1.
É pur se muove -- E ainda assim se move -- Esta é a frase que Galileu Galilei pronunciou, sussurando entre-dentes, após ser condenado pela Igreja Católica e se retratar de sua visão de que a Terra se move ao redor do sol, e não o contrário. Esta frase tem permanecido como símbolo da persistência da verdade, independente dos poderes que tentam suprimi-la.
Do mesmo modo, os índios podem muito bem estar sentindo a mesmíssima coisa ao participar dos seminários de explicação apresentados pela atual direção da Funai sobre o famigerado Decreto 7056/09, seminários que tentam persuadi-los de que o desmonte da Funai é uma excelente medida para todos. Sabem eles que o que está acontecendo é uma brincadeira de mau gosto, que é um dia acabará, e as coisas poderão tomar o rumo certo.
As fotos que a Funai tem postado em seu site mostram os olhares vazios dos participantes, próprios de quem vê tudo com indisfarçada indiferença e ceticismo. Mirem o rosto do cacique Nailton Muniz, na matéria sobre o sul da Bahia! Já o indefectível Akyaboro sempre é citado justificando o decreto ao falar que a Conferência Nacional dos Povos Indígenas havia pedido a reestruturação da Funai e que portanto o que está sendo feito tinha que ser feito, é o esperado, o que todos querem. Nem ele acredita nisso!
2. Semana passada os índios Potiguara, da Baía da Traição, PB, retiveram contra suas vontades, na Aldeia São Francisco, sete funcionários da Funai que lá estavam para dar um curso sobre gestão territorial. Mais um curso para movimentar os técnicos da Funai e liberá-los de Brasília. Os líderes potiguara disseram que só os liberaria se o presidente da Funai viesse falar com eles e se comprometesse a recriar sua administração regional. Nada disso aconteceu. Logo em seguida, arrefeceram a demanda e aceitaram uma vaga promessa de que uma unidade gestora iria ser instalada para eles. E aceitaram passivamente a ser assistidos pela Administração Regional de Maceió, mais longe do que a de Fortaleza, porque os índios do Ceará protestaram contra a suposta aleivosia de serem considerados mal assistidos.
Meio fraco para tanta determinação inicial. Que houve, pessoal?
3. Os novos concursados da Funai estão sendo nomeados para as administrações onde foram lotados. Têm até o dia 5 de outubro para serem empossados. Alguns deles foram meus alunos. Desejo a todos boa sorte, e espero que façam força para não deixar a peteca cair.
Do último concurso que aconteceu em 2005, 60 jovens universitários foram nomeados, mas, devido ao baixo salário, muitos deles fizeram concurso para outros órgãos públicos e saíram. Restam uns 25 dos originais que se tornaram indigenistas por seus méritos e não deixaram a peteca cair.
4. Notícias de Altamira informam que está começando a chegar pessoas de todos os tipos para os trabalhos de construção da Usina Belo Monte. Muita gente da cidade está preocupada, a carestia toma conta dos produtos alimentícios, o medo do dilúvio de águas e gentes campeia.
Enquanto isso, a Funai extinguiu a gloriosa administração regional de Altamira, em cujas hostes trabalhavam pessoas como Afonsinho, Benigno Marques e Caetano, por simples despeito de pessoas da atual direção do órgão. Lembrem-se que Afonsinho fez o contato com os dois grupos Arara do rio Iriri. Do primeiro grupo, por extravagância de um sertanista da época, morreram vários por conta de uma epidemia de gripe contraída quando 30 Arara foram levados para serem exibidos em Altamira; do segundo grupo, cuidado por Afonsinho, ninguém morreu. Só isso já seria motivo de glória indigenista.
Em Altamira agora existe uma Frente Etno-ambiental supostamente para cuidar dos índios isolados e de recém-contato. Sem qualquer experiência diante do dilúvio iminente. Os índios estão ficando revoltados com o pouco caso que recebem do seu dirigente atual.
A avalanche e o dilúvio que cairão sobre Altamira estão sendo subestimados pela atual direção da Funai. Só muita ranzinzice e irresponsabilidade para deixar a situação como está e fingir que a reestruturação lá implantada é uma beleza.
4. A questão da saúde não está equacionada. Quando será? A nova secretaria de saúde indígena, que promete fazer o que a Funasa não fez, de ser mais decente para com os índios, ainda não foi implementada.
Os índios Kaingang de Chapecó se revoltaram esses dias por conta do atendimento precário à sua saúde, e protestaram fechando duas rodovias no oeste catarinense. Precisou dois dias para serem persuadidos a abri-las, com promessas de remédios e viaturas a serem acertadas em reunião em Florianópolis.
5. É curioso que nas duas enquetes recentes feitas por esse Blog, perguntando sobre quem poderia ser melhor presidente do Brasil para com os índios, Dilma Rousseff, a candidata da situação, ainda com condições de ganhar no primeiro turno, ficou atrás dos dois oposicionistas principais. Por que será?
6. A Funai renovou três portarias de estudos para demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul, aparentemente com os mesmos antropólogos. Quisera que não deitassem falação por aí, exibindo-se e criando anti-corpos anti-indígenas, como fizeram há três anos.
7. Parece que este ano nenhuma terra será demarcada. Que paralisia! Até o CIMI anda fazendo reclamações! Inclusive daquelas cujas portarias foram revogadas. Que papel feio, gente !
8. O segundo mandato do presidente Lula vai passar como o mais anti-indígena dos últimos anos. Ao menos o mais ineficiente de todos. O mais embrulhador aos índios de todos.
Em termos de demarcação de terras, uma vergonha. Não mais que 20 terras indígenas foram homologadas, aliás, todas elas que já haviam sido demarcadas em administrações anteriores.
O pior conjunto de normas e ordens já produzido por um tribunal superior, o próprio STF, que redefiniu os termos de demarcação de terras indígenas.
O esquartejamento da Funai, com prejuízo não só para o órgão, mas para os índios e para a tradição indigenista rondoniana, de cunho federal, que tem sido responsável não só pela assistência, mas também pelo respeito, pouco que seja, mas real, que as populações vizinhas dedicam aos índios.
E as maiores traições já perpetradas, desde os tempos dos militares, aos índios. Promessas nunca cumpridas, reuniões sem sentido. Não só foram licenciados inúmeros empreendimentos sem a devida consulta aos índios, como não se conseguiu indenizações e recompensações à altura dos impactos. Vide Belo Monte.
9. Aliás, considerando que esses empreendimentos já estão sendo efetivados, sem volta, seja com a Dilma, seja com o Serra ou a Marina, apesar de todos os protestos que já aconteceram, é preciso que os índios sejam recompensados devidamente, que virem participantes dos empreendimentos.
Digo com convicção e faço disso minha proposta: que os índios se tornem, por direito, participantes do desenvolvimento que se fizer ao rededor de suas terras indígenas, não só com vistas a protegê-los, assisti-los e indenizá-los, mas também para que eles participem efetivamente dos benefícios e lucros!
Caso contrário, eles agora estarão à mercê de pequenos projetos, enganações criadas por empresas e por gente que não pensa o futuro. O paroxismo dos protestos não faz mal a ONGs que vivem disso e têm seus próprios recursos obtidos de fora do país. Mas os índios são os habitantes que vão sofrer, mesmo com protestos, porque a avalanche chegou. Quem, em sã consciência, acha que Belo Monte não irá acontecer? Ou Santo Antonio e Jirau retroceder? Ou Estreito e Marabá não serem licenciadas? Ou as hidrelétricas do rio Teles Pires não serem leiloadas este ano ou no máximo em 2011?
Haja visto o que está acontecendo com os Xavante das terras indígenas de São Marcos e Sangradouro em relação a duas hidrelétricas que Furnas pretende fazer no rio das Mortes. O que será dos Xavante dessas regiões com tanto rebuliço e tanta enrolação por parte das pessoas que estão fazendo os estudos? Que clareza têm os Xavante sobre esses dois empreendimentos? Quem os auxiliará a recusá-los, ou deles participar?
Em outras palavras, a problemática da questão indígena brasileira não é para amadores, emergentes e adventícios do indigenismo.
O presente já está comprometido com as medidas neo-liberais, anti-Funai e anti-rondonianas que vêm sendo aplicadas. E o futuro, com a Funai despedaçada, com os índios sem um órgão com dignidade para estar ao seu lado, com tudo que vem por aí, quem haverá de ajudar os índios nessa travessia?