segunda-feira, 4 de agosto de 2008

O que promete este agosto para a questão indígena?

Agosto, mês de desgosto. Mas quase nunca para os povos indígenas do Brasil. Agosto é o mês que coroa o verão, época sem chuvas, mas quando ainda há abundância de legumes e frutos da agricultura, quando a caça se concentra em lagoas secantes e os rios estão baixando suas águas dando ocasião para boas pescarias. Momento de festas e rituais em quase todo os povos. O preparo da roçagem, broca e derrubada da mata para roças já está terminado e espera-se a secagem para a queima em setembro-outubro.

Porém este agosto é preocupante para os povos indígenas, especialmente os do Mato Grosso do Sul e os de Roraima.

Dia 27, uma quarta-feira, o STF vai pôr em votação algumas ações impetradas pelo estado de Roraima contra a homologação de Raposa Serra do Sol. Está todo mundo ansiosíssimo sobre o que sairá do STF. Basta ver ao lado o placar da enquete sobre esse assunto. Quase meio-a-meio entre os que acreditam que o STF vai manter e os que acreditam que ela vai mandar refazer a homologação de Raposa Serra do Sol.

Hoje mesmo está havendo no Ministério da Justiça um debate com alguns antropólogos, o jurista Dalmo Dallari e o próprio governador do estado de Roraima sobre Raposa Serra do Sol. Debate para tentar influenciar a decisão do ministro Ayres Britto, que, segundo ele mesmo, a decisão e o voto já foram feitas.

No Mato Grosso do Sul teremos celeumas e conflitos nessa e nas próximas semanas. A direção atual da Funai partiu com tudo para tentar achar um caminho de compensação e recuperação de terras indígenas naquele estado. Criou seis grupos de trabalho, sob a coordenação do antropólogo Rubens Almeida, para partir para a identificação de 36 novas terras indígenas dos Guarani. Segundo o coordenador, as terras indígenas dos Guarani vão ser aumentadas entre 500.000 e 1.000.000 de hectares. Os fazendeiros estão bufando de ódio, de medo e de vontade de vingança. Estão aprontando todos os armamentos possíveis. Advogados, políticos, consultores, a mão-de-obra especializada de capangas, a própria força bruta dos fazendeiros.

Dois artigos abaixo falam do problema que está se criando no Mato Grosso do Sul. O primeiro é um artigo publicado no Globo e no Estado de São Paulo pelo colunista e filósofo de direita Denis Rosenfield, que agora é consultor da Famasul, a associação de criadores de gado do Mato Grosso do Sul. Nele o filósofo tece um conjunto de argumentos pífios sobre a soberania do estado de Mato Grosso do Sul, sobre o direito de propriedade e sobre a temporalidade da frase constitucional "ocupação permanente".

É um artigo muito vazio, o que me surpreende. Na verdade, Rosenfield não entende nada da história indígena do Brasil e tampouco dos Guarani e sua presença no Mato Grosso do Sul. Não adiciona nada para os fazendeiros, a não ser a retórica desacreditada e a publicidade que eles querem. É preciso notar que essa celeuma ainda não alcançou os jornais nacionais, e sim, só os jornais de Mato Grosso do Sul e a Agência Brasil.

A segunda matéria é uma disputa verbal entre um fazendeiro e um procurador da República sobre o que se entende por "ocupação permanente" de terras indígenas. Isto é o que vai definir a situação fundiária indígena em Mato Grosso do Sul e no resto do país. O STF vai ter que declarar sua interpretação sobre esse tema e como a Funai deve usar esse conceito. Quais os critérios que avalizam a ocupação permanente, sobretudo no caso de índios que foram retirados das terras ou delas saíram por razões diversas.

De todo modo, as opiniões do fazendeiro e do procurador são parciais e incapazes de convencer o STF. Dizer que no Nordeste não se ampliam terras indígenas porque os índios foram dizimados é uma afronta àqueles que estão aí procurando ampliar suas terras. E defender os fazendeiros porque eles investiram suas economias em suas propriedades não pode valer se essas propriedades forem ilegais. De qualquer modo, é preciso que a Funai se valha de pessoas com estatura jurídica, como Dalmo Dallari ou Aristides Junqueira, para emitirem pareceres sobre esse tema e que venham a ajudar a Funai e a AGU a fazer as argumentações que serão necessárias num futuro próximo.


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Mato Grosso do Sul

O GLOBO, Denis Lerrer Rosenfield

Parece não haver mais limites para a ação da FUNAI de demarcação de terras indígenas, como se o país fosse um imenso território virgem suscetível de qualquer reconfiguração territorial. Um Estado federativo passaria a se reger por portarias e atos administrativos do Poder Executivo que criariam "nações" que, doravante, conviveriam com "outros estados".
Em 14 de julho deste ano, a FUNAI editou 6 portarias visando à demarcação de terras indígenas em Mato Grosso do Sul. As portarias abrangem 26 municípios, dizendo respeito a uma área potencial total de 12 milhões de hectares, correspondendo aproximadamente a um terço do território estadual.

Em sua redação, as portarias não visam especificamente a uma propriedade ou área determinada, mas têm tal abrangência que qualquer propriedade poderia vir a ser atingida. Há uma ameaça real que paira sobre toda essa região, criando uma insegurança jurídica, prejudicial para todo o estado de Mato Grosso do Sul.

Observe-se que se trata de uma área extremamente fértil, povoada, com produtores lá instalados há décadas e com títulos de propriedade.

De repente, aquilo que se considerava como uma situação estável se vê subitamente em perigo graças a atos administrativos da FUNAI. Ressaltese que uma portaria, que é um ato do Poder Executivo, passa a legislar sobre o direito de propriedade e o pacto federativo, sem que o Poder Legislativo interfira nesse processo. Um funcionário de terceiro escalão passa a valer mais do que um deputado, um senador e, mesmo, um governador de estado. Há evidentemente uma anomalia em questão.

Imagine-se um estado que pode ser amputado de um terço de seu território, que passaria à legislação federal indígena, graças a portarias e estudos ditos antropológicos. O poder concentrado nessas poucas mãos é francamente exorbitante.

Não se trata de uma questão pontual, relativa a uma aldeia indígena em particular, mas de uma questão que envolve o direito de propriedade e a configuração territorial de um ente federativo. Da forma que as portarias foram publicadas, elas podem acarretar uma demarcação que produziria, entre outras conseqüências, desemprego para os trabalhadores desta região, a anulação de títulos de propriedade, a perda de arrecadação tributária, a retração de investimentos e a desvalorização das terras legitimamente adquiridas.

Engana-se quem pensa que se trata de uma questão que afeta somente os produtores rurais.

Trata-se de uma questão muito mais ampla, que concerne a todos os cidadãos sul-mato-grossenses e, através destes, os cidadãos brasileiros em geral. Na recente demarcação da Raposa Serra do Sol, em Roraima, o problema estava localizado numa distante região do país, como se outras regiões e estados não estivessem implicados. Ora, estamos vendo que o longínquo se torna próximo e o particular se torna de interesse geral.

A Constituição brasileira, nos artigos relativos às terras indígenas, estabelece claramente que se trata de terras que os índios "tradicionalmente ocupam", sendo o verbo conjugado no presente. Ele não está conjugado no passado, como se o que estivesse em questão fossem terras que fariam ancestralmente parte de tribos que teriam vivido em tal território. No entanto, há hoje uma tendência antropológica e política de fazer uma outra leitura, claramente inconstitucional, como se uma portaria e um estudo antropológico valessem mais do que a Constituição.

A História brasileira desaparece

Hipoteticamente, consideremos, porém, que esse argumento antropológico-político tivesse validade e se aplicasse a qualquer porção do território nacional. Quais foram as primeiras cidades às quais chegaram os portugueses? Salvador e Rio de Janeiro. É de todos conhecido, por relatos históricos e quadros, que se tratava de regiões tradicionalmente ocupadas por indígenas.

Se fôssemos seguir esse argumento à risca, chegaríamos à conclusão de que estamos diante de terras indígenas, que deveriam ser demarcadas.

O que pensa a FUNAI fazer? Expropriar essas cidades? O que faria com as suas populações, seus empregos, suas propriedades, suas escolas, seus hospitais, seus postos de saúde, suas ruas e seus parques? Criaria ela uma "nova nação" nesses territórios "liberados"?

DENIS LERRER ROSENFIELD é professor de filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

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Procurador e fazedeiros divergem sobre o que é área indígena

CORREIO DO ESTADO - MS

O Artigo 231 da Constituição Federal reconhece os direitos indígenas. De acordo com o texto, são reconhecidos aos índios (. .) os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. Porém, interpretações distintas sobre o que é considerada uma área tradicionalmente ocupada colaboram para o acirramento das discussões entre produtores rurais e autoridades responsáveis pelo o início dos estudos para a demarcação das terras indígenas da etnia Guarani-Kaiowá na região sul do Mato Grosso do Sul.

"A Constituição diz ocupadas, no tempo presente. Os índios têm direito área que eles ocupam hoje, afirmou o proprietário de terras na região de Dourados, cidade a 225 quilômetros, de Campo Grande, Gino José Ferreira, presidente licenciado do sindicato dos produtores rurais do município. A Constituição foi criada desta forma justamente para proteger o direito a propriedade das terras não ocupadas por indígenas.

Se fosse para demarcar tudo o que já foi ocupado por índios, teríamos que demarcar o vale do Anhangabaú [em São Paulo], a praia de Copacabana [no Rio de Janeiro]. Antes, tudo não era ocupado por índios? Por que ninguém vai demarcar, complementou Gino, em entrevista Agência Brasil. As pessoas envolvidas neste trabalho querem desestabilizar o setor produtivo brasileiro.

Oargumento de Ferreira é rebatido pelo procurador da República de Dourados, Marco Antônio Delfino de Almeida, responsável por fazer valer o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), em que a FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI) se compromete a demarcar os territórios Guarani-Kaiowá sul-mato-grossenses até 2010.

O território tradicionalmente ocupado é aquele que o levantamento antropológico vai apontar. É o território em que os índios e seus ancestrais nasceram, viveram, morreram, e foram sepultados antes da chegada do branco, afirmou Almeida. Só não determinamos a demarcação de territórios indígenas no Nordeste, por exemplo, pois lá não há índios. Não porque eles nunca existiram, mas porque foram dizimados. (informações da Agência Brasil)

Um comentário:

Anônimo disse...

pois é Mércio...esses fazendeiro nunca consideram de que forma esses índios foram tirados das áreas! Violência total... É cero que temos que considerar o crescimento economico do pais, mas não as custas de índios guaranis que pagam com a própria vida pela ambição de tantos. Se hoje não estão nas terras é porque foram esbulhados sempre...grande abraço

 
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