Os amigos estão chocados, atônitos, derrubados pelo castigo dessa notícia. À sua família, sua mulher e filhas, mandamos todos nós os mais profundos sentimentos de pêsames e de saudades.
Um indigenista da FUNAI, que teve em Tramm um dos seus amigos e emuladores, e como Tramm, um geógrafo com visão antropológica e humanista, Henrique Cavalleiro, escreveu o texto abaixo, que expressa os sentimentos de despedida de todos nós a Wagner Tramm.
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Prezado Tramm,
Nunca fui bom em divagações filosóficas e existenciais, mas
vamos lá. Qual o limite entre a coragem e o desespero? Entre a lucidez e a
loucura? Aliás, qual o limite de uma pessoa para suportar as frustrações e
enfrentar os próprios fantasmas?
Por que será que sua morte me lembrou meu pai que, de certa
forma, também se consumiu no próprio fogo? Pessoas muito idealistas costumam
ser as que mais sofrem com as incompreensões. Corpo e mente absorvem a carga
negativa.
Seria forçar a barra dizer que você começou a morrer quando o
tal Novo Indigenismo começou a matar a Funai? O indigenismo clean, limpinho, moderninho, neoliberal,
longe dos índios....ao contrário do indigenismo “mão na massa” que você tão bem
encarnava? Mesmo com seus (nossos) erros e contradições? Que atire a primeira
pedra quem nunca se considerou com a missão pessoal, quase voluntarista, de
salvar os índios contra o avanço do capitalismo selvagem.
Me lembro de como você reagiu de forma passional, kamikaze,
àquela reestruturação. Cheguei a sugerir que você pegasse mais leve, que aquilo
te faria mal. Era a época em que eu estava voltando pra Funai depois ter
passado no concurso do MDS, ali por 2010. Mas quem sou eu pra dar conselho?
Cada um sabe onde o calo aperta. Quando em 2013 fui chutado pra fora, naquele
festival de incompetência e cinismo das últimas gestões, fiquei aborrecido mas
toquei o barco. Porém, seu sangue no olho o fez continuar na guerra. Ainda que
eu não concordasse com a forma, respeitava a essência do que te movia.
Por falar em lembrança, a memória é o que nos cabe preservar
para manter alguém vivo. Lembro de
nossas viagens ao Araguaia junto com o Gilberto Gaúcho (hoje da CR Maceió),
quando eu estava no PPTAL e vocês na antiga CGPIMA. Aquela reunião tensa em
Boto Velho com o MPF e Ibama. E aquela cena hilária de você sentado num casco
de tartaruga para provocar o pessoal do Ibama que perseguia os índios por
caçarem a espécie. E ainda a festa de
aniversário da Joarcênia em São Félix, quando você saiu nadando para o meio do rio
e nós ficamos gritando pra que voltasse. Afinal, não é bom enfrentar sucuri e
jacaré depois de algumas cervejas, não é mesmo?
É isso meu camarada. Precocemente você resolveu usufruir o
descanso do guerreiro. Ficamos por aqui. E em cada viagem a campo, em cada
aldeia, você estará presente como o “espírito da cabeça branca”. A nos proteger
contra a mediocridade e a hipocrisia que nos cerca.
Grande abraço. Imortal abraço.
Henrique Cavalleiro