quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

A batalha de Humaitá

Em Humaitá a situação continua tensa. A população exige que o desaparecimento de três pessoas seja esclarecido. O Exército perambula pelas aldeias dos Tenharim e não consegue pista do que aconteceu. Dizem que acharam um carro queimado que pode vir a ser o carro prendido pelos índios. Mas não há prazo para se esclarecer isso. Por seu lado, os índios estão encurralados, recebendo o apoio do Exército em forma de proteção e alimentos. Nenhum índio permanece na cidade de Humaitá com medo de ser linchado. A Funai não sabe bem o quê fazer, todos os seus funcionários graduados saíram para Porto Velho ou Manaus.
A pedido de uma jornalista, escrevi as seguintes considerações sobre o assunto.

1. Em muitas partes do Brasil há situações semelhantes à de Humaitá. Há alguns anos os índios passaram a conviver nas cidades, a criar uma vida urbana, e isso resulta em tensões, seja de ordem econômica, seja de ordem cultural. Entretanto, em geral, as tensões são dissipadas pelo conhecimento mútuo e pela confiança que se estabelece entre as partes. Muitas cidades brasileiras convivem perfeitamente bem com os índios que lá habitam ou que a frequentam. Outras não. Em geral, as tensões estão mais presentes em cidades novas, recém-formadas ou recém frequentadas pelos índios. Nelas há uma incompreensão por parte dos cidadãos não indígenas sobre quem são os índios e como eles devem se relacionar com o mundo dos "brancos". Já os índios buscam um caminho de bom relacionamento, ao seu modo, mas as coisas nem sempre ocorrem como os cidadãos brancos querem.

2. Em diversas partes do Brasil, onde passam rodovias, os índios se deram conta de que as rodovias produzem impactos em suas vidas. Eles sentem que muitos se valem dessas rodovias e por elas são beneficiados. Mas não eles, os índios. Daí começaram a cobrar pela passagem de automóveis nessas rodovias. Por exemplo, os índios Pareci permitiram que se fizesse um atalho em uma rodovia, que passou por suas terras, diminuindo a distância, mas sob a condição de pagarem pedágio. Isso vem ocorrendo há uma dezena de anos, e, apesar das reclamações, tornou-se uma realidade regional. Já os índios Kayapó cobram um pedágio pela passagem de carros em balsa sobre o rio Xingu. Os caminhoneiros reclamam, o governo do Mato Grosso quer acabar com isso, mas os índios mostram força para manter o pedágio. Há legalidade sobre isso? Provavelmente não, mas são fatos reais que precisam ser considerados para algum foram de legalização. Pedágio, hoje em dia, é cobrado nas principais rodovias brasileiras, supostamente em troco de sua manutenção, o que nem sempre é real.

3. O caso da Terra Indígena Tenharim-Marmelos é típico de outras situações em que há uma pressão extra, bem maior e contundente, por parte de madeireiros que invadem a terra indígena e dela fazem uso indiscriminado. Em algumas delas, faz-se vista grosso em troca de algum pagamento; em outras, há uma maior supervisão, e os índios recebem uma porcentagem maior. Há legalidade nisso? Provavelmente não, mas é um fato real, e precisa ser levado em conta.

4. A retirada de madeira em terras indígenas é ilegal. Mas está acontecendo sob as vistas do Ibama e da Funai, e pouco se consegue fazer, ainda mais quando alguns índios estão envolvidos. Isso também tem que ser levado em consideração.

5. Evidentemente, os índios não gostam de ver suas florestas serem devastadas. A maioria não permite que isso aconteça.

6. Portanto, falta uma política social e econômica para que aqueles índios que, em determinadas circunstâncias, não permitam que se retire madeira de suas terras. Quem haverá de fazer essa política? O governo, claro. Mas, não consegue. A retirada e expulsão de madeireiros se dá sempre em surtos, com polícia, Ibama, Funai, todos juntos. Mas, em geral, desafortunadamente, dura só enquanto há a presença da polícia.

7. Falta, portanto, uma política mais consistente na questão da proteção ambiental brasileira. Quem há de fazer isso?

8. No caso recente ocorrido na região abrangida pela cidade de Humaitá, deu-se uma incontida explosão de desentendimentos, com os resultados que estamos acompanhando pela mídia. As mortes ocorridas, de parte a parte, têm que ser contabilizadas e julgadas. Isto é essencial para que se volte à situação anterior e se estabeleça um modus vivendi razoável para ambas as partes. Eventualmente, as tensões poderão ser dissipadas. Para isso, é preciso que se fortaleça a mediação da Funai para dirimir possíveis conflitos. Quem deve fazer isso? O governo, é óbvio.

9. É fundamental que o caso Humaitá seja resolvido. Se não, a cidade ficará impregnada de tensões, outras cidades brasileiras também poderão pagar seu próprio preço, e os índios continuarão a sofrer pela discriminação e pela falta de um caminho benéfico à sua ascensão no panorama brasileiro.

4 comentários:

Anônimo disse...

Bom dia dr. Mércio,
a situação dos Tenharim tende a se agravar caso o governo insista em oferecer cestas básicas em troca do pedágio. É um remendo que sairá muito caro para esse povo indígena

Anônimo disse...

DOU - Seção 3.
Nº 4, terça-feira, 7 de janeiro de 2014
COORDENAÇÃO REGIONAL EM MACEIÓ
EXTRATO DE CONTRATO Nº 205/2013 - UASG 194077
Nº Processo: 08768000040201314. TOMADA DE PREÇOS Nº
2/2013. Contratante: FUNDACAO NACIONAL DO INDIO -CNPJ
Contratado: 02934357000172. Contratado : SPALA NORDESTE LTDA
- ME -Objeto: Contratação de empresa de engenharia, devidamente habilitada e capacitada, para execução de serviços de recuperação e reforma do imóvel da Coordenação Técnica Local da FUNAI em Recife, situada à Avenida João de Barros, nº. 668,Boa Vista, Cidade de Recife, Estado de Pernambuco, pelo regime de empreitada Global. Fundamento Legal: Lei nº. 8666/93 e suas alterações posteriores. Vigência: 07/01/2014 a 05/07/2014. Valor Total:
R$196.834,42. Data de Assinatura: 19/12/2013.
(SICON - 06/01/2014) 194035-19208-2013NE800036

Anônimo disse...

Amazônia Real – O que vai acontecer com esses programas?

Sandoval Amparo – Eu estou sem condições psicológicas para voltar para Humaitá e creio que isto não seja o melhor a ser feito. Já formalizei transferência para o Museu do Índio no Rio de Janeiro, onde reside parte da minha família e espero que a direção da Funai em Brasília esteja sensível à minha situação e de minha família. Durante 10 anos estive à disposição da Funai, já morei em Brasília, já fui pro Guaporé, já morei no sul do Pará onde ninguém que ir e estava muito feliz em Humaitá. Essa é hora de voltar a estar perto da minha família, pois meu filho tem esse direito e isso não é possível em Humaitá, que é a terra da família da minha esposa. Lá correremos risco. Tampouco quero ficar à mercê de alguém em Brasília que decide as coisas à distância, sem sensibilidade alguma para os problemas reais dos servidores. Se necessário vou à Justiça para conseguir uma lotação nestas condições. Caso saia derrotado, vou dar aulas de Geografia ou procurar outro emprego.

Anônimo disse...


Por Sandoval

11 de fevereiro de 2014 at 21:36

Respondo eu mesmo essa afirmação caluniosa. sempre prestei grande serviço e por isso sou conhecido. Sempre me posicionei contra a hipocrisia, a demagogia, o nepotismo e a fanfarra com o dinheiro público que torna a FUNAI uma das instituições mais corruptas deste país, isto obrigatoriamente me coloca em conflito com dezenas de pessoas inescrupulosas que se favorecem deste cenário.
Mais importante que tais palavras são as dezenas de mapas que já elaborei, muitas vezes utilizado sem fazer menção ao autor. Igualmente valem os resultados do meu trabalho, feito com muita seriedade e poucos recursos, uma vez que a maioria dos recursos da FUNAI são destinados a projetos de qualquer coisa “sustentável”, etc. Não obstante, sofro com a inveja de muita gente que não tem conteúdo e me conhece á distância. Curiosamente, apesar desta fama, acumulo convites de coordenadores da FUNAI sérios interessados em me ter como colaborador.
Esta inveja é acrescida dos belíssimos resultados de meu trabalho, que são bem mais revelantes que a maioria dos projetos uns iguais aos outros que estão disseminados, devorando os recursos da FUNAI brasil afora.
Os estudos de identificação de TIs que elaborei junto aos kaingáng, podem ser avaliados sem receio, pois estão bem feitos, diferentemente da grande imensa de falcatruas que se pode alíe encontrar. O fascículo Nº. 40 do Projeto Nova cartografia Social da Amazonia, bem como a aldeia Multiétnica da Chapada dos veadeiros, e agora o CD Morogitá Tenharim são outros primorosos trabalhos que deixa muita gente com inveja, então parem de pegar no meu pé e vão se juntar ao Márcio Meira, Ivã Bocchini e outros falsos aliados dos indígenas, que que com certeza conseguirão arranjar novos e maiores problemas por aí!

 
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