Dinarte Nobre de Madeiro faleceu sábado passado, à noite, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Ninguém sabia que ele tinha problemas de coração. Aliás, problemas de quase nada de saúde, porque por qualquer dessas coisas ele sempre resolvia acendendo umas velinhas. Passavam. Portanto, Dinarte, se morreu mesmo, e não está por aí visitando alguma aldeia ou posto indígena, pelo que soubemos, morreu foi de raiva! Digo isso porque, alguns dias atrás, sua singela e encantadora casa, na Praia de Maracajaú, a 100 km de Natal, fora assaltada e roubada, com ele presente. Levaram seu carro e uns teréns de casa. Daí ele foi a João Pessoa para ver se passava a raiva, e aí seu coração não aguentou. Ademais, por essa e por outras, Dinarte só podia morrer era de raiva, que era a forma como ele se indignava com as injustiças que aconteciam e sobre as quais ele não podia fazer nada.
Este era o espírito de Dinarte. Um sujeito transparente e passional, modesto por natureza, porém auto-confiante e despachado, atento, dedicado e apaixonado pela causa indígena e pelos índios, como sociedades e individualmente, fiel e carinhoso com os amigos, incapaz de guardar rancores ou amargurar ressentimentos e sempre disposto a conciliar, a esquecer querelas e buscar entendimentos. Além do que, vivia de bom humor (a não ser nos momentos de raiva), era bom de prosa, excelente cozinheiro e parece que ousado e cortejador com as mulheres.
Quero prestar minha homenagem a este homem consagrando-o, em primeiro lugar, como um dos maiores indigenistas da geração que entrou nos primeiros anos da Funai.
Dinarte Madeiro trabalhou diretamente, como indigenista, com dezenas de povos indígenas, e conheceu e fez amizade pessoal com quase todos os diferentes povos indígenas brasileiros. Só para mencionar algumas de suas tarefas indigenistas, e deixando para que outros indigenistas e amigos dele preencham as lacunas nos comentários que desejem adicionar a esta postagem, menciono as seguintes:
1. Trabalhou de perto, nos seus primeiros anos de funcionário da Funai, com índios do médio e alto rio Tapajós -- os Munduruku, Kayabi e Apiaká; lá foi responsável pela criação da Ajudância de Itaituba, responsável pela demarcação de diversas terras, inclusive da grande terra Munduruku, a qual foi homologada ao tempo de minha passagem pela Funai. O tempo de Dinarte por essa região é que o marcou como indigenista, que proporcionou-lhe o amor pela causa indígena.
2. Com os Tikuna e outros povos do alto rio Solimões, sediado em Tabatinga.
3. Com os Yanomami, especialmente como responsável pela retirada de mais de 10.000 garimpeiros daquela terra indígena. Esse evento foi realizado durante um ano de trabalho duro, com uma equipe de corajosos indigenistas e policiais federais. Poucas pessoas acreditavam que a expulsão de tantos garimpeiros, com tanto apoio dado pelas autoridades locais e até pela mídia nacional, fosse possível de acontecer, e o fato de ter sido realizado demonstrou a força da Funai e a capacidade do Estado brasileiro de resolver grandes pendências que afetam os povos indígenas, sem esquecer a determinação de Dinarte. E este fato não deve ser esquecido dos anais do órgão indigenista!
4. Com os Kayapó, em especial, mas também com quase todos os povos do estado do Pará e Amapá, num período de grandes conturbações, invasões, criação de vilas e cidades. Com os Kayapó, Dinarte teve um papel igualmente determinante na retirada de madeireiros e garimpeiros que infestavam aquela terra indígena.
5. Com os Guajajara e os demais índios do Maranhão.
6. Com os Fulniô, em especial, de quem se fez amigo e, por assim dizer, correligionário, já que se dizia entre os amigos que Dinarte tinha tido a raríssima honra de ser batizado no ritual sagrado dos Fulniô, o ritual do Ouricuri.
7. Com os Tuxá, Pankararu, Pankararé, Xokó, Kiriri, e outros índios dos dois lados da bacia do São Francisco, a quem valorizou como culturas e etnias, quando nem sempre se fazia isso na Funai.
Dinarte Madeiro tornou-se indigenista por acaso, por destino, por sorte. Nascido no velho bairro de Igapó, do outro lado do rio Potengí, na cidade de Natal, Dinarte cresceu como menino de família simples, trabalhadora, com pequeno sítio de lavoura de mandioca, algum gado e fruteiras. Meio urbano e meio rural, mas com oportunidades de educação e tendência para ser urbano. Com porte simpático e espigado, bom de prosa, foi ser vendedor de aparelhos eletro-domésticos num grande maganize de Natal, do qual chegou a ser gerente, com grande potencial de crescimento profissional. Aí aconteceu o inesperado, sua verdadeira fortuna, por assim dizer. Em 1971, se deixou enfeitiçar com a ideia de ir para o Amazonas e tentar sorte maior por lá. Não me lembro como, em Belém, aconteceu de entrar na Funai e ser enviado para Itaituba, no médio Tapajós, para iniciar os trabalhos de estabelecer uma Ajudância para assistir aos índios da região. Aí, após uns cinco anos de labor, subindo e descendo o Tapajós, deslanchou sua vitoriosa carreira de indigenista.
Dinarte começou como simples telegrafista e almoxarife, passou para chefe de posto e daí para administrador que foi de umas tantas ajudâncias, delegacias, administrações e superintendências da Funai, espalhadas pelo Brasil, mais especialmente na Amazônia e no Nordeste. Em Brasília foi coordenador geral e diretor de assistência -- setores mais atuantes diretamente com demandas indígenas. Nessas capacidades e atividades, Dinarte conheceu muitos índios, de quase todas as etnias, e com eles se relacionou sempre no diálogo, na conversa franca, na busca de soluções. Dinarte achava que os índios mereciam tudo o que pediam, que o Estado tinha uma dívida imensa para com os povos indígenas, e que tinha que pagar essa dívida. Ele, Dinarte, se considerava a serviço dessa missão.
No começo do governo FHC Dinarte foi convidado pelo ministro Jobim para ser presidente da Funai. Sua gestão durou dois anos, resultando na demarcação de mais de 30 terras indígenas, numa época em que a ousadia, a coragem e a habilidade indigenistas davam resultados. Deixou a presidência da Funai não por desentendimentos com índios ou colegas indigenistas, mas porque o ministro queria dar o cargo para um homem de ong, que prometia modernizar e reestruturar o papel do Estado para com os índios, mas terminou inaugurando a fase de presidentes da Funai que iriam ser retirados à força pela insatisfação dos índios.
Disse no começo desse texto que Dinarte merece ser considerado um dos maiores indigenistas do Brasil dos últimos 50 anos. Sua história de 40 anos de atividades diretamente ligada aos índios deixa um legado claro e concreto. Os índios e os indigenistas que privaram de sua convivência são testemunhas desse legado. A Funai não pode esquecer esse legado. Os esnobes poderão até considerar esse julgamento um exagero, alegando que Dinarte não tinha curso de ciências sociais, nem mesmo fizera o curso de indigenista da Funai. Como ele poderia ser um indigenista? Bem, Dinarte tornou-se indigenista por vontade própria, por convicção humana, por intuição e por dedicação indeclinável aos índios. Ele é um dos exemplos da tradição inconsciente do povo brasileiro à causa indígena, uma demonstração viva de que no Brasil existe um respeito muitas vezes recôndito em cada brasileiro pelo índio, como ser humano diferenciado e como brasileiro nato e histórico. Dinarte não precisou de cursos para se tornar indigenista; ele se fez indigenista por sua vivência com os índios, mas também porque tinha uma intuição humanista e um alto sentimento de brasilidade.
Um testemunho pessoal: Quando fui presidente da Funai, entre setembro de 2003 e março de 2007, tive Dinarte como conselheiro, como coordenador-geral de projetos especiais e como coordenador da Amazônia. Já o havia conhecido quando ele fora delegado da Funai em São Luís, mas foram nesses anos que convivi de perto e aprendi a respeitá-lo. Depois de uns três anos, tivemos uma discussão mais forte sobre algum motivo indigenista que não mais me recordo, e ele resolveu intempestivamente (e com raiva) pedir demissão de sua coordenação. Como já era aposentado da Funai, deixou o órgão e foi trabalhar como consultor da Vale, em cuja capacidade ajudou os Xikrin e Kayapó a se posicionarem com firmeza em relação aos projetos de mineração perto de suas terras. Nem por ser demitido por mim, Dinarte deixou de manter sua amizade a mim e solidariedade à minha gestão. Menos ainda a lealdade aos povos indígenas. Quando eu precisava de algum conselho dele, alguma consulta sobre algum problema indigenista, ele se colocava prontamente à disposição para vir ao meu escritório e ajudar. Também, em várias ocasiões passei muito bem usufruindo de seus dotes culinários e dos deliciosos camarões que ele importava de Natal, e o visitei uma vez em sua linda casa de praia.
Muitos indigenistas vão sentir falta de Dinarte e sua memória ficará conosco para sempre. Muitos mais índios vão se lembrar dele. Isto é o que importava para ele. Isto é o que todo indigenista almeja.
segunda-feira, 28 de maio de 2012
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16 comentários:
...infelizmente, nos últimos anos o indigenismo tem sofrido grandes perdas..., mas, para se ganhar uma batalha, é necessário recuar e sofrer grandes baixas, como agora a do nosso NOBRE companheiro DINARTE!
Infelizmente, nao tive a oportunidade de poder aceitar ao seu honroso convite para ir visitar sua bucólica casa de praia, e que ele tinha grande prazer.
Fica aqui a lembrança de um grande e sincero amigo, que agora foi se juntar à memória de outros grandes e valorosos nomes...
Moacir Melo
Indigenista
Acho que tinha índio precisando do Dinarte lá em cima porque os índios daqui parecem não precisar mais da gente. E ele foi.................
O antropólogo é o profissional mais importante para o segmento social indígena além de ser o maior vigia dos direitos antropológicos. Nós sabemos a dor de perder um guerreiro.
http://www1.folha.uol.com.br/poder/1097205-indios-ocupam-predios-e-bloqueiam-rodovias-para-cobrar-atencao-a-saude.shtml
eu acredito que ainda precisa
gostaria que tal homenagem se estendece ao indigenista Andrada
Uns lutam em prol do serviço publico, morremos com certeza, o que não justifica vivermos bem, dentro da etica admimistrativa e com lisura.. Hoje deparei com o absurdo do absurdo de nomeações de livre exoneração os tais DAS. A atual estrutura da FUNAI, com mais de uma duzia dos bons encostados nao heveria lugar para gente fora do quadro permanente da FUNAI, gente como MARCIO MEIRA que, nao estou sendo claro, estou indignado, um colega ja havia me dito que o Coordenador de CACOAL, SR. WALMIR DE JESUS haveria sido demitido do IBAMA a bem do serviço publico, tipicado nos artigosw 117 IX e 137 da 8112/90.
Deem uma olhada no DOU de 30.05.2012 Seção 1, Pagina 154 e 155.
Vergona,essa presidente da FUNAI, vai continuar a palhaçada que esse ...filho de Deus Marcio Meira deixou. É o fim. Está promovendo e colocando os DAS do PT.É uma PTlhada de incompetentes.
COLEGAS VOCES QUE PARTICIPAM DE PADS TOMEM MUITO CUIDADO COM OS PRESIDENTES DAS COMISSÕES. OBSERVEM BEM É UMA COMISSÃO DE 03 E O VOTO É IGUAL PARA TODOS NOS RESULTADOS . PORTANTO FAÇAM SUAS AVALIAÇÕES E NÃO SE DEIXEM INFLUENCIAR NAS DECISÕES ERRADAS DOS QUE ASSUMEM AS PRESIDENCIAS AQUI EM BRASILIA É UM TREMENDO CAOOS E AS DECISÕES ERRADAS ESTÃO SE ESPALHANDO EM TODO O BRASIL. CADÊ OS DIRETORES DA FUNAI QUE NÃO QUEREM ENXERGAR ISSO. COLEGAS EM TODO O BRASIL ESTÃO PASSANDO POR ISSO. A COMISSÃO SÓ NÃO É RESTRITA AO PRESIDENTE.QUALQUER DUVIDA PROCUREM A JUSTIÇA.
POIS É A INSTALAÇÃO DE UM PAD, É PARA TENTAR INOCENTAR O SERVIDOR ACUSADO DE COMETER IRREGULARIDADES GRAVES, NÃO HAVENDO TAIS IRREGULARIDADES POR DOLO E MÁ FÉ,AS PENALIDADES DEVERÃO SER ABRANDADAS, AGORA NÃO É ISSO QUE ESTA ACONTECENDO NOS PADS DA FUNAI, OS PRESIDENTES BUSCAM DESDE JÁ AS CONDENAÇÕES, COM JULGAMENTOS ANTECIPADOS, E ISTO ESTA INFLUENCIANDO OS MEMBROS DAS COMISSÕES A COMETERM OS MESMOS ERROS, EM SEGUIREM A POSIÇÃO DO PRESIDENTE. CONCORDO COM O ANONIMO DAS 15; 42 HS. SERÁ QUE EXISTE DIGNIDADE AINDA ENTRE OS SERVIDORES DAS COMISSÕES?
Quero informar a quem interessar possa o que esta acontecendo em Recife contra servidores da ex- administração, é um verdadeiro massacre. o presidente da comissão esta agindo como um verdadeiro delegado quando da ouvida de criminosos de alta pericularidade,tenta a todo o custo criar provas contra os servidores, a Direção da FUNAI tem que tomar conhecimento dessas cousas e mandar apurar os fatos de como estão sendo conduzidos os trabalhos das comissões. chamamos atenção do Sindicato e da Ansef para que tomem as devidas providencias, pois os servidores mesmo que cometessem alguma irregulalidades deveriam ser tratados como pessoas que a todo o custo tentaram e estão provados diantes dos fatos quer materias ou testemunhaus que agiram para se dar condições de funcionamentos a ex- administração que estava completamenmte deteriorada . Pedimos a propria Presidenta da Funai que pelo amor de Deus não deixe que isso continue. Se for constatado a desonestidade de algum servidor que sejam tomadas as medidas necessarias diante da Lei, Mas que não permita que servidores acusados pelo ex- presidente da Funai, depois de 10 anos sejam inocentados por dolo e má fé sejam inocentados pela justiça federal e reconhecido pelo proprio ministério publico da inocencia de todos , sendo tudo isso endoçado pelos dois ACORDÃOS DO DO TCU QUE MANDA ARQUIVAR OS PROCESSOS CONTRAS OS SERVIDORES RECONHECENDO AS CONDIÇÕES DE TRABALHO EM QUE ESTAVAM EXPOSTOS .Diante disso tudo me preocupa a propagação de acusações infundadas, por erros formais sim não pela pratica do dolo e má fé. Isso é o que tem que ser apurado.
Mércio, se vc tem contato com a Marta Azevedo diga a ela para enquadrar a tal de Lúcia Alberta, pois ela ainda não foi nomeada, não ocupa nenhum cargo na FUNAI e mesmo assim está dando um monte de ordens absurdas, sem pé nem cabeça. Parece que "mandou" o diretor se virar para liberar 300 Mil Reais para a COIAB enviar representantes para a Rio + 20. Causou o maior rebu. Com uma assessora como essa ninguém precisa de inimigo.
Marta não esqueça a coordenadora de monitoramento de area indigena...Ela não serve pra nada..
Colegas,
As comissões de PAD's são compostas por três servidores, porém apenas o Presidente manda,o resto é enfeite para ganhar diárias.
Em Recife nem acabou um PAD e a corregedora já instalou a continuação de outro. Isso é desumano. Nem na Justiça se faz isso. Os servidores estão sem nervos, sem dinheiro e sem oportunidade de respirar. Ela substituiu a Comissão anterior, por incompetência, para a mesma que já está lá, que intimida as testemunhas e os acusados. O conselho Nacional de Justiça deverá ser notificado disso.
em mato grosso tem uns colegas do pad, que serve de capacho da PRF...
na reunião da CNPI, isso e uma vergonha para as comunidades do nordeste, como sempre Marcos xukuru, e sandro tuxa querendo da um de bonzinho dizendo que papel deles na CNPI eles fizeram. eles fizeram foi acabar com a funai isso sim.
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