A presidência da Funai, ou sua Diretoria Colegiada, respondeu num longo ofício às considerações, demandas e análises feitas no Manifesto dos Servidores do órgão, em greve. O Manifesto está publicado na postagem anterior. A carta da presidência segue abaixo. Eis aqui minhas considerações a respeito.
A carta de resposta aos servidores consiste numa defesa explícita e ao mesmo tempo defensiva da última gestão do órgão, entre 2007 e 2011. Por que a nova diretoria se deu a esse trabalho, não sei. Poderia mais tranquilamente se posicionar no presente e olhar para o futuro. Mas, enfim, são três os pontos defendidos sobre os quais quero tecer alguns comentários: (1) demarcação de terras; (2) reestruturação da Funai; e (3) diálogo com os índios.
1. No primeiro ponto, a carta defende que foram constituídos mais de 100 GT para reconhecer e delimitar terras, embora reconhece que nesse período só 21 terras indígenas tenham sido homologadas. Dessas terras todas já tinham sido demarcadas in situ, como a Trombetas-Mapuera e Baú, as duas últimas grandes terras indígenas demarcadas, e avaliadas para serem homologadas pela presidência da República antes de 2007. Quer dizer, nenhuma terra nova foi efetivamente demarcada e homologada nessa última gestão da Funai. A carta peca por não analisar o Acórdão de 19 de março de 2009, do STF, que determinou, em forma de ressalvas, imensos obstáculos às novas demarcações. O que se sabe é que em breve, para os próximos dias ou semanas, será publicado um novo decreto demarcatório, com assinatura da AGU, feito precisamente para regulamentar essas ressalvas do Acórdão. Ficaria mais claro se tudo isso fosse analisado e avaliado pela atual gestão para se posicionar diante dessa questão de um modo menos defensivo. Acenar com a possibilidade de dar continuidade à estratégia de demarcação da gestão anterior, com todo o espalhafato conhecido, significa pôr em perigo uma mínima chance de ainda se demarcar algumas áreas para os Guarani, por exemplo.
2. O segundo ponto, a reestruturação da Funai é defendida quase com vergonha, passando pelo tema rapidinho. A carta dá a impressão de que em breve as tais CLTs venham a funcionar com mais verbas e mais organização. Ora, e os prejuízos dos índios de não terem postos indígenas em suas terras? Será que não vão corrigir esse desmando numa reavaliação do decreto 7056/09? E a extinção de administrações regionais em sete capitais do país? E a extinção de Altamira, para que foi feita? Como defender isso? E a de Oiapoque, na fronteira com a Guiana? E São Felix do Araguaia, Água Boa, Campinápolis, Parecis? Sem falar em mais 10 delas!
3. O terceiro ponto, o diálogo com os índios é respondido com desfaçatez. Como achar que o diálogo com o CNPI é suficiente para corresponder à obrigação da Funai de estar sempre em diálogo com os índios? Será que os 12 representantes indígenas e seus suplentes representam os povos indígenas? Será que os Xavante, os Guarani, os Terena, os Karajá, os Cintas-Largas, os Kaxarari, os Yawanawa, os Kayapó se sentem representados? Mesmo o CNPI sentiu o desprezo por parte da então diretoria da Funai em relação às suas falas, e chegaram ao ponto de fazer uma condenação formal ao então presidente há precisamente um ano. Será que nesses últimos cinco anos os índios tiveram o bom acolhimento ao diálogo por parte da diretoria que se vai?
Certamente que não. Da nova presidente se espera a retomada de um diálogo que a Funai sempre exerceu com os índios. Verdade que houve diretorias, no tempo dos militares, que punham guarda na entrada da sede do órgão. Mas, mesmo então, os índios sentiam a recepção dos indigenistas e diálogo havia por meio deles. Nesses últimos cinco anos o que houve efetivamente foi um funéreo silêncio na sede da Funai, e só agora os indigenistas novos e veteranos estão saindo do sufoco da opressão que sentiam para se abrir para os índios e não os considerar uns chatos e importunos.
4. A desculpa de que a Convenção 169 ainda não foi regulamentada sobre o que constitui "consulta prévia e informada" para se tomar decisão sobre impactos de empreendimentos hidrelétricos é um fuga à realidade. Como assim, esperar até 2013 para se encontrar a forma certa dessas consultas? Ora, os empreendimentos estão aí, rolando morro abaixo, as consultas vêm sendo feitas, a torto e a direito, a reboque do tempo ou com calma, algumas ruins e péssimas, outras melhores e boas. Não se pode esperar tanto tempo. Se as reuniões feitas com os índios em março desse ano não deram resultado, que se proponha algo com firmeza e se dialogue com os índios. Em último caso, que se convoque uma nova Conferência Nacional dos Povos Indígenas para isso! E para decidir sobre as controvérsias da proposta do tal novo Estatuto do Índio!
Quer dizer que, considerando esse Congresso Nacional e a animosidade contra os direitos indígenas, a atual direção da Funai ainda está de acordo com a ideia de lutar para que a proposta de um novo estatuto seja votada no Congresso? Querem brincar com fogo?
5. Do que não se pode fugir é do escândalo. E o que existe de escandaloso, que marca como uma pústula a dignidade da Funai, é a péssima resolução feita sobre a Usina Belo Monte e os seus desdobramentos infelizes. As consultas, até filmadas, contratadas para ONGs, se constituem em pastiche, remedos de consultas. Basta ver algumas delas no youtube, ou mesmo nesse blog. Os índios têm razão em achar que não foram consultados. As mentiras ditas a Raoni pelo então presidente de que não deixaria que se fizesse Belo Monte, para, na calada da noite, mandar seu adjunto assinar a carta de anuência, constitui uma das maiores faltas de respeito, para não dizer outros substantivos mais adequados, da história do indigenismo moderno. Isto não é indigenismo com herança de Rondon! Daí por que a indagação dos servidores em greve precisa ser respondida com mais respeito!
6. Há evidentemente um mal estar em defender coisas como proibir a entrada de grupos indígenas no órgão, colocar guarda policial armada no hall de entrada da sede em Brasília, deixar administrações regionais abandonadas, não saber nem repassar dinheiro! A carta da diretoria colegiada nem menciona essa nódoa no indigenismo brasileiro.
7. Gostaria, por fim, de dizer que me sinto mal em estar criticando a direção da Funai, mais uma vez, sobretudo a nova presidente, a quem tenho muito respeito. Faz pouco tempo que ela chegou e ainda nem tomou pé direito do que aconteceu na Funai. Assim, faço essas criticas veementes com esperança. Espero sinceramente que ela melhore a Funai, que desfaça essa reestruturação desastrosa, que abra um diálogo com os índios que são lideranças de raiz, com gente que mora nas aldeias, que sente no cangote o fungar de invasores em potenciais, que sente falta do diálogo, da compreensão indigenista, da esperança de melhoras. Há uma nova leva de jovens indigenistas, antropólogos, engenheiros, agrônomos, sei lá, tudo em quanto. É um pessoal que precisa rapidamente se dar conta do que é o indigenismo rondoniano brasileiro, de suas tradições, de suas glórias, e de seus defeitos. Repetir o que aconteceu nos últimos cinco anos pode resultar no fim desta tradição, no desapego do amor ao índio, sem o quê nenhum indigenista aguenta o tranco.
Os perigos estão aí. O Congresso Nacional vem com uma PEC que desmoronaria a política indigenista brasileira, trazendo as principais decisões para o legislativo. Os advogados e os ongueiros gritam que é inconstitucional. Ora, mas eles podem mudar a Constituição. O buraco é mais embaixo!
Vem aí a nova regulamentação sobre demarcação de terras indígenas, um novo decreto para substituir o 1756 de 1995. Vem pesado, diminuindo a prerrogativa da Funai para reconhecer terras e para avaliar se é ou não é indígena por ocupação tradicional. Vai abrir novas brechas para os advogados de terceiros. Por que isso? Por que o STF fez um Acórdão tão drástico? Por que a Funai ficou abúlica diante desse Acórdão?
Há que mudar a Funai, há que reestruturá-la adequadamente. Há que se dar participação direta aos índios. Há que encarar os desafios do desenvolvimento da Amazônia. Tapar o sol com a peneira é mais uma ilusão dessa leva de gente que se apossou do órgão e brincou com o indigenismo como Nero brincou com Roma.
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Resposta+Diretoria+Colegiada+Aos+Servidores
quarta-feira, 11 de julho de 2012
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9 comentários:
Senhora presidenta da Funai, o que é que o coordenador de Maceió faz tanto aí em Brasilia, Será porque a mulher dele mora aí, a opinião publica quer saber.
restruturação da FUNAI...COORDENADOR REGIONAL DE TAPAJÓS DESPREVELIGIADO COM PRESENTE DE GREGO.
POIS BEM VOU RESPONDER , PELA PRESIDENTE, DIÁRIAS SÓ PARA ELE E OS DELE EM MACEIÓ É ASSIM E QUEM ACHAR RUIM VÁ PROCURAR O QUE FAZER, O MARCIO MEIRA SAIU, MAS EM MACEIÓ TUDO CONTINUA NO MESMO E AS VIAGENS PROIBIDAS PELA PRESIDENTE DILMA AQUI EM MACEIÓ NÃO FUNCIONA E NEM A CR SAI DO LUGAR.
ENTREI NA FUNAI AGORA, E NAO CONSIGO ENTENDER ALGUMAS COISAS DESMERITORIA,TIPO, COMO UMA PESSOA QUE É UM PREGUISOSO E MATADOR DE SERVIÇO NUMA IMPORTANTE CR DE MATO GROSSO E CONSEGUE SER NOMEADO A CHEFE DE SERVIÇO EM TAPAJÓS
ACHO QUE A PRESIDENTA DA FUNAI DEVERIA FALAR COM A PRESIDENTA DILMA PARA NOMEAR O NOSSO COORDENADOR DE MACEIÓ, PARA FISCALIZAR AEROPORTOS EM TODO O BRASIL, SABE O PORQUÊ ELE NÃO PARA NA CIDADE SÓ VIVE VIAJANDO, É SÓ OLHAR PARA SUA HISTÓRIA DENTRO DA FUNAI, E VAI VER QUE 70% DE ESTADIA DENTRO DA REPARTIÇÃO SÓ VIAGENS, E AS COMUNIDADES INDÍGENAS QUE SE DANEM ELE NÃO ESTA NEM AÍ.
Lamentamos muito, o fato do comando de greve em documento resolver elogiar o tal PINGAT, e ainda dizer que o mesmo é fruto de uma ampla discussão e construção conjunta entre índios e servidores....
É lamentável que o comando de greve da Funai, não tenha se pronuciado com referência a inconstitucionalidade e os malefícios causados por conta do Decreto 7056/09 aos índios, aos servidores e ao patrimônio da União.Pois,além da irracional extinção dos tradicionais Postos Indigenas,as ditas CR's e as CTL's, não funcionam a contento; não respeita direitos trabalhistas dos servidores no que tange as transferências ou remorções dos servidores dantes lotados nos Postos e Administrações extintas com pagamento de ajuda de custo ou diárias;abandona a própria sorte os servidores indígenas e não indigenas lotados nas Aldeias antes jurisdicionadas aos Postos; não procedeu o devido levantamento e a passagem de responsabilidade dos bens (móveis, imóveis, equipamentos e semoventes)alocados nas unidades extintas ( Postos e Administrações ); não consta previsão orçamentária para suspensão dos contratos dos antigos e realização de novos contratos de locação de imóveis e pagamento de direitos trabalhistas;não contou com a prevista consulta as comunidades indígenas e com a participação dos servidores, violando as convenções 151 ( que trata da participação dos servidores) e 169 ( consulta aos indígenas) da Organização Internacional do Trabalho- OIT da qual o Brasil é signatário;até hoje não dispõe de um Regimento Interno que defina atribuições, deveres e competência para gestão e atuação dos servidores....
Muitos servidores estão sendo prejudicados. Muitos dos servidores novatos e coordenadores regionais e locais,mais tarde, serão responsabilizados pelo abando do patrimônio, por ingerência administrativa e outras irregularidades....
Amanhã vão acusar os indígenas de se apropriarem dos bens ( imóveis, móveis, equipamentos e gado) que integram o patrimônio da União e a Renda Indígena, que encontra-se abandonado nas Aldeias e Postos extintos....
Ainda há tempo para se repensar essas consequencias do decreto e o intempestivo elogio ao PINGAT.
Por outro lado, não como se falar de Plano de Carreira Indigenista vinculado a esse malfado decreto.
e, especialmente para os mais novos o que dizer da definição de carreira indigenista? Afinal, o que vem a ser auxiliar, técnico ou indigenista especializado, sem prévia capacitação ou aperfeiçoamento profissional? Antes os indigenistas fizeram curso técnico ou então foram ao longo do tempo, forjados e lapidados com o contato diário com os indigenas nas Aldeias, Postos, Administrações e Núcleos de Apoio Local, intermediando as relações das sociedades indigenas com o Estado e a sociedade envolvente. E agora José?
Com relação ao texto do comando de greve, esperamos, carecemos de uma melhor participação política do movimento indigenista oficial. É preciso ter senso crítico, respeito e reconhecimento da valoroza participação dos indigenistas da Funai, na construção e tentativa de implementação da ainda que confusa politica indigenista brasileira.
"Não se constrói o futuro alijando o passado...." É preciso somar esforços e valorizar o que pretendemos ser, se é que se pretende ser indignistas de fato..."
eu tenho uns 30 anos de FUNAI Tec de indigenismo e só ouvi falar DE PINGAT, num seminário da CR e, olha, sempre trabalhei muito0 próximo as aldeia e de 2005 até 2009 diretamente na fiscalização de TI e questões ambientais como incêndios florestais
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