terça-feira, 27 de novembro de 2012

Irmã Ignez Wenzel traça quadro dramático e triste de Belo Monte

Em depoimento cândido e informativo sobre a situação dos ribeirinhos, da cidade de Altamira, dos índios que estão sendo impactados, dos interesses em minérios ali localizadas, das manobras políticas da NorteEnergia, empresa responsável pela construção da UHE BELO MONTE, das cooptações realizadas pela empresa, da concupiscência dos políticos locais, a freira Ignez Wenzel traça um quadro dramático e triste do que está se passando na região.

Talvez a melhor e mais sincera análise da situação regional seja essa entrevista, realizada pela IHU Online e repercutida pela EcoDebate.

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Ao descrever os bastidores da construção da hidrelétrica no rio Xingu, a religiosa lamenta ao reconhecer que “não existe lei, não existe Constituição. O político nos domina e não temos ação contra ele”.
Confira a entrevista.

Saída de Porto Alegre há 35 anos, a irmã Ignez Wenzel deixou as atividades que desenvolvia no Colégio São João para abraçar a causa dos colonos que migraram para o Pará em função da construção da Rodovia Transamazônica (BR-230). Hoje vive em Altamira-PA, e está engajada com o Movimento Xingu Vivo para Sempre na luta contra a construção da usina hidrelétrica de Belo Monte.

Em visita ao Rio Grande do Sul, irmã Ignez recebeu a IHU On-Line, onde concedeu a entrevista a seguir. Ela percebe que “no Sul nem sempre chegam as notícias verdadeiras acerca do que acontece no Pará, porque elas ficam ‘blindadas’ em Belém. Até em Altamira as notícias não são publicadas em todos os meios de comunicação, porque alguns veículos estão conchavados com a empresa Norte Energia. Temos mais respaldo da mídia internacional”.

Ao relatar o conturbado cenário que envolve o Consórcio Norte Energia, grupo formado por diversas empresas envolvidas na construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no rio Xingu, no Pará, irmã Ignez, visivelmente emocionada e sensibilizada com a situação, afirma que a Norte Energia prometeu casas para todos que seriam atingidos pela obra, mas agora avisaram que os atingidos não receberão novas casas, mas sim pré-moldadas. “Isso é horrível por causa do clima; dentro das casas fará 40º”. E continua: “eles também prometeram construir escolas, hospitais, infraestrutura para a cidade, investimento em saneamento básico, etc. Se vocês forem à cidade, não verão nenhum investimento. Além disso, a energia da região é destinada à obra de Belo Monte, e a cidade muitas vezes fica no escuro. Não costumava faltar energia na cidade, mas há alguns meses falta energia toda semana. O que nós tínhamos acabamos perdendo, até o espaço na rua. Tem até engarrafamento em uma cidade que é tão pequena. Nós éramos 90 mil e agora são 140 mil pessoas. Tem muito roubo, muita morte por acidente de moto, tudo acompanhado pelo desespero, pelo nervosismo, pois muitos crimes acontecem”.

Irmã Ignez também confirma casos de extração de minérios na Volta Grande do Xingu, onde cerca de 200 garimpeiros extraem ouro manualmente. “Está comprovado que lá tem uma jazida de 50 mil toneladas de ouro, além de diamantes e outros minérios preciosos. (…) Trabalhadores falaram para mim que eles já viram nas explosões pedaços de ouro, mas ninguém sabe para onde vão e eles não podem tocar, nem falar sobre o assunto”, relata.

Há quase quarenta anos atuando na região junto às comunidades populares e indígenas, lamenta a atual situação e comportamento dos indígenas diante da construção da hidrelétrica. “Eles estão ‘amarrados’. Dizem que, se não ‘entrarem no jogo’, passarão fome. Eles sabem que estão sendo objeto de jogo, mas não veem possibilidades de mudar a situação. Eles sabem que se contam conosco ficam debilitados, porque a Justiça está de olho no nosso trabalho. Mas isso prejudica nossa atuação, e por isso tivemos de recuar um pouco fisicamente, mas intensificamos o apoio e a logística a eles”.
Ignez Wenzel (foto abaixo) é graduada em História pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS e em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul PUCRS. É religiosa consagrada da Congregação das Irmãs Franciscanas da Penitência e Caridade Cristã.

Confira a entrevista.

IHU On-Line – Qual a atual situação da construção da usina hidrelétrica de Belo Monte?
 
Ignez Wenzel – A Norte Energia está com toda a pompa, avançando na construção da usina hidrelétrica de Belo Monte. Atualmente estão construindo as ensecadeiras [1], porque o rio Xingu é muito largo e é composto por muitas ilhas. Então, estão ligando uma ilha a outra.
Estamos constantemente organizando manifestações contra a obra. No Xingu+23, na ocasião da Rio+20, abriram uma ensecadeira durante a madrugada e, com corpos humanos, escreveram “Pare Belo Monte”. Esta cena foi fotografada e a imagem foi divulgada no mundo todo e isso foi bastante importante para nossa luta.
Os indígenas mundurucus do Alto Tapajós foram para o Xingu porque queriam ver o que estava acontecendo em Belo Monte. Eles dizem que não aceitarão a construção de hidrelétricas no rio Tapajós, o qual cerca a região onde vivem.

IHU On-Line Os mundurucus estão mais articulados?

Ignez Wenzel – Eles são mais articulados porque são uma única tribo, enquanto que na região do Xingu tem oito tribos indígenas diferentes, e sempre há uma rivalidade entre eles. Os indígenas “derrubaram” um escritório e nós fomos culpabilizados. Onze pessoas do nosso grupo receberam um aviso de prisão; fomos enquadrados em cinco crimes, e o processo continua em andamento.

IHU On-Line – As manifestações de protesto ainda ocorrem com frequência?

Ignez Wenzel – Ocorrem, mas depois dessa situação, em que recebemos um mandado de prisão, os indígenas disseram que não queriam mais a nossa interferência, e sim queriam a nossa ajuda para fazer ações. Mas as últimas iniciativas estão sendo feitas pelos pescadores. Eles acamparam nas ensecadeiras durante um mês, impedindo o trabalho da Norte Energia. Nós não temos infraestrutura econômica; somos voluntários e ajudamos através do apoio que recebemos de outras instituições. Fornecemos alimentação, lonas, água, porque a água do rio já está contaminada.
Semana passada teve outra ação dos trabalhadores, porque desde o início da construção da obra eles estão lutando para ter o direito de visitarem as suas famílias de três em três meses. Hoje eles visitam suas famílias de seis em seis meses. Como eles não conseguiam negociar, se revoltaram e queimaram um caminhão. Cinco deles foram presos, e outra turma foi expulsa do canteiro de obras.
O que existe lá é um trabalho desumano. Pela manhã eles ganham um copinho de café com leite e um pão. Aí eles trabalham até o meio dia. Como são 14 mil funcionários, a comida é preparada com antecedência, mas às vezes chega estragada e azeda por causa do calor. Muitos trabalhadores ficam doentes e descontentes com essa situação.

IHU On-Line – Quantos canteiros de obra existem na região?

Ignez Wenzel – São três ou quatro canteiros de obras. Um é responsável pelas ensacadeiras, outro está preparando o canal, outros estão envolvidos com a infraestrutura. Eles jogam dinamites de seis em seis horas nos canteiros de obras. Então, as pessoas que moram na redondeza sofrem impactos à meia-noite, às 6h da manhã…
Os peixes estão morrendo e os pescadores não são considerados impactados. Mas a empresa oferece melhorias e as pessoas carentes, diante de qualquer benefício, cedem, porque esperam sempre novas possibilidades, as quais não chegam.
Os indígenas usam outra tática. Eles querem melhoramento, e depois que acaba o beneficio recebido, promovem uma nova ação para conseguirem outros benefícios. E ficam nesse impasse. Eu já disse que eles têm a força que nós brancos não temos, que eles têm a possibilidade de mudar algo, porque o mundo inteiro está de olho neles, que devem tomar uma decisão final. Eles respondem que não, e que quando a situação piorar promoverão outra ação. Eles “caíram” nessa de ganhar 30 mil reais por aldeia e cesta básica. Quando eles perceberam que ganhavam dinheiro por aldeias, passaram a multiplicá-las para cada uma ganhar 30 mil reais. Então, muitas comunidades indígenas se dividiram, se esfacelaram e se enfraqueceram.

IHU On-Line – Que povos são esses?

Ignez Wenzel – Os arara, os juruna, principalmente as comunidades que vivem na Volta Grande do Xingu. Dizem que os caiapó também já receberam benefícios, mas não tenho certeza. Sei que já venderam a madeira que tinham anos atrás. Os índios mais jovens gostam de receber dinheiro e entraram no jogo da sociedade não indígena. Eles deixaram de caçar, de pescar, e isso contamina a mística deles, de luta pela sobrevivência através do esforço.

IHU On-Line – Mas algumas lideranças ainda estão preocupadas com a situação das comunidades?

Ignez Wenzel – Sim, mas são poucas. Eles também fazem o jogo. Ora você pode contar com um deles, ora não pode. Há uma fragilidade muito grande em torno dessa questão. Mas nós, do grupo Xingu Vivo, nos sentimos fortificados. Vários jornalistas estrangeiros nos procuram para saber qual é a situação de Belo Monte.
Percebo que aqui no Sul nem sempre chegam as notícias verdadeiras acerca do que acontece no Pará, porque elas ficam “blindadas” em Belém. Até em Altamira as notícias não são publicadas em todos os meios de comunicação, porque alguns veículos estão conchavados com a Norte Energia. Temos mais respaldo da mídia internacional.

IHU On-Line – Religiosos, antropólogos e pesquisadores estão mais preocupados e engajados com a questão indígena do que os índios?

Ignez Wenzel – Não dá para responder sim ou não, porque em 2008 realizamos um grande encontro a pedido dos indígenas e dos caciques. Eles queriam uma manifestação para acabar de vez com Belo Monte.

IHU On-Line – O que acontece então?

Ignez Wenzel – Eles estão “amarrados”. Dizem que, se não “entrarem no jogo”, passarão fome. Eles sabem que estão sendo objeto de jogo, mas não veem possibilidades de mudar a situação. Eles sabem que se contam conosco ficam debilitados, porque a Justiça está de olho no nosso trabalho. Mas isso prejudica nossa atuação, e por isso tivemos de recuar um pouco fisicamente, mas intensificamos o apoio e a logística a eles.

IHU On-Line – Como está a atuação da Força Nacional de Segurança Pública nos canteiros de obra de Belo Monte?

Ignez Wenzel – A Força Nacional de Segurança Pública está lá, sim, e uma turma de policiais mora próximo de minha residência. Eles estão na região há muito tempo, mas agora a ação foi intensificada porque, diante de qualquer situação de imprevisto, a Norte Energia recorre à Força Nacional de Segurança Pública. Este ano, quando fizemos uma manifestação junto do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB, na frente de um escritório estava cheio de policiais armados. A posição do Movimento Xingu Vivo não é de depredar ou invadir, embora tenhamos sido acusados de depredar o patrimônio público.
Muitas das pessoas que nos apoiavam trabalham hoje para o governo. O MAB, por exemplo, é sustentado pelo governo. É um movimento dos atingidos e não um movimento dos pré-atingidos. Então, eles não querem que a barragem deixe de existir, porque terão benefícios depois. O MAB é isto: Movimento dos Atingidos por Barragens; se não tem barragem, o movimento não pode continuar. Portanto, o movimento não se enfrenta com o governo.

IHU On-Line – Mas eles terão embates posteriores com o governo.

Ignez Wenzel – Não sei o que vai acontecer, mas o que adianta fazer algo depois? Quando estiver no sarcófago, podem cantar as cantigas que quiserem. A pior notícia é de que a Norte Energia prometeu casas para todos que seriam atingidos, e agora avisaram que os atingidos não receberão novas casas, mas sim pré-moldadas. Isso é horrível por causa do clima; dentro das casas fará 40º.
Eles também prometeram construir escolas, hospitais, infraestrutura para a cidade, investimento em saneamento básico etc. Se vocês forem à cidade, não verão nenhum investimento. Além disso, a energia da região é destinada à obra de Belo Monte, e a cidade muitas vezes fica no escuro. Não costumava faltar energia na cidade, mas há alguns meses falta energia toda semana.
O que nós tínhamos acabamos perdendo, até o espaço na rua. Tem até engarrafamento em uma cidade que é tão pequena. Nós éramos 90 mil e agora são 140 mil pessoas. Tem muito roubo, muita morte por acidente de moto, tudo acompanhado pelo desespero, pelo nervosismo, pois muitos crimes acontecem. O que não falta são prostíbulos. Na Vila Belo Monte, que fica na balsa, há cerca de 23 prostíbulos. Então, tiram-se as conclusões de quantas mulheres, jovens, meninas e crianças têm lá. Aumentou muito o número de estupros, de violência sexual na cidade e de crianças que são molestadas, tanto meninas quanto meninos.

IHU On-Line – E o que pode ser dito sobre a exploração do ouro na volta do Xingu? Dizem que há uma relação entre a construção de Belo Monte e extração de minérios.

Ignez Wenzel – Mais ou menos na direção da margem direita da Volta Grande tem uma considerável jazida de ouro. Quando a irmã Dorothy Stang estava viva, ela esteve no Canadá, onde pediram que ela participasse de uma reunião sobre assuntos da América Latina. Lá foi falado sobre uma grande jazida de minério na Volta Grande. Ela não aguentou e se manifestou, o que os deixaram nervosos, encerrando o assunto. Quem está lá hoje é uma empresa canadense. Há cerca de 200 garimpeiros que extraem ouro manualmente, obtendo 1.000, 2.000, às vezes 3.000 mil mensais para sustentar a família, cada um deles. E está comprovado que lá tem uma jazida de 50 mil toneladas de ouro, além de diamantes e outros minérios preciosos. A Vale também já está lá. Isso tem uma explicação, porque o rio não vai produzir muita energia. Dizem que é um compromisso do Brasil secar esse pedaço de rio para favorecer a exploração do minério. Trabalhadores falaram para mim que eles já viram nas explosões pedaços de ouro, mas ninguém sabe para onde vão e eles não podem tocar, nem falar sobre o assunto.

IHU On-Line – Essa empresa canadense é a Belo Sun?

Ignez Wenzel – Sim, a Belo Sun.

IHU On-Line – Além dela e da Vale, outras empresas atuam na região?

Ignez Wenzel – Que eu saiba não. Ofereceram para os garimpeiros uma indenização de 1,5 milhão de reais para eles se retirarem. Mas eles não abriram mão, porque sabem que têm ouro não só para um dia, mas para o resto da vida. Então, a nossa luta e a nossa preocupação é ver como é que vamos conseguir que eles tenham o direito ao benefício depois, ou seja, uma porcentagem sobre a extração. Porque no Alto Xingu, na região de Ourilândia, eles conseguiram benefícios junto aos direitos humanos. Foi exigido que o povo todo saísse, porque estavam assentados em cima de uma mina de ouro. Então, com a ajuda de advogados conseguiram que o povo tivesse acesso aos benefícios dos recursos extraídos. Será mais uma luta nossa, mas precisaremos de auxílio, porque nós não temos competência legal para isso.

IHU On-Line – A extração é ilegal?

Ignez Wenzel – Certamente o Brasil já concedeu a licença. Há muitos anos um rapaz da Comissão Pastoral da Terra CPT nos apresentou um mapa mostrando que os Estados Unidos têm sobre o Brasil. Eles sabem de todos os minérios existentes no país, assim como ou outros países como o Peru. Eles também estão lá para extrair. Afinal, eles “são donos” porque descobriram. Nós não podemos entrar onde eles estão trabalhando. A terra é nossa, mas nós não podemos entrar. Tem um aviso de longe informando que ninguém pode se aproximar.

IHU On-Line – O Ministério Público acompanha o caso?

Ignez Wenzel – Eles trabalham muito conosco. Em relação a Belo Monte, temos quinze ações no Supremo Tribunal Federal que deveriam ser julgadas. Todas elas provam a ilegalidade do projeto. Essas ações não foram julgadas ainda porque o Judiciário, o alto escalão, também é do governo. Inclusive, muitas vezes falamos que estamos em uma ditadura democrática, porque não existe lei, não existe Constituição. O político nos domina e não temos ação contra ele. Os prefeitos são comprados com migalhas, os governadores também, porque todo mundo quer um pedacinho.

IHU On-Line Quem é o prefeito eleito em Altamira?

Ignez Wenzel – Foi péssimo o resultado. Um velho cacique do tempo da ditadura voltou a reinar. Domingos Juvenil é do PMDB, mas o partido aqui (no sul) é diferente de lá. Basta dizer que em um município ganhou um do DEM coligado com um petista, o que seria impossível, mas lá é tudo diferente. Lá o que temos são conchavos. O nosso município não é governado pela prefeita (Odileida Maria Sousa Sampaio), mas pela Norte Energia. Ela não tem poder nenhum. Só se faz lá o que a Norte Energia aceitar.

IHU On-Line – Qual o discurso dele em relação à atuação da Norte Energia na cidade?

Ignez Wenzel – Diz ele que a partir do dia 1º de janeiro quem vai governar a cidade é ele, e não a Norte Energia. Isso é discurso aberto. Agora, vamos ver depois, com o discurso fechado, como vai ser. Até lá tem muitos dias.

IHU On-Line – A senhora tem expectativa de mudança?

Ignez Wenzel – Com esse homem, que era da ditadura, não. Por causa dessas empresas que estão lá, pode entrar quem quiser que ficará manchado, porque a estrutura das empresas energéticas são muito pesadas em cima do povo e dos governos. Os vereadores são comprados, todos eles. Foi eleito um vereador que é um menino de luta. Ele é do PT (aí já é da Dilma Rousseff). Ele era contra Belo Monte, mas não sei se vai continuar sendo agora. Tudo muda muito.

IHU On-Line – Como a senhora vê a atuação da Igreja local?

Ignez Wenzel – Desde o início do ano para cá não mudou muita coisa. Em si, o povo tem medo. Não é que o povo seja a favor da barragem. Eles dizem: “Que bom que a senhora vai lá! Continua lá! Eu também sou contra, mas tenho medo de falar. Não posso ir até o acampamento”. É assim a população. Mas nós, irmãs, continuamos firmes. No dia, por exemplo, em que eu tive que depor, vieram irmãs nossas lá de Anapu, para me dar apoio e para os demais. Então, mantemos a unidade. Mas o restante das pessoas não consegue. Mesmo assim, nós continuamos na luta e nos manifestamos. No dia 7 de setembro, a prefeitura fez uma grande passeata com fogos. Do outro lado estávamos nós, com faixas e cartazes. Éramos um grupinho pequeno, mas todo mundo olhou para nós e não para eles. Então, são gestos que nós fazemos.
Mas não é em tudo que podemos ajudar. Lembro agora de um caso triste: um senhor que comprou 200 hectares de terra através do cartório de Vitória, e nessa terra ele plantou cacau. Ele tem quatro filhos, sendo que três são menores de idade. Aí disseram para ele que ali passaria o canal e a família teria que sair, o que o fez responder: “Daqui eu não saio, isso aqui é meu, tenho que cuidar dos meus filhos!”. Ele já é um senhor de idade, tem 60 anos. Pois foram lá e derrubaram a casa dele. Aí, a mulher pegou os filhos e foi para a cidade. Ele pegou uma lona, colocou por cima de um pé de cacau e ficou morando lá embaixo, afinal já tinham 13 mil pés produzidos e mais sete mil em crescimento. A polícia ficou ameaçando que ele tinha que sair de lá. Um belo dia, ele viu que estavam chegando dez tratores derrubando no chão todo o cacau dele, inclusive os 13 mil em produção. Ele se desesperou e fugiu. Agora nós estamos lutando para que ele seja indenizado. Mas a Norte Energia diz que ele abandonou o lote. Dá vontade de chorar! Hoje, essa família está morando de favor, pois ele não consegue emprego, porque só sabe trabalhar na roça. Eu não aguento (a irmã chora).

IHU On-Line – E pretende continuar morando lá?

Ignez Wenzel – Sim, porque, se a gente sai, quem vai ajudar esse povo? É preciso ir para lá. Enquanto eu aguentar, fico lá. Enquanto a Congregação me deixar, eu fico.Dom Erwin (Kräutler, bispo de Altamira) está decepcionado. Ele achava que ia conseguir.
Os poderes econômicos e políticos são pesados demais. Só eles têm razão. Entrei em contato com uma menina que conheço há muito tempo, que trabalhava no Conselho Indigenista Missionário – CIMI. Ela foi convidada para trabalhar com os índios visando deixá-los do lado da Norte Energia. Ela ia ganhar 8.000 reais mensais. Ela disse: “O quê? Toda a minha vida trabalhando para defender os índios e agora vocês querem que eu faça o contrário?”. Ela tem uma sobrinha que é assistente social lá dentro (Norte Energia) e quis saber quantas mortes acontecem, porque a gente não fica sabendo de mortes. Na média, eles dizem que se morrer até 10 mil pessoas é normal. Só que não aparece nenhum cadáver. O que eles estão fazendo com os cadáveres? Quem é que está morrendo lá? A gente fala com os funcionários, com os trabalhadores, e ninguém sabe de nada. Para mim, eles não podem falar, porque ninguém nunca viu nada.

IHU On-Line – Mas foi constatada a morte de alguém por causa da construção da usina hidrelétrica?

Ignez Wenzel – Eles dizem que morrer tanta gente assim (10 mil pessoas) é normal. Então, deve estar morrendo gente. Só se ficou sabendo do caso de um senhor e isso foi publicado aos quatro ventos que morreu embaixo de um pau, que caiu para uma direção não esperada. Agora, aquelas pessoas que estão lá, que estão colocando dinamite, quantas será que já foram para o ar?

IHU On-Line – Vocês não têm acesso às informações?

Ignez Wenzel – Não. É segredo absoluto. Por isso que ninguém entra lá. E se você entra para trabalhar, a primeira coisa que tem que fazer é colocar esparadrapo na boca e vendas nos olhos, porque não pode ver, nem ouvir nada. Por isso que eu digo que é uma ditadura democrática.

IHU On-Line – Dom Erwin pretende continuar em Altamira?

Ignez Wenzel – Por lei, ficará até 2014. Depois, terá que pedir dispensa, porque é a norma da Igreja: aos 75 anos ele tem que se retirar do bispado. Talvez ele tenha que ficar mais tempo, talvez não. Ele também está cansado. E a gente nota que ele também não está muito bem de saúde. Imagine o estresse que esse homem viveu todos esses anos? E sendo sempre escoltado por policiais. Isso não é vida. Quando ele sai da cidade, vai para outro estado, não tem polícia nas costas. Então, acho que é por isso que ele aceita tanto trabalho fora. Ele se desliga um pouco. Mas é uma luta muito grande.

IHU On-Line – As novas irmãs têm interesse em ir para o Pará e ajudar no desenvolvimento desse trabalho?

Ignez Wenzel – Elas até têm esse interesse. Mas nós estamos em uma época muito difícil, temos muitas irmãs idosas e poucas na ação. Então, quem está em ação também tem que cumprir as necessidades urgentes daqui. Há esse problema também. E a juventude, por enquanto, está com outras dinâmicas. Infelizmente, a sociedade chegou a este ponto. Mas vai ter que surgir algo novo. O que vai ser ainda não sabemos.

NOTA
[1] Ensecadeiras são dispositivos utilizados para a contenção temporária da ação das águas em superfícies escavadas, normalmente onde se pretende executar obras sem a interferência da água. São usadas, por exemplo, para viabilizar a construção de barragens.
(Por Patricia Fachin, Graziela Wolfart e Luana Nyland)
(Ecodebate, 27/11/2012) publicado pela IHU On-line, parceira estratégica do EcoDebate na socialização da informação.

quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Os índios e o Brasil -- A Luta

Nos últimos meses estive pensando seriamente sobre a questão indígena brasileira e nos seus desdobramentos dos últimos tempos. Por duas razões: 1. O que vem ocorrendo ultimamente é muito preocupante, como analisarei abaixo. 2. Estava terminando o livro OS ÍNDIOS E O BRASIL e queria atualizar os últimos acontecimentos dentro de uma análise mais profunda, conforme o intento do livro. Nesses dias venho apresentando este livro ao público, primeiro, em lançamento em São Paulo (já ocorrido, dia 8 de novembro), e em breve em lançamento no Rio de Janeiro -- dia 24 de novembro próximo -- SE POSSÍVEL!

Digo SE POSSÍVEL porque combinei há um mês com os moradores indígenas do velho e venerando Museu do Índio de fazer esse lançamento no próprio Museu, com a presença deles como anfitriões. O Museu é um prédio grandioso, fabuloso, com paredes de 80 cm de largura, dilapidado e abandonado, mas ainda imponente, que dá gosto de ver e estar no seu interior. Os índios moradores ofereceram para fazer danças e prestigiar o evento do lançamento, ao mesmo tempo em que se sentiram felizes por eu ter feito a escolha de lançar o livro em sua Casa, por assim dizer. Entretanto, o livro corre perigo de não ser lançado porque, hoje mesmo, um juiz cassou a liminar que segura a proteção do prédio, que o governador do estado do Rio de Janeiro tem declarado reiteradas vezes que o vai derrubar até virar pó e calçamento para os torcedores estrangeiros passarem por cima.

O velho Museu foi construído em 1862 e pertenceu a um dos genros do Imperador Dom Pedro II, que o doou para ser uma instituição de pesquisa em agro-pecuária e em questões indígenas. Eita mistura comovente! De todo modo, na República Velha ficou com o Ministério da Agricultura e foi lá que o Serviço de Proteção aos Índios foi alojado, com Rondon como seu patrocinador e os tantos diretores que o órgão teve, até 1962, quando foi transferido para Brasília. Foi ali que Darcy Ribeiro, junto com Rondon, Eduardo Galvão e outros, criou o Museu do Índio e também elaborou os termos do Parque Nacional do Xingu, dando uma revirada no indigenismo brasileiro e no processo de reconhecimento de terras indígenas. Foi ali que Rondon abrigou e recebeu tantos índios que iam à sua procura para pedir ajuda nas suas lutas por terra e respeitabilidade. Nesses dias, quando estava em São Paulo lançando o livro, o líder Yawalapiti, do Parque do Xingu, Pirakumã, me falou e me recomendou para dizer a todos que pudesse que seu pai, Kanato, costumava lhe contar que tinha ido a esse Museu falar com Rondon, e que um dia tinha levado o Raoni. Por isso é que sentia simpatia sincera pela luta dos seus patrícios urbanos na preservação do velho prédio. Andamos agora à procura de um foto que demonstre esse evento excepcional.

Tenho apoiado a causa dos índios que tomaram o Museu do Índio, desde 2006, e têm lutado com ardor pela preservação do prédio. Os índios querem transformar esse prédio num Centro Cultural, num Museu Vivo da Cultura Indígena. Acho muito meritória a luta desses índios, que aqui vivem no Rio de Janeiro e se deram conta de que o que o governador e os infiéis e ahistóricos planejadores urbanos pretendem destruir era a memória de sua vida e do seu relacionamento com os demais brasileiros não indígenas. Eles me pediram e escrevi um laudo, já publicado neste Blog, sobre a importância desse prédio e do valor simbólico para o indigenismo brasileiro.

Bem, então não sei se o livro OS ÍNDIOS E O BRASIL será verdadeiramente lançado no velho Museu do Índio. Se tudo der certo, maravilha! Se não, aí está o livro lançado neste Blog. E a luta pela preservação do velho Museu do Índio não para!

Agora, quanto à situação atual dos índios. Nem sei por onde começar. Vou escrever mais amiúde nas próximas postagens.

Por enquanto eis um pequeno resumo. Em suma: o governo Dilma está em grande falta para com os povos indígenas.

1. A questão guarani continua a mais premente e mais difícil de solução. Nos últimos tempos ficou mais caótica e mais inclinada para soluções drásticas. A falta de imaginação do governo se alia à perversidade dos fazendeiros, que se arvoram os donos da terra do Brasil.
2. O episódio da invasão dos policiais federais (foi uma invasão ostensiva!) e da morte do índio Adenilson Crishi necessita ser reparado pelo governo brasileiro, pela Funai e pelos indigenistas. Não pode passar em brancas nuvens, sob pena do indigenismo brasileiro ficar desacreditado. 
3. As pressões advindas do Legislativo brasileiro no sentido de mudar a legislação e as normas indigenistas, inclusive de demarcação de terras, têm que ser bloqueadas. Isso só poderá ser feito por determinação do governo federal, por vontade própria e por senso de responsabilidade histórica.
4. O Decreto 303, da AGU, símbolo do desvario atual do governo, deve ser revogado e arquivado imediatamente. Não pode haver negociação sobre isso.
5. Os planos de expansão econômica na Amazônia devem ser discutidos com os índios. É aí onde os índios podem encontrar um meio termo com o governo, sem deixar de se posicionar com altivez. Os planos de hidrelétricas, estradas, expansão agrícola e pastoril, manejo florestal e mineração devem ser apresentados aos índios de modo formal, em convenção convocada pelo governo federal, com participação de todas as lideranças nacionais.

Proponho ao governo que faça uma nova Conferência Nacional dos Povos Indígenas, tal como fizemos uma em 2006. Dela resultou um documento orientador, o qual não foi levado adiante, mas que precisa ser retomado em sua filosofia básica. 

Na nova Conferência, novos termos poderão ser ajustados. Porém os índios devem estar cientes de todo o processo e saberem onde se posicionam, os riscos e incertezas que terão e as possibilidades de participação no "progresso" da Nação.

Nada que diz respeito a impactos sociais e ambientais sobre terras e culturas indígenas pode ser feito à revelia dos índios. Chega de enrolação barata, com fingidas consultas, e depois "tratoragem", brutalidade e política de cooptação no varejo sobre os índios. 

Governo Dilma Rousseff: ponha a mão na consciência; ponha as cartas na mesa, exponha suas intenções e negocie com os índios aquilo que é possível de ser feito nos próximos anos. Para usar uma palavra tão usada recentemente no STF, "chega de açodamento", de pressa, de ânsia por fazer coisas que significam a destruição de tantas coisas belas. Se houver clareza e honestidade, os índios saberão escutar, pensar o que pode ser importante para seu futuro, abrir mão de uma prerrogativa aqui outra ali, para ter uma segurança permanente e um lugar ao sol na Nação. 

Eis minhas considerações mais sinceras e precisas. Salvo melhor juízo!

segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Video mostra chegada dos policias federais e tiroteio na Aldeia Munduruku



O video acima mostra uma versão diferente da que foi dada pelo delegado da Polícia Federal que comandou o ataque aos índios Munduruku e Kayabi, em aldeia na beira do rio Teles Pires,

É um video simples, de 6´38´´, feito claramente por um amador, provavelmente indígena, que estava fascinado pelo voo do helicóptero. Só no último minuto, no minuto 5, 38 segundos, é que se ouve o primeiro tiro sendo disparado. Sete segundos depois ouve-se outro estampido. Em seguida vem um voleio de tiros, bem mais de 30, até que o cineasta perde o controle, provavelmente cai, pois a última cena mostra a grama de pertinho, e o video para.

Vê-se nos primeiros minutos que não havia preparativos para receber os policiais com emboscada. Ao contrário, havia mulheres crianças e jovens passeando pela aldeia. O cineasta foca o helicóptero e não parece se dar conta de que algo possa estar acontecendo. Alguém passa e pede um cigarro. Um rapaz passa andando com uma borduna e vai em direção ao helicóptero; um vai correndo com um maço de flechas, eis o que vemos de preparativos de guerreiros.

Enquanto isso, o helicóptero para no campo de futebol da aldeia e dele descem uns 8, 10 policiais. Depois, vê-se que eles entram na barcaça localizada na beira do rio, todos portando armas, tipo fuzil ou metralhadora. Estão vestidos para a guerra. Em certo momento, antes do tiroteio, vê-se que eles estavam tensos, mas não nervosos a ponto de disparar.

Considerar que houve uma emboscada é pura fantasia. Não se vê lances de flechas sendo atiradas em direção aos policiais. O que se vê são policiais mirando e atirando para uma direção no mesmo nível, e alguém dizendo que são balas de borracha. Até então os índios estavam ingênuos.

O que pensar de tudo isso?

Primeiro, que cabe à Funai, ela própria, exigir do Ministério da Justiça uma abertura de inquérito e soltar uma nota de protesto contra a Polícia Federal e uma nota de solidariedade ao povo daquela aldeia, especialmente aos familiares do índio que foi mortalmente baleado três vezes.

Segundo, que cabe à Funai se dirigir aos Munduruku, aos Kayabi e aos Apiaká que moram na beira do rio Teles Pires e pedir desculpas em nome do Estado brasileiro e do indigenismo.

Terceiro, cabe à Funai e aos seus indigenistas retomar o diálogo com os povos indígenas, que vem perdendo cada vez mais nos últimos anos.

Quarto, cabe à presidenta Dilma Rousseff, em nome do Brasil, se dirigir oem desculpa, solidariedade e apoio aos índios feridos e agredidos e aos impactados por toda essa operação e pela ação de garimpeiros, madeireiros e barrageiros naquela terra indígena.

O que aconteceu foi um grave incidente no indigenismo brasileiro e não pode se deixar passar em brancas nuvens.

 
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