quarta-feira, 30 de setembro de 2009

Gilmar Mendes diz que Acórdão do STF sobre demarcação é "sofisticadíssima"!

Está aberta a discussão sobre o acórdão de 19 de março de 2009, publicado dia 25 do corrente, que trata das novas diretrizes do STF sobre o processo de identificação e demarcação de terras indígenas.

Ontem, em Campo Grande, num seminário sobre conflito agrário, reuniram-se diversas autoridades das mais diversas procedências: o ministro-presidente do STF, Gilmar Mendes, o governador do MS, André Puccinelli, o ouvidor agrário do INCRA, Gercino Silva Filho, e representantes dos fazendeiros do estado. Como sempre, a ausência da atual direção da Funai é tal que nem foi sentida ou mencionada. Só pelo governo Puccinelli que não perde oportunidade para exercer sua verve espinafratória. Parece que a Funai não tem mais o quê dizer e está totalmente alijada das grandes questões que interessam aos povos indígenas. Nem sua interpretação das novas diretrizes do STF é ouvida. Existe uma?

Eis como o jornal eletrônico Campo Grande News fez a matéria, aliás, bastante significativa.

Acompanhe em especial a discussão sobre os itens 11.1 e 11.2 do acórdão e a proposta do ouvidor-agrário sobre a compra de terras para os índios. Observe que o orgulho jurídico do ministro Gilmar Mendes é que agora a definição do que é terra indígena passou para os entes federados, isto é, estados e municípios, saindo da esfera exclusiva da Funai e do governo federal. De fora ficou só mesmo o poder legislativo, explicitado no voto do ministro Ayres Britto.

Daria até para achar graça dos parlamentares, que tanta lábia tem gasto para trazer para si alguma importância nessa questão, se não fosse trágico para os índios.

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Ministro diz que Estados devem ser "protagonistas" nos processos de demarcações de terras indígenas

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Ministro diz que cartórios sem "profissionalização" contribuem para grilagem de terras
Foto: Deurico/Capital News

"Uma contribuição sofisticadíssima.” Foi assim que o presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) ministro Gilmar Mendes definiu o acórdão sobre a demarcação de terras consideradas indígenas em todo o Brasil. O ministro esteve nesta terça-feira, 29, em Campo Grande, para lançamento do 1º Encontro do Fórum Nacional Fundiário para Monitoramento e Resolução dos Conflitos Fundiários Rurais e Urbanos, realizado no centro de convenções Arquiteto Rubens Gil de Camilo.

São 19 itens contidos no documento que disciplina todas as ações demarcatórias, 18 delas, feitas pelo ministro Carlos Alberto Direito e uma por Gilmar, que se emocionou ao lembrar o colega morto este ano. “Conforme a minha proposta, o Estado não é tratado mais como partícipe secundário, mas como protagonista.”

O acórdão nasceu após discussão sobre a área Raposa Serra do Sol, em Roraima. O documento estabelece 5 de outubro de 1988 [data da promulgação da Constituição Federal] como marco temporal para a realização de estudos antropológicos em quaisquer locais do País. Justamente este ponto é que gera conflito de interpretações entre militantes dos direitos indígenas e representantes da classe dos fazendeiros.

A própria Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) teria entendido que a decisão do STF favoreceriua produtores rurais do Estado, já que, segundo pensa, na data definida, não havia indígenas nas propriedades alvo dos estudos antropológicos. Porém, a Federação afirma que aguarda resposta da Funai (Fundação Nacional do Índio) sobre a decisão.

Porém, a Famasul levou em conta o item “11.1 O marco temporal de ocupação”, e parece que desapercebeu o item seguinte “11.2 O marco da tradicionalidade da ocupação”, que pode ter entendimento de que onde há esbulho que impedira a permanência indígena no local estudado, poderia sim existir demarcação.

Veja

“11. O CONTEÚDO POSITIVO DO ATO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS.

11.1. O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data certa —— a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) —— como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam.

11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica. A tradicionalidade da posse nativa, no entanto, não se perde onde, ao tempo da promulgação da Lei Maior de 1988, a reocupação apenas não ocorreu por efeito de renitente esbulho por parte de não-índios. Caso das ‘fazendas’ situadas na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, cuja ocupação não arrefeceu nos índios sua capacidade de resistência e de afirmação da sua peculiar presença em todo o complexo geográfico da ‘Raposa Serra do Sol’.”

Documento seguido

Esta decisão tomada por dois ministros foi a primeira que o STF tomou em relação ao tema em abrangência nacional. Duas decisões em Mato Grosso do Sul já teriam sido tomadas considerando a nova regulamentação. Ações feitas pelos Municípios, relativas às pesquisas da Funai em Douradina e Fátima do Sul, onde só poderiam ser estudados terras tradicionalmente ocupadas desde 1988.

As cidades estão entre os 26 municípios que portarias da Funai abrangem par estudo no Estado. Todas ficam na região sul, onde vivem índios Guarani Kaiowá e Guarani Ñandeva, principalmente.

Cartórios inoperantes

Tramita no Congresso Nacional uma proposta de emenda constitucional que trata sobre a possível legalização de funcionários de cartório e a obrigação de concurso. Conforme Gilmar Mendes, a “falta de profissionalização destes cartórios” afeta as questões demarcatórias. “Isso atrapalha no registro de imóveis e contribui para grilagens”. O ministro citou exemplo encontrado em Altamira (PA), onde “um cartório registrou um título que corresponde a metade do território brasileiro”.

O ministro ainda comentou: “Nós só vamos virar a página e estabelecer um processo civilizatório digno do século 21 no Brasil quando tivermos uma sociedade de forma aberta, plural e pacifica.”

Compra de terras


A compra de lotes em estudo é uma hipótese possível para solução dos conflitos agrários envolvendo terras indígenas, segundo o ouvidor agrário nacional Gercino José da Silva Filho. A compra seria feita pela União.

Ele crê que isso só não basta porque é preciso levar em consideração o que os indígenas pensam sobre isso. “É preciso primeiro que se ouça a opinião dos índios porque, normalmente, o índio não aceitam ir para um local qualquer. Ele tem uma questão de identidade com a terra tradicional. Então, é necessário que primeiro se ouça o índio e depois o MPF [Ministério Público Federal].”

"Inoperância da Funai"

O governador André Puccinelli (PMDB) afirmou durante discurso que espera que o evento traga “luzes para que se resolvam conflitos que em Mato Grosso do Sul são muitos”.
Ele lembrou que são 72 litígios em andamento e 26 municípios sob estudo no Estado.
André voltou a culpar a Funai pelos conflitos gerados no Estado: “Os conflitos não são feitos pelos indígenas e não são feitos por fazendeiros, são feitos pela ineficiência e inoperância da Funai.”

Um comentário:

a juri kaba disse...

Esse referencial da Constituição 1988 para estabelecer direitos territoriais aos povos indígenas é da pior qualidade possível, anti étnico, discriminatório.
Será que a Secretaria de direitos Humanos está verificando esses discursos e práticas?

 
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