director, 15$ para os sub-directores e inspectores e
10$ para os ajudantes e agronomos.
2ª O logar de secretario será exercido por um primeiro ou
segundo official, escolhido pelo director geral, cabendo-lhe, quando no
exercicio do cargo, a gratificação mensal de 100$, além dos respectivos
vencimentos.
3ª A séde de cada inspectoria será fixada nas instrucções a
que se refere o art. 60 deste regulamento.
Rio de Janeiro, 20 de junho de 1910. - Rodolpho
Miranda.
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