terça-feira, 27 de março de 2012

FUNAI na expectativa

Há dez dias a Presidente Dilma mandou anunciar que já tinha escolhido a nova presidente para a Funai, a antropóloga e demógrafa Marta Maria Azevedo. Nesse tempo nenhuma notícia a mais, porém a expectativa de mudança tem deixado a comunidade indígena e indigenista alvoroçada. Apesar da primeira reação da APIB contrária ao método como a Marta foi escolhida, sem consultar as lideranças indígenas, sem qualquer transparência na decisão, o que constitui um retrocesso político indizível, apesar de tudo isso, a expectativa é favorável.

Tudo indica que a indicação de Marta Azevedo não é de continuidade ao desastre administrativo e indigenista por que passou a Funai nos últimos cinco anos. Marta é conhecida no meio antropológico como uma pessoa que tem um senso de responsabilidade e de caráter que auguram um tempo diferente. Sua experiência mais rica e profunda tem sido com os índios Guarani do Mato Grosso do Sul, do Sul do Brasil e até do Paraguai. Ela conhece as mazelas da vida guarani nesses lugares, conhece as peripécias políticas da região e observou bem o desastre que foi a atual administração ao tentar demarcar terras indígenas doidivanamente.

Embora associada com as Ongs que mais tiveram controle sobre a Funai nos últimos cinco anos, quais sejam, o CTI e o ISA, Marta tem conexões intelectuais e morais com antropólogos e antropólogas que não compartilham da associação dessas Ongs com a Funai. Ela sabe que suas conexões têm um peso moral e um conhecimento da causa indígena que estão além das atividades dessas Ongs no mundo indígena. Marta sabe que a Funai é órgão do Estado, descendente do indigenismo rondoniano, e que tem que recuperar seu prestígio político-administrativo para cumprir minimamente com seus deveres de Estado.

Eis a esperança da chegada de Marta Azevedo à Funai.

Está na hora de sua posse. Está na hora de haver transparência na Funai, de haver clareza sobre o que se vai fazer, de se recuperar o trabalho digno de seus funcionários e servidores, de dar esperanças aos que entraram recentemente de terem um ofício digno para os índios e para a Nação brasileira.

quarta-feira, 14 de março de 2012

APIB levanta a cabeça e encara o Governo

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil -- APIB -- entidade que agrega as principais organizações indígenas pelo Brasil afora, lançou uma impressionante CARTA ABERTA à presidenta Dilma Rousseff, na qual exige respeito aos povos indígenas e que sejam ouvidos sobre assuntos que os afetem, e especificamente, na mudança da Funai, que está para ser realizada nos próximos dias.

A CARTA ABERTA mostra de cara que o governo tinha convocado lideranças indígenas para discutir a Convenção 169, da OIT, que trata especificamente do modo como os índios devem ser informados e consultados sobre temas e projetos que os atinjam, quando, no mesmo momento,  na surdina, estava tramando a mudança da FUNAI, junto com as ongs acólitas, sem os consultar!

A APIB passou os últimos anos contemporizando com o governo e com a atual direção da FUNAI em muitas das mazelas que foram criadas e que só pioraram a situação indígena no Brasil. Durante os seis meses de protestos que aconteceram em Brasília contra o Decreto 7056/09, que extinguiu postos indígenas e administrações regionais, apenas um dos seus membros, a ARPINSUL, havia lutado contra. Os demais haviam mansamente aceito o desastre administrativo resultante desse decreto. Contudo, o tempo mostrou que  o apodrecimento da direção da FUNAI havia chegado a tal ponto que chegara a hora de dizer um basta. Nem na ditadura militar se errou tanto e se manipulou tanto os direitos indígenas como agora, e por interesses escusos, travestidos em indigenistas.

A CARTA ABERTA é o documento mais contundente que a APIB já publicou. É um documento de peso histórico, pois põe o dedo na ferida, a falta de transparência e participação das decisões que afetam os povos indígenas, e corajoso, pois chama os bois pelos seus nomes. O governo Dilma, mais do que vacilante na questão indígena, não pode perder a oportunidade para se redimir desses anos de chumbo, de descaso e de enganações aos índios, e promover um re-união com o movimento indígena e com suas lideranças de raiz, a partir da nova consciência indígena que se levanta. Os índios, muitos deles, estão conscientes de seu papel histórico e estão prontos para o exercício de autonomia.

Na minha modesta opinião, os índios devem ser chamados pela presidenta Dilma, com lealdade socialista e amor republicano, para decidir o destino da FUNAI, sua nova direção e seus encaminhamentos futuros. Decidir e participar, seja como presidente, diretores, coordenadores, chefes, etc., junto com o que ainda sobrou do indigenismo rondoniano brasileiro.

O Brasil não pode ignorar aqueles povos que são a raiz de sua existência. O Brasil precisa de reconciliação com seus povos indígenas. É hora de ouvi-los e chamá-los ao trabalho conjunto.


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CARTA ABERTA À PRESIDENTA DILMA E  À SOCIEDADE BRASILEIR SOBRE INDICAÇÃO PARA A PRESIDÊNCIA DA FUNAI

Brasília, 09 de março de 2012.

À Excelentíssima
Senhora Dilma Russeff
Presidenta da República Federativa do Brasil
Palácio do Planalto
Praça dos Três Poderes – 3º Andar
70150-900 – Brasília/DF
Prezada Senhora:

Nós, Povos e Organizações Indígenas que compõem a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, abaixo assinados, participantes do Seminário  “Convenção 169 da OIT: experiências e perspectivas”, realizado na Escola de Administração Fazendária – ESAF, em Brasília-DF, nos dias 08 e 09 do presente, vimos por meio desta manifestar a nossa insatisfação com o processo de condução da política indigenista do País, especificamente a indicação de nomes para a presidência da FUNAI, órgão governamental que atua diretamente na convivência diária com os povos indígenas.

Nossa Indignação se dá, pelo fato de que, ao mesmo tempo em que estávamos reunidos para discutir a participação dos Povos Indígenas e suas Organizações no processo de regulamentação dos Mecanismos da Consulta Prévia, Livre e Informada, prevista na Convenção 169 d OIT, tivemos informações não oficiais de que já há uma pessoa indicada para ocupar o cargo de presidente da Funai, e que seria nomeada em breve. Trata-se da Senhora Marta Azevedo, ex esposa do Secretário Nacional de Articulação Social da Presidência da República, Sr. Paulo Maldos e consultora do Instituto Sócio-ambiental – ISA. Essa indicação explicita uma flagrante violação ao artigo 6º da Convenção 169 da OIT, que diz:

Artigo 6 - 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos deverão:

a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas instituições representativas, cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente”.

A mudança na Presidência da FUNAI, é um ato administrativo que afeta diretamente os Povos Indígenas do Brasil. No momento em que se discute a implementação da convenção 169 no Brasil, cremos que é uma excelente oportunidade de exercitar o que temos feito através dos discursos. Neste sentido, os Povos Indígenas vêm convidar o Governo Brasileiro para um diálogo visando encontrar pontos convergentes na indicação, em condições de transparência, confiança, equidade e boa fé. Ao fazer essa indicação para o cargo de relevante importância para os Povos Indígenas, no momento em que inicia um processo de diálogo como os povos indígenas, o governo perde a oportunidade de demonstrar na prática, que seu discurso é coerente com sua atuação.

Cabe-nos relembrar parte do legado que Márcio Meira, amigo pessoal da indicada à presidência da FUNAI,  deixa para os Povos Indígenas, como resultado dos 05 (cinco) anos que esteve à frente do órgão indigenista. O indigenismo no Brasil raramente registrou tamanho  desmando e cooptação de lideranças indígenas, intrusão de pessoas ligadas à Ongs nos cargos de confiança e coordenações no órgão indigenista, sem citar a total desestruturação do órgão através do Decreto 7.056/2009, que deixou a FUNAI totalmente desmontada, sem nenhuma condição de planejar e executar a política indigenista no País junto as comunidades indígenas.

Esta prática de Márcio Meira e do governo nos demonstra a constante violação do direito à Consulta Prévia e dos direitos dos nossos Povos à sua autonomia, na medida em que exerce a tutela velada sobre todas as ações do Estado e das políticas ofertadas às comunidades indígenas do nosso País. Como exemplo claro temos as ações do PAC em nossos territórios, onde não se fez nenhuma consulta, salvo algumas reuniões informativas, aos Povos Indígenas afetados pelo mega empreendimento, que coloca em risco suas vidas e o meio ambiente e a vida das gerações futuras.

A atual gestão de Márcio Meira a frente da FUNAI é marcada pela terceirização da FUNAI, entregue a entidades não governamentais que se denominam socioambientais, que dominaram a instituição e fizeram deste espaço público a sua fonte de renda através de generosas consultorias resultantes dos empreendimentos implantados em nossos territórios. 

Não queremos e não vamos permitir este continuísmo de uma política indigenista, que subestima a nossa sabedoria e a capacidade de ler o quadro que se desenha para o futuro de nossos Povos e territórios, assim como não concordamos com a prática obscura do governo federal que não avalia as consequências de um ato como estes, que afetará ainda mais negativamente as práticas do órgão indigenista junto aos nossos mais de 240 Povos indígenas, mais de 600 territórios e aproximadamente 50 Povos não contatados, terceirizados para ONGs através de duvidosos convênios e termos de cooperação, que repassam milhões de reais do dinheiro público para supostamente proteger estes povos.

O governo federal deve e precisa reconhecer e ter nos povos e organizações indígenas aliados para a plena e efetiva promoção e garantia dos direitos indígenas do nosso País. Seremos implacáveis na constante luta pelo nosso direito a autonomia e a livre-determinação conforme assegurado na Constituição Federal e nos instrumentos internacionais de direitos humanos.

Atenciosamente.

Articulação dos Povos Indígenas do Brasil - APIB
C.c.
Ministro da Justiça - José Eduardo Cardoso
Ministro da Secretaria Geral da Presidência da República – Gilberto Carvalho
Ministério Publico Federal, 6ª Câmara – Dra. Deborah Duprat
Presidência da FUNAI – Márcio Meira

terça-feira, 6 de março de 2012

Indefinição na Funai piora situação indígena


Há três meses foi anunciado que a atual direção da Funai ia sair, por razões não declaradas. Supõe-se que por desgaste pessoal dos dirigentes, por pressão de políticos insatisfeitos, de todos os partidos e matizes, e pela irrevogável incompatibilidade desses dirigentes com os índios, mesmo com aqueles que fazem parte de sua coluna de apoio, os índios dependentes das ongs estrangeiras e nacionais, e os que foram cooptados e que conseguiram arrefecer a insatisfação dentro de suas sociedades. A própria Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), formada em paridade por sete representantes indígenas e sete governamentais, além de dois representantes de ongs, retirara seu apoio à direção da Funai porque o atual presidente teria faltado a uma importante reunião convocada pelo próprio, em julho passado. A CNPI, insuflada pelos ilusionistas representantes das ongs, bateu o pé e disse que só retomaria o diálogo com a Funai se a presidente Dilma os recebesse em audiência. Ora, esticaram a corda demais e a presidente nem deu bola. Agora o único sustento político da atual direção da Funai vem das próprias ongs que o vêm apoiando desde sempre e que evidentemente ganharam bons "dividendos indigenistas" nesses últimos cinco anos.

O desgaste da direção está à vista de todos, mas o pior ficou com a Funai. O órgão indigenista se deteriorou profundamente em suas simples ações assistenciais, que têm sido essenciais para os povos indígenas em constante luta pela sobrevivência diante do mundo que os comprime cada vez mais. Sua deterioração se dá também na sua obrigação constitucional de defender a causa indígena e ao menos de reagir às ameaças que vêm ocorrendo sobre as terras indígenas e os direitos indígenas. Não adianta espernear e fazer firulas de contrariedade. A questão é ter força política e moral para se contrapor aos atos anti-indígenas e às ameaças aos direitos indígenas que crescem a cada dia no país. Ameaças do porte de invasões de terra e mudanças na Constituição para retirar as prerrogativas de identificar e demarcar terras indígenas.

O caso dos Pataxó Hãhãhãe, do sul da Bahia, é emblemático. Há 10 dias um grupo organizado de mais de 300 homens Pataxó tomaram uma grande quantidade de fazendas, disseram que mais de 60, situadas dentro dos limites de suas terras, as quais foram demarcadas em 1936, mas que não foram homologadas pelas invasões ocorridas na década de 1960, e pelo descaso com que o STF vem tratando a questão, já há 30 anos sobre as mesas de vários ministros. Pois bem, os índios estão nessas fazendas, a ameaça de conflito com fazendeiros e seus capangas é real, o governador do Estado da Bahia, Jacques Wagner, do PT, quer retirar os índios e transferi-los para não sabemos onde, e o STF procrastina na sua decisão. Uma comissão de índios vem sendo levado para cima e para baixo em Brasília sem que o governo tome providências. Empurra com a barriga, mais uma vez. E a Funai nem parece estar sendo consultada.

Basta vermos que, nos últimos três anos, nenhuma terra indígena nova foi efetivamente demarcada, e todas os grupos de trabalho criados para identificar terras indígenas resultaram em pouco mais do que propostas vãs. Criar grupos de trabalho virou a auto-ilusão da atual direção da Funai. Dizem que mais de 100 já foram criados, mas resultado que é bom, nada. Só para comparar: no primeiro governo Lula, (no qual tive a honra de presidir o órgão) foram demarcadas 51 e homologadas 67 terras indígenas; neste segundo governo e no primeiro ano do governo Dilma, apenas cinco terras foram demarcadas e 21 homologadas. O pior é que as terras já identificadas em outras administrações passadas estão paralisadas, sofreram retrocesso ou estão com seus processos em grave crise judicial. A estratégia e as táticas de demarcação da direção atual do órgão, junto com a leviandade de seus apoiadores é que levaram a essa situação paralisante e calamitosa.

O fim das demarcações, tal como foram feitas até agora, pelo método rondoniano, parece estar à vista de todos, engane-se do contrário quem quiser. O altíssimo custo desse legado vai pesar sobre aquelas populações indígenas que tiveram a visão de que poderiam retomar terras perdidas por invasão ou por terem sido deslocados; suas visões e aspirações viraram ilusões e decepções.

O caso Guarani do Mato Grosso do Sul é o mais evidente pela tragédia que afeta os índios e pela tragicomédia que vem sendo criada pelas ongs e pela ala católica. Em 2008 a Funai foi instada por pressão do Ministério Público a criar cinco GTs para reconhecer terras guarani em vinte e tantos municípios daquele estado. O coordenador desses grupos de trabalho, um antropólogo que há 40 anos vive exclusivamente de fazer consultoria e projetos para os Guarani, desceu esbaforido em Campo Grande para anunciar que a Funai e seus GTs iriam demarcar cerca de 800.000 a 1.000.000 de hectares no cone sul daquele estado. E pronto! A reação veio borbulhante e impiedosa, da parte dos fazendeiros, dos políticos locais e nacionais e do seu representante-mor, o governador do estado. Nenhuma terra foi estudada e nenhuma veio a ser minimamente identificada para se levar um processo de demarcação adiante. Pior: mesmo aquelas terras já em processo de demarcação sofreram retrocesso jurídico e político e voltaram à estaca zero. No Mato Grosso do Sul, os Terena, cujas áreas de terras são igualmente mínimas, sofrem iguais prejuízos provocados por bazófias e ilusões criadas por ongueiros.
Prevalece na Funai e no indigenismo oficial e ongueiro um clima de guerra perdida e terra arrasada. Não há mais resistência aos desmandos perpetrados, e a desorientação é geral. Os índios não sabem a quem pedir ajuda e assistência, e nem sabem mais como protestar. E se protestar, mesmo com astúcia, são repelidos, enrolados e depois relegados ao esquecimento. São chamados para conversar em Brasília e lá nada acontece. Suas vidas agora dependem de gente de toda estirpe, de ongueiros a fazendeiros, de vereadores e prefeitos locais a agências internacionais. Apelam agora até para deputados e senadores de direita, que os escutam com ar de surpresa, fingindo que os irão ajudar.

A Associação Brasileira de Antropologia permanece abúlica, em santa calmaria, a esperar algum acontecimento novo. Não quer se dar conta de que a política indigenista brasileira, que demarcou 13% do território nacional para os povos indígenas, está sendo mal dirigida exatamente por aqueles que sempre foram contra o indigenismo rondoniano. Protesta contra fazendeiros e madeireiros, contra hidrelétricas e estradas, até contra o governo federal, democrático e de esquerda, em vão, sabe muito bem, mas deixa que a Funai seja destroçada e aniquilada por políticos e fazendeiros, e por burocratas, alguns antropólogos jejunos e irresponsáveis e incautos aprendizes de indigenismo que dela se apossaram.

Não sei se o governo Dilma Rousseff tem alguma lucidez a respeito do que está acontecendo. Talvez esteja apostando no caos para a questão indígena. Mas a presidenta tem que saber que o caos para os índios é momento de aproveitamento e oportunismo para seus inimigos. Terras, saúde, educação, futuro, tudo está em jogo para os índios. Seria uma vergonha nacional inominável se o caos se instalar. Por enquanto as instituições funcionam mal e mal. Os índios pagam por isso. Mas o preço pode vir a ser muito mais caro no futuro próximo.
 
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