Desde que abri esse Blog, há um ano e meio (março de 2007), tenho encarado algumas polêmicas muito incisivas no indigenismo brasileiro.
A mais forte tem sido minha resistência a achar correto ou normal ou educacional uma Ong religiosa, evangélica, a JOCUM, propagandear através de um filme, feito por um profissional americano, a prática de infanticídio entre os índios Zuruahá. Considerei e considero que a prática de infanticídio é, do ponto de vista antropológico, uma questão interna do povo indígena, e, do ponto de vista humanista, uma questão universal. Porém, para que haja alguma mudança essencial, só através do diálogo sério e respeitoso é que podemos -- nós não indígenas concernentes -- buscar interferir. Nunca pela propaganda religiosa explícita e desrespeitosa. Escrevi também que esse diálogo tem sido possível em vários momentos da vida de determinados povos indígenas e que, em muitos casos, essa prática social tem sido abandonado por força desse diálogo.
Isso me tem custado uma carga de críticas que beira a histeria. Basta ver os comentários que estão nesse Blog. Essa semana houve um congresso de Ongs evangélicas na cidade de Águas de São Pedro, interior de São Paulo, e eu fui atacado como uma espécie de besta-fera dos missionários evangélicos. Os missionários evangélicos constituem um grupo de pressão política muito forte e determinado. Têm subvenções oficiais e recursos em dólares vindos das igrejas americanas. Têm deputados em quase todos os partidos e eles se unem em torno das idéias religiosas sem nenhum senso crítico. Não aceito essa espécie de crítica, mas também não dá para dialogar com um grupo de pessoas influentes que se recusam a fazer uma auto-crítica sobre o que fizeram. Se o fizerem, retirar o filme da Internet, aí podemos abrir um diálogo.
Aliás, cadê o Ministério Público e a FUNAI nessa questão desse filme?
Hoje o assunto é alcoolismo entre os povos indígenas. O que me chamou atenção foi uma matéria em que o Ministério Público Federal, em Minas Gerais, cobra das autoridades (FUNAI, Funasa, polícia?) a fiscalização da proibição de venda de bebidas alcoólicas aos índios Maxakali, da região leste de Minas.
Os Maxakali têm de fato um histórico deprimente no uso do álcool. Pelo álcool é que ficam mais valentes e cometem assassinatos entre as facções que compõem sua sociedade. Entretanto, a proibição de comprar cachaça não tem resultado em abstinência. Ao contrário, o resultado é que os Maxakali terminam se valendo de pessoas que os exploram e vendem cachaça a preços absolutamente aviltantes. Aliás, isso acontece em todas as partes do Brasil. Se um litro de cachaça local custa numa venda ou num bar 4 ou 5 reais, os índios terminam comprando por 20 ou 30 reais.
Quando eu era presidente da FUNAI assinei um convênio com a Secretaria Nacional de Prevenção às Drogas para estudar seletivamente alguns casos de povos indígenas que abusam do álcool. A idéia era descobrir meios de diminuir o consumo do álcool entre os povos indígenas, não necessariamente de coibir. Isso é impossível e ilusório. Porém, os resultados daquela pesquisa não trouxeram grandes novidades de informação ou de sugestão, se não de mais controle de fiscalização.
Esse Blog se abre a esse debate. Não teme dizer que uma das alternativas seria a liberalização seletiva do consumo de álcool por parte de povos indígenas que já o fazem em grande quantidade. A proibição pura e simples não condiz mais com a realidade social dos povos indígenas e constitui um ato discriminatório sem sentido na atualidade indígena brasileira.
_______________________________________
MPF recomenda medidas contra a venda de bebidas alcóolica a índios
O Ministério Público Federal (MPF) expediu recomendação às polícias Militar e Federal para que aumentem a fiscalização e o número de efetivos, além de apurarem denúncias de venda de bebidas alcóolicas aos índios Maxakali, nos municípios de Santa Helena de Minas, Bertópolis e Ladainha, no Vale do Mucuri.
Segundo o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI/MG-ES), o consumo de álcool é a terceira causa de morte entre os integrantes da etnia Maxakali. A Polícia Federal e a Polícia Militar terão 20 dias para informar se acataram ou não a recomendação.
Crime
A venda de bebida alcoólica aos índios é crime previsto na Lei nº 6.001/73 (artigo 58, III), com pena que pode chegar a dois anos de detenção. Esse fato, no entanto, não tem impedido o aumento do comércio ilegal de álcool aos indígenas, prática que vem sendo apontada, inclusive, como a mais importante atividade econômica dos municípios localizados próximos às aldeias.
quinta-feira, 16 de outubro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
3 comentários:
É... Proibir a venda de bebidas alcoólicas aos índios é como varrer a sujeira para baixo do tapete. É querer cortar o sintoma sem resolver a causa.
Isso é coisa de político populista que gosta de bater no peito, e se gabar de que fez uma grande coisa.
Resolver o problema é difícil. Implantar ações de prevenção contra o uso de drogas dá trabalho. Lutar pela melhoria nas condições de vida dos povos indígenas, resgatando a sua dignidade não elege ninguém, não é?
Quanto ao filme... não se engane. A idéia é essa mesma. Tudo o que justifique alguma intervenção (política ou religiosa). Faz parte da cultura americana.
Dr. Mércio,
Sou leitor do seus artigos e tenho amiga que trabalha na Funai.
Você sabia que o acesso ao seu blog foi bloqueado aos servidores da Funai?
Isso ocorreu há uns 25 dias..
Os "censores" acham que seus artigos são perigosos e, não estranhe se o processarem por "subversão"...
Abraço,
Anônimo (por enquanto)
Pô, essa denúncia de ditadura FUNAI, repressora das idéias e das publicaçõe, merece ser verificada e denunciada ao público brasileiro.
Fere os princípios da administração pública e os constitucionais.
Não queremos mais isso no Brasil.
Postar um comentário