sexta-feira, 1 de junho de 2012

Ministro Lewandowksi dá nova chance à demarcação de terras indígenas

Há alguns dias, precisamente dia 23 de maio, o ministro do STF, Ricardo Lewandowski, negou provimento a uma reclamação proposta pelo Município de Amarante do Maranhão, na qual pedia-se que o processo de estudo com vistas à ampliação da Terra Indígena Governador, dos índios Gaviões-Pykobye, demarcada e homologada desde a década de 1980, com 42.000 hectares, aproximadamente, situada naquele estado do Maranhão, fosse declarado nulo, por liminar, e no mérito, junto com as portarias de estudo e delimitação já publicadas pela FUNAI.

O ato do ministro segue abaixo.

O importantíssimo a ser analisado nesse caso são os novos argumentos trazidos pelo ministro Lewandowski a respeito da matéria. Trata-se da validade ou não de alguns pontos ou "ressalvas" do Acórdão sobre a Homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol proferido pelo STF em 19/03/2009.

Os pontos são: (1) a data da promulgação da Constituição Federal -- 5 de outubro de 1988 -- serve como parâmetro temporal para a legalidade da "ocupação indígena" de determinada área de terra considerada pelos indígenas como suas? E (2) uma terra indígena já demarcada pode ser ampliada?

Essas duas ressalvas vêm sendo usadas por advogados de fazendeiros no Mato Grosso do Sul e alhures (como neste caso da T.I. Governador, no Maranhão) para parar e/ou anular os processos de demarcação de terras indígenas cujos possuidores indígenas alegam serem suas de direito originário. Diversas terras indígenas nessa condição tiveram seus processos parados em estados como Santa Catarina, Maranhão, Ceará, Paraiba, e outros.

Tudo indicava que essas duas ressalvas funcionavam como entraves avassaladores nos processos de demarcação de terras indígenas, umas espécies de protetores jurídicos dos fazendeiros.

Eis que o ministro Lewandowski dá nova interpretação não propriamente a essas ressalvas, as quais ele próprio avalizou-as na ocasião, mas às suas consequências em relação a outras terras indígenas.

Primeiramente, diz Lewandowski que o caso da T.I. Raposa Serra do Sol foi específico, tanto em si, quanto pelo fato de ter se originado de uma ação popular. Ação Popular não pode gerar determinações vinculantes.

Em segundo lugar, declara o ministro que, seguindo a interpretação da ministra Carmen Lúcia sobre outro caso, o poder jurídico brasileiro, ao contrário do jurídico americano, não se rege a partir do direito consuetudinário (Common Law). Portanto, não aceita vinculação automática de uma decisão jurídica, mesmo que vinda do nosso Supremo Tribunal, e que, no caso do Acórdão de Raposa Serra do Sol, não foi determinado para ser uma súmula vinculante.

Por fim, pondera o ministro Lewandowski, o caso desta reclamação do estado do Maranhão já está sendo julgado em apelo reiterado, tendo sido uma vez denegado, pela 20ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal.

Interessa a nós indigenistas e antropólogos os argumentos do ministro Lewandowski descritos nas duas primeiras partes. Ele praticamente abre novas potencialidades de demarcação de terras indígenas ao reinterpretar o Acórdão da Raposa Serra do Sol.

É um fôlego novo que pode favorecer a retomada da demarcação de terras indígenas que necessitam serem realizadas o quanto antes.

Mãos à obra, senhoras e senhores do DPI da Funai. Mãos à obra Ministério Público Federal, Advogado Geral da União, antes que seja tarde demais (isto é, que surja outro ministro para fechar essa porteira).


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Sentença do Ministro Ricardo Lewandowski, em 23 de maio de 2012



Trata-se de reclamação, com pedido de medida liminar, proposta pelo Município de Amarante do Maranhão/MA, em que se alega desrespeito à autoridade do acórdão prolatado pelo Plenário desta Corte no julgamento da Petição 3.388/RR, Rel. Min. Ayres Britto, por parte de sentença proferida, em
29/2/2012, pelo Juízo da 20ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal nos autos do Processo 0016759-73.2011.4.01.3400.
 

A decisão ora impugnada, ao denegar mandado de segurança impetrado pela municipalidade reclamante, afastou a alegação de nulidade das Portarias 677/2008 e 1.437/2010, da Fundação Nacional do Índio – FUNAI, que haviam determinado a constituição de grupos técnicos para a realização de estudos necessários à verificação de eventual equívoco na delimitação – e, por
conseguinte, da necessidade de ampliação – da área da Terra Indígena Governador, demarcada em 1982.


O reclamante sustenta, em síntese, que a sentença reclamada, ao admitir o prosseguimento de estudos técnicos que visam à ampliação de reserva indígena já demarcada e homologada mediante o acréscimo de área não ocupada por índios em 1988, teria contrariado a decisão tomada por esta Corte
na Petição 3.388/RR, que, na apreciação do caso concreto, reiterou a existência de um marco temporal – 5/10/1988 – para a aferição da ocupação territorial por uma determinada etnia indígena e impôs, como salvaguarda institucional da constitucionalidade daquele procedimento demarcatório, a
vedação à ampliação da terra indígena já demarcada.
 

Requer a suspensão liminar do processo administrativo de ampliação da Reserva Indígena Governador até o julgamento final desta Reclamação e, no mérito, a sua integral anulação.
 

É o relatório necessário.

Decido.
 

Bem examinados os autos, constato a manifesta inadmissibilidade desta
ação reclamatória.


Como visto, a reclamação ora em exame aponta o descumprimento do acórdão proferido na Petição 3.388/RR, feito em que o Plenário desta Corte, ao julgar parcialmente procedente pedido formulado em ação popular, declarou, especificamente, a constitucionalidade da demarcação contínua da Terra
Indígena Raposa Serra do Sol e de seu respectivo procedimento administrativo-demarcatório, desde que observadas dezenove condições ou salvaguardas institucionais, inseridas na parte dispositiva da decisão com o intuito de conferir, segundo consta expressamente da ementa do julgado, um “maior teor de operacionalidade ao acórdão”.
 

Originalmente trazidas a lume no voto-vista proferido pelo Ministro Menezes Direto, essas condições foram incorporadas ao voto do Relator, Ministro Ayres Britto, conforme exposto no pronunciamento a seguir transcrito:
 

“Senhor Presidente, quero apenas confirmar com ajuste o meu voto, dizendo o seguinte - peço vênia ao Ministro Cezar Peluso para falar de logo -: o eminente Ministro Carlos Alberto Menezes Direito,
no seu magnífico voto, usou de uma técnica de decidibilidade ou de uma formatação decisória que me pareceu, num primeiro momento, estranha, mas, refletindo melhor, pela importância da causa, eu acho que compreendi perfeitamente a intenção louvabilíssima de Sua Excelência que foi traçar as diretivas para a própria execução desta nossa decisão por parte da União. Então, Sua Excelência transformou fundamentos, transplantou uma parte dos fundamentos para a disposição, para a parte dispositiva da decisão. E pareceu-me uma técnica interessante, inovadora que, embora inusual do ponto de vista da operacionalização do que estamos aqui a decidir, resulta altamente proveitosa.
 

Não tenho motivos para deixar de aderir a essa proposta de formatação decisória, até porque, se formos percentualizar as coincidências dos nossos votos, beiraremos os cem por cento dos
fundamentos, embora com palavras e fontes de pesquisa diferentes.
 

Faço o ajuste, Senhor Presidente, com todo o "conforto intelectual” (grifos meus). Observo, portanto, que o acórdão invocado nas razões desta reclamação apreciou, especificamente, o procedimento de demarcação da Reserva Indígena Raposa Serra do Sol, não podendo, por isso mesmo, ter sua autoridade afrontada por atos e decisões que digam respeito a qualquer outra área indígena demarcada, como é o caso narrado nos autos. Isso porque não houve no acórdão que se alega descumprido o expresso estabelecimento de enunciado vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário, atributo próprio dos procedimentos de controle abstrato de constitucionalidade das normas, bem como das súmulas vinculantes, do qual não são dotadas, ordinariamente, as ações populares.
 

Não foi por outra razão que o Ministro Ayres Britto, Relator da Pet 3.388/ RR, asseverou, ao censurar o cabimento de reclamação análoga a que ora se examina (Rcl 8.070/MS), que “ação popular não é meio processual de controle abstrato de normas, nem se iguala a uma súmula vinculante”. Destaco, ainda, que o Ministro Cezar Peluso ressaltou em seu voto na Pet 3.388/RR que aquele julgamento representava “autêntico caso-padrão, ou leading case”, cujos enunciados propostos deixariam claro o pensamento da Corte a respeito do tema enfrentado.
 

Todavia, conforme ressaltado pela Ministra Cármen Lúcia ao negar seguimento à Rcl 4.708/GO, as consequências vinculantes do leading case, próprias do sistema do Common Law, não se aplicam, a priori, ao nosso sistema jurídico, uma vez que “o papel de fonte do direito que o precedente tem, naquele, não é desempenhado pelo precedente no direito brasileiro, salvo nos casos constitucional ou legalmente previstos, como se dá com as ações constitucionais para o controle abstrato”. Concluiu, então, a Ministra Cármen Lúcia ressaltando que “o precedente serve, no sistema brasileiro, apenas como elemento judicial orientador, inicialmente, para a solução dos casos postos a exame. É ponto de partida, não é ponto de chegada”.
 

Por fim, recordo que a jurisprudência desta Corte é firme no sentido de que a reclamação não pode ser utilizada como sucedâneo ou substitutivo de recurso, ajuizada diretamente no órgão máximo do Poder Judiciário. Veja-se que contra a sentença judicial ora contestada o reclamante já interpôs, regularmente, recurso de apelação, que será oportunamente apreciado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.
 

Isso posto, nego seguimento a esta reclamação (RISTF, art. 21, § 1º), ficando prejudicado, por conseguinte, o exame do pedido de liminar.
 

Arquivem-se os autos.
 

Publique-se.
 

Brasília, 23 de maio de 2012.
 

Ministro Ricardo Lewandowski
Relator

2 comentários:

Anônimo disse...

Mas qdo houve o julgamento da Raposa Serra do Sol, colegas que não tem formação jurídica já haviam previsto isso. "Cada caso é um Caso" "Cada coisa é uma coisa" e assim por diante, e julgamento de Raposa Serra do Sol, era o julgamento de Raposa Serra do Sol.

Anônimo disse...

A única coisa que os pontos acrescidos pelo Ministro Alberto Direito, já falecido, Graças a Deus, ao voto do Ministro Ayres Brito no Caso Raposa do Sol foram as suas imediatas utilizações pelo Governo Federal, atualmente a orientação da gestão da assistencia indígena obedece auqeles pontos negativos ao ordenamento jurídico berasileiro.

 
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