Eis um belo exemplo da realidade indígena da atualidade, no Mato Grosso.
Há uma dezena de anos foi aberta uma estrada por dentro da Terra Indígena Utiariti, dos índios Pareci, ligando as cidades de Campo Novo dos Parecis e Sapezal. São 48 Km atravessados. Na ocasião os Pareci aceitaram essa intrusão com a compensação de deterem um pedágio numa ponta e noutra da estrada, e com isso recebendo dinheiro pela passagem de caminhões e automóveis. Hoje essa estrada, a MT-235, está sendo asfaltada pelo governo do estado, para o que se precisou de um Projeto Básico Ambiental e da anuência dos índios Pareci e da Funai.
A matéria abaixo, do jornal eletrônico 24HorasNews, detalha as negociações finais da aprovação dos índios Pareci e da expectativa da aprovação da Funai, em Brasília. Há que lembrar que há um mês e pouco, mais de 300 índios da região estiveram em Brasília pressionando pela anuência da Funai para com o asfaltamento dessa estrada e por outras demandas similares. Parece que dos 150 índios presentes na audiência relatada na notícia, apenas 7 se posicionaram contra a proposta de asfaltamento.
A questão que se delineia cada vez mais no mundo indígena é a autonomia dos índios para tomar decisões por conta própria, sem o aconselhamento, o estudo ou a anuência da Funai. Esta questão exige mais reflexões e mais debates entre as sociedades indígenas e suas organizações e entre elas e o Estado brasileiro. A autonomia indígena é um ideal a ser obtido em curto prazo, sem dúvida, mas ela virá acoplada à responsabilidade pelas consequências dos atos tomados autonomamente.
De minha parte, sou favorável ao processo de autonomização dos índios, na medida em que eles democraticamente, solidariamente, comunitariamente decidam alguma coisa que implica em ação da sociedade brasileira sobre eles. Seja um projeto econômico, tal com a passagem de uma estrada por seu território, seja um projeto educacional, como a construção de escolas e a implantação de um projeto pedagógico, ou como um plano de saúde.
Os Pareci já tomaram a dianteira em muitos aspectos de suas vidas. Inclusive no que se refere ao uso de terras com capital de fazendeiros, as tais "parcerias", que podem levar à produção econômica autônoma dos índios, a médio prazo, se houver boa fé da parte dos fazendeiros que estão financiando essa produção.
Os índios Kadiwéu vêm há anos fazendo negócio com fazendeiros de gado do Pantanal, onde os próprios fazendeiros pagam um aluguel pela presença do seu gado. Acontece que lá os fazendeiros terminam construindo casas onde moram ou passam tempo com suas famílias, usufruindo dos bens dos Kadiwéu. Esse povo indígena tentou há poucos anos refazer essas "parcerias", mas encontrou muitas dificuldade e pouco apoio para serem capazes de retomar suas terras e, na medida em que faziam contratos, cuidar do gado dos fazendeiros como um capital inicial que aos poucos seria pago e finalmente passaria a pertencer-lhes unicamente.
Já muitos povos indígenas do Acre e de Roraima obtiveram nos últimos anos um altíssimo nível de autonomização de decisões. No Acre, em especial, muitos povos indígenas tomam decisões por si mesmos, sem consultar a Funai, e negociam diretamente com o governo estadual e com as agências do governo federal. Em Roraima, os Makuxi e outros alcançaram alto nível de decisão autônoma, mas estão divididos pela influência da forças sociais brasileiras.
Enfim, são muitos os casos de autonomização dos índios brasileiros. Este é o futuro. A questão a se cautelar é como adquirir o mais amplo conhecimento possível das consequências de decisões autônomas. A autonomia, por sua própria definição, implica que o Estado brasileiro ficará isento de responsabilidade sobre os atos de que pratica essa autonomia.
Aqueles que argumentam que o Estado estará sempre ao lado dos índios, façam eles o que fizerem, decidam eles o que decidirem, estão enganando os índios. Basta ver o que está acontecendo no Legislativo, com um pletora de projetos de lei que vão diminuir os direitos indígenas, e o que está para acontecer no Judiciário, com as decisões do STF sobre o papel da Funai e a relação do direito indígena para com outros direitos nacionais.
O Estado brasileiro tem a tradição de se responsabilizar pelos índios respaldado tanto nas Constituições como, em especial, pela força do instituto da tutela. Esse instituto está sendo desafiado pelos próprios índios, ou ao menos por suas organizações mais assimiladas à cultura urbana brasileira. Quando a tutela for abolida, aos índios caberá a autonomia por seus atos e decisões, não somente internos às suas culturas, como já acontece tradicionalmente, mas em relação ao mundo ao seu redor.
Por tudo que pode vir a acontecer, defendo a ideia de que os índios devem estar plenamente conscientes de suas possibilidades e potencialidades frente à sociedade nacional dominante. Defendo a convocação de uma nova Conferência Nacional dos Povos Indígenas, tal como aquele que aconteceu em 2006. Antes que a coisa se degringole pela vontade de alguns índios e pelo oportunismo matreiro das forças anti-indígenas brasileiras.
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Pavimentação entre Sapezal e Campo Novo depende de Funai e índios
Redação 24HorasNews
Uma das últimas etapas para o início da pavimentação da MT-235 entre Campo Novo do Parecis e Sapezal, o Projeto Básico Ambiental (PBA), foi apresentado aos indígenas durante a audiência pública nesta terça-feira. Por ter um trecho de 48 Km atravessando terras Paresi, o território Utiariti, a obra depende da aprovação do Ibama e da Funai. Ao todo a rodovia é formada por 62 quilômetros.
A audiência pública ocorreu na Câmara dos Vereadores de Campo Novo do Parecis, contando com um público de 150 indígenas (os que assinaram a ata). Após a apresentação do PBA, o projeto foi votado e aprovado pelos índios tendo apenas sete votos contrários.
A obra possui recursos reservados no orçamento do Estado para sua execução. São R$ 37 milhões para a pavimentação, e outros R$ 11 milhões para a construção de quatro pontes. O gestor detalhou que a obra está dividida em três etapas, tendo sido cada trecho licitado por uma empresa distinta. São dois lotes de 24 km dentro do território indígena e um de 12 km findando o trajeto. “Se em trinta dias estivermos com todas as autorizações em mãos, este será o último ano que encontraremos atoleiros nesta rodovia durante o período das chuvas”, adiantou o secretário de Infraestrutura do Estado, Vilceu Marcheti.
“Nós do Governo do Estado, seguindo todas as normas vigentes, realizamos o projeto da obra, com isso tivemos o direito de licitar e contratar a pavimentação. Ela está aguardando apenas a liberação da Funai. Já podíamos ter iniciado o trecho externo ao território indígena, mas estamos aguardando esta aprovação”, explicou Marcheti.
O representante da empresa que realizou o PBA, Adriano Scherer, comentou que o projeto já foi enviado para o Ibama, tendo sua aprovação em estágio avançado. “Os índios participaram da construção deste projeto. As observações que eles fizeram foram todas atendidas. Estamos esperando o parecer da Funai agora”.
Temendo que a pavimentação demore a começar, o cacique de todas as aldeias Paresi, João Arrezomae, chamou a atenção dos indígenas para pressionarem a rápida aprovação do PBA. “Já estamos tendo problemas dentro das aldeias. Sou o cacique há 48 anos e lutei muito para garantirmos nossa terra. Estou autorizado a falar pelo meu povo e já concordamos com este projeto. O Governo, os índios e não índios querem a pavimentação”.
Para a assessora da Funai que está à frente da análise técnica do PBA na entidade, Vivian Oliveira, o Plano apresentado traz os impactos ambientais e as questões indígenas em único volume, quando o adequado é estarem separadas. Ela sugeriu que fosse elaborado um documento contemplando exclusivamente o termo de referência para a questão indígena. “É necessário ter um grau de investigação maior”.
PEDÁGIO - A estrada foi erguida em 1984 entre uma parceria entre os fazendeiros e os indígenas, onde o pedágio foi configurado. A manutenção da cobrança do direito de passagem foi uma das exigências dos índios para ser firmado o acordo de pavimentação. Pelo texto confeccionado durante a audiência pública com as lideranças das comunidades envolvidas, realizada em abril de 2008, o Governo concorda em construir o posto de pedágio único a ser administrado pela associação indígena.
PBA – Pelos estudos realizados na rodovia, a expectativa é que a MT-235 receba um tráfego de 1.750 veículos por dia. O projeto prevê, entre várias medidas para sua execução, medidas de minimizem ou compensem os danos durante a pavimentação. Um exemplo é o controle na qualidade do ar. Para que não haja suspensão de poeira, caminhões pipas estarão constantemente molhando a rodovia, evitando desconforto para as pessoas.
O PBA também conta com um programa para a correta destinação dos resíduos da construção, não os deixando ao longo da rodovia. Todas as atividades terão paralelamente uma política de educação ambiental, onde será explicado que a MT-235 não se trata de uma rodovia comum, já que passa por um território indígena. A educação atenderá ainda os povos que vivem na região e os produtores do entorno a utilizarem técnicas de plantio sempre com o menor impacto ambiental.
Outra medida prevista no Projeto é o Programa de Prospecção e Resgate Arqueológico. Antes da obra, uma equipe de arqueólogos fará um monitoramento em todo o percurso da pista analisando se existem materiais de antepassados indígenas. Caso existam, serão retirados e encaminhados para outros lugares.
quarta-feira, 21 de janeiro de 2009
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Um comentário:
É uma vergonha não ter asfalto neste trecho. A estrada é um caos, há acidentes frequentemente e ainda pagar pedágio pra passar por um lugar desses.Falta de consideração com a população, hein.
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