quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Eis minha visão sobre a questão indígena atual: Entrevista a Felipe Milanez


Ruralistas: os novos senhores de engenho da política

Em depoimento, Mércio Gomes afirma que os fazendeiros se dão panca de serem os novos senhores de engenho, um poder rural absolutista com pretensões políticas nacionais
por Felipe Milanez — publicado 03/10/2013 03:15, última modificação 03/10/2013 09:28
Mércio Gomes é antropólogo, discípulo de Darcy Ribeiro, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deu aula também na Universidade Federal Fluminense e na Unicamp. Como antropólogo, Gomes desenvolveu trabalhos no Maranhão, entre os povos Guajajara e Awa-Guajá e publicou os livros Os índios e o Brasil (2012) e Antropologia Hiperdialética (2011), ambos pela Contexto. Foi presidente da Funai entre setembro de 2003 a março de 2007. Durante sua gestão ocorreu o massacre de garimpeiros na terra indígena Roosevelt, onde índios cinta-larga vivem um conflito com garimpeiros de diamante. Na ocasião, os índios mataram 29 garimpeiros, e os garimpeiros revidaram matando um indígena. Foi, também, quando o ex-presidente Lula homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em 2005, e ocorreu o licenciamento das usinas hidrelétricas no rio Madeira, o Complexo Madeira, de Santo Antônio e Jirau, que impactam diretamente povos indígenas, inclusive em isolamento voluntário. As polêmicas usinas do Madeira foram as primeiras da série de usinas que o governo passou a construir na Amazônia como parte do programa de desenvolvimento PAC, que inclui também Belo Monte, no rio Xingu, entre diversas outras. Como jornalista, eu editei a revista Brasil Indígena, publicação da Funai, também durante a sua gestão.
Ao invés de responder a entrevista, Gomes preferiu escrever o depoimento abaixo, baseado nas questões propostas aos outros ex-presidentes para essa série de entrevistas. Segundo ele, "os fazendeiros se dão panca de serem os novos senhores de engenho, um poder rural absolutista e com pretensões políticas nacionais".
Mércio Gomes
É estarrecedor ver e acompanhar a campanha anti-indígena atual. Cada dia é uma agonia. Os fazendeiros e seus acólitos estão em guerra ofensiva contra os índios, como ocorreu em diversas épocas no Brasil, e não se envergonham de aplicar métodos suasórios de todas as espécies, desde aliciar índios até pressionar o governo diretamente e atentar contra a Constituição.
Parte dos motivos dessa ofensiva está no fato de que o agronegócio está dando muito lucro e portanto se expande em todas as regiões que pode; parece não ter limites – nem ecológicos, nem econômicos, nem sociais. Por isso a terra está muito valorizada e as perspectivas de crescimento são grandes e seguras a médio prazo. Diante de seu peso no PIB, os fazendeiros se dão panca de serem os novos senhores de engenho, um poder rural absolutista e com pretensões políticas nacionais. Estão de garras afiadas para uma guerra de fim dos tempos.
Outra parte dos motivos se deve à incapacidade do governo (ministérios da Justiça e Casa Civil, bem como a própria Funai) de responder a esse ímpeto anti-indígena. Às vezes dá a impressão que só vê com bons olhos o lado dos fazendeiros, mas finge que está com os índios. Em consequência, de propósito ou burramente, o governo tem incitado a gana dos fazendeiros e iludido os índios.
Primeiro, diminuiu a capacidade de ação indigenista da Funai ao extinguir os postos indígenas e assim retirar seu contingente de indigenistas do contato direto e permanente com os índios. Os fazendeiros viram isso como uma abertura à sua presença nas áreas indígenas. No mesmo ato que pretendia reestruturar a Funai, em dezembro de 2009, aboliu algumas das administrações regionais mais estratégicas, como a de Altamira (como intuito de facilitar o aceito dos índios sobre Belo Monte), a de Porto Velho, as do Paraná, Pernambuco, Mato Grosso, Maranhão, Pará e até no Amapá – e piorou a situação indígena como um todo. Hoje os índios sentem que não têm mais a Funai ao seu lado – o que seja talvez a pior herança desse governo para os índios.
Segundo, provocou os fazendeiros à briga renhida ao emitir desastrosamente uma série de atos demarcatórios sem a devida capacidade de levá-los a bom termo. Por exemplo, criou cinco grupos de trabalho para o Mato Grosso do Sul que diziam que iriam demarcar entre 600.000 e 1.000.000 de hectares como terras indígenas, algo impossível nas condições atuais e até no passado recente. O atual governador do Rio Grande do Sul, quando ministro da Justiça emitiu portarias declaratórias de terras em Santa Catarina e no seu estado que hoje, como governador, as renega. É evidente que os fazendeiros vêem fraqueza nesses atos e, cada vez mais se sentem poderosos para desafiar o governo. A atual ministra-chefe da Casa Civil, pré-candidata ao governo do Paraná, dita as novas regras do indigenismo brasileiro passando por cima inclusive do ministro da Justiça. A Funai segue inerme.
Terceiro, foram tantas as provocações e burrices criadas por ingênuos e não tão ingênuos diretores da Funai nos processos de demarcação, desde 2007, que o STF resolveu emitir as instruções mais anti-demarcatórias já feitas no Brasil desde o Império. As ressalvas estabelecidas por ocasião da reiteração da homologação da T.I. Raposa Serra do Sol, em 19 de março de 2009, se levadas a cabo, inviabilizam qualquer tentativa de demarcar novas terras indígenas, especialmente em estados onde a terra está super-valorizada, como são aqueles em que vivem precisamente os índios Guarani e os Kaingang, os que detêm a menor quantidade de terras proporcional às suas populações.
Quarto, o clima cultural brasileiro virou de favorável aos índios, no começo deste século, para anti-indígena, tanto na imprensa quanto na opinião pública mais difusa. Os fazendeiros estão nadando de braçadas nesse mar revolto. Quanto mais confusão e provocações, melhor para eles.
Enfim, é difícil reverter um quadro tão desastroso como esse só com fingidas boas intenções. Evidentemente que o governo não sabe o quê fazer da Funai. Ela não faz o que o governo quer, quando o governo precisa. Na verdade, está esperando que os índios peçam a sua extinção, como o pediram as ONGs alguns anos atrás. O governo sabe que não pode extinguir a Funai, pois seria abandonar os índios à legislação estadual, provocando um desastre de proporções catastróficas. Ademais, legalmente o governo precisa da Funai para diversas ações, tais como conceder licença de aproveitamento de recursos hídricos ou minerários que afetam terras indígenas; quando os índios não querem esses projetos, o governo joga pesado e aí chama a Funai para fazer o trabalho sujo. Só que encontra obstáculos na consciência dos indigenistas da Funai, daí apelar para os contratos de terceiros, em geral partidários amigos.
Para resolver as demandas sobre terras, o governo está contando com a decisão  final do STF em forma de respostas a alguns embargos declaratórios sobre as ressalvas demarcatórias. Tentou antecipar esse ato fazendo a AGU emitir o Decreto 303, mas recuou. Agora aguarda. Os tribunais federais também aguardam essa decisão para resolver dezenas de pendências de atos demarcatórios mal feitos. O  tempo trabalha em favor do governo anti-indígena e dos fazendeiros.
Por sua vez, o governo se prepara para promulgar novas políticas que favorecerão atividades do desenvolvimento econômico mais grosseiro possível, como a mineração em terras indígenas. Sua estratégia é de aliciar alguns índios e indigenistas e passar o trator por cima de quem não aceitar. Além de fazendeiros, missionários e ongueiros, teremos agora os mineradores como os novos indigenistas brasileiros.
Para aliviar um pouco a tensão que passa na situação indigenista atual, o governo e seu lado na Funai entretém os índios com reuniões e seminários sobre os temas mais banais ou mais afetos à demagogia e gastam um bom dinheiro num embuste chamado PNGATI, um verborrágico programa de "proteção" e "gestão" de terras indígenas que só favorece a contratação de consultores. Nada de relevante sairá desse programa, mas os índios são convocados a anuir com seus planos e a participar como pupilos a aprender o quê não haverá.
Enquanto isso, as tais ONGs indigenistas que levaram a Funai à sua atual situação periclitante fica tocando tambores de guerra contra fantasmas. A tal PEC 215, evidentemente uma proposta imprópria e obviamente anti-constitucional que não passará por qualquer comissão de constituição, virou um espantalho de verdade depois que as ONGs a ressuscitaram de uma medíocre gaveta parlamentar, levando o movimento indígena a se jogar contra tal embuste como se fosse contra as naus de Cabral. Com isso o movimento indígena e os jejunos antropólogos são desviados do verdadeiro problema que está acontecendo às suas vistas: o desembarque do governo federal de suas atribuições constitucionais de proteger e assistir os povos indígenas, respeitando suas culturas e demarcando suas terras.

5 comentários:

Mestre Cascavel disse...


É isso mesmo. O que alguns representantes de não governamentais queriam era retirar da Funai/Governo sua proximidade com as Comunidades Indígenas, e apresentaram o Decreto 7056/09 e piorou com 7778/12. Alegaram para o novo indigenismo as deficiências da "tutela" e do "paternalismo" - ocuparam a direção da Funai: - isso tudo facilitou o tráfico de influência para suas consultorias e ganhos maiores de recursos internacionais sob controle de agendas internacionais.
O Governo/Funai sequer avalia os programas e suas consequências, nem mesmo as dos decretos.
Chega-se na aldeia hoje em dia, as não governamentais estão praticando o paternalismo e a tutela mas sem responsabilidade nenhuma e sem transparência nenhum.
E algumas comunidades já sem orientação...fragilizadas para qualquer coisa - o que parece vai muito contribuir para facilitar explorações de recursos naturais principalmente dos fármacos e minerais em Terras Indígenas. Não vão faltar consultorias para promover isso e justificar sua importância - segue-se a exploração mercantilista contra os Povos Indígenas iniciada à séculos atrás.

Anônimo disse...

CADE AS CRITICAS A FUNAI DE RECIFE?

PAPAI NOEL EXISTE.

Anônimo disse...

Gostari de ter o seus livros

Anônimo disse...

gostaria de saber onde posso adquirir os livros do professor mercio gomes em qualquer livraria ???

Anônimo disse...

Prezados colegas da FUNAI

Por ter tido hoje nosso nome execrado formalmente através da Portaria GM/MJ N° 3.814, de 26/12/2013, que nos puniu por havermos usado auxílio financeiro a pessoa física (elemento de despesa 3390-48), para pacificarmos um grave conflito instalado na então AER de Campo Grande no final de 2.008, sentimo-nos na obrigação de prestarmos esclarecimentos aos colegas com quem já trabalhamos, nestes vinte e sete anos de FUNAI.

Para nos imputar a punição, foram usados os seguintes argumentos:

1. Que utilizamos o auxílio financeiro, sem a existência da regulamentação específica, para custearmos deslocamentos, pernoites e alimentação das lideranças indígenas, nas reuniões de negociações de pacificação, que tivemos que realizar, cumprindo determinação superior, exatamente como era costume em todas as UG’s da FUNAI;

2. Que acatamos a solicitação de liberação de auxílio, feita pelo setor especializado, que por decisão própria, aplicou inadequadamente o valor solicitado, sem a nossa ingerência na operacionalização;

3. Por não havermos anexado os comprovantes de despesas realizadas pelos índios beneficiados, apesar de não estarmos mais naquela Administração de Campo Grande, quando os processos foram arquivados, pelo Setor de Contabilidade.

Argumento inverídico e proposital utilizado, para agravar a punição:

1. Que deixamos de realizar as licitações e pregões, apesar de havermos deixado empenhados R$ 906.836,49 (novecentos e seis mil oitocentos e trinta e oito reais e quarenta e nove centavos), decorrentes de pregões e revalidações contratuais, regularizados em tempo recorde, que foram desprezados pela preconcepção, dos membros da comissão apuradora.


Verdadeiros motivo da punição;

1. Nos negamos a operacionalizar auxílio financeiro no valor de R$ 27 mil reais, em nome de um único líder Potiguara, para viabilizar a desocupação da sede da FUNAI de Brasília em janeiro de 2009, após a extinção da Unidade Gestora de João Pessoa;

2. Rebatemos pelo internet e imprensa, as apologias em defesa da malfadada reestruturação da FUNAI, argumentadas por ex-dirigentes, que acusavam deliberadamente os servidores veteranos, pelas insatisfações e protestos dos índios;

3. E por fim, pelo fato de havermos protocolado uma denúncia, dirigida ao então Presidente e Corregedora da FUNAI, sobre o uso do auxílio pelas outras Unidades Regionais, após sermos qualificados como acusados.

Logo, estamos sendo “orgulhosamente” punidos por termos tido a coragem de relatarmos verdades e por termos cumprido “ipsis litteris” o dever institucional, contrariando as expectativas, dos que premeditavam pelo nosso fracasso.

Quem nos conhece e já trabalhou conosco, sabe que ninguém zelou mais do que nós, pela moralidade, pela eficácia e pela economia do erário publico. Prova inconteste encontra-se publicada no DOU de 02/08/2004,onde o TCU determinou que a FUNAI de Brasília, adotasse o modelo de gestão que havíamos implantado na FUNAI da Paraíba, desde 1.999.

João Pessoa, 27 de dezembro de 2.013

Petrônio Machado
Engº Civil da FUNAI

 
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