terça-feira, 9 de julho de 2013

Álvaro Tukano, um dos pioneiros do movimento indígena, desabafa seu sofrimento

From: Alvaro Sampaio

Date: Tue, 9 Jul 2013 10:28:41 -0300
Subject: índio.
Estive em São Gabriel da Cachoeira, AM, rio Negro, várias vezes. Vi a situação dolorosa, muitas reclamações de pais e mães, de jovens e de viúvas. 

Depois que o Márcio Meira entrou na Funai, a única barreira segura para manter a paz nas comunidades indígenas - Os Postos de Fiscalizações, estavam abandonados. No Rio Negro estavam acontecendo a invasão de garimpeiros nos municípios de Barcelos e Santa Isabel do Rio Nego. Além disso, invasões de empresas de turismo de pesca e deixando os pobres índios numa situação delicada, sem nenhuma proteção.
O custo de vida é caro. Os produtos regionais não tiveram aumento de preços. Os pescadores e piaçabeiros continuam pagando as despesas vitalícias e não há atuação do Ministério Público Federal de Ação Trabalhista para tirar os índios e caboclos da escravidão de patrões.
Me disseram que os meus parentes entraram em depressão - sem perceptivas de futuro. Resolveram fazer a batida de perfume, óleo diesel e pouco de álcool para matar a tristeza que não morre. Os índios morrerm, calados, sem nenhum assistência.
O povo está abandonado, não têm saúde, transporte, educação e nem carinho de ninguém de pessoas que têm DAS no Governo.
Em São Gabriel da Cachoeira, não é diferente. Em 1966 a cidade tinha menos de 500 pessoas. Hoje, são mais de 35 mil, 70% de índios. Certamente, toda a história de colonização do rio Negro foi violenta. Infelizmente, até agora essa violência continua.
Em 1912 chegaram os salesianos e acabaram com nossas casas sagradas, perseguiram os nossos curandeiros e líderes, construíram os colégios em todo o rio Negro. Tive a briga séria com a igreja em novembro de 1980. Por causa de minha denúncia nas instâncias internacionais é que fecharam os internatos e monopólio de comercio de artesanato, passarinhos, couros e outros produtos.
Os missionários nunca defenderam a demarcação da Terra. Mas, nós, índios, com muita garra conseguimos as demarcações das terras.
Muitos índios que tinham medo de ser índios, hoje, ficam na porta da Funai para tirar a Certidão de ìndio, porque quer ter os benefícios do governo. Hoje, até branco quer ser índio, em São Gabriel da Cachoeira.
O poderoso colégio salesiano se transformou num grande hotel. Corre muita grana e, nada de voto de castidade e de pobreza. A moda pegou. Todo mudo quer estudar, ser doutor, ter emprego e curtir a vida. Por isso, desde 1980 até hoje, muitas famílias vieram para São Gabriel da Cachoeira a procura de Ginásio, Segundo Grau e hoje, a Faculdade e, enfim, conseguir emprego.
São Gabriel se tornou violento. Os comerciantes de cachaça e de outras bugigangas estão matando os pobres índios. No porto de Camanaus, São Gabriel da Cachoeira, chegam as enormes balsas cheias de muita pinga. Não existe nenhum controle - muito menos nos Postos de Fiscalização. Assim, a bebida entra direto nas comunidades indígenas e chegam nos lugares mais distantes. Acontecem brigas, mortes e suicídios que nem não contados por ninguém.
Enfim, os meus parentes, também, estão abandonados. Sim, ocorreram muitos suicídios, muitas facadas, espancamentos, atropelamentos e muito comércio de álcool na cidade e no interior.
Nos últimos dez anos, segundo os informes do CIMI, mais de 400 suicídios aconteceram só nos Guarani Kaiowá. Sem contar os de rio Negro, Solimões e outras regiões do Brasil.
Saúde, ainda é pior. Não adianta nem falar. O mais certo é imaginar, chorar calado.
Educação, também, não andou mesmo.
Vergonhosamente, está aí a pobre Funai, desarticulada, abandonada pelo Governo e, se diz, articuladora política indigenista....É de arrepiar.
Tivemos mais confrontos nas selvas com os garimpeiros, madeiros e outros que ignoram as leis brasileiras.
Gostaria de ter o poder, ressuscitar o Marechal Rondon, Darcy Ribeiro,  Juruna e outros líderes para fazer o Tribunal Popular.
É assim que está a nossa realidade, triste. Estamos sem médicos, sem remédios e, sem curandeiros e ervateiros.
Estamos abandonados.
Quem tem o dever de proteger índios, infelizmente, só quer ocupar os DAS, fazer o controle ideológico e, perseguir índios que defendem a paz nas comunidades. É uma pena dizer essas tristezas.
Tudo é verdade.
Álvaro Tukano.

quarta-feira, 3 de julho de 2013

Uma revisão em video sobre a vida e obra de Rondon

A obra do Marechal Rondon tem sido aclamado por quase todo mundo, e pelo mundo afora. Porém tem sido denegrida por muitos antropólogos e aficcionados amadores da questão indígena nesses últimos 20 anos.

Seguindo uma tendência, de caráter ahistórico, sem contextualização, elaborada na década de 1990, atribuiu-se a Rondon a pecha de que ele e o Serviço de Proteção aos Índios defendiam os índios e suas terras com o fito de abrir caminho para a entrada de fazendeiros e o "progresso" da Nação. Daí por que as terras indígenas demarcadas até a década de 1930 teriam sido propositadamente de pequeno tamanho, aos moldes das terras demarcadas durante o Império e a Colônia. Esquecem, propositadamente, que as terras chamadas "devolutas", isto é, sem título de propriedade, pertenciam aos estados, desde a Constituição de 1891, e que para reconhecer os direitos indígenas sobre elas dependia-se da anuência desses estados, inclusive de suas Assembleias Legislativas. Ademais, acreditava-se à época, e até fins da década de 1980, que as populações indígenas estavam em queda inexorável, e que suas culturas em declínio irrevogável. Antropólogos ilustres, como Darcy Ribeiro e Claude Lévi-Strauss apenas ecoavam essa visão, e só no final de suas vidas é que se deram conta de que os povos indígenas que haviam sobrevivido até a década de 1960 agora estavam em recuperação e crescimento demográfico. O meu livro Os índios e o Brasil (Editora Contexto 2012), prefaciado na primeira edição de 1988 por Darcy, foi o primeiro livro a reconhecer essa virada demográfica e a possibilidade de continuidade étnica dos povos sobreviventes.

Atribuiu-se também a Rondon que ele pretendia que os índios se tornassem brasileiros e perdessem suas características culturais e autonomia política. Nada mais longe da verdade, mas até que a verdade histórica volte a prevalecer vai levar mais alguns anos para que a mancha lançada sobre ele seja apagada de vez. A predominância da visão negativa sobre Rondon é ensinada nos cursos de antropologia, decantada no Ministério Público, e escrita nas redações de jornais.

Em uma carta escrita em 1913 a um correligionário do Rio Grande do Sul, Rondon declarava que os índios são Nações autônomas, com territórios independentes com as quais a Nação brasileira deve entabular relações de amizade. O Estatuto do Índio, de 1973, reza que o propósito da política indigenista brasileira é integrar harmoniosamente o índio à Nação, sem prejuízo às suas culturas. Atribui-se que essa integração significaria a "assimilação" e perda de identidade indígena, algo que está longe de ter sido o propósito de Rondon e dos indigenistas e antropólogos que deram continuidade ao seu trabalho.

Em diversos textos publicados neste Blog, especialmente no texto "Por que sou rondoniano", publicado na Revista de Estudos Avançados da USP, 2009, analiso a obra de Rondon, e declaro as razões pelas quais sou rondoniano e por que sua herança é o maior feito de um brasileiro para os povos indígenas. Há também neste Blog momentos comemorativos da vida e obra de Rondon, especialmente sobre sua herança humanista.

O video abaixo, produzido em 2002, contém entrevistas com Darcy Ribeiro, Carlos Moreira Neto, Orlando Villas-Boas e outros, inclusive várias lideranças indígenas, em ocasiões diversas. É curioso ver depoimentos de membros de ONGs, que, na ocasião, prezam a obra de Rondon, e hoje contribuem para a decadência da principal instituição que pode dar continuidade ao seu legado.

Com 54 minutos de duração, vale a pena ver esse vídeo e degustá-lo em sua integridade. Tem cenas muito interessantes da vida de Rondon e do movimento indígena que se iniciou no fim da década de 1970. Os depoimentos parecem sinceros e cândidos, embora hoje pareçam um tanto defasados, refletindo aqueles momentos.

O vídeo foi produzido em Cuiabá por cineastas regionais e tem abrangência nacional.




 
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