terça-feira, 1 de março de 2016

Wagner Tramm, indigenista apaixonado, nos deixa mais sós.

Wagner Tramm, um dos grandes e dedicados indigenistas da FUNAI, com uma larga folha de serviços ao indigenismo, com uma intensa experiência com muitos povos indígenas, com expertise comprovada em questões de meio ambiente, homem franco e sincero, batalhador, apaixonado, shakespeariano, Wagner Tramm tomou o seu destino nas mãos e saiu da vida nesta madrugada do último dia de fevereiro de 2016.

Os amigos estão chocados, atônitos, derrubados pelo castigo dessa notícia. À sua família, sua mulher e filhas, mandamos todos nós os mais profundos sentimentos de pêsames e de saudades.

Um indigenista da FUNAI, que teve em Tramm um dos seus amigos e emuladores, e como Tramm, um geógrafo com visão antropológica e humanista, Henrique Cavalleiro, escreveu o texto abaixo, que expressa os sentimentos de despedida de todos nós a Wagner Tramm.

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Prezado Tramm,

Nunca fui bom em divagações filosóficas e existenciais, mas vamos lá. Qual o limite entre a coragem e o desespero? Entre a lucidez e a loucura? Aliás, qual o limite de uma pessoa para suportar as frustrações e enfrentar os próprios fantasmas?

Por que será que sua morte me lembrou meu pai que, de certa forma, também se consumiu no próprio fogo? Pessoas muito idealistas costumam ser as que mais sofrem com as incompreensões. Corpo e mente absorvem a carga negativa.

Seria forçar a barra dizer que você começou a morrer quando o tal Novo Indigenismo começou a matar a Funai? O indigenismo clean, limpinho, moderninho, neoliberal, longe dos índios....ao contrário do indigenismo “mão na massa” que você tão bem encarnava? Mesmo com seus (nossos) erros e contradições? Que atire a primeira pedra quem nunca se considerou com a missão pessoal, quase voluntarista, de salvar os índios contra o avanço do capitalismo selvagem.

Me lembro de como você reagiu de forma passional, kamikaze, àquela reestruturação. Cheguei a sugerir que você pegasse mais leve, que aquilo te faria mal. Era a época em que eu estava voltando pra Funai depois ter passado no concurso do MDS, ali por 2010. Mas quem sou eu pra dar conselho? Cada um sabe onde o calo aperta. Quando em 2013 fui chutado pra fora, naquele festival de incompetência e cinismo das últimas gestões, fiquei aborrecido mas toquei o barco. Porém, seu sangue no olho o fez continuar na guerra. Ainda que eu não concordasse com a forma, respeitava a essência do que te movia.

Por falar em lembrança, a memória é o que nos cabe preservar para manter alguém vivo.  Lembro de nossas viagens ao Araguaia junto com o Gilberto Gaúcho (hoje da CR Maceió), quando eu estava no PPTAL e vocês na antiga CGPIMA. Aquela reunião tensa em Boto Velho com o MPF e Ibama. E aquela cena hilária de você sentado num casco de tartaruga para provocar o pessoal do Ibama que perseguia os índios por caçarem a espécie.  E ainda a festa de aniversário da Joarcênia em São Félix, quando você saiu nadando para o meio do rio e nós ficamos gritando pra que voltasse. Afinal, não é bom enfrentar sucuri e jacaré depois de algumas cervejas, não é mesmo?

É isso meu camarada. Precocemente você resolveu usufruir o descanso do guerreiro. Ficamos por aqui. E em cada viagem a campo, em cada aldeia, você estará presente como o “espírito da cabeça branca”. A nos proteger contra a mediocridade e a hipocrisia que nos cerca.

Grande abraço. Imortal abraço.

Henrique Cavalleiro
 
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