sexta-feira, 16 de julho de 2010

Funai demite Afonsinho, um dos heróis do indigenismo brasileiro

Uma das maiores injustiças feitas a partir do decreto 7506, que desestruturou a Funai, foi a demissão cabal de uma dos maiores indigenistas brasileiras, um verdadeiro herói vivo da nossa tradição.

Afonsinho, que entrou em contato pacífico com os índios Arara, num longo período de 1976-1981, após ser flechado duas vezes por um dos guerreiros Arara, foi demitido sumariamente enquanto estava na aldeia dos Arara fazendo seu trabalho de indigenismo leal e persistente, quieto, sem alardes, humilde e determinado.

Em recente viagem à região, o jornalista Felipe Milanez esteve com Afonsinho, que, embora mostre um visível abatimento físico, preserva sua dignidade indigenista e de homem. A matéria saiu na Revista Vice desta semana.

As homenagens desse Blog a Afonsinho.

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Felipe e Afonsinho.
Nosso colaborador Felipe Milanez é praticamente um nômade que prefere curtir com índios nos mais diferentes rincões do Brasil do que qualquer outra coisa, como atesta sua reportagem Genocídio na Selva, publicada em nossa edição mais recente. Olha o que ele nos mandou direto de Altamira, no Pará.
Quando Afonsinho era criança, seu pai, seringueiro, foi morto por índios assurini. Quando tinha 16 anos, precisava trabalhar e para isso teve que dar um gato no registro de nascimento, aumentar sua idade para 20, e entrar no serviço público. Foi contratado pelo Serviço de Proteção ao Índio (o SPI, antiga Funai) para um trabalho arriscado: pacificar índios arredios. Justamente, com índios. Correu risco de vida em expedições extremas. “Amansou” os irredutíveis e guerreiros indígenas kayapó, em aventuras que deixariam no chinelo os passeios do Coronel Fawcett. Ao meio dia da quinta-feira de 3 de junho de 1976, enquanto tentava pacificar os bravos índios do povo arara que estavam em conflitos na floresta com colonos na região da Transamazônica, Afonsinho foi atacado. Uma flecha entrou em seu pulmão, a outra atravessou o rim. A imagem feita quando ele chegou à cidade para ser hospitalizado dá medo. Seus colegas João Carvalho e Antonio Ferreira Barbosa também levaram outras espetadas. Todos sobreviveram. Afonsinho conseguiu fazer a paz e se tornou grande amigo e o maior aliado dos araras, com quem convivia até o último mês de janeiro. Afonsinho trabalha para proteger os índios dos brancos que invadem as suas terras. Quer dizer, trabalhava. Depois dessa vida de dedicação à causa indígena, descendente moral do Marechal Rondon, Afonsinho foi demitido. Estava no meio de uma leva de funcionários mandados embora por causa da reestruturação da Funai, em fevereiro.
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Hoje, com 72 anos, Alfonso Alves da Silva, é considerado o maior sertanista vivo do Brasil. Não guarda mágoas. “Mágoa? Não, não tem disso não, rapaz.” Nem com os índios que mataram seu pai, nem com aqueles que o flecharam, nem com a Funai. Voltaria a trabalhar com os índios, na Funai, se fosse recontratado? “Eu gostaria muito, sabe, é só isso que sei fazer da vida.”
A terra dos araras (Terra Indígena Cachoeira Seca) vai sofrer impactos da usina hidrelétrica de Belo Monte, o grande projeto do governo no rio Xingu que tem dado o que falar. Quando funcionários da Eletronorte estiveram na aldeia, os índios derrubaram a casa deles. Os funcionários ficaram com medo. Afonsinho não estava. Os araras confiam em Afonsinho. E fora ele, desconfiam dos brancos. A demissão pode deixar os índios araras sujeitos a serem usados e manipulados. Podem ficar à mercê dos vizinhos com que brigam e já mataram. Afonsinho é o intermediário deles, quem sabe explicar o mundo que os cerca. Afonsinho é, também, o guru de todos os outros sertanistas da Funai, que precisam aprender com sua experiência no mato – e a sua dedicação aos índios. É um sujeito pequeno, franzino, “Mas forte que é o diabo”, me disse um sertanista que o admira. Estive com esse herói brasileiro semana passada, em Altamira. Ele mora em uma casa na rua 7 de Setembro – cheguei lá perguntando na rua pelo “Afonsinho da Funai”. Chamei por ele, que veio caminhando em seus passos curtos, mas firmes.
Vice: Você está triste?
Afonsinho:
 Eu estou bem. Rapaz, é a vida, né.
Como você ficou sabendo da sua demissão?
Primeiro, eu tava lá Cachoeira Seca, no posto, com os índios, e daí ouvi no rádio, na Rádio Nacional da Amazônia. Ouvi meu nome. Mas não entendi bem não. Depois eu vim pra cidade, ia sair de férias uns dias. Mas daí vieram aqui me avisar que eu tinha sido demitido, tinha perdido a minha função.
O que você estava fazendo no posto?
Lá é o lugar para fiscalizar a terra dos araras, para não ter invasão. Dar assistência pra eles. Agora eu tava construindo um alojamento melhorzinho, porque o outro já ta bem degradado. Mas daí faltava recurso, e a gente tem que se virar, né.
Quanto tempo você ficou no mato para fazer a pacificação desse povo, que atacava todos os brancos que chegavam ao território deles?
Foi de 1980 até 1º. de janeiro de 1987. Mas ia e voltava, a gente montou um posto, dava brindes pra eles, fazia uma roça grande. Eles eram nômades, andavam por tudo lá. Tavam fugindo, precisavam de comida. Daí vinham pegar essas que a gente deixava pra eles, mandioca, farinha, mamão, jerimum.
Por que vocês estavam lá para pacificar eles?
Estavam construindo a Transamazônica, que passou pela aldeia deles. E tinham muitos colonos chegando. Eles eram índio brabo, arredio, ainda não tinham tido contato com os brancos. Os brancos estavam atacando eles. Eles fugiam.
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E você conhece hoje aquele que flechou você?
Claro, é meu amigo. Quem me flechou vive na aldeia do Laranjal, outra terra indígena dos arara, ali perto. Ele tá lá, é meu amigo. Não temos problema não. Acho que ele tem um pouco de vergonha, sabe. Quando me vê vem querer me agradar, dá umas bananas, um pedaço de caça. Mas não tem nada disso não. Ele me disse, é que ele não sabia que eu tava querendo ajudar ele.
Morreram muitos índios depois do contato, por epidemias?
Nenhum. Eu isolei completamente a área. Não entrava ninguém com gripe. Por dois anos, não houve nenhuma epidemia de gripe. E depois, a gente conseguiu salvar todos que contraíram o vírus. Foi a primeira vez que houve um contato, no Brasil, com um povo indígena isolado, em que todos os índios sobreviveram.
Eles confiam em você?
Confiam. Sou amigo deles. Eles sabem que eu sempre vou ajudar eles. Esses araras do rio Iriri, da Cachoeira Seca, não conhecem esse mundo dos brancos, e têm medo do que pode acontecer.
Não sei também se eu conheço esse “mundo dos brancos”.
POR FELIPE MILANEZ VICE BR

11 comentários:

Anônimo disse...

Essa é a Funai cruel que destroi os seus valores, homens sofridos e calejados pela causa indígena!

Anônimo disse...

AMIGO, NÃO É A FUNAI CRUEL, E SIM SEUS DIRIGENTES.

Anônimo disse...

Mais crueldade ainda é praticada por aqueles que nomearam (e deixam permanecer) os atuais dirigentes da Funai !!!!!

Anônimo disse...

... essa é a Funai de hoje!

Anônimo disse...

Depois de 40 anos de indigenismo, tenho certeza que os índios cada vez mais estão ficanco sós. Os grandes e exemplares indigenista se foram cumprindo o dstino que é nascer e morrer. Os que ficaram são arbitrariamente demitidos. Estamos sendo jogados no limbo da hitória. Na lixeira da Funai.

Fernanda disse...

CAROS, TODO MUNDO SE APOSENTA E POR QUE NÃO ESSE CIDADÃO? É O CICLO DA VIDA... TEM QUE DESCANÇAR....
ABÇ

Anônimo disse...

Esta coisa chamada Fernanda, deve respeitar o que mais teem de precioso dentro indigenismo Brasileiro chamado A F O N S I N H O. Este é o CARA, parabéns meu querido Afonsinho o povo brasileiro e em particular os indigenista da FUNAI lhe agradece e diz que melhores dias virão em, que todos estaremos juntos comemorando o resgate da FUNAI.

Sílvia disse...

Acredito que precisamos homenagear pessoas como Afonsinho, Benigno e outros indigenistas que atuaram por longos anos entre os índios. Ambos dedicaram sua vida numa função que não é fácil e ao longo dos anos deixaram suas famílias, suas vidas para convivência com os índios no médio Xingu (Asuriní, Araweté, Kayapó, Arara, etc...). Não é respeitoso que a FUNAI demita esses profissionais com um lacônico recado ou aviso de demissão, e aqui não estamos falando de aposentadoria, eles não trabalharam contanto os dias à aposentadoria, eles viviam felizes e o que querem é o direito de continuar a felicidade com os índios. A vocês parabéns por serem homens de verdade, que não abandonaram o que acreditavam ser o certo, mesmo que as evidências fossem outras. Nosso país condecora pessoas por muito menos!

Sílvia disse...

Acredito que precisamos homenagear pessoas como Afonsinho, Benigno e outros indigenistas que atuaram por longos anos entre os índios. Ambos dedicaram sua vida numa função que não é fácil e ao longo dos anos deixaram suas famílias, suas vidas para convivência com os índios no médio Xingu (Asuriní, Araweté, Kayapó, Arara, etc...). Não é respeitoso que a FUNAI demita esses profissionais com um lacônico recado ou aviso de demissão, e aqui não estamos falando de aposentadoria, eles não trabalharam contanto os dias à aposentadoria, eles viviam felizes e o que querem é o direito de continuar a felicidade com os índios. A vocês parabéns por serem homens de verdade, que não abandonaram o que acreditavam ser o certo, mesmo que as evidências fossem outras. Nosso país condecora pessoas por muito menos!

Anônimo disse...

A idade limite para ser servidor público é 70 anos. O Afonsinho tem 72, esse homem já trabalhou tanto, vocês ainda querem que ele trabalhe mais?

Sílvia disse...

A questão que tratamos não é a idade para trabalhar, não estamos tratando da legislação, mas sim de uma história real. O "q" da questão é a forma como aconteceu o desligamento de Afonsinho da FUNAI: com um Lacônico aviso. Reflita o que ele sentiu quando recebeu o "recado" que não era mais funcionário da FUNAI. Como você se sentiria?

 
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