O governo Dilma, que vem sendo criticado por antropólogos, indigenistas, pelas ONGs e pelo CIMI, e especialmente pelas associações indígenas, em tantas questões, tem suportado todo tipo de pressão de políticos de Mato Grosso, à frente o seu atual governador, bem como por políticos já de cunho nacional, a exemplo da presidenta do CNA e senadora por Tocantins, para negociar o território xavante. Algum tempo atrás o governador do Mato Grosso quis negociar essas terras por um outro território, onde está um parque estadual de proteção ambiental, inutilmente.
Apraz-me sobremodo, devo confessar, ver políticos se metendo a negociar com os índios e quebrando suas caras de pau. Sonho que tal aconteça igualmente quando o Congresso jogar suas fichas para a abertura de terras indígenas à mineração. Deputados se metendo em negociação de mineração me dá calafrios.
Deve ser reconhecido, igualmente, que também têm passado por pressão o Congresso Nacional, diversos tribunais federais e o STF. Os fazendeiros e políticos interessados têm vindo com frequência a essas instituições para demonstrar que são pequenos lavradores as vítimas da desintrusão da T:I. Maraiwatsede, visando provocar um sentimento de empatia por sua causa. O STF, o MPF e as tantas varas de justiça têm sido inflexíveis em suas interpretações sobre a legitimidade da ocupação dessas terras pelos índios Xavante.
Por sua vez, a mídia local, estadual e nacional, especialmente do próprio estado do Mato Grosso, não tem medido esforços para informar e demonstrar que o interesse maior pela não desocupação daquelas terras advém é de grandes fazendeiros, ou ao menos de médios fazendeiros, pelos módulos amazônidas, com fazendas de gado e soja de 5.000 a 10.000 hectares de terra. A imprensa mato-grossense tem idenficado políticos, advogados e até desembargadores aposentados como donos de imensas glebas de terras, todas obtidas após a bandalheira de invadir essas terras, na ocasição formalmente pertencentes à empresa italiana AGIP, feita pelos políticos locais por ocasião da doação da empresa aos seus legítimos donos, em 1992.
De parabéns também está a FUNAI pela presença e solidariedade aos índios Xavante de Maraiwatsede. A tradição indigenista rondoniana não está perdida. O esforço de tantos indigenistas e antropólogos para, ao lado dos Xavante, re-obter as terras de Maraiwatsede, é merecedor de nosso reconhecimento e ficará na história do indigenismo brasileiro.
A retomada dessas terras, de onde cerca de 170 Xavante foram retirados em 1967, pela persuasão de missionários salesianos e funcionários do SPI, sob o tacão da ditadura militar e seu apoio ao grande latifúndio, tem uma história gloriosa. Ela começou a acontecer quando os jovens Xavante que haviam sido deslocados, começaram a tomar tento de suas vidas e da injustiça que haviam passado, com tantas mortes e sofrimentos indizíveis. Os velhos Xavante nunca deixaram de lembrar que estavam em outras terras xavante temporariamente, e que um dia voltariam às terras onde haviam nascido e se criado. Terras de mata densa, medonha, terras de cerrados altos.
A partir de fins da década de 1980, esses novos líderes Xavante começaram a refazer o seu caminho de volta. Conseguiram o apoio da FUNAI e de antropólogos que conheciam a sua história. A terra estava nas mãos da empresa italiana AGIP, que a havia comprado de um poderoso grupo liderado por um famoso grileiro de origem paulista. Dizia-se que esse grileiro possuía mais de 1 milhão de hectares de terras naquela região. Por meados de 1990 a terra havia sido reconhecida por um GT da FUNAI e em 1991 ela foi delimitada formalmente. Em 1992, por ocasião da Conferência de Meio Ambiente do Rio -- a RIO 92 -- o grupo AGIP fez a doação de seus direitos aos Xavante, de forma solene e em sua inteireza.
Entretanto, por baixo dos panos, um gerente da fazenda que controlava essa terra, em conluio com políticos locais, abriu, por assim dizer, as portarias da fazenda para a entrada de políticos, funcionários públicos, comerciantes e, enfim, até de pequenos lavradores, para entrar e demarcar seus lotes, como se fosse uma corrida de terras do velho oeste americano. Quando os índios e a FUNAI chegaram já grande parte estava invadia e loteada. Mesmo assim, a FUNAI prosseguiu em seu ofício indigenista, um novo GT delimitiu a terra, com a ajuda dos próprios índios, foi feita a demarcação in locu e em 1998 o presidente Fernando Henrique Cardoso a homologou.
Sem que um índio Xavante estivesse lá dentro. Nos anos seguintes os Xavante tentaram entrar nessas terras, mas eram dissuadidos a voltar. Até que, em outubro de 2003, o então presidente da FUNAI, este que está a escrever, recebeu uma comitiva de Xavante pedindo ajuda para entrar na área, disposto a todo sacrifício, se a FUNAI os apoiasse. Sim, a FUNAI os irá apoiar.
Quando cerca de 150 Xavante acamparam à beira da estrada e ameaçaram entrar, levantou-se disposta a tudo uma horda de gente da outra margem do riacho que fazia a divisa sul da terra. Gritavam, soltavam foguetões, rajadas de revólver para o alto. Os Xavante não se atemorizaram. A FUNAI se apresentou com toda sua determinação e coragem, à frente Edson Beiriz e Cláudio Romero. O presidente da FUNAI visitou a área em novembro de 2003 e prometeu aos Xavante que essa terra lhes seria devolvida em breve.
Mais e mais Xavante começaram a aparecer, seja porque faziam parte das famílias que de lá haviam sido desalojadas em 1967, seja em solidariedade aos seus compatriotas. Foi um tempo heroico para os Xavante e para a FUNAI. Alojados em barracas de lona, sob sol escaldante e chuvas torrenciais, com carência de alimentação e água potável, ao sacrifício de cinco crianças e um velho, lá permaneceram de outubro de 2003 e julho de 2004.
Nesse período a FUNAI não deixou de lutar também no setor jurídico, com a presença de seus procuradores, com ações em diversos tribunis, até alcançar o STF, que, afinal, concedeu que os Xavante nela penetrassem e tomassem posse de um pequeno trecho de uns 15.000 hectares, numa fazenda cujo dono abrira mão de seus supostos direitos por vontade própria, sem qualquer ressarcimento. Aliás, ele já havia derrubado a mata em grande parte, como tantos outros que lá estavam.
Desde então, os Xavante de Maraiwatsede têm estado presente, sofrendo pressões de todos os lados, inclusive de dentro de suas próprias hostes e por compatriotas confusos e um tanto frágeis politicamente.
Agora, nesses dias, é o governo federal que toma as rédeas do processo de desintrusão. E o tem feito com destemor e determinação. A Polícia Federal e a Guarda Nacional montaram uma estratégia eficiente de desintrusão, seguindo todos os ritos democráticos, dando tempo aos posseiros para se retirarem, sendo flexíveis em alguns pontos, rígidos em outros, conforme as pressões e as motivações dos posseiros e fazendeiros. O judiciário brasileiro está também de parabéns pela decisão, custosa e demorada, mas que, como diz o ditado, que um dia haveria de chegar.
Tudo isto é motivo de celebração das tradições indigenistas brasileiras. Que a chama do indigenismo rondoniano não apagou, que a luz rondoniana continua a brilhar.
Abaixo a última declaração da FUNAI em seu site, com o resumo dos últimos acontecimentos.
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Balanço da 1ª semana - Operação de desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé (MT) | |
Completou, nesta segunda-feira
(17), uma semana da operação voltada à desocupação da Terra Indígena
Marãiwatsédé, no Mato Grosso. Participam da força-tarefa, oficiais de
justiça, equipes da Força Nacional, Polícia Rodoviária Federal, Polícia
Federal e Exército, além de representantes do governo federal. Até ontem (17), 31 fazendas tinham sido vistoriadas, 15 das quais já foram oficialmente retomadas. Nas demais, os ocupantes receberam um prazo dos oficiais de justiça de 24 horas para retirar pertences, à exceção de uma fazenda que foi intimada para, em 10 dias, retirar gado e outras posses. A operação foi integralmente planejada para ocorrer de forma pacífica e garantir, de um lado, o direito constitucional do povo Xavante de viver em seu território tradicional e, de outro, a possibilidade de legalização fundiária aos pequenos ocupantes não indígenas, promovendo assim, uma vida digna aos envolvidos nesse processo. Desta forma, o governo federal se comprometeu a realizar o reassentamento das famílias que atendem aos critérios e normativas do programa de reforma agrária. Até o momento, o Incra já cadastrou 183 famílias, 80 das quais se adequam ao perfil. As famílias reassentadas receberão um Contrato de Concessão de Uso da Terra, que se constitui no primeiro passo para o acesso à terra e aos créditos iniciais. Também serão integradas ao Cadastro Único do governo federal e, por meio dele, poderão acessar programas sociais como Bolsa Família, Brasil Sorridente, Brasil Carinhoso, entre outros. A partir de terça-feira (18), será realizada a mudança das primeiras cinco famílias que se cadastraram no programa de reforma agrária. Elas serão levadas ao assentamento Santa Rita, localizado em Ribeirão Cascalheira (MT). No que se refere às grandes fazendas, informações coletadas pela Funai, Incra e Ibama, convergem no sentido de identificar 22 propriedades, detentoras de um terço das terras. Estas fazendas foram as principais responsáveis pelo rápido desmatamento da área. Conforme dados da Funai, em 1992, cerca de 66% (108.626 ha) da área total de Marãiwatsédé eram compostos de floresta e 11% (18.573 ha) de Cerrado. Atualmente, esta é a terra indígena com maior área desmatada da Amazônia Legal, com 61,5% do território desmatados, convertidos, em sua maioria, para atividades de agricultura e pecuária. Em toda a terra indígena, 455 pessoas foram notificadas a deixar a área, por meio de mandados judiciais, expedidos entre os dias 7 e 17 de novembro. Venceu ontem (17/12) o último prazo, de 30 dias, concedido pela Justiça Federal do Mato Grosso para que os não indígenas desocupem o território. A desintrusão da área segue conforme o planejado e será realizada de forma contínua. Ameaças Desde o início da ação de desintrusão da Terra Indígena Marãiwatsédé, em agosto de 2012, registram-se diversos casos de ameaças de morte a membros da equipe que integra a força-tarefa de desocupação. Também foram ameaçados Dom Pedro Casaldáglia, bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia (MT); o cacique Xavante Damião Paradziné, da Terra Indígena Marãiwatsédé e Wanderley Perin, atual prefeito do município de Alto Boa Vista (MT). A Polícia Federal já abriu inquérito para investigar tais intimidações e o governo federal encaminhou reforço de efetivos policiais para a região. Além das ameaças de morte, manifestantes que resistem em deixar a área bloqueiam rodovias e dificultam o acesso das equipes que trabalham para desocupar a terra indígena. Na quinta-feira (13), árvores e outros obstáculos foram colocados nas estradas para inviabilizar o acesso da força-tarefa e foram abertos buracos em alguns trechos com o mesmo objetivo. No primeiro dia da ação de desocupação (10), integrantes da Força Nacional, Polícia Federal e Polícia Rodoviária foram atacados com pedras por manifestantes contrários à saída da terra indígena. Os policiais revidaram com gás de efeito moral e balas de borracha. O confronto ocorreu na Fazenda Jordão, a cinco quilômetros do local vistoriado pelos oficiais de justiça, e não impediu o trabalho de desocupação. Cartas Em carta entregue ao Ministério Público Federal (MPF), o cacique de Marãiwatsédé, Damião Paradziné, falou do sofrimento do povo, nesses anos de luta pela terra, e da expectativa de voltar a viver em seu território. "Quem sempre ocupou essa terra foi o índio". Ele denuncia que vários índios já foram mortos nesse processo e fala da importância da desocupação para seu povo. Emocionado com o relato do cacique, a liderança do povo Tapirapé Nivaldo Korira'i enviou uma carta de solidariedade ao povo Xavante de Marãiwatsédé, em que afirma que o povo não está sozinho, “nós estamos aqui para fazer qualquer coisa pelos Xavantes. Os Xavantes necessitam de apoio para ser mais forte na luta. Temos certeza que o nosso pai Myraty está olhando para o povo Xavante que vai dar tudo certo na conclusão da operação”. | Leia as cartas na íntegra.
A Terra Indígena Marãiwatsédé foi reconhecida pelo Estado brasileiro como terra tradicional indígena, homologada por decreto presidencial em 1998, o que, pelos termos do Art. 231 da Constituição, tornam nulos todos os títulos nela incidentes, não gerando direito a indenizações, salvo pelas benfeitorias de boa-fé. Na década de 1960, a Agropecuária Suiá-Missú se instalou na região, onde sempre viveu o povo Xavante de Marãiwatsédé, dando início ao desmatamento da área e provocando a retirada dos indígenas para outra localidade. Os indígenas nunca se conformaram com a remoção e, sucessivas vezes, tentaram voltar ao seu território. Em 1980, a fazenda Suiá-Missu foi vendida para a empresa petrolífera italiana Agip, que, durante a ECO 92, após reconhecimento público do direito indígena à terra, manifestou ao governo brasileiro o interesse de colaborar com a demarcação da terra indígena. Enquanto a decisão se concretizava, ocorreram invasões ao local, gerando um clima de instabilidade e tensão entre indígenas e não indígenas, que se estende aos dias atuais. De acordo com o processo sobre o caso, em poder do Ministério Público Federal no MT, as invasões de não indígenas foram planejadas e incentivadas por lideranças, muitas das quais ocupam hoje grandes fazendas dentro da terra indígena. A intenção é relatada durante reunião, ocorrida na localidade de Posto da Mata e transmitida ao vivo pela Rádio Mundial FM, no dia 20 de junho de 1992. A gravação compõe o processo, que está disponível para consulta no MPF. Desocupação A ação de desocupação dos não índios da TI Marãiwatsédé teve início em agosto de 2012, atendendo decisão do Juízo da Primeira Vara de Cuiabá/MT, que, em julho deste ano, determinou o prosseguimento da execução da sentença para efetuar a retirada dos não índios e garantir o usufruto exclusivo e a posse plena do povo Xavante sobre a Terra Indígena Marãiwatsédé, conforme determina o Artigo 231 da Constituição Federal. A ação de retirada dos ocupantes não indígenas foi planejada por uma equipe de trabalho interministerial do Governo Federal – formada por Ministério da Justiça, Fundação Nacional do Índio (Funai), Secretaria Geral da Presidência da República, Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis/Ministério do Meio Ambiente (Ibama/MMA), Ministério da Defesa, Secretaria Especial de Saúde Indígena/Ministério da Saúde (Sesai/MS), Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária/ Ministério do Desenvolvimento Agrário (Incra/MDA), Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia (Censipam), Polícia Federal, Força Nacional de Segurança Pública e Polícia Rodoviária Federal – com apoio logístico do Exército brasileiro, a fim de garantir uma desintrusão pacífica, com segurança e dignidade para todos, indígenas e não indígenas. A saída dos não indígenas é uma determinação da Justiça, comunicada via mandado judicial aos ocupantes ilegais da Terra Indígena Marãiwatsédé. Dados da TI Marãiwatsédé A terra indígena tem 165.241 hectares e está localizada entre os municípios mato-grossenses de São Félix do Araguaia e Alto Boa Vista. Atualmente, 928 indígenas Xavante habitam uma pequena parte da terra. |