A fala da ministra Gleisi Hoffmann, dia 8 de maio, na Câmara
Federal, me fez lembrar um mote atribuído ao presidente americano Theodore Roosevelt, considerado por muitos o criador dos métodos diplomáticos do Império
americano, ainda no final do século XIX, dirigindo-se à América Latina: “Speak
softly and carry a big stick”, ou, em português tupiniquim, “Fale com suavidade
mas com um porrete na mão”.
A ministra Gleisi é realmente uma figura angelical e sua
voz, conquanto firme ao ler seu texto, soa suave e atraente. O que ela falou,
entretanto, veio como uma porretada (não diria bordunada para não ferir os
brios de ninguém) na cabeça dos índios e de todos aqueles que simpatizam com a
causa indígena no Brasil.
Falando para políticos e fazendeiros (e no meio alguns
indígenas estupefactos, outros tantos querendo entrar na sala abarrotada), o
discurso da ministra pretendia sopesar a questão indígena entre interesses
divergentes, se não opostos. Da FUNAI disse que sua missão é de defender os
índios e por isso é parcial e não tem a devida capacidade de medir as
consequências de sua ações, coitada, portanto, é inepta, mas não pode ser
condenada pelo que vem fazendo. Já dos fazendeiros, não obstante a
intemperância que os acomete, disse que são responsáveis por um quarto do PIB
nacional (32% no seu estado, o Paraná), portanto merecem todo respeito do
governo, que não os tem deixado à míngua.
Como resolver os conflitos provocados pelas demarcações de
terras? Segundo a ministra, não é mudando a Constituição, tirando essa
prerrogativa do Executivo e passando-a para o Legislativo, como propõe a PEC
215. Afinal, não cai bem ao Legislativo executar. Já pensaram na multidão de índios
pedindo audiência para trazer suas demandas, e nos indigenistas rondando pelos
corredores do Congresso Nacional à procura de deputados aliados? Também não seria extinguindo a FUNAI. Ela
está aí porque tem uma missão. Para a ministra, haveria meios mais racionais
(meu teclado quase batia “reacionais”), sendo o principal o compartilhamento dessa
responsabilidade com outras instâncias governamentais, como a Embrapa, o
Ministério de Desenvolvimento Agrário e até o Ministério das Cidades[1].
Aliás, a ministra já havia encomendado um estudo sobre as propostas de demarcação de
terras no seu estado, o Paraná, e a Embrapa tinha concluído que as 15 propostas
pautadas pela FUNAI estavam equivocadas, seja porque não havia índios nas
terras, seja porque eles haviam chegado de pouco tempo[2].
Semelhantes estudos estavam sendo realizados para os estados do Mato Grosso do
Sul, Santa Catarina e Rio Grande do Sul e em breve seriam concluídos. Poderiam
ser ampliados para outros estados, como Mato Grosso e Maranhão, em havendo
demandas.
As conclusões do estudo sobre as novas terras indígenas no
Paraná levaram a ministra da Casa Civil (opa, cadê o ministro da Justiça, onde
está a FUNAI, perguntou um deputado), falando junto com o ministro-chefe da AGU
(autor do famigerado e dormente Decreto 303), a prometer aos ouvintes
vociferantes, isto é, aos fazendeiros (mas que os índios não temessem nada de
mais) que em breve sairia novo decreto que regulamentaria os princípios e
normas de reconhecimento e demarcação de terras indígenas. O governo só estava
esperando o pronunciamento final do STF sobre os embargos declaratórios impetrados pelo CIMI e o MPF após a
conclusão do acórdão que ratificou a homologação da TI Raposa Serra do Sol.
Neste acórdão surgiram propostas de modificação do processo demarcatório, na
forma de “ressalvas”, as quais, de tão inesperadas e ambíguas, haviam sido objeto desses embargos. Uma vez
esclarecidos os embargos, o governo se sentiria no dever de dar cumprimento às determinações do STF. Ao que tudo indica, as
ressalvas caiam bem com os propósitos recônditos do governo, e os fazendeiros tinham
demonstrado vívido interesse em sua aplicação[3].
Por sua vez, ficava mais do que subentendido na fala da ministra Gleisi, o processo de demarcação de
terras indígenas não mais ficaria a cargo exclusivo da FUNAI, pelo visto, por ineptidão.
À FUNAI, já descabelada, por simples decretos presidenciais, de atividades legais (presentes no velho e forte Estatuto do Índio) em educação e saúde, caberia outras ou
novas tarefas para exercer.
Ao final de sua fala, a ministra Gleisi Hoffmann não passou recibo sobre para quem se destinara suas intenções e suavemente apelou por “a
união e a boa vontade de todos” para resolver esse problema da demarcação. A quem de direito, a porretada estava dada. Os fazendeiros comovidos comemoravam.
O que virá daqui por diante não é tão difícil de prever. A indignação
dos aliados dos índios é de esperar, mas não se sabe o quanto de importância
lhes é dada pelo governo. Parece que nada mais comove o governo, apenas a
irritação transparece nos textos e nas falas dos ministros. Resta saber o quanto
os índios vão protestar e com quê veemência.
Virá o caos ou o fim do indigenismo tal como foi
desenvolvido desde 1910 por Rondon e por seus seguidores até o dia de hoje?
Voltaremos à política do Império e da Colônia?
Até fins de junho a cena será reaberta com a publicação do novo decreto de demarcação pelo ministerio da Justiça.
Até fins de junho a cena será reaberta com a publicação do novo decreto de demarcação pelo ministerio da Justiça.
[1] Essa eu não
entendi
[2] Dois dias
depois a Embrapa emitiu uma nota dizendo que não é sua tarefa reconhecer terras
indígenas, somente fazer estudos sobre aspectos agrários e geográficos das
terras, inclusive no que concernem terras em uso. Algo ficou no ar, apesar da
nota meio irritada.
[3] Essas
ressalvas são conhecidas e foram analisados neste Blog em várias postagens.
Basta dar um clique na busca com os termos “ressalvas do STF”
4 comentários:
http://jornaldebrasilia.com.br/edicaodigital/pages/20130512-jornal/pdf/18.pdf
Diário Oficial da União - 91 - 14/05/2013 - Seção 2
Despacho MJ/GM Nº 667, de 13/05/2013 - Autoriza que se afaste do país o servidor MEGARON TXUCARRAMÃE, lotado na Coordenação Regional da Fundação Nacional do Índio em Colíder/MT, para proferir palestra na "Conferência Internacional sobre Rios e Barragens", em Istambul, Turquia, no período de 15 a 19 de maio de 2013, inclusive trânsito, com ônus limitado. (p. 37)..
E agora corregedor Isac, como vcs vão proibir o Mega de viajar?? A lei do não pode é só para os barnabés..
http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/voce-sabia-leitor-que-um-homem-liga-a-guerra-dos-indios-contra-as-propriedades-rurais-a-tentativa-de-promover-uma-carnificina-no-pinheirinho-seu-nome-e-paulo-maldos-homem-de-confianca-de-gilberto/
O governo se alimenta dos impostos que impõe e usurpa dos produtores.
Os governantes se locupletam das manobras que fazem “na forma da lei”,com o dinheiro público.
Os funcionários perseguidos, se calaram para não perderem seus míseros empregos.
Não adianta reclamar dos pobres “carrascos” que executam as injustiças e perseguições, pois apenas almejam proporcionar bons períodos de férias para suas famílias ( quando não as desagregam antes), com as fartas diárias que acumulam durante o ano.
Os índios que lutavam, empregaram todos os seus familiares e afilhados nas vagas de serviços públicos terceirizados, daí também se calaram.
As terras tradicionalmente e efetivamente ocupadas pelos índios, já foram asseguradas pelas demarcações e decisões judiciais.
A luta agora é por pretensas terras tradicionais, que foram perdidas pelos índios, “conforme a Embrapa”.
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