terça-feira, 28 de setembro de 2010

Duas enquetes em votação

Aí estão ao lado duas enquetes:

A primeira enquete pergunta sobre quem seria o melhor presidente para os povos indígenas. É uma enquete que termina no sábado à noite e pretende dar uma ideia sobre quem os participantes deste Blog estão pensando em votar, tendo em conta o que cada um poderia fazer pelos povos indígenas. Como todos podem imaginar, há pontos positivos e pontos negativos em cada opção.

A Dilma Rousseff, por exemplo, pode significar a continuação do que está aí, porém com alguma mudança, talvez mais seriedade com a Funai, ou, ao menos, mais respeito aos povos indígenas. Ou pode passar o trator com mais força ainda sobre os licenciamentos do PAC.

José Serra pode significar uma mudança radical na Funai, não sei se para pior ou melhor. Se seguir a tradição de FHC, vai terceirizá-la ainda mais, talvez até estadualizar a questão indígena mais ainda.

Marina Silva tem um histórico de relacionamento próximo com povos indígenas, acompanhou de perto a minha gestão e ajudou em muitos aspectos. Mas, vem acompanhada das ONGs paulistas e do comportamento gerencial que seu pessoal desenvolveu no MMA. Não disse um piu quanto à reestruturação da Funai, por exemplo, mesmo sabendo do que estava acontecendo.

Plínio Sampaio está mais para vovô bom-moço, não há o que prever o que ele faria.

Enfim, estas são minhas opiniões em poucas palavras. As opções são difíceis. Escolha seu candidato pelo que você achar melhor, e faça seus comentários à vontade.


A segunda enquete é mais persistente e de certa forma até mais importante, e vai ficar mais tempo no Blog. Ela faz uma pergunta contundente, a qual raramente se pergunta, e da qual quase todos querem fugir: o que os índios deveriam fazer diante dos empreendimentos que estão vindo para a Amazônia e para perto de suas terras, em muitos casos afetando-os diretamente, em outros indiretamente?

As opções de resposta são simples e decisivas. Sua opinião é muito importante para balizar a visão deste Blog.

Aproveitem e votem com consciência!

segunda-feira, 27 de setembro de 2010

40 famílias Pankararu tiveram suas casas incendiadas em São Paulo

Este Blog e todos seus participantes gostariam de transmitir aos Pankararu que vivem em São Paulo sua solidariedade pelo sofrimento que estão passando ao sofrerem o incêndio que destruiu suas residências em São Paulo.

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INDÍGENAS NO INCÊNDIO DA FAVELA REAL PARQUE: Cerca de 40 famílias indígenas foram atingidas

Por racismoambiental, 25/09/2010 14:26
Foto 02
Vanessa Ramos*
De um lado, a favela do Real Parque com muitas habitações precárias. De outro, a Ponte Estaiada e condomínios de luxo. Um dos lados exige condições dignas de moradia e sobrevivência, enquanto outro prefere a preservação daquilo que tem sido um cartão-postal dentro da cidade de São Paulo incitando, inclusive, o mercado imobiliário.
Mas apenas um lado sofre nesse momento. Um incêndio atingiu a favela do Real Parque, na zona sul de São Paulo, na manhã da sexta-feira (24/09). No local que era conhecido pelos moradores como alojamento da Rocinha, viviam cerca de 300 famílias, em um número aproximado de 1.200 pessoas, conforme informações da subprefeitura do Butantã.
Foi grande o desespero das pessoas no local e o fogo se alastrou rapidamente nos barracos construídos em madeira e em alvenaria. A maioria dos que viviam no alojamento estavam trabalhando no momento e, ao receberem a informação, correram para socorrer pessoas da família e algum objeto que pudessem resgatar. Não se conhece a causa do incêndio, mas, de acordo com informações, não há mortos no local.  
Poder Público
A Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), a Defesa Civil Municipal, o Cras (Centro de Referência de Assistência Social) e a Subprefeitura do Butantã estiveram reunidos no local com moradores e lideranças do Real Parque. Conforme moradores locais, estas representações do poder público explicaram que em um primeiro momento iriam cadastrar as famílias que perderam as moradias.
Num segundo momento, distribuiriam um kit básico com cobertores, alimentos, colchões e outros itens básicos. Além disso, afirmaram não poder fazer nada imediato para abrigar as famílias. Apenas a partir dos dias 28 e 29 de setembro falariam com as famílias, ofereceriam uma bolsa aluguel no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais), provisoriamente por doze meses. Segundo consta, dar-se-á início a construção de conjuntos habitacionais, mas, não foram apresentas datas previstas.
Na reunião, foi alegado por membro da comunidade que as pessoas não poderiam dormir na chuva. Mesmo assim, a partir das 19h00, representantes do poder público fecharam o Projeto Comunitário Casulo, obrigando as famílias desabrigadas a buscarem apoio e abrigo de outras casas na favela. Muitos moradores ofereceram suas casas para famílias que estavam até mesmo com crianças de colo. No final da noite, informou-se que o poder público entregou colchões, cobertores e alimentos para as famílias.
Famílias Indígenas
Das cerca de 300 famílias atingidas, aproximadamente 40 famílias são indígenas Pankararu, sendo uma média de 180 indígenas desabrigados. O povo Pankararu é originário do estado de Pernambuco e começou a migrar para São Paulo já na década de 1950, lutando há anos, na metrópole paulista, por melhores condições de sobrevivência e permanente reconhecimento de sua identidade.
Maria Lídia da Silva, Pankararu, agente de saúde e vice-presidente da Associação SOS Pankararu conta que a situação a deixou desesperada vendo o estado caótico que estavam as famílias tentando recuperar o que fosse possível. No momento, viu muitos alunos de uma escola próxima incontrolavelmente, pressionando e saindo do portão escolar em busca de suas famílias. “Espero que nunca mais em minha vida eu veja uma situação como essa de meus parentes sofrendo tanto”, relata.
Para Maria das Dores, Pankararu e presidente da Associação SOS Pankararu, “o governo do Estado não toma providências cabíveis às minorias comunitárias. Não existe diálogo claro que garanta o entendimento da comunidade”. Para ela, a comunidade não acredita nas propostas públicas, pois, não se apresentam garantias no que é dito. “Não apresentam melhorias nas condições de moradia e habitação”. A líder indígena aponta que a comunidade Pankararu, há mais de 20 anos vem solicitando uma área territorial própria que os prive dessas condições humilhantes e desumanas.
Apelo
A liderança Ubirajara Ângelo de Souza, indígena Pankararu, diz que as pessoas já viviam precariamente sem rede de esgoto, com falta de saneamento básico. “Isso tudo por falta de moradia e porque muitos governantes não ligam para o ser humano, especialmente para nós que somos indígenas”.
Ele afirma que as situações se repetem. Isso é visto tanto no Real Parque, zona sul, como na zona leste de São Paulo onde há muitas famílias Pankararu vivendo em áreas de risco e buscando apoio e moradia através  do poder público, para o atendimento específico a indígenas que vivem em áreas urbanas. “Nós não vendemos terra nenhuma a ninguém. Hoje nós pedimos um pedaço de terra e somos tratados de maneira indigna. Onde estivermos, seja em qual território brasileiro for, somos índios. A quem temos que pedir terra, se somos donos dessas terras que foram invadidas?”, reflete indignado.
Mesmo na situação de miséria e de descaso público, esse povo indígena vem fortemente garantindo os seus usos e costumes tradicionais, “independente das más condições de vida que possuem nessa cidade, dentro dessa favela”, aponta Dores.
Para muitas famílias, é desmoralizante observarem a contradição luxuosa, do outro lado da favela, na região onde vivem. Se no fim da década de 50, migravam de sua aldeia por causa da seca e de conflitos com invasores, hoje lutam na cidade contra a especulação imobiliária, por respeito aos povos indígenas que vivem em áreas urbanas, por condições dignas de sobrevivência na metrópole e por uma atuação rápida e séria do poder público.
* do Conselho Indigenista Missionário, na Grande São Paulo.
25 de setembro de 2010.
AS FAMÍLIAS NESSE MOMENTO PEDEM APOIO E DOAÇÕES
É PRECISO MUITA SOLIDARIEDADE
CONTATOS DO REAL PARQUE
Dora (liderança indígena Pankararu) – Tel.: 8156-7367
Paula (Favela Atitude) – Tel.: 9838-5904
Cris (Favela Atitude) – Tel.: 7503-4948

O ET do indigenismo brasileiro e seu servilismo basal

Nos anos em que fui presidente da Funai, o então deputado federal pelo Rio de Janeiro, Lindbergh Farias, despontou, em busca de uma bandeira para aparecer no panorama político, com uma autêntico porta-voz dos fazendeiros que tinham invadido a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, ao se apresentar contra a homologação daquela terra indígena.

O ínclito deputado dizia que demarcar terras indígenas nas fronteiras enfraqueceria o Brasil diante dos seus vizinhos, e propunha uma lei que excluísse a demarcação de terras indígenas numa faixa de 10 km da fronteira.

Diante do inusitado da proposta e da sua inconstitucionalidade, chamei o deputado de "o ET do indigenismo brasileiro". E, em uma das várias reuniões convocadas pelo presidente Lula para discutir a viabilidade da homologação da T.I. Raposa Serra do Sol, o deputado se queixou amargamente ao presidente Lula, na frente de todos os presentes, que eu o havia chamado de ET do indigenismo. É claro que Lula deu uma gaitada que contaminou a reunião e disse para o Lindbergh ficar na dele.

Pois bem, Lula assinou o decreto de homologação de Raposa Serra do Sol no dia 15 de abril de 2005.

Lindbergh é hoje candidato a senador pelo Rio de Janeiro e vai se eleger, de acordo com as pesquisas, graças ao apoio dado pelo presidente Lula. Veja aqui uma de suas propagandas mais emocionais, a qual está sendo veiculada pela mídia eletrônica como o máximo do servilismo político. Ele é ET até no servilismo político!

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quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Drops indigenistas -- 17

1. É pur se muove -- E ainda assim se move -- Esta é a frase que Galileu Galilei pronunciou, sussurando entre-dentes, após ser condenado pela Igreja Católica e se retratar de sua visão de que a Terra se move ao redor do sol, e não o contrário. Esta frase tem permanecido como símbolo da persistência da verdade, independente dos poderes que tentam suprimi-la.

Do mesmo modo, os índios podem muito bem estar sentindo a mesmíssima coisa ao participar dos seminários de explicação apresentados pela atual direção da Funai sobre o famigerado Decreto 7056/09, seminários que tentam persuadi-los de que o desmonte da Funai é uma excelente medida para todos. Sabem eles que o que está acontecendo é uma brincadeira de mau gosto, que é um dia acabará, e as coisas poderão tomar o rumo certo.

As fotos que a Funai tem postado em seu site mostram os olhares vazios dos participantes, próprios de quem vê tudo com indisfarçada indiferença e ceticismo. Mirem o rosto do cacique Nailton Muniz, na matéria sobre o sul da Bahia! Já o indefectível Akyaboro sempre é citado justificando o decreto ao falar que a Conferência Nacional dos Povos Indígenas havia pedido a reestruturação da Funai e que portanto o que está sendo feito tinha que ser feito, é o esperado, o que todos querem. Nem ele acredita nisso!


2. Semana passada os índios Potiguara, da Baía da Traição, PB, retiveram contra suas vontades, na Aldeia São Francisco, sete funcionários da Funai que lá estavam para dar um curso sobre gestão territorial. Mais um curso para movimentar os técnicos da Funai e liberá-los de Brasília. Os líderes potiguara disseram que só os liberaria se o presidente da Funai viesse falar com eles e se comprometesse a recriar sua administração regional. Nada disso aconteceu. Logo em seguida, arrefeceram a demanda e aceitaram uma vaga promessa de que uma unidade gestora iria ser instalada para eles. E aceitaram passivamente a ser assistidos pela Administração Regional de Maceió, mais longe do que a de Fortaleza, porque os índios do Ceará protestaram contra a suposta aleivosia de serem considerados mal assistidos.

Meio fraco para tanta determinação inicial. Que houve, pessoal?


3. Os novos concursados da Funai estão sendo nomeados para as administrações onde foram lotados. Têm até o dia 5 de outubro para serem empossados. Alguns deles foram meus alunos. Desejo a todos boa sorte, e espero que façam força para não deixar a peteca cair.

Do último concurso que aconteceu em 2005, 60 jovens universitários foram nomeados, mas, devido ao baixo salário, muitos deles fizeram concurso para outros órgãos públicos e saíram. Restam uns 25 dos originais que se tornaram indigenistas por seus méritos e não deixaram a peteca cair.


4. Notícias de Altamira informam que está começando a chegar pessoas de todos os tipos para os trabalhos de construção da Usina Belo Monte. Muita gente da cidade está preocupada, a carestia toma conta dos produtos alimentícios, o medo do dilúvio de águas e gentes campeia.

Enquanto isso, a Funai extinguiu a gloriosa administração regional de Altamira, em cujas hostes trabalhavam pessoas como Afonsinho, Benigno Marques e Caetano, por simples despeito de pessoas da atual direção do órgão. Lembrem-se que Afonsinho fez o contato com os dois grupos Arara do rio Iriri. Do primeiro grupo, por extravagância de um sertanista da época, morreram vários por conta de uma epidemia de gripe contraída quando 30 Arara foram levados para serem exibidos em Altamira; do segundo grupo, cuidado por Afonsinho, ninguém morreu. Só isso já seria motivo de glória indigenista.

Em Altamira agora existe uma Frente Etno-ambiental supostamente para cuidar dos índios isolados e de recém-contato. Sem qualquer experiência diante do dilúvio iminente. Os índios estão ficando revoltados com o pouco caso que recebem do seu dirigente atual.

A avalanche e o dilúvio que cairão sobre Altamira estão sendo subestimados pela atual direção da Funai. Só muita ranzinzice e irresponsabilidade para deixar a situação como está e fingir que a reestruturação lá implantada é uma beleza.


4. A questão da saúde não está equacionada. Quando será? A nova secretaria de saúde indígena, que promete fazer o que a Funasa não fez, de ser mais decente para com os índios, ainda não foi implementada.

Os índios Kaingang de Chapecó se revoltaram esses dias por conta do atendimento precário à sua saúde, e protestaram fechando duas rodovias no oeste catarinense. Precisou dois dias para serem persuadidos a abri-las, com promessas de remédios e viaturas a serem acertadas em reunião em Florianópolis.


5. É curioso que nas duas enquetes recentes feitas por esse Blog, perguntando sobre quem poderia ser melhor presidente do Brasil para com os índios, Dilma Rousseff, a candidata da situação, ainda com condições de ganhar no primeiro turno, ficou atrás dos dois oposicionistas principais. Por que será?


6. A Funai renovou três portarias de estudos para demarcação de terras indígenas no Mato Grosso do Sul, aparentemente com os mesmos antropólogos. Quisera que não deitassem falação por aí, exibindo-se e criando anti-corpos anti-indígenas, como fizeram há três anos.


7. Parece que este ano nenhuma terra será demarcada. Que paralisia! Até o CIMI anda fazendo reclamações! Inclusive daquelas cujas portarias foram revogadas. Que papel feio, gente !


8. O segundo mandato do presidente Lula vai passar como o mais anti-indígena dos últimos anos. Ao menos o mais ineficiente de todos. O mais embrulhador aos índios de todos.

Em termos de demarcação de terras, uma vergonha. Não mais que 20 terras indígenas foram homologadas, aliás, todas elas que já haviam sido demarcadas em administrações anteriores.

O pior conjunto de normas e ordens já produzido por um tribunal superior, o próprio STF, que redefiniu os termos de demarcação de terras indígenas.

O esquartejamento da Funai, com prejuízo não só para o órgão, mas para os índios e para a tradição indigenista rondoniana, de cunho federal, que tem sido responsável não só pela assistência, mas também pelo respeito, pouco que seja, mas real, que as populações vizinhas dedicam aos índios.

E as maiores traições já perpetradas, desde os tempos dos militares, aos índios. Promessas nunca cumpridas, reuniões sem sentido. Não só foram licenciados inúmeros empreendimentos sem a devida consulta aos índios, como não se conseguiu indenizações e recompensações à altura dos impactos. Vide Belo Monte.


9. Aliás, considerando que esses empreendimentos já estão sendo efetivados, sem volta, seja com a Dilma, seja com o Serra ou a Marina, apesar de todos os protestos que já aconteceram, é preciso que os índios sejam recompensados devidamente, que virem participantes dos empreendimentos.

Digo com convicção e faço disso minha proposta: que os índios se tornem, por direito, participantes do desenvolvimento que se fizer ao rededor de suas terras indígenas, não só com vistas a protegê-los, assisti-los e indenizá-los, mas também para que eles participem efetivamente dos benefícios e lucros!

Caso contrário, eles agora estarão à mercê de pequenos projetos, enganações criadas por empresas e por gente que não pensa o futuro. O paroxismo dos protestos não faz mal a ONGs que vivem disso e têm seus próprios recursos obtidos de fora do país. Mas os índios são os habitantes que vão sofrer, mesmo com protestos, porque a avalanche chegou. Quem, em sã consciência, acha que Belo Monte não irá acontecer? Ou Santo Antonio e Jirau retroceder? Ou Estreito e Marabá não serem licenciadas? Ou as hidrelétricas do rio Teles Pires não serem leiloadas este ano ou no máximo em 2011?

Haja visto o que está acontecendo com os Xavante das terras indígenas de São Marcos e Sangradouro em relação a duas hidrelétricas que Furnas pretende fazer no rio das Mortes. O que será dos Xavante dessas regiões com tanto rebuliço e tanta enrolação por parte das pessoas que estão fazendo os estudos? Que clareza têm os Xavante sobre esses dois empreendimentos? Quem os auxiliará a recusá-los, ou deles participar?

Em outras palavras, a problemática da questão indígena brasileira não é para amadores, emergentes e adventícios do indigenismo.

O presente já está comprometido com as medidas neo-liberais, anti-Funai  e anti-rondonianas que vêm sendo aplicadas. E o futuro, com a Funai despedaçada, com os índios sem um órgão com dignidade para estar ao seu lado, com tudo que vem por aí, quem haverá de ajudar os índios nessa travessia?

Resultado de Enquete: Em qual candidato você votaria por suas propagandas

No curso espaço de três dias, 43 participantes votaram em candidatos a presidente da República de acordo com as propagandas apresentadas abaixo. Eis o resultado:

Dilma -- 9 votos

Serra -- 20 votos

Marina -- 14 votos.

A disputa está estranha!

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

Uma pausa para a política eleitoral: escolha o melhor video para votar



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quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Cacique Pataxó conclama índios a protestar contra Reestruturação da Funai

Em Carta Aberta aos Povos Indígenas o cacique Nailton Muniz Tupinambá, descendente dos povos indígenas Tupinambá e Pataxó Hãhãhãe, conclama seus patrícios do Brasil inteiro para protestar contra o atual decreto 7506/09, que desestruturou a Funai.

Do alto de sua longa experiência de lutas a favor do reconhecimento das terras dos Pataxó e Tupinambá, Nailton declara que vê com apreensão o decreto presidencial que acabou com diversas administrações regionais da Funai, inclusive postos indígenas, os quais foram, no papel, mas não na prática, substituídos por anódinas coordenações técnicas locais.

Nailton Tupinambá usa a palavra "genocídio" para caracterizar o que vem acontecendo na Funai com essa tentativa de enfraquecer o poder federal na defesa dos povos indígenas.

Nailton diz em sua Carta Aberta que participou da reunião que intencionava explicar essa desestruturação e que se sentia triste por ver alguns parentes de acordo com esse decreto. Daí a razão de sua carta aberta.

Nailton é um líder reconhecido entre indígenas do Brasil inteiro e suas palavras terão repercussão grande daqui por diante. É cada vez mais provável que os demais povos indígenas do Nordeste comecem a organizar-se mais solidariamente contra o que está acontecendo na Funai em decorrência do domínio das ONGs e de uma visão de política indigenista maquiavélica e anti-rondoniana.

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Carta Aberta aos Povo Indígenas - Conferencia Indígena Nacional

nailton muniz tupinambá hã hã hãe 222x300 Carta Aberta aos Povo Indígenas   Confêrencia Indígena Nacional
Nailton Muniz Tupinambá Hã hã hãe Posto Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu de Pau Brasil, Bahia
Carta Aberta aos Povo Indígenas
Posto Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu, 13 de Setembro de 2010
Parentes indígenas,
Eu, Nailton Muniz Tupinambá Hã hã hãe um dos caciques do Posto Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu de Pau Brasil, Bahia, tenho como o compromisso de avisar a todos os parentes indígenas do Brasil que participei do Seminário da implantação das coordenações Técnicas Regionais e Coordenação Técnicas local, fiquei muito triste em saber que alguns dos nossos parentes está de acordo.
Pois eu considerei como genocídio dos povos do Brasil por que quando acabou o SPI (Serviço de Proteção ao Índio) veio Superintendência Regional, onde retalhou a FUNAI retirando os seus poderes, tempo depois tornou–se enfraquecer e foi criado a administração regional, e hoje tornou enfraquecer, e estão criando coordenação regional CTLCOCAL que isso é o fim da picada quando a condenação enfraquecer aí vem a emancipação dos índios e aí todos vai ser entregue a comunhão nacional, por isso eu peço a todos os meus parentes que vamos somar as forças contra o extermínio dos povos indígena pedindo a realização de uma Conferencia Indígena Nacional para discutirmos essa trajetoria e exigir a criação do Ministério Indígena para que possamos respirar, por que a coordenação acaba a presidência da Funai e as terras indígenas passa a será responsabilidade do estado e isso não é bom para os povos.
A partir do momento que todos seja contra essas coordenações não tem como elas virarem lei por isso. O Cacique Nailton Muniz Tupinambá Hã hã hãe  pede a compreensão para a realização desta Confêrencia e somente juntos poderemos reverter essa situação.
Nailton Muniz Tupinambá Hã hã hãe
Posto Indígena Caramuru Catarina Paraguaçu de Pau Brasil, Bahi




Web Brasil Indígena

Anápuáka Muniz Tupinambá Hã-hã-hãe (Etnia Tupinambá)

TI Caramuru Catarina Paraguassu - Aldeia Água Vermelha / Pau Brasil - BA
Coordenador- Web Brasil Indígena
TIC e Agente Cultural Indígena
Representante Suplente da Região Sudeste do Colegiado Setorial de Cultura Indígena / Ministério da Cultura - Conselho Nacional de Política Cultural - CNPC 

Sites:
www.webbrasilindigena.org
www.academico.webbrasilindigena.org 
www.aldeia.webbrasilindigena.org

MSN:erickmuniz@ig.com.br
Gtalk: anapuakamuniztupinamba@gmail.com
Skype:anapuakamuniz
Emails: anapuakamuniz@webbrasilindigena.org /contato@webbrasilindigena.org /anapuakamuniztupinamba@gmail.com
Tel/Cel: +55(21)8803.5550 / 9587.3732

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Potiguara querem sua administração de volta

Os site indígena Indiosonline, que tem trabalhado arduamente para desenvolver uma linguagem de video com valores indígenas, produziu o video abaixo em que apresenta as falas de algumas das principais lideranças Potiguara sobre a questão da reestruturação da Funai.

Ao que tudo indica, os Potiguara ainda esperam da atual direção da Funai alguma atitude positiva no sentido de reaver a sua administração de João Pessoa. Para tanto, só mudando o decreto 7506/09, ou retirando a administração do Ceará e realocando-a de volta para os Potiguara. Isto significaria puxar o cobertor de um para cobrir outro. Péssima política.

Amanhã uma comissão da Funai desembarca em João Pessoa para entabular as negociações sobre a mudanças na reestruturação da Funai.

Em que sentido será esse negociação? Os Potiguara abrirão mão de sua reivindicação, ou firmarão posição até o fim? Haverá nova retirada diante de mais uma enrolação, ou os Potiguara têm carta na manga para negociar uma mudança do decreto presidencial?

E como ficarão os demais GTs programados para convencer os índios das benesses do famigerado decreto? Quem serão os próximos funcionários da Funai a servir de boi de piranha?

Resultado ainda imprevisível. Quem quiser que adivinhe!

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Resultado de Enquete: Qual presidente seria melhor para os povos indígenas?

O resultado dessa enquete, que teve 236 votos, foi:

Marina Silva teve  109  votos que computaram, em números redondos, 46% do total
José Serra teve         59 votos                                                                                       25%
Dilma Roussef          48 votos                                                                                       20%
Plínio Sampaio         20 votos                                                                                         8%

Era de se esperar que Marina Silva fosse vista como a candidata com a maior simpatia pela causa indígena, na opinião dos participantes desse Blog. O fato da Dilma Roussef apresentar uma porcentagem mais baixa que José Serra indica talvez a visão negativa dos participantes com a atitude atual da presidência da República e da Funai em relação à causa indígena. Aparentemente espera-se pouca mudança na política indigenista da candidata da Coligação Petista. E o Plínio Sampaio auferiu simpatias mesmo sem jamais ter declarado uma frase sobre índios em toda sua vida. É o desespero...

De qualquer modo, repetiremos essa pequena enquete nos últimos cinco dias antes da Eleição.

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Direto da Paraíba: Índios Potiguara jogam pesado para reaver sua Administração

Quem disse que os Potiguara não tinham postura de guerreiros determinados, depois do debâcle da tomada da Funai em janeiro deste ano, quebrou a cara.

A atual direção da Funai criou diversos GTs com seu pessoal mais leal e mandou-os para diversas áreas indígenas para convencer os índios de que o Decreto de Reestruturação 1750/2009, que cortou pelo meio a Funai, era bom para todos. Contratou uma empresa para organizar as viagens de apresentação, cujo valor do contrato saiu no DOU como sendo de  17 milhões de reais, mas logo surgiu uma revisão para cerca de R$1,77 milhões. Difícil saber qual o valor real, nessa altura do campeonato.

Iniciaram as reuniões semana passada, começando por Eunápolis, sul da Bahia, e Palmas, em Tocantins. Com os Pataxó conseguiram passar por cima sem sobressaltos, não se sabe como; deslizaram em Palmas com os Krahô e Xerente, Tapirapé e Xambioá, apesar dos discursos de protesto, porém sem a presença de um único índio sequer do Maranhão. Mas, ao chegar na Paraíba, a coisa mudou.

Os Potiguara da Baía da Traição, que haviam sido protagonistas da tomada da Funai, em janeiro de 2009, e logo em seguida tinham se retirado e abandonado o barco da rebelião convencidos pela atual direção da Funai que iriam ganhar umas sobrinhas do Decreto, se bem que não mais sua Administração Regional, agora se abespinharam e partiram para a boa luta, pela boa vingança.

Detiveram toda a turma que veio de Brasília para essa ingrata e inglória tarefa de convencê-los e ainda alguns mais que estavam de reboque.

O coordenador-geral de desenvolvimento comunitário, Martinho, a coordenadora-geral de licenciamento ambiental, Marcella Nunes, a coordenadora de terras indígenas, Thais Gonçalves, todos de Brasília, e mais o veterano indigenista Benedito Rangel, deslocado de Manaus para essa tarefa (será que ele concorda com isso?) e o ínclito Nemézio, que vive aí mesmo na Paraíba, foram todos tomados de surpresa e levados da cidade da Baía da Traição para a Aldeia-mãe dos Potiguara, a gloriosa São Francisco.

Lá ficarão, comendo camarão frito e carambola, até que a atual direção da Funai reveja o decreto e retorne aos Potiguara sua administração, que, aliás, era reconhecida como das mais bem sucedidas. Assim prometem os Potiguara, unidos entre seus principais caciques e líderes, à frente o visionário Caboclinho, o destemido José Ciriaco e o conciliador Marcos Potiguara.

A notícia da nova rebelião potiguara se espalhou pelas comunidades indígenas. Os índios de Pernambuco, que não cacarejam em serviço, já estão se organizando. Por sua vez, os índios do Ceará, que tinham recebido uma administração, talvez para eles aceitarem as negociações para demarcação de terras na região, em substituição à extinta de João Pessoa, agora querem que os Potiguara sejam transferidos em seu atendimento para Maceió. Ora essa, como espezinhar os Potiguara numa hora dessas? Deviam vir em seu apoio!

Que será que vai acontecer?????

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Tensão: Índios exigem reabertura de unidade da Funai na PB em troca de reféns
Tensão: Índios exigem reabertura de unidade da Funai na PB em troca de reféns
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Madeireiros que exploravam em terras dos Cintas-Largas são presos

Finalmente algo foi feito para dar um basta na devastação de terras indígenas no oeste do Mato Grosso e leste de Rondônia, especialmente nas terras dos índios Cintas-Largas. Há anos havia um conluio entre algumas lideranças cintas-largas e madeireiros que cortavam e retiravam madeira a torto e a direito, deixando uma devastação imensa e umas migalhas aos Cintas-Largas.

Resta agora prosseguir nessa tarefa e ir até as terras indígenas dos Suruí e Zoró, em Rondônia. É preciso que atitudes firmes sejam tomadas para coibir essa prática e assim podermos entrar em outro clima de relacionamento entre povos indígenas e meio ambiente.

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Diário de Cuiabá

PF prende 12 no Nortão por extração

Alvo da ação de criminosos eram duas terra indígenas pertencentes aos cinta-larga, na região de Juína. Caminhoneiros e madeireiros são acusados



Conforme a PF, 3 mil ha em área indígena devem ser fiscalizadas na ação
DHIEGO MAIA
Da Reportagem

Nove caminhoneiros e três madeireiros estão presos por extrair, transportar e comercializar de forma ilegal madeira oriunda das terras indígenas de Serra Morena e Aripuanã, áreas que abrigam cerca de 800 índios da etnia cinta-larga. As prisões fazem parte da Operação Arco de Fogo, que mantém há dois anos efetivo de policiais federais e da Força Nacional de Segurança em regiões com recorrência de crimes ambientais. Tratores, maquinários e madeiras beneficiadas também foram apreendidos.

De acordo com o coordenador da Fundação Nacional do Índio (Funai) em Juína, Antônio Carlos de Aquino, a atividade madeireira ilegal nas reservas já é praticada há duas décadas. Um acordo com os indígenas é que possibilitou a realização da operação no local. “Só neste ano nós conseguimos estancar essa irregularidade quando mostramos aos índios que eles estavam perdendo e muito”, define.

Os madeireiros, segundo as investigações, iludiam os indígenas. Em troca de madeira extraída, eles davam cestas básicas. Algumas lideranças, como caciques, chegavam a ganhar pela madeira extraída. “Pelo metro cúbico da madeira, que custava R$ 600, os índios recebiam apenas R$ 15”, disse o delegado da Polícia Federal, Mário Luiz Vieira, que coordena a operação na região.

De acordo com o delegado, a madeira oriunda das terras indígenas só conseguia sair da região com destino aos mercados do Sul e Sudeste do país, com base em documentos “esquentados” que supostamente comprovavam que eram originárias de áreas de manejo florestal. Nos próximos dias, a Polícia Federal promete novas prisões na região.

De acordo com o chefe do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) de Juína, Luciano Cotta, a operação é complexa, já que a vida dos indígenas está em jogo. “Eles sofrem ameaças constantes por parte dos madeireiros e vivem em meio a muita miséria e dificuldades”, salienta. A área em que se concentra a operação era pertencente a Cacoal, município do estado vizinho de Rondônia. Só nos últimos dois anos, após intenso trabalho da Funai e outros órgãos, que a área passou a ser de responsabilidade de Mato Grosso, em especial da coordenadoria da Fundação instalada em Juína.

A operação Arco de Fogo já identificou três mil hectares de reservas indígenas localizadas entre Sinop e Juína que precisam ser fiscalizadas. Os presos devem responder na Justiça por furto de madeira pertencente à União, formação de quadrilha e crime contra o meio ambiente. Eles podem ficar presos por até quatro anos. 

terça-feira, 7 de setembro de 2010

A ciência do próximo: honra e glória a Rondon


A ciência do próximo

Movido pelos ideais do movimento positivista, Rondon fez de sua vida uma luta pela aceitação dos índios como legítimos brasileiros.

Por Mércio P. Gomes
Foto de Luiz Thomaz Reis/Acervo Museu do Índio
A ciência do próximo
Os parecis estão entre os primeiros povos pacificados no interior do Mato Grosso, antes mesmo da chegada de Rondon (acima, o sertanista distribui brindes aos índios, em 1913). Eles tornaram-se aliados do marechal, colaborando no contato com outras tribos e assumindo o controle de postos telegráficos
Era um dia quente de verão no Rio de Janeiro, em janeiro de 1958, quando Rondon estava às portas da morte, e a família mandou chamar Darcy Ribeiro. O antropólogo fora seu jovem e brilhante escudeiro durante nove anos, de 1947 a 1956, no Serviço de Proteção aos Índios (SPI). Juntos haviam concebido e construído o Museu do Índio e elaborado o projeto do Parque Indígena do Xingu, o qual transformou o indigenismo brasileiro - a partir daí, o Estado passou a reconhecer terras que eram alocadas aos índios como "territórios tribais". Com Darcy segurando suas mãos, Rondon rezou o credo do positivismo ortodoxo que aprendera, e ao qual fora fiel desde 1898: "[...] Creio[...] que, ao lado das forças egoístas, existem no coração do homem tesouros de amor que a vida em sociedade sublimará cada vez mais. Creio[...] que a missão dos intelectuais é, sobretudo, o preparo das massas humanas desfavorecidas, para que se elevem, para que se possam incorporar à Sociedade. Creio[...] que, sendo incompatíveis às vezes os interesses da Ordem com os do Progresso, cumpre tudo ser resolvido à luz do Amor [...]".

Cândido Mariano da Silva Rondon, nascido em Mimoso, ao sul de Cuiabá, descendente dos índios terena e bororo, não convivera com eles em sua infância nem na juventude. Provavelmente o fato de ter tido avós ou bisavós indígenas não teria sido razão de orgulho naqueles tempos e lugares. Na verdade, não havia motivos, digamos, emocionais para Rondon ser o defensor tão excepcional dos índios brasileiros. Aos 6 anos, já morava em Cuiabá e, aos 15, estava no Rio de Janeiro como aluno da Escola Militar. Foi aí que encontrou sentido em sua vida ao abraçar o positivismo como base filosófica e como princípio de fé. Pois a doutrina do positivismo religioso, criado por Auguste Comte no século 19 e instituída no Brasil pouco antes da proclamação da República, exortava como sua máxima virtude "Viver para outrem!", como um mandamento supremo da religião da humanidade.

No Brasil, a República aconteceu sem revolução, sem ao menos participação vívida da população. Entretanto, para aqueles que lutaram por ela ao longo de duas décadas, que nela projetaram a redenção do povo brasileiro, a República veio carregada de esperanças, de promessas de virtude, de compromissos transcendentais. Para os positivistas, ela chegou por razão histórica, pelo princípio da ordem das coisas.

Na Assembleia Constituinte de 1890-91, os positivistas apresentaram uma proposta inovadora para o federalismo brasileiro, pelo qual as terras indígenas seriam reconhecidas como "Estados autóctones americanos", diferentes dos "estados ocidentais", as províncias tradicionais do ex-Império do Brasil. A proposta dizia que as áreas autóctones teriam fronteiras reconhecidas, e por elas só se poderia passar com licença dos próprios índios. Seriam nações autônomas.

Assim, quando organizou o Serviço de Proteção aos Índios, em 1910, Rondon não somente tinha base filosófica do que deveria fazer como já havia experimentado e aplicado esses ensinamentos em sua lida com povos indígenas sem relacionamento com a sociedade. Desde 1890, Rondon passara a viver praticamente nos sertões do Mato Grosso (que, naquele tempo, compreendia os atuais estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Rondônia) espichando fios de telégrafo e abrindo estradas de rodagem, cumprindo a tarefa estratégica de integrar o Brasil. Acompanhado de estudiosos, o sertanista abriu à ciência um campo desconhecido de pesquisas e descobertas, mapeou rios e relevos, refez os traços das fronteiras geopolíticas.

Quando atacado por um grupo de nhambiquaras, Rondon proibiu que seus soldados revidassem ao ataque e os fez recuar, cumprindo a sina de "morrer se preciso for, matar nunca". Essa máxima virou o dístico do SPI e o cálice simbólico do indigenismo brasileiro ao longo dos anos. Muitos morreram nas mãos dos índios como se fossem mártires da humanidade.

Rondon conviveu com diversos povos indígenas, entre eles os bororos, terenas, cadiuéus, parecis, nhambiquaras, umutinas, no velho Mato Grosso, mas também com povos do Amapá, do Pará, do Amazonas e de Roraima. Viveu quatro anos em Letícia, na Colômbia, pacificando grave disputa territorial entre esse país e o Peru. Depois, a partir de 1938, renovou o SPI para consolidar sua obra indigenista. Chegou a ser indicado duas vezes para o Prêmio Nobel da Paz, uma delas por carta de Albert Einstein quando o cientista estivera no Brasil. Nenhum outro brasileiro teve vida tão intensa na labuta, tão dedicada a causas e tão fecunda nas realizações. Seus feitos são extraordinários, e se hoje não parecem visíveis é porque estão incorporados à ordem das coisas.

100 anos de Indigenismo Rondoniano passam em brancas nuvens

Pode ser que o 7 de setembro de 1822 tenha sido uma data meio fictícia, arranjada para valorizar Dom Pedro I, e não os brasileiros que se determinaram a fazer a Independência do Brasil, conforme artigo abaixo de Isabel Lustosa, mas o 7 de setembro de 1910 foi a data verdadeira da inauguração do Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais. E esta e sua herdeira constituem instituições das mais importantes já feitas pela Nação.

Com esse título, com o propósito de assegurar aos índios um espaço político e cultural dentro da Nação brasileira e de dar vez também aos pobres e desvalidos trabalhadores sem terra do Brasil, o presidente Nilo Peçanha e seu ministro da Agricultura criaram essa instituição que, por obra e graça e sacrifício de muitos brasileiros indígenas e não indígenas permanece até hoje como a representação do Estado brasileiro perante os seus povos indígenas. Cinco anos depois, tirou-se do SPI a incumbência de cuidar dos trabalhadores sem terra, e estes ficaram ao léu por longos anos, até se fazerem presentes nos movimentos da década de 1950.

Deveríamos todos nós estarmos comemorando essa data memorável. Todos nós, digo, o Estado brasileiro, o governo Lula, a Funai como sua principal instituição, bem como outras instituições que assistem aos índios, as entidades particulares chamadas ONGs e as missões religiosas, a Associação Brasileira de Antropologia, nós antropólogos e indigenisas -- e acima de tudo os povos indígenas brasileiros que sobreviveram ao holocausto de 500 anos que lhes foi imposto.

Ao invés, nada está acontecendo, nada acontece. Depois que não se reclame que brasileiro não tem memória. Porém digo que não é a falta de memória, pois muita gente sabe dessa data, e esse Blog não cansa de relembrá-la, mas sim, falta de vergonha e de responsabilidade histórica que atacou o indigenismo brasileiro atual e que a faz deixar passar em brancas nuvens.

O SPI  e depois a FUNAI são uma única instituição, uma a continuidade da outra, que não perdeu sua virtude original: servir de intermediação de favorecimento aos povos indígenas em suas relações inexoráveis com a sociedade nacional, em toda sua complexidade. Ajudar os povos indígenas a atravessar o seu Rubicão, seu maior desafio, que é sobreviver diante da avassaladora, às vezes violenta, quase sempre insidiosa, presença de uma civilização devastadora de povos e culturas. Essa tarefa suprema considero que tem sido realizada com muita dedicação e sacrifício por parte de muitos brasileiros, contra interesses das elites de sua Nação, aos trancos e barrancos, com erros e acertos, mas sempre com uma verve de destemor e visionarismo. Sabemos os quantos e muitos foram os sertanistas, auxiliares de sertanistas, mateiros, simples trabalhadores e índios que morreram tentando cumprir o mandato do Marechal Rondon: MORRER SE PRECISO FOR, MATAR NUNCA. Que ninguém faça pouco dessa injunção moral criada pelo sentimento mais alto do humanismo brasileiro!

O resultado, embora sofrido, não é desprezível. Hoje os povos indígenas detêm cerca de 13% do território nacional e estão em ascensão tanto demográfica quanto político-cultural. Embora haja discriminação nos municípios onde vivem, as instituições federais, especialmente a Constituição Federal, o Estatuto do Índio, o Convênio 169, da OIT, e a FUNAI continuam a dar-lhes garantia de que são reconhecidos como povos específicos e como cidadãos brasileiros.

Muita coisa precisa ser feita pelos povos indígenas. Há diversos povos indígenas cujas terras ainda não foram demarcadas e que por isso sofrem privações inomináveis. A má assistência à saúde continua penalizando a recuperação demográfica e o bem-estar das pessoas indígenas. A educação permanece um dilema e uma esfinge a ser decifrada, e pouco se faz sobre isso, e o que verdadeiramente se faz é pouco caso. (Mas este é um problema crônico brasileiro e que mantém o povo à margem dos seus direitos e de sua inserção na civilização mundial que tomou conta do país).

Entretanto, tudo que venha a ser planejado na área indigenista, para ser realizado tem que se basear na filosofia humanista e transcendental criada pelo Marechal Rondon e nos seus propósitos de respeito aos povos indígenas como nações autônomas que estão integradas à Nação brasileira. Integrados, vejam bem, como nações autônomas numa entidade maior, não assimilados! Essa visão humanista tem sido seguida por dezenas de homens e mulheres dos mais dedicados e brilhantes já dados pela Terra Brasil. Fora do indigenismo rondoniano o que vai prevalecer é o caos provocado pelos interessados espúrios, por uma gente aparentemente de boa fé que entretanto se perde em pendores ilusionistas e em messianismo os quais terminam por prejudicar ainda mais a situação dos povos indígenas a quem elas pretendem favorecer. Eis o que está acontecendo na realidade atual.

Por outro lado, alardeia-se que muitos povos indígenas não precisam mais da assistência do Estado brasileiro. Que o Estado brasileiro e a FUNAI e suas instituições é que os oprimem. Pelo menos é assim que discursam alguns dos porta-vozes de algumas associações indígenas bem como a maioria dos porta-vozes das ONGs e missões religiosas que os bafejam com suas ideias e projetos mirabolantes. Algumas associações indígenas estão tomadas por um discurso de auto-suficiência que, entretanto, não condiz com a realidade vivida por seus povos. Estão tomadas por uma retórica que lhes dão visibilidade no movimento social e os faz serem ouvidos pelo Estado, porém deixam vulneráveis os seus patrícios em suas terras. Essa retórica é que vem enfraquecendo a responsabilidade do Estado federal, que, por diversos meios, abre mão de sua responsabilidade rondoniana, como se fosse sem querer querendo, para dar força política e credibilidade social aos estados e municípios -- estes que são historicamente os principais interessados nas terras e na assimilação dos índios. Nesses últimos anos diversos estados criaram suas próprias instituições indigenistas, algumas com representantes indígenas à frente, com feições de boa fé. O quanto essa boa fé prevalecerá é questão de esperar. O que sabemos é que os índios americanos, que há muito anos têm suas próprias instituições e associações, empresas e iniciativas de negócios, não abrem mão da assistência federal, e não querem saber de ter sua educação ou sua saúde sendo tratadas pelos municípios e estados onde se situam suas terras. Já no Brasil, a retórica da desconcentração federal e da terceirização a ONGs e Igrejas fazem o indigenismo e os povos indígenas avançar um pouco mais para o precipício.

Por tudo isso, não se pode dizer que o indigenismo rondoniano esteja funcionando bem na atualidade brasileira. Ao contrário, neste momento conjuntural em que vivemos, os povos indígenas sofrem uma dura crise de identidade política em relação à FUNAI e as demais instituições que lhes assistem. As ONGs e as missões religiosas tomaram a tarefa de intermediação como sua por direito adquirido e fazem de tudo para que a FUNAI perca as condições para realizá-la. Curiosamente se encastelaram elas mesmas na própria FUNAI e dela não querem sair a não ser fazendo-a desmoronar. Há pelo menos 20 anos, desde o início do governo Collor, que as ONGs vêm tentando se tornar hegemônicas no indigenismo brasileiro com o poder adquirido às custas do despoder da FUNAI. E efetivamente desde o segundo mandato do presidente Lula, conseguiram-no. Eis a razão do desprestígio atual do indigenismo rondoniano.

Não sei quando essa situação vai se reverter. Mas, sem dúvida, ela se reverterá, seja por qual governo vier no próximo ano. O descalabro que os povos indígenas vivem os leva a resistir de muitas formas, e ainda que passivamente, a essa avalanche de desmandos, cujos resultados negativos já se fazem presentes desde 2008. Apesar da retórica presente na atual direção da FUNAI de demarcar terras a todo custo e a qualquer preço, como se fossem os donos da história, como se vivessem num vácuo político, esses últimos 3 anos e meio foram os mais pífios em demarcação de terras desde os tempos do ditador Garrastazu Médici. Em 2009 nenhuma terra indígena foi demarcada ou homologada. Em 2009 o STF, movido por um furor anti-indigenista hipocritamente ingênuo, re-escreveu a normatização de demarcação de terras indígenas e fez a atual direção da FUNAI e as ONGs acólitas engolir suas determinações. Neste ano de 2010 finalmente algumas terras vieram a ser homologadas pelo presidente Lula, mas três delas foram contestadas em juízo. Nenhuma terra nova foi demarcada. Fato inédito: quatro portarias demarcatórias foram suspensas pelo ministro da Justiça, uma delas assinada por ele mesmo! Por fim, um estrambólico decreto de reestruturação da FUNAI, que cortou a FUNAI em pedaços, foi assinado pelo presidente Lula, sem ele aparentemente conhecer do que se tratava, que causou protestos nunca dantes vistos no Brasil, inclusive a tomada da sede da FUNAI em Brasília por parte de mais de 700 índios vindos de diversas partes do Brasil, um conflito de bordunadas explícito entre índios, e oito longos meses de protesto permanente de índios em frente ao Ministério da Justiça.

QUE O ESPÍRITO DE RONDON NOS DÊ PACIÊNCIA E SABEDORIA PARA SUPORTAR ESSA SITUAÇÃO!

QUE OS ÍNDIOS RECUPEREM SUA DETERMINAÇÃO PARA TOMAR SEU DESTINO EM SUAS MÃOS!

QUE VIVA O INDIGENISMO RONDONIANO!

O 7 de Setembro de 1822, segundo Isabel Lustosa


terça-feira, 7 de setembro de 2010

A invenção do 7 de Setembro:: Isabel Lustosa

DEU EM O ESTADO DE S. PAULO
Quando se deu realmente a Independência do Brasil? Porque, quando consultamos os jornais de 1822, não há nenhuma referência ao que se passou nas margens do Ipiranga em 7 de setembro? Porque aquele episódio foi escolhido em detrimento de outros, quando sabe que, em 1822, a data tomada como marco da Independência foi o 12 de outubro, dia do aniversário de dom Pedro I e de sua aclamação como imperador? Essas e outras questões foram respondidas, em artigo de enorme valor acadêmico, porém pouco conhecido, publicado em 1995, pela historiadora Maria de Lourdes Viana Lyra, sócia titular do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.

Intrigada com o silêncio da documentação e das publicações do ano de 1822 sobre o 7 de setembro, Lourdes Lyra devassou essa história e estabeleceu ponto por ponto o processo e os interesses envolvidos na escolha do 7 de setembro como data da Independência. Um ponto que merece realce é que os documentos que supostamente dom Pedro I teria lido às margens do Ipiranga no dia 7 só teriam chegado ao Rio de Janeiro em 22 de setembro. Outro é que o primeiro relato detalhado do episódio do Ipiranga só foi publicado em 1826, em momento de desprestígio do imperador diante dos brasileiros que tinham feito a Independência e que se indignaram com as bases do tratado assinado com Portugal.

A Inglaterra, que representou junto à Corte do Rio de Janeiro seus próprios interesses e os da Coroa portuguesa, pressionara o imperador. Dom Pedro foi convencido a aceitar que, no tratado pelo qual Portugal reconhecia a nossa Independência, ao contrário de todos os documentos do ano de 1822 que a davam como uma conquista dos brasileiros, constasse que esta nos fora concedida por dom João VI. Este era também reconhecido como imperador do Brasil que abdicava de seus direitos ao trono em favor do filho e ao qual ainda tivemos de pagar vultosa indenização. O patente interesse de dom Pedro em conservar seus direitos à sucessão do trono de Portugal, que essa fórmula do tratado revelava, apontava no sentido de uma posterior reunificação dos dois reinos.

Um príncipe que se declarara constitucional, que desde o Fico (9 de janeiro de 1821) vinha sendo aclamado até pelos setores mais liberais, que rompera com Lisboa e convocara eleições para uma Assembleia Constituinte, tão amado que recebera da Câmara o título de Defensor Perpétuo do Brasil, fora pouco a pouco se convertendo num tirano. Primeiro, ao dissolver a Assembleia Constituinte, depois, pela forma violenta com que reprimiu a Confederação do Equador e, finalmente, pela assinatura do vergonhoso tratado.

É nesse contexto que a escolha do 7 de setembro como data da Independência ganha sentido. Segundo Lourdes Lyra, até então tinham sido consideradas as seguintes datas decisivas para o processo: o 9 de janeiro, dia do Fico; o 3 de maio, dia da inauguração da Assembleia Constituinte Brasileira; e o 12 de outubro, dia da Aclamação. Foi o esforço concentrado do Senado da Câmara (atual Câmara Municipal) do Rio de Janeiro, durante o mês de setembro de 1822, enviando mensagem à Câmaras das principais vilas do Brasil - num tempo em que eram as vilas e cidades as instâncias decisivas da política portuguesa -, que fez com que, na fórmula consagrada, constasse que dom Pedro fora feito imperador pela "unânime aclamação dos povos". Foi o apoio das Câmaras e de setores da elite e do povo do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Minas Gerais que deu forças ao príncipe para se contrapor às decisões de Lisboa.

Segundo bem demonstra Lourdes Lyra, a opção pelo 7 de setembro casava bem com a ideia de que a Independência fora obra exclusiva de dom Pedro e essa data foi estrategicamente escolhida para a assinatura do tratado de 1825. Foi a partir de então que começaram a surgir referências mais entusiásticas ao 7 de setembro no Diário Fluminense, que fazia as vezes de órgão oficial do governo, e, em 1826, esse dia foi incluído entre as datas festivas do Império. Essa obra in progress foi reforçada ainda naquele ano pela publicação do famoso relato do padre Belchior, a primeira descrição minuciosa dos fatos que se verificaram às margens do Ipiranga por uma testemunha ocular da História. Ao lado deste, dois outros relatos publicados bem mais tarde por membros do grupo que acompanhou dom Pedro a São Paulo passariam a ser a fonte privilegiada para o estudo da data.

O coroamento da obra se deveria ao Visconde de Cairu, intelectual respeitado que se conservou sempre aos pés do trono. Em sua História do Brasil, publicada em partes entre 1827 e 1830, Cairu afirma que a Independência do Brasil foi "obra espontânea e única" de dom Pedro, que a tinha proclamado "estando fora da Corte, sem ministros e conselheiros de Estado, sem solicitação e moral força de requerimento dos povos". Estava entronizado o mito do herói salvador, e postos na sombra os outros protagonistas, como José Bonifácio, Gonçalves Ledo e os membros de todas as Câmaras que impulsionaram e sustentaram o príncipe em suas decisões. Sem esse poderoso elenco de coadjuvantes, ao contrário do que afirma Cairu, não teria ocorrido a Independência.

É interessante como símbolos forjados a partir de circunstâncias fortuitas se podem transformar com o tempo. Prova de que na memorabilia pátria menos que os fatos importam o peso que a tradição lhes imprimiu. Foi assim, durante todo o Império com a Constituição de 1824. O gesto de sua criação - ela foi outorgada, e não resultou da deliberação de uma Assembleia - não impediu que ela fosse respeitada e sacramentada até muito depois da deposição de dom Pedro I. O mesmo se deu com o 7 de setembro. A data impôs-se sobre as demais, hoje esquecidas, e continuou a ser festejada com o mesmo entusiasmo depois da abdicação, em 7 de abril de 1831, e bem depois de proclamada a República.


Cientista Política pelo IUPERJ, é historiadora da Casa de Rui Barbosa no Rio de Janeiro

domingo, 5 de setembro de 2010

Tortura na Selva: Reportagem da ISTOÉ, Cláudio Dantas Sequeira


Tortura na selva

Militares do Pelotão de Fronteira, no Amazonas, são denunciados por terem espancado e amontoado índios numa jaula para onças, durante investigação de tráfico

Claudio Dantas Sequeira
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DENÚNCIA
O Ministério Público Federal diz que índios foram submetidos a tratamento
desumano pelo Exército brasileiro e pede condenação de quatro militares 
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Uma espécie de Abu Ghraib parece ter se materializado no meio da selva amazônica. A sede do 3º Pelotão Especial de Fronteira do Exército é acusada de ter sido palco de crueldades semelhantes às praticadas nos porões da masmorra iraquiana, famosa depois da divulgação de fotografias de torturas impostas por soldados americanos a prisioneiros islâmicos. No caso brasileiro, as vítimas foram 12 índios. Presos por militares metidos numa investigação policial sobre tráfico de drogas, os indígenas relatam os horrores a que foram submetidos. “Nos colocaram numa gaiola de ferro e lá ficamos como animais”, contou Brígido Mariano Garrido, morador da comunidade de Uarirambã, a 320 quilômetros de São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. A gaiola era uma jaula de ferro para onças. “Um de meus colegas apanhou como se fosse um cachorro”, denunciou Fredy Sanches Amâncio, que foi obrigado a permanecer por quase duas horas deitado com o rosto no chão, sob a mira de um fuzil.
Esses e outros testemunhos de mais cinco índios foram anexados a um relatório encaminhado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (FOIRN) a autoridades em Brasília e no Amazonas. A Justiça Militar entendeu que não tem competência para julgar o caso. Mas o Ministério Público Federal, depois de investigação preliminar, acaba de oferecer denúncia contra quatro militares. Na opinião do procurador Silvio Pettengill Neto, responsável pela ação, “a conduta dos denunciados amolda-se à prática de tortura”. Segundo ele, os sargentos Leandro Fernandes Rios de Souza, Ramon da Costa Alves e Walter Cabral Soares, sob o comando do 1º tenente do Exército, Samir Guimarães Ribas, praticaram atos de “abuso de autoridade e tortura, causando sofrimento físico e mental nos índios”.
De acordo com a denúncia do Ministério Público, a ação truculenta dos militares foi motivada pelo relato de um morador local de que índios das comunidades de São Joaquim e Uarirambã estariam consumindo e comercializando drogas. Samir Ribas, então comandante do 3º Pelotão de Fronteira, determinou a formação de duas patrulhas para “identificar, localizar e proceder à prisão” dos suspeitos. Sem ordem judicial ou qualquer evidência do crime, segundo o procurador Pettengill Neto, os militares ingressaram nas residências dos índios no dia 29 de setembro de 2007 e efetuaram “prisões para averiguação”. “Às 11h35 da noite apareceu um sargento chamado Soares e mais três soldados dizendo que eu estava depositando droga dentro da minha casa”, lembra Gustavo Mariano. Seu colega Mario Mandu conta que foi preso diante da filha de 8 anos, o que “causou muita tristeza”. No desabafo, escrito com dificuldade em português, o indígena diz que perdoa seus agressores.
O procurador federal, no entanto, está disposto a conseguir o indiciamento dos militares, pelo que considera um “tratamento desumano e vil”. Na ação, ele detalha que, levados em voadeiras até a sede do Pelotão Especial de Fronteira (PEF), os indígenas foram ameaçados com armas e agredidos com socos e chutes. “O senhor tenente me chutou com o pé bem forte e quase chorei”, relembra Garrido, em seu depoimento. À violência física, os militares acrescentaram atos degradantes. “Foram colocados em uma jaula de ferro destinada a transporte de onça. Apertados no interior da jaula de ferro por longo período, alguns índios não resistiram e passaram a urinar naquele local. Em razão disso e sob a justificativa de limpar a sujeira e afastar o odor de urina, os militares despejaram baldes de água sobre os índios”, explica o procurador Pettengill Neto. A sessão de tortura, segundo ele, durou toda a madrugada.
O antropólogo Mércio Gomes, ex-presidente da Funai, defende uma punição exemplar aos agressores para afastar qualquer suspeita de que o Exército acoberte excessos. “Imagino que torturar 12 índios de forma explícita seja contra os propósitos e a ética militar”, diz ele. Para Gomes, trata-se de uma excepcionalidade. “No cômputo geral, o Exército tem se portado com bastante consciência sobre seu papel na relação com as populações indígenas”, afirma. A última ocorrência de violência na região foi registrada em 2001. O antropólogo destaca que boa parte do contingente militar na fronteira amazônica é formada de indígenas. No entanto, entre os oficiais ainda predomina a presença de brancos, oriundos de Estados de fora da Amazônia. O 1º tenente Samir Ribas, que comandou a ação, por exemplo, é de Fortaleza. Os demais militares vêm de Minas Gerais, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul. Nenhum deles foi localizado para comentar o episódio. Questionado pela reportagem, o Exército diz que “aguarda decisão judicial transitada em julgado para adotar as providências determinadas pela Justiça”.
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AÇÃO
Sem ordem judicial, casas foram invadidas
Francisco Loebens, responsável pela área de formação do escritório regional do Conselho Missionário Indígena (Cimi), sustenta, ao contrário do ex-presidente da Funai, que excessos de militares contra índios são comuns. A ausência de registros seria, segundo ele, decorrente do medo de represálias. Para o dirigente do Cimi, é preciso regulamentar a presença militar em terras indígenas, a fim de que “o direito desses povos seja resguardado”. “Difunde-se a lógica de que a segurança nacional está acima da segurança dos cidadãos, e que tudo é permitido em nome dela. Mas está claro que os índios são a parte vulnerável nessa equação e acabam sendo vítimas de abusos”, diz Loebens. Ele sugere que a “atuação militar em terras indígenas contemple as especificidades culturais de cada comunidade”. O presidente da Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro, Abrahão de Oliveira França, da nação baré, afirma que as vítimas da ação militar não portavam droga nem tinham envolvimento com o tráfico. “E, mesmo que tivessem, isso não autoriza a conduta truculenta e desrespeitosa dos militares”, diz ele.
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Para Loebens, existe um “ranço autoritário” na forma como as Forças Armadas atuam na região. Todos os militares que servem na fronteira amazônica precisam passar pelo Centro de Instrução de Guerra na Selva (Cigs), que nos tempos da ditadura militar servia de base de ensino de técnicas de combate à guerrilha. Na ocasião do episódio das torturas dos índios, respondia pelo Comando Militar da Amazônia (CMA) o general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, oriundo do Cigs e notabilizado pelas críticas à política indigenista do governo Lula, que classificou de “lamentável e caótica”. Hoje o general Ribeiro Pereira chefia o Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, responsável pelo projeto “soldado do futuro”. Outro oficial treinado pelo Cigs foi o general Ivan Carlos Weber Rosas, que comandava a 2ª Brigada de Infantaria de Selva, responsável pelo 3º PEF, em 2007. Rosas determinou uma sindicância interna para apurar o caso, mas não encontrou “qualquer ato delituoso por parte dos militares”.
 
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