domingo, 31 de janeiro de 2010

Herança maldita da atual gestão: impasse na demarcação de terras

Talvez o pior legado dessa desastrosa gestão da Funai, ao lado do esquartejamento da Funai, seja o impasse que ela criou no processo de demarcação de terras. Sua irresponsabilidade e incapacidade de entender o processo histórico-cultural que existe na demarcação de terras indígenas levou o Supremo Tribunal Federal a exarar uma série de considerações e medidas que mudaram radicalmente os princípios e bases do processo de demarcação de terras.

Lembro-me que, em agosto de 2008 (e esse Blog registrou esses momentos), quando o STF estava para analisar e julgar as ações civis públicas contra o decreto de homologação da T.I. Raposa Serra do Sol, quando era momento da Funai e dos soi-disant "amigos dos índios", as Ongs neoliberais e o CIMI, ficarem calminhas, pianinhas e ajudarem os ministros a deliberar sobre o assunto sem pressão -- NÃO -- meteram-se a pressionar o STF, acolheram com salvas a chegada do relator especial da ONU para assuntos indígenas, que aqui chegou se comportando com um "salvador de índios", dando lições de moral a todo mundo, levaram representantes indígenas em passeatas pela Europa para "sensibilizar" a opinião pública, isto é, as Ongs e os governos que enviam dinheiro às Ongs brasileiras, até ao Papa Bento XVI os índios apelaram, e, como que para coroar, alardearam em pleno Mato Grosso do Sul que os GTs criados para levantar terras indígenas naquele estado planejavam mapear 25 municípios e deles reconhecer cerca de 600.000 a 1.000.000 de hectares!!

Resposta:

Primeira tacada: Mesmo o festejado voto de Carlos Ayres Britto favorável ao decreto de homologação presidencial veio carregado da mais dura pena contra novas demarcações de terras indígenas. Qual seja, declarou que só se pode reconhecer como ocupação tradicional indígena a terra que estiver sendo ocupada na data da promulgação da Constituição Federal, 5 de outubro de 1988. (Essa mesma Constituição que esse indigenismo neoliberal considera a redentora dos índios, como se não houvesse a história do indigenismo rondoniano a criar no Brasil a predisposição cultural favorável aos índios.) Nem antes, nem depois. Isto é, se um grupo ou comunidade indígena estivesse estado ocupando determinada terra algum tempo antes daquela data, mas tivesse saído por algum motivo, não teria mais direito sobre ela, a não ser que conseguisse provar que tinha mantido ânimo de voltar a ela e que de lá fora retirado forçosamente.

Segunda tacada: O ministro Menezes Direito pediu vistas do processo, o que adiou sua decisão para o dia de Sâo José, de 2009. No seu voto, nessa última data, o ministro insere , com as bençãos de 10 dos 11 ministros em todos os pontos, menos um, 19 ressalvas que consolidam a mudança radical dos parâmetros que norteavam a demarcação de terras indígenas. Dessas 19 ressalvas, duas se destacam: a 17ª que declara não se poder ampliar terra já demarcada; a 19ª que determina que os entes federativos, i.e., estados e municípios, têm que estar presentes e ativos em todas as fases do processo demarcatório, inclusive daqueles que estão em curso, não dos que já foram consolidados.

Não se pode negar que essas três condicionantes afetam radicalmente o destino de demarcação de terras indígenas.

Desde então, todos as terras que estão em processo de demarcação e tiveram algum tipo de contestação que fere a natureza dessas ressalvas estão paralisados, seja pelos tribunais regionais, seja pelo STF.

Nesta sexta-feira passada, dia 29/01, enquanto a cúpula da Funai dava prosseguimento ao esquartejamento do órgão, ao fechar as unidades gestoras das administrações e núcleos de apoio extintos, deixando os funcionários inaptos a fazer os pagamentos dos fornecedores contratados anteriormente, o ministro-presidente do STF, Gilmar Mendes, do alto de sua capacidade de conceder liminares durante o recesso judiciário, deu mais uma liminar sobre questão indígena. Neste caso, a uma ação cautelar do estado de Roraima pedindo para a Funai se eximir de declarar terra indígena uma terra que está sendo ocupada por um assentamento oficial do Incra, inclusive, recentemente, com pessoas vindas da extrusão da T.I. Raposa Serra do Sol.

Ao que sucede, essa terra seria uma extensão de uns 4.000 a 5.000 hectares da Terra Indígena Serra da Moça, com cerca de 25.000 hectares, demarcada na década de 1990. Por volta de 2000, 2001, quando o INCRA se movimentou para assentar famílias não indígenas naquela área, agora chamada de Assentamento Nova Amazônia, a comunidade Wapixana da Serra da Moça protestou que essa terra era tradicionalmente dela, que não havia sido demarcada antes por erro ou desleixo, e que ia perder acesso ao rio Uraricuera, e buscou meios para contornar a situação. Nas negociações entre Funai, INCRA e comunidades indígena, em 2004 chegou-se a um pré-entendimento de que poder-se-ia estabelecer uma faixa de terra de uso comum entre índios e não índios que permitiria o acesso dos índios ao rio. Entretanto, tal entendimento não prosseguiu e um grupo indígena resolveu se estabelecer na área do assentamento e marcar presença lá, alegando ocupação tradicional. O Conselho Indígena de Roraima pediu a Funai um GT para reconhecer essa terra como indígena. Eis o histórico por trás da questão e eis como o ministro-presidente do STF, Gilmar Mendes, deu seu voto favorável ao estado de Roraima.


Ultrapassada a preliminar suscitada, cumpre asseverar que este Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da Petição no 3388, Rel. Carlo Britto, DJ 25.9.2009, o conhecido caso Raposa Serra do Sol, fixou a data da promulgação da Constituição de 1988, 5 de outubro de 1988, como o marco temporal para o reconhecimento, aos grupos indígenas, dos direitos originários sobres as terras que tradicionalmente ocupam, consoante explicitado no seguinte trecho da ementa do acórdão:

“11. O CONTEÚDO POSITIVO DO ATO DE DEMARCAÇÃO DAS TERRAS INDÍGENAS. 11.1. O marco temporal de ocupação. A Constituição Federal trabalhou com data certa -- a data da promulgação dela própria (5 de outubro de 1988) -- como insubstituível referencial para o dado da ocupação de um determinado espaço geográfico por essa ou aquela etnia aborígene; ou seja, para o reconhecimento, aos índios, dos direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam. 11.2. O marco da tradicionalidade da ocupação. É preciso que esse estar coletivamente situado em certo espaço fundiário também ostente o caráter da perdurabilidade, no sentido anímico e psíquico de continuidade etnográfica”.

Ademais, registre-se que esta Corte, ao explicitar as condições impostas pelo texto constitucional para a demarcação de terras indígenas, deixou assentado ser “vedada a ampliação de terra indígena já demarcada” (condição no 17).

No caso, é possível vislumbrar o propósito do grupo indígena denominado “Comunidade Lago da Praia” de ampliar as dimensões de terra indígena já demarcada, em dissonância, portanto com o que estabelecera este Supremo Tribunal Federal.

A análise sumária dos autos revela - haja vista as diversas manifestações do INCRA que atestam essa assertiva – que o grupo indígena somente passou a ocupar a área alvo do conflito em data posterior à promulgação da Constituição de 1988.

Por outro lado, consoante afirmado pelos requeridos, não há nenhum ato material de demarcação de terra indígena, mas o assentamento de índios em área destinada a projetos de reforma agrária.

Assim, tendo em vista a complexidade do caso, o fato de se tratar de área marcada por conflitos fundiários e as alegações do requerente no sentido de que novos grupos indígenas estariam se deslocando para a região, entendo ser necessário provimento judicial que promova a manutenção do status quo, garantindo os assentamentos já realizados, até que este Supremo Tribunal Federal possa analisar o mérito desta ação.


Com essa liminar, como em três outras dadas no final do ano passado para os casos de terras em Roraima e em Mato Grosso do Sul, inclusive contestando decretos de homologação do presidente Lula, o ministro Gilmar Mendes aplica as ressalvas e considerações do voto fatídico no dia de São José e abre para os seus colegas posterior análise e deliberação.

No futuro próximo ou longínquo, quem sabe, o STF vai decidir, como um todo ou em turma, sobre esse e mais três ou quatro casos já deliberados liminarmente pelo seu presidente, e muitos outros mais, talvez umas duas dezenas que estão sem resolução há anos. Qualquer decisão será importantíssima e a partir dela se definirá o processo de demarcação de terras indígenas daqui por diante, e até não sabemos quando.

Muito provavelmente, os ministros do STF seguirão a decisão liminar do ministro-presidente, já que ela se respalda em decisão tomada por todos eles. Mas, ninguém sabe ainda. Como diz o ditado, de cabeça de juiz não se sabe o que vem. Ficamos na expectativa de que, pelo menos em alguns casos, o STF reconheça atenuantes ou nuanças que possam ser deliberadas sem ajuda dessas ressalvas.

Esta é a herança maldita e mais perniciosa dessa atual gestão da Funai. Aos povos indígenas a quem foram prometidos dias melhores restará apenas o gosto amargo do desapontamento e da desesperança. Tudo isso feito pela soberba, pela arrogância e pela impiedade do indigenismo neoliberal.

É como se o indigenismo brasileiro, de cunho rondoniano, tivesse de começar do zero. Negociar tudo de novo, caso a caso, até obter novos resultados. Como há 100 anos, quando Rondon criou o Serviço de Proteção aos Índios.

Para a decisão completa do ministro Gilmar Mendes, ver aqui.

sábado, 30 de janeiro de 2010

JORNAL NACIONAL divulga cenas de protesto de índios Kaingang em Londrina

Essa noite, o Jornal Nacional divulgou cenas e fez observações sobre o protesto que os índios Kaingang e Guarani-Ñandeva fizeram no centro de Londrina, no Paraná.

O protesto foi feito por uma parte do grupo de 72 índios que esteve em Brasília essa semana acampando em frente ao Ministério da Justiça. Os índios Kaingang e Guarani vieram com a certeza de que estava se criando um novo movimento indígena, de cunho revolucionário, com visão de que poderiam mudar a Funai diante do quadro produzido pelo decreto de reestruturação.

Na terça-feira p.p., dois ou três dos seus líderes falaram duramente ao alto-falante conclamando o presidente Lula a revogar o decreto, precisamente no momento em que Lula estava no Ministério da Justiça. O presidente os ouviu, perguntou a auxiliares quem eram, de que se tratava o protesto, e foi-lhe dito que eram índios protestando contra o decreto. Lula estava aborrecido, mas não falou mais nada.

Os indios Kaingang não querem saber de conversa mole, de lero-lero. A explicação propagada pela cúpula da Funai de que nenhum escritório será fechado no Paraná é de uma desfaçatez impressionante. Com essa explicação a cúpula da Funai consegue ludibriar a imprensa que, ao ver os índios em protesto, os considera meio loucos por protestarem à toa, por nada. Como? Como que eles não sabem que nada será extinto no Paraná?? Assim explica a cúpula da Funai, e a Rede Globo engole no seco.

Ora, só por um milagre da imbecilidade administrativa é que alguém haveria de considerar que as extinções da AERs de Guarapuava, Londrina e Curitiba, com toda a infra-estrutura que elas têm, com todo o pessoal qualificado e experiente de quem elas dispõem -- que essas extinções não existem, e que sua prometida substituição pelas tais "coordenações técnicas locais" seria a mesma coisa.

Não são nem serão a mesma coisa. Uma tal coordenação técnica local não é do mesmo teor de uma AER. Uma AER é uma AER, tem história, tem pessoal qualificado, tem tradição e relacionamento com os índios. Produz conhecimento, ação indigenista. Constroi e destroi coisas belas, como na canção de Caetano. Já produziu conflitos, sem dúvida. Funcionário às vezes é pressionado, índio às vezes é enganado. Quem há de negar isso? Entretanto, ao longo dos anos, índios e funcionários se conheceram, se aquilataram, sabem até onde seu relacionamento pode ser positivo.

Numa AER há qualificação e experiência jurídicas, tem trabalho indigenista e tem compromisso com a causa indígena. Compromisso criado ao longo de muitos anos de convivência.

O que teria uma coordenação técnica local? Supostamente terá um coordenador técnico e alguns outros técnicos por ele coordenado, fazendo coisas que a Funai em Brasília lhes dirá o que fazer. Será gente nova ou serão os "antigos"? Afinal, se tudo for a mesma coisa, se uma AER for equivalente ao uma coordenação técnica local, para que mudar então?

Evidentemente a cúpula da Funai acha que uma coordenação técnica local será algo especial, muito melhor do que uma administração. Com ela será dada assistência técnica aos índios, diz a cúpula da Funai, alegando que falta técnica e profissionalismo na Funai da atualidade.

É este o sentido da mudança. A atual cúpula da Funai professa uma visão do mundo diferente do que professam os índios e do que vem professando o indigenismo rondoniano. E os índios Kaingang e Guarani sacaram isso com toda verdade e não querem saber de coonestar esse tipo de mudança.

Eis o sentido do protesto dos Kaingang e Guarani em Londrina. E eis por que eles escolheram simbolicamente um automóvel da Funai para queimar e destruir. O carro desponta como símbolo dessa suposta técnica que querem lhes impor goela abaixo. Daí sua destruição. Melhor voltar à carroça de boi!

É evidente que a imprensa não sabe o que passa nos corações dos índios, nem tampouco dos funcionários da Funai. Acha que é uma rebelião de fisiológicos defendendo seus empregos. Que a reestruturação é um gesto de extrema boa vontade e capacidade administrativa do governo Lula.

A imprensa continua a achar que a renovação do quadro da Funai, através de concurso público, será a redenção do órgão, já tão combalido e fraco. E acha que esses concursos fazem parte do decreto de reestruturação, quando não tem nada a ver uma coisa com a outra. O concurso poderá sair sem reestruturação alguma.

A renovação dos quadros da Funai é importantíssimo, haja visto que em poucos anos muitos estarão aposentados. Porém o problema maior de um concurso feito sem critério, na Funai, é que o concurso será igual a qualquer outro, por exemplo, para outras repartições públicas. De fato, esses concursos são feitos para concurseiros, com licença da palavra. São jovens que se especializam em fazer concurso, que vão passar nesse concurso pela maior facilidade que têm de estudar em cursinhos.

Quanto aos índios, sem nenhuma possibilidade de ganhar crédito por seu conhecimento real da vida indígena, terão imensas dificuldades em competir com os jovens concurseiros.

Um verdadeiro concurso público para a Funai tem que contar necessariamente com uma quantidade igual de jovens indígenas. Não é possível que, nessa altura da vida política e cultural brasileira, a Funai seja dirigida exclusivamente por jovens técnicos da classe média brasileira. A presença ostensiva de jovens indígenas é fundamental na verdadeira reestruturação da Funai.

Tudo isso os índios sabem. Os funcionários da Funai também sabem. E ninguém sabe o que fazer. Por enquanto. A barragem está construída em proteção da atual cúpula da Funai em torno desse ofensivo decreto de reestruturação. Mas essa barragem será levada de roldão, em breve.

O gesto desesperado dos Kaingang e Guarani é puro desespero, reconheço. Mas é simbólico e tem efeito político e cultural. Não há como ignorá-lo, nem minimizá-lo.

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sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Indigenista Wagner Tramm escreve ao Blog e relembra lutas da Funai


Caro Mércio,

O nosso maior problema, com todos os erros e acertos, foi fonético: "e" por "a". Mas, isso, eu já dizia quando anunciaram Marcinho VP para a presidência do órgão indigenista. Não desmerecendo o chefe do morro, mas atentando para a Vanguarda Popular que nada tem a ver com o Márcio que em plena Nova República expressa os gestos e os sentimentos do Gal. Meira Matos dos tempos do DOI-Codi. Tempos de doer na alma! Tempos de Chumbo! Ou mesmo àqueles antanhos tempos do comandante Barata Ribeiro no Estado do Pará.

Cristina Kirchener disse hoje que a  carne de porco dá tesão. Enquanto isso, os  índios e os pajés que se encontram em Brasília e nas aldeias, disseram-me antes mesmo do presidente  ir ao  Estado do Pernambuco, que ele e o Márcio estavam muito doentes!

O decreto é a doença da democracia!

Lula estava ouvindo na terça feira última, no auditório do Ministério da Justiça, durante a comemoração do Bolsa Copa do Mundo e  das Olimpíadas 2016, os pronunciamentos proferidos pelo Movimento Indígena Revolucionário e pelos servidores da Funai, e indigenistas representados. Os efeitos de tal ato podem ser observados nas fotografias que registram tal solenidade: Lula e Dilma mal humorados e abatidos!

Vale ainda observar a expressão fisionômica do presidente na data de assinatura do famigerado decreto! Ladeado por Márcio Meira e pelo Ministro da Justiça, Lula assina o decreto com ar de preocupação, a fisionomia revela os fatos! Basta acessar o site da Funai.

Márcio Meira  ao propor ao executivo  a assinatura do Decreto presidencial, sem consulta aos indígenas e servidores do órgão indigenista, coloca o presidente Lula em pé de igualdade com o impichimado presidente Collor de Melo, que extinguiu, colocou em disponibilidade. removeu e atentou contra os direitos dos servidores públicos!

Hoje, em homenagem ao escritor falecido J.D. Salinger, gostaria de lembrar a tradução de Jório para a Companhia das Letras de "Carpinteiros, levantem bem alto a cumeeira!" Este é o sentido de nossa aliança: índios/indigenista e movimento sindical !

A Força Nacional na porta da Funa, impedindo o ingresso de pessoas do povo , de indígenas e servidores das administrações e núcleos de apoio extintos pelo decreto, é uma flagrante violação aos princípios democráticos. Imagine o cidadão impedido de ingressar em um  órgão público; os índios que legalmente devem ser assistidos por um órgão com a tradição republicana de quase (100) anos, barrados na porta! 

Onde está o Estado de Direito Democrático? 

Está é a  nova doença do Lula ao invés de burcite agora ele sofre de marcite, uma mistura de açai com chimarrão, bebida indigesta e maléfica à confratenização entre os povos e a construção de um Estado Nação brasileiro, Democrático e Pluriétnico, capaz de ser exemplo para o mundo, mormente, para a Europa e o resto do mundo recheado de conflitos entre bárbaros e ditos civilizados, ocasionados por aqueles que se dizem civilizados! 

Mário Juruna já havia  exemplarmente dito: Selvagem por que? Se na Mata como disse o poeta, Martinho da Vila, "só se mata aquilo que se come!," selvageria reina na metrópoles onde se mata para roubar ou bota-se dinheiro nas meias por falta de malas. "Quem mata o que não se come,  não perde por esperar...." 

Uma reestruturação responsável do órgão indigenista depende intrísecamente da definição das relações estabelecidas entre o Estado e as sociedades indígenas, segundo os princípios republicanos. Assim sendo, as modificações no Estatuto do Índio devem nortear as ações do Estado brasileiro e o pensamento da sociedade nacional!

Mércio, lembro-me de você em São Luís-MA, na avaliação do convénio 053/82, firmado entre a Funai e a Companhia Vale do Rio Doce -Cvrd, quando da contratação de antropólogos da Associação Brasileira de Antropologia - ABA pela companhia estatal, que colocou na ocasião em confronto indigenistas e governo. Você chorou no auditório do Incra, estava presente Kutia lider Kayapó,  Arruy Gavião, Ferreira, Arthur, Iara Ferraz, Lux Vidal, Maria Eunice Paiva e outros papas da antropologia e do indigenismo. Discutimos, comemos  peixe e bebericamos até amanhecer! Lavamos a nossa roupa suja e seguimos em frente! 

Estou lhe dizendo coisas que gostaria de ter lhe dito antes, mas a autofagia e o sentimento heróico do indigenismo nos fazem assim!!!! Tal qual os índios, somos também diferentes! Sofremos o mesmo preconceito atribulado aos povos indígenas! 

Fiquei muito contente ao ver que os indigenistas estão se manifestando publicamente!

Fernando Schiavinni foi a minha fonte de inspiração quando eu iniciava as minhas atividades junto ao grupo Apinajé da Aldeia São José. Naquela época exemplo de resistência e de luta na defesa dos direitos indígenas....hoje fico contente de ver uma aliança sendo construída: índios/indigenista/antropólogos e movimento sindical. È um grande avanço para a construção de um país, definição de um Estado-Nação, paradigma para um mundo moderno capaz de superar a modernidade colonial ainda vigente!

Lula está doente adoecido por Márcio Meira, a gosto dos pajés, combalido por ofender os próprios princípios de homem do povo, nordestino, herdeiro da formação do povo brasileiro da qual os povos índígenas fazem parte.........

Para não darmos um tiro no nosso próprio  pé.....
Indigenismo ou nós..... 

abs
Wagner Tramm

Índios do Oiapoque protestam contra decreto de reestruturação da Funai

Mais uma administração regional da Funai vem a público apresentar seus argumentos de contestação diante do decreto de reestruturação da Funai.

Trata-se da AER Oiapoque, situada no extremo norte do Brasil, na fronteira com a Guiana Francesa. Essa é mais uma das AERs extintas, certamente reduzida a uma coordenação técnica local. O manifesto abaixo foi escrito por lideranças indígenas que são assistidas por essa administração regional.

A quem serve a extinção da AER Oiapoque, me pergunto? Situada em posição estratégica para o Brasil, responsável por três grandes terras indígenas, com extraordinária e especial ecologia, e por povos que têm comunidades do outro lado da fronteira -- como deixá-la sem uma administração forte para apoiar esses povos diante das necessidades que sentem, dos desafios a que são submetidos e das novidades inesperadas que surgem a cada dia?

É por economia? Não faz sentido.

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MANIFESTO DOS POVOS INDÍGENAS DO OIAPOQUE SOBRE A REESTRUTURAÇÃO DA FUNAI
NOTA PÚBLICA DOS POVOS INDIGENAS DO OIAPOQUE KARIPUNA, GALIBI-MARWORNO, PALIKUR E GALIBY KALINA SOBRE DECRETO Nº 7.065, DE 28 DE DEZEMBRO DE 2009.

Nós Povos Indígenas do Oiapoque, representados pelas organizações indígenas APIO – Associação dos Povos Indígenas do Oiapoque, AGM - Associação Galibi-Marworno, OPIMO – Organização dos Professores Indígenas do Oiapoque, AMIM – Associação das Mulheres Indígenas em Mutirão, vem a público manifestar a sua indignação e o seu repúdio a respeito do Decreto Nº 7.065.

Não concordamos com forma que o presidente da FUNAI e sua equipe estão conduzindo esse processo de reestruturação da FUNAI, não deram oportunidade para nós povos indígenas em se manifestar a respeito, não fomos ouvidos em nenhum momento, fato que nos deixou bastante indignados, não aceitamos quando o Sr Presidente da FUNAI (Marcio Meira) em entrevista para esclarecer essa tal mudança, na sua fala diz que é uma reivindicação antiga dos próprios indígenas, isso não condiz com a verdade, (os próprios servidores da FUNAI não participaram dessa mudança, pesquisa realizada pelo ANSEF (www.ansefunai.com.br) 92% não participaram e 08% alegam participação), os procedimentos ainda continua vindo de cima para baixo, não debaixo para cima (as comunidades precisavam ser consultadas).

A expectativa nossa quanto a esse tão esperado processo de reestruturação é o concurso publico, pelo visto só o que temos como garantia é um numero bem reduzido de servidores, isso, divididos em duas regiões Amapá e Pará (08 servidores de nível fundamental, 18 servidores de nível médio e 26 de nível superior, Edital Nº 01/2010-FUNAI), fica a pergunta quantos servidores a FUNAI-Oiapoque vai receber após o concurso? Vale ressaltar que as deficiências das Administrações Regionais está na carência de servidores, nossa Administração não é diferente precisamos de profissionais/servidores nas áreas jurídica, ambiental, contabilista e outros. Essa sim, que é a necessidade, esses novos servidores viriam fortalecer/ajudar os incansáveis servidores que desempenham suas atribuições sem medir esforços na AER-Oiapoque e Postos Indígenas. Mais nem isso o edital garanti, o cargo de indigenista especializado, no concurso pode fazer qualquer pessoa com o curso de graduação de nível superior. Quanto aos restantes dos futuros contratados até 2012, o Sr Presidente não pode garantir, pois a partir de outubro, ou melhor, do dia 01 de janeiro de 2011, a história da política para os Povos Indígenas do Brasil pode ser outra, quem garante que o próximo Presidente da República vai dar continuidade ao trabalho do seu antecessor.

Esse Decreto foi uma ducha de água fria, pelo que estamos observando, nossa Administração vai ser reduzida, levada a condição “coordenação”, sabemos sim, que parte dos setores vai funcionar na AER-Macapá a 600 km de Oiapoque.

Senhor Presidente, não temos nada contra a FUNAI de Macapá, o que é preciso ser analisado é na nossa situação geográfica, a FUNAI de Macapá já tem seus problemas que não são poucos, os parentes da T.I Parque do Tumucumaque que os diga, e agora com mais as demandas de Oiapoque? Como vamos poder fazer nossas reivindicações, nossos questionamentos, não aceitamos tamanho desrespeito com nossa AER-Oiapoque.

Na região do Oiapoque estão situadas três Terras Indígenas continuas Uaçá, Galiby e Juminã, todas demarcadas e homologadas, áreas de terra firme e campos alagados, com uma biodiversidade bastante rica que precisa ser vigiada, fiscalizada ou mesmo pesquisada, como vamos garantir a preservação dos nossos recursos naturais com uma FUNAI na categoria de “coordenação”. É importante frisar da credibilidade da FUNAI-Oiapoque para os Povos Indígenas e os parceiros, nessa perspectiva de trabalho que começou no inicio dos anos 70, juntamente com varias lideranças indígenas que já se foram e outros que ainda continuam na luta, nessa caminhada foi traçado estratégias de fortalecimento da instituição na região que resultaram em importantes avanços e conquistas para o movimento indígena local.

Para conhecimento Senhor Presidente, temos um bom entendimento com a nossa Administração Regional, os Postos Indígenas tem desempenhado um papel muito importante nas bases, não como um instrumento repressor, mas sim, como um articulador juntamente com as lideranças, conselhos e comunidades, ajudando na política da boa vizinhança nas T.Is, muitas das vezes disponibilizando de suas próprias reservas (recursos) para dar andamento nos seus trabalhos. Com a implantação dos programas sociais que estão chegando às nossas comunidades como: bolsa família, emissão de documentos, cestas básicas, benefícios previdenciários e outros através dos governos, os Postos Indígenas tem uma participação fundamental no sentido de garantir o acesso dos nossos indígenas a esses programas.

Concordamos com o processo de reestruturação: sabemos que a FUNAI precisa ser melhorada em alguns setores, mas não aceitamos a forma que está sendo conduzido esse processo, “destruir é fácil, mas construir leva um longo tempo”. Esse novo modelo reestruturação que está sendo adotado pode ser bom para outras regiões do País, para nós aqui no Oiapoque não vai dar certo, diante do que foi colocado, pedimos a Vossa Excelência que não faça essa mudança, estamos considerando um absurdo esse procedimento, queremos progredir, essa reestruturação vem ressurgir o antigo modelo de política indigenista que deixou as comunidades há décadas paradas no tempo por falta de projetos específicos para cada região “será que as Superintendências estão voltando”.

Nossas terras indígenas estão localizadas na fronteira com a Guiana Francesa, temos uma população de aproximadamente 7.000 índios, o contato com a sociedade envolvente, os problemas sociais, econômicos e ambientais já é uma realidade, para isso precisamos da presença do Estado brasileiro através do Órgão Indigenista Federal fortalecido e atuante. As organizações indígenas juntamente com a FUNAI/Oiapoque e parceiros vem discutindo desde 2002 em
reuniões e assembléias indígenas projetos/programas de fortalecimento e valorização ambiental e cultural, voltada para o manejo dos recursos naturais, a legislação ambiental e o direito indígena, no sentido de garantir uma boa qualidade de vida, tanto no âmbito social quanto no ambiental denominado de PLANO DE VIDA DOS POVOS INDIGENAS DO OIAPOQUE.

Diante de tudo que está acontecendo, estamos muito preocupados quanto à
continuidade do Plano de Vida, pedimos ao Senhor Presidente da FUNAI, revogação desse Decreto, não estamos acreditando que o Presidente Lula um chefe de Estado, na sua caminhada enquanto militante sempre defendeu os menos favorecidos, tenha usado de má fé assinando esse Decreto.

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

Indigenista Fernando Schiavini faz percuciente análise sobre a Funai

O indigenista Fernando Schiavini, um dos grandes indigenistas que ainda trabalham na Funai, presta aqui uma justa homenagem ao órgão indigenista através de uma análise percuciente e ampla sobre sua história, suas vicissitudes, as lutas contra a ditadura militar, os bons resultados e as perspectivas para o futuro.

De sobra, tece sua crítica substanciada sobre o decreto de reestruturação e o que está por vir.

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SOBRE A REESTRUTURAÇÃO DA FUNAI
DEPOIMENTO PESSOAL

     Fernando Schiavini

Uma das coisas que sempre ouvi dos líderes indígenas nas aldeias
(Warodi, Penon, Raoni, Pohi, Tep’yêt e outros) e que incorporei ao meu modo de viver é: “Não queremos dinheiro, riquezas e poder. Isso não foi feito para nós. Só queremos respeito!” 


Com referencia à crise que se instalou na FUNAI com a edição do Decreto nº 7.056 de 28.12.2009, dou abaixo meu depoimento pessoal sobre o assunto, na intenção, sobretudo, de dar  contribuição para uma possível saída do impasse:

            Ingressei na FUNAI como Técnico Indigenista no ano de 1975, após ter prestado concurso público, freqüentado curso teórico de três meses e cumprido três meses de estágio em Terra Indígena. Logo após a contratação fui enviado para exercer a função de Chefe do Posto Indígena Kayabi, localizado no Alto Tapajós, no Estado do Pará.  Atuei também entre os Xavantes, no Posto Indígena Pimentel Barbosa e entre as etnias do atual estado do Tocantins, especialmente os Krahôs. Em missões eventuais, atuei em várias partes do país. Exerço, portanto, o indigenismo há 35 anos.  Fiz parte de um grupo de indigenistas da FUNAI que lutou ferrenhamente contra a forma invasiva e autoritária que o órgão atuava nas aldeias indígenas, aliando autoritarismo com política indigenista ainda nos moldes do último quartel do SPI. Lutamos também contra a corrupção praticada no órgão pelos dirigentes militares, principalmente com relação a fraudes em demarcação de terras e recursos da renda indígena. Na área administrativa enfrentamos uma turma de burocratas aliada dos militares, ligadas a uma loja Maçônica, que agia nas sombras, facilitando os trâmites burocráticos da corrupção.   Ajudamos a demarcar milhões de hectares de terras indígenas, na maioria das vezes enfrentando graves e perigosos conflitos que colocavam em risco nossas vidas e de nossas famílias.  Lutamos contra a prática de transferir (desterrar) povos indígenas para dar passagem a obras governamentais. Mudamos, com nossas ações e discussões a forma como o órgão agia na questão dos povos indígenas isolados, atraindo-os com bugigangas, com objetivo de “reduzi-los” e dar passagem ao “progresso”. Com o conjunto de nossas ações internas, portanto, conseguimos transformar um órgão público corrupto, autoritário e instrumento de fortes interesses econômicos, em uma instituição que defende prioritariamente os interesses dos povos indígenas.  

Não é por acaso que a FUNAI merece atualmente a confiança dessas comunidades, mesmo estando defasada política e estruturalmente. Por nossas ações, fomos várias vezes demitidos, perseguidos, vigiados e proibidos de ingressar em terras indígenas. Interpretamos que  somente  não fomos presos em algumas ocasiões na década de oitenta,  porque o regime militar havia prendido o então sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva, hoje presidente da república e isso havia contribuído para que sua liderança e influencia aumentasse. Somos, portanto, contemporâneos de pessoas e participantes de movimentos que lutaram contra a ditadura militar e ajudaram a instalar a democracia neste país.

Reconhecemos que várias Organizações Não-governamentais Indigenistas e indígenas contribuíram enormemente para o melhoramento da FUNAI, com suas denúncias, mobilizações de lideranças e pressões políticas. Praticamente todos os indigenistas combativos da FUNAI foram aliados dessas organizações, realizando em conjunto com elas inúmeras ações no campo e nas cidades. Particularmente penso que qualquer gestor da política indigenista brasileira terá que forçosamente reconhecer a importância histórica dessas agremiações (incluindo o CIMI)  e articular-se com elas. Entretanto, algumas transformações positivas da FUNAI e da política indigenista foram conquistadas exclusivamente pela árdua luta dos indigenistas internos. Não me consta p.e. que algum integrante de ONGs. indigenistas tenha sido perseguido pelo regime militar. Na prática, poderíamos dizer que as ONGs. são muito articuladas politicamente e que os servidores da Funai são especialistas técnicos.

Fomos anistiados a partir do início da década de noventa, retornando definitivamente aos quadros da FUNAI. Imbuídos da certeza que a “guerra” havia acabado, dirigimos nossas ações para as tentativas de aperfeiçoamento das práticas indigenistas em campo, desenvolvendo técnicas e programas adaptados aos novos tempos. Apoiamos e contribuímos para a fundação e desenvolvimento de várias organizações indígenas em todo o país. Iniciamos um processo de recuperação de sementes e técnicas tradicionais de plantios indígenas, que tem possibilitado a melhoria da segurança alimentar de inúmeras etnias e introduziu no país a questão da preservação da agrobiodiversidade nativa.  Arquitetos e engenheiros indigenistas desenvolveram conceitos,  técnicas e tecnologias modernas para habitações indígenas, centros de cultura e prédios públicos em aldeias.  Desenvolvemos estratégias de proteção e controle territorial das Terras Indígenas e de promoção e preservação das culturas indígenas. Engenheiros Florestais, agrônomos e outros profissionais indigenistas desenvolveram estratégias para a condução e aplicação das “compensações etno-ambientais” de grandes empreendimentos que afetam Terras Indígenas.  Ao mesmo tempo discutíamos a  modernização administrativa do órgão, gestado ainda em regime ditatorial. Em meados da década de noventa, promovemos assembléias e seminários em todo o país para consultas aos servidores e indígenas, sobre as melhores formas de atualizar a política indigenista governamental.  Vários dossiês e documentos foram elaborados como frutos desses movimentos internos.

Havia consenso de que a reestruturação administrativa era necessária, mas ela ia em direção a um novo conceito de indigenismo, baseado no que chamávamos de “diplomacia intercultural interna”.  Sonhávamos com uma FUNAI que funcionasse mais ou menos nos moldes do Ministério das Relações Exteriores ( chegava-se a sugerir, nessas discussões,  a mudança do nome do órgão para Ministério das Relações Interiores).

Por esse conceito seriam reconhecidas a etnicidade e a territorialidade dos povos indígenas, dividindo as unidades administrativas por “territórios étnicos”, juntando várias etnias co-irmãs que sofreram um processo de diáspora, durante o contato com a sociedade brasileira. Igualmente, as diretorias e demais unidades da sede seriam especializadas nesses “territórios”.  Tudo seria baseado na perspectiva filosófica da DIPLOMACIA, prevendo-se, inclusive, cursos específicos na Escola de Diplomacia Rio Branco.  Sempre tivemos a intenção de reeditar a realização dos cursos Técnicos Indigenistas, em níveis básico, técnico e superior e submetê-los aos servidores antigos e novos contratados,  obviamente atualizando-os às mudanças políticas e culturais dos últimos tempos.  Jamais conseguimos ir adiante com as propostas, pelas sucessivas crises e mudanças de direção que o órgão sofria. Ao contrário, presenciávamos a cada dia a decadência político-administrativa da instituição, cujo orçamento diminuía ano a ano. 

Desde meados da década de oitenta, os funcionários da FUNAI, do presidente aos mais humildes servidores, enfrentaram inúmeras invasões das sedes do órgão por grupos indígenas, nunca abandonando, entretanto a via da diplomacia e do diálogo para contornar esses impasses. Em 2002 a situação no órgão era de caos absoluto. Dezenas de indígenas ocupavam de forma permanente as pensões na Av. W-3 norte em Brasília e centenas de outros acorriam a Brasília cotidianamente. Muitos desses grupos chegavam armados de bordunas, facas e armas-de-fogo, pressionando a FUNAI por mais recursos. Na maioria das vezes esses indígenas eram induzidos e até financiados por administradores regionais, que também tinham interesse nas verbas. Os recursos eram “repartidos” de acordo com alei do mais forte: levava mais que ameaçava mais.  

No primeiro mandato do presidente Lula, assumiu a presidência da FUNAI o indigenista Eduardo Almeida. Iniciou-se então um novo ciclo, conduzido pelos indigensitas da casa, de moralização e correção das distorções administrativas do órgão.  As pensões foram desativadas e para hospedagem dos indígenas, inaugurou-se uma casa de trânsito em Sobradinho-DF.; realizou-se o primeiro seminário para consulta de servidores e lideranças indígenas para a construção de uma nova política indigenista. Iniciou também, efetivamente, o processo de elaboração de um Plano de Cargos e Salários e justificativas para a convocação de um concurso público para a instituição. Enquanto isso continuava o processo de discussão interna para a sua reestruturação administrativa.  

Mércio Gomes, sucessor de Eduardo Almeida, deu continuidade ao processo de correção das distorções do órgão, criando critérios e procedimentos para o deslocamento de indígenas a Brasília e descentralização de recursos; ampliou a discussão da política indigenista, realizando a I Conferência Nacional dos Povos indígenas, além de dar continuidade ao processo de aprovação do Plano de Cargos e Salários, reestruturação administrativa e concurso público. Implantou ainda o “Centro de Formação Indigenista Orlando Villas-Boas”, que deveria reciclar e formar novos profissionais do indigenismo, sob bases modernas. 

Marcio Meira, que assumiu a FUNAI no início do segundo mandato deste governo, também entrou prometendo esforços para reestruturá-lo administrativamente, implantar um Plano de Cargos e Salários e realizar concurso público. Seria a esperada continuidade de ações que devem permear todo o governo. Meira, entretanto, trouxe com ele uma equipe administrativa totalmente estranha aos quadros da FUNAI, composta, em sua maioria, por pessoas ligadas às ONGs. indigenistas.

Exonerou de imediato antigos indigenistas da casa e a outros colocou na “geladeira”.  Iniciou-se então um processo de discussões internas quase secreto, para reestruturação do órgão.  Vazava-se apenas a informação, desde 2008,  que “neste ano a reestruturação sai”.  Nós, indigenistas antigos e conhecedores das particularidades e das logísticas regionais e há anos empenhados nos mesmos objetivos e havíamos participado das primeiras fases das propostas, esperávamos a todo o momento que fôssemos chamados para contribuir de alguma forma com a discussão. 

Imaginávamos também que alguma forma de discussão seria feita com as sociedades indígenas, ao menos no âmbito da CNPI – a Comissão Nacional de Política Indigenista, criada prlo próprio Meira.  

Mas, nada!  Os relatos da “rádio corredor”, a única que transmitia pelo menos os boatos sobre a tal reestruturação, davam conta de situações de humilhação dos funcionários da casa.  Relatava-se fatos  de coordenação de reuniões de diretores e coordenadores internos por dirigentes de ONGs., ocasiões em que funcionários da casa eram literalmente expulsos da sala, num total desrespeito e promiscuidade entre o público e o privado.  Isso foi criando um clima de surda revolta entre os servidores em Brasília, que se difundia para as regionais.  

De qualquer maneira, todos os funcionários e indígenas aguardavam as novidades. Quando elas vieram, sob a forma do decreto, centenas deles ficaram sabendo, do dia para a noite, que teriam que se transferir compulsoriamente para outros locais ou abandonarem a instituição. Ao mesmo tempo, milhares de indígenas também ficaram sabendo que as unidades regionais que os serviam, muitas delas implantadas após duras batalhas, foram transferidas de lugar sem terem sido informados antecipadamente. Apesar de não possuírem uma organização representativa forte, os indigenistas e os servidores da Funai, de modo geral, são grandes amigos e aliados das lideranças indígenas tradicionais, as que moram efetivamente nas aldeias e que,  em última instancia, defendem os interesses de seus povos. 

Só poderia dar em revolta.

            Agora, a coisa está feita. De fato, alguns princípios do decreto vão de encontro ao que se discutia na instituição. É a questão, por exemplo, de  retirar os Postos Indígenas das aldeias em algumas regiões e implantá-los nas cidades próximas. Isso já estava há anos sendo discutido internamente e, em alguns locais, exercitado. Interessante também a criação dos Comitês Regionais, com participação indígena. Super-dimensionar algumas Coordenações Regionais, entretanto, seria reeditar as “superintendências”, que já foi testada e não deu certo no passado. Acabam ficando “inchadas”, longe das Terras Indígenas, com o pessoal técnico com dificuldades de alcançar as aldeias, por falta de transporte, combustível, diárias, etc.         

Enfim, pessoalmente, penso que não é acertado lutar pela revogação integral do decreto, já que foi tão difícil e demorado  que ele fosse editado e publicado.   Seria o caso, talvez, de se propor uma discussão ampla, em níveis regionais e nacional, com o objetivo de ajustá-lo. Tem-se justificado a elaboração do decreto sem discussões com os povos indígenas porque “os interesses indígenas com relação à Funai são conflitantes”.  

Ora, onde não existem interesses conflitantes no cenário político de qualquer país?  Se isso justificar a tomada de decisões unilaterais, voltamos automaticamente ao autoritarismo. Esse é o ponto. Para uma geração que lutou ferrenhamente contra a ditadura, é difícil “engolir” determinadas maneiras de fazer as coisas.
           
Uma das coisas que sempre ouvi dos líderes indígenas nas aldeias
 (Warodi, Penon, Atorkà, Raoni, Pohi, Tep’yêt e outros) e que incorporei à minha maneira de viver é: “Não queremos dinheiro, riqueza e poder. Isso não foi feito para nós. Só queremos respeito!”. 

Acredito que se houver o reconhecimento do governo,  de que houve equívocos políticos, técnicos, administrativos, culturais e logísticos na condução desse processo e, se os funcionários da Funai  e  lideranças indígenas tradicionais forem respeitados, ainda que tardiamente, poderão colaborar no processo de discussões para ajustes do decreto. Caso contrário, prevejo que será muito difícil que ele seja efetivado. Afinal, não estamos mais em 1964.
             
Aproveito para divulgar que conto detalhadamente os episódios da luta indigenista  que comento neste texto nos livros “DE LONGE TODA SERRA É AZUL – HISTÓRIAS DE UM INDIGENISTA” e “DIÁRIO DE CAMPO 2008/2009”, que estão disponíveis nos endereços publicados no site www.todaserrazul.com .
 Para adquirir as obras via internet acesse  www.livrariacultura.com.br

Procuradora Federal de Rondônia entra com Inquérito Civil Público contra Decreto 7.056

Ministério Público Federal entrou com Inquérito Civil Público para indagar junto ao presidente da República, se, na publicação do decreto de reestruturação da Funai, foi seguido o preceito contido no Art. 6º da Convenção 169, da OIT, que é lei no Brasil, segundo o qual  tem-se que proceder a consultas claras e livres de arbítrio em toda tomada de medidas legislativas e administrativas capazes de afetar as populações indígenas direta ou indiretamente.

Grande iniciativa da procuradora federal em Porto Velho!!

O texto completo vem abaixo e se encontra no DO Justiça do dia 27/01/2010.

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SEXTA CÂMARA DE COORDENAÇÃO E REVISÃO


PORTARIA No- 17, DE 14 DE JANEIRO DE 2010


A Excelentíssima Senhora Lucyana Marina Pepe Affonso de Luca, Procuradora da Re- pública no Estado de Rondônia, Represen- tante Estadual da 6a Câmara de Coorde- nação e Revisão do Ministério Público Fe- deral, que cuida de índios e minorias, no uso de suas atribuições conferidas pelo artigo 129, III, da Constituição da República; artigo 5o, III, "e", da Lei Complementar no 75/1993; artigo 25, IV, "a", da Lei no 8.625/93; e pelo artigo 8o, §1o, da Lei no 7.347/85


Interessados: POVOS INDÍGENAS DE RONDÔNIA


CONSIDERANDO que o Ministério Público Federal é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis;


CONSIDERANDO, que são funções institucionais do Ministério Público Federal, dentre outras, zelar pelo efetivo respeito aos direitos e interesses sociais e individuais indisponíveis assegurados na Constituição da República de 1988, promovendo, para tanto, e se necessário, o Inquérito Civil e a Ação Civil Pública (art. 129, III, da Carta Magna e artigo 5o, III, "e", da Lei Complementar no 75/1993);


CONSIDERANDO que, dentre as funções acima mencionadas, compreende-se a defesa dos bens e interesses coletivos das comunidades indígenas (art. 5o, inc. III, "e" da LC 75/93);


CONSIDERANDO a reunião ocorrida nesta Procuradoria da República em 07 de janeiro de 2010, na qual lideranças indígenas da região de Porto Velho informaram que o Decreto no 7.056, de 28 de dezembro de 2009 teria sido aprovado e publicado sem a devida consulta aos povos interessados, sendo exemplo disso o fato de que, segundo os representantes estaduais indígenas na CNPI (Comissão Nacional de Política Indigenista), tal decreto não teria sido submetido à apreciação da plenária daquela Comissão;


CONSIDERANDO que os indígenas relataram ser prática constante da FUNAI (Fundação Nacional do Índio) a adoção de medidas que afetem aos povos indígenas sem a devida prévia consulta aos interessados, contrariando o que dispõe a Convenção no 169 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) e o próprio Estatuto da FUNAI;


CONSIDERANDO que, segundo informações escritas repassadas por líderes indígenas e servidores da FUNAI de Porto Velho, não teria havido qualquer tipo de consulta aos povos indígenas de Rondônia, um dos principais interessados, antes da edição de aludido Decreto, tampouco qualquer estudo que indicasse a viabilidade das alterações na estrutura da FUNAI trazidas pelo mesmo;


CONSIDERANDO a precariedade atualmente existente em todas as estruturas da FUNAI no Estado de Rondônia, não logrando referida Fundação atender a contento a grande quantidade de indígenas aqui jurisdicionados;


CONSIDERANDO que o Decreto 7.056, de 28 de dezembro de 2009, da forma como editado, não se apresenta claro quanto ao novo regramento do funcionamento das unidades da FUNAI em todo território nacional;


CONSIDERANDO o disposto no artigo 6o da Convenção 169 da OIT, da qual o Brasil é signatário, que preconiza a necessidade de consultar os povos interessados sempre que se tenham em vista medidas legislativas ou administrativas, capazes de afetá-los dire- tamente;


CONSIDERANDO o que dispõe o anexo I do Decreto 7.056, de 28 de dezembro de 2009, o qual define o Estatuto da FUNAI, que em seu artigo 2o, inciso II, alínea "f" define como finalidade daquela Fundação for- mular, coordenar, articular, acompanhar e garantir o cumprimento da política indigenista do Estado Brasileiro, garantindo a participação dos povos in- dígenas e suas organizações em instâncias do Estado que definem políticas públicas que lhes digam respeito; resolve:



INSTAURAR Inquérito Civil Público objetivando verificar as con dições de edição do Decreto no 7.056, de 28 de dezembro de 2009, segundo lideranças indígenas de Porto Velho, "o Decreto que extinguiu a FUNAI em Porto Velho", bem como subsidiar eventuais ações judiciais e extrajudiciais que se revelarem necessárias, nos termos da lei.


NOMEAR os servidores lotados junto a este Ofício para atuar como Secretários no presente.


DETERMINAR como diligências preliminares as seguintes: 


1. Registre-se e autue-se os documentos como INQUÉRITO CIVIL PÚBLICO, devendo o feito ser iniciado por meio desta Portaria. Havendo novos documentos pertinentes, deverão ser jun- tados ou apensados, naturalmente; 
2. Apor na identificação do ICP o seguinte resumo: 


Inquérito Civil Público instaurado para verificar as condições de edição do Decreto no 7.056, de 28 de dezembro de 2009, segundo lideranças indígenas de Porto Velho, "o Decreto que extinguiu a FUNAI em Porto Velho"; 


3. Encaminhe-se Ofício ao Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, solicitando que o mesmo encaminhe Ofício ao Presidente da República Federativa do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, com a seguinte minuta:


Cumprimentando-o, solicito que Vossa Excelência informe, no interesse do Inquérito Civil Público no (inserir), que tramita na Procuradoria da República em Rondônia se, quando da edição do Decreto no 7.056, de 28 de dezembro de 2009, foi observado o que preconiza o artigo 6º da Convenção no 169 da Organização Internacional do Trabalho, internalizada no ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto no 5.051, de 19 de abril de 2004, no tocante à prévia consulta aos povos interessados quando da tomada de medidas legislativas ou administrativas capazes de afetá-los diretamente, devendo ser encaminhadas cópias de todos os procedimentos adotados para esse desiderato, em caso positivo.


I - PRODUTIVIDADE:1 - Um processo com pedido de vista devolvido à secretaria da CCR II - SITUAÇÃO
Solicitamos que Vossa Excelência informe, também, como passará a ser a estrutura da FUNAI no Estado de Rondônia, devendo ser enumerados os Postos Indígenas e Núcleos de Atendimento Local extintos, a partir da edição de referido Decreto, naquele Estado.
Solicitamos a Vossa Excelência que a resposta seja encaminhada no prazo de 10 (dez) dias úteis a contar do recebimento, tendo em vista a necessidade de fornecer informações aos povos indígenas do Estado de Rondônia que procuraram esta Procuradoria da República em busca de esclarecimentos e na luta por seus direitos; (Apor em aludido ofício a inscrição "urgente" e encaminhar cópia da presente Portaria de Instauração); 


4. Após a vinda das informações, venha o procedimento concluso para deliberação; a


Cientifique-se a 6ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal, na pessoa de sua Coordenadora, encaminhando-lhe cópia do presente e solicitando sua devida publicação na Imprensa Oficial.


Porto Velho/RO, 14 de janeiro de 2010. 
LUCYANA MARINA PEPE AFFONSO DE LUCA Procuradora da República

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Funcionários e índios de Pernambuco entregam carta a Lula


Os funcionários da Funai/Recife prometeram e cumpriram. Foram hoje à cidade de Paulista, a 50 km de Recife, para protestar contra o decreto de reestruturação da Funai perante o próprio presidente Lula e sua comitiva de ministros, senadores, deputados e o próprio governador do Estado.

Lula viu as faixas em preto pedindo a revogação do decreto. Lula viu 30 funcionários da Funai vestidos de preto apitando e clamando junto com um grupo de índios de Pernambuco. A carta que escreveram (e que foi publicada nesse Blog hoje) foi entregue diretamente ao senador Romero Jucá e este entregou-a a Lula à vista de todos.

Hoje à noite, em jantar com Lula e sua comitiva, diversos deputados de Pernambuco se comprometeram a falar com o presidente sobre a questão.

É evidente que cada grupo de funcionários quer chamar a atenção para o seu caso. Aí, no caso, é a restauração da AER Recife. Entretanto, considero que as reivindicações ganham um teor generalizado na medida em que a mudança só poderá haver com a elaboração de novo decreto, se não sua revogação completa, seguido pela volta ao status quo ante, e terminando com o início de um novo procedimento para reestruturar o órgão indigenista.

O que não vale é deixá-lo como está, com 22 AERs e 337 postos indígenas extintos. A transformação desse conjunto estabelecido de instituições indigenistas em simples coordenações técnicas locais não assegurará ao órgão seu poder (mesmo que fraco hoje em dia) perante as dificuldades que têm os povos indígenas cercados pela sociedade brasileira --e pior-- pelas Ongs neoliberais.

Os índios e os funcionários da Funai sabem o que estão perdendo. Não são seus cargos e suas posições na vida atual -- as quais merecem respeito de todos -- que estão perdendo. Estarão perdendo sua dignidade no trabalho e temem pelo que de pior pode advir disso tudo: o desvio de propósito de um órgão que, bem ou mal, demarcou em priscas eras, durante diversas administrações (inclusive esta do qual foi presidente este que aqui escreve) -- não a atual -- cerca de 13% do território brasileiro como terras indígenas.

É pouco? Pergunta quanto o IBAMA demarcou como terras protegidas da União, com o triplo de funcionários?

Agora, considerar que a Funai é um órgão decadente que está precisando de reformulações radicais é uma atitude claramente neoliberal, própria de uma mentalidade que não reconhece a história de uma instituição, as suas rugas e suas cicatrizes.

Reestruturação, sim, mas em bases rondonianas. E com chances especiais para os jovens indígenas que estão cursando o ensino médio e as faculdades do país. A reestruturação tem que vir com respeito à história do órgão que está fazendo 100 anos este ano. Com respeito aos povos indígenas que vêm conquistando seu espaço político em diversos setores, inclusive na Funai. No atual tipo de concurso público que está aí publicado, cujo programa li há pouco, só passarão pessoas formadas pelo espírito neoliberal que prevalece nos atuais departamentos de antropologia das universidades brasileiras. Não haverá chances para quem fala língua indígena, para quem tem vivência indígena, proximidade e compreensão, enfim, para quem é indígena.

É preciso priorizar os índios no concurso público que está para ser feito. Para isso é preciso revogar esse decreto de reestruturação e refazer o rumo da política indigenista brasileira, seguindo o espírito que está contido no Estatuto do Índio: qual seja, de abrir oportunidades para que os índios venham a conduzir sua autonomia e seu papel na Nação brasileira.

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Manifestantes aguardam chegada de Lula na cidade pernambucana de Paulista


O Globo Online, Letícia Lins
RECIFE - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vai enfrentar nesta quarta-feira dois protestos quando chegar ao município pernambucano de Paulista, a 20 km de Recife, onde vai inaugurar uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Os manifestantes são de dois tipos: funcionários da Fundação Nacional do Índio (Funai), vestidos de preto e com balões da mesma cor, pedem a revogação do decreto 7.056, editado em 28 de dezembro de 2009. Segundo eles, o decreto extingue a representação regional do órgão em Pernambuco, onde há 11 etnias indígenas.

Índios Pataxó e Tupinambá, do sul da Bahia, marcam presença em Brasília

Cerca de 29 caciques Pataxó, 17 Tupinambá e mais algumas lideranças estão em Brasília para protestar contra o decreto de reestruturação e também contra a Funasa. Contra a Funasa? Mas esta é hors concours, protesto toda hora!

Por enquanto estão seguindo o circuito estabelecido por seus anfitriões: visita à 6ª Câmara da PGR, agendamento com a cúpula da Funai, etc.

Logo, logo se darão conta das ciladas que os aguardam e passarão a se juntar ao movimento indígena revolucionário. Os Pataxó e Tupinambá ainda aguardam a demarcação e segurança de suas principais terras indígenas. Muita confusão na região. Agora sem AER e sem o Núcleo de Apoio de Porto Seguro não ficará mais fácil para eles.

O movimento indígena revolucionário toma corpo de novo. A chama não acabou, apesar da saída de tantos indíos. Hoje chegou mais um ônibus com lideranças indígenas de Rondônia. Já são cerca de 200 índios em Brasília, em tempos diferentes de protesto. Os Kaingang aguentam o tranco. Há muito que perderam a paciência e só pretendem falar com Lula ou com o ministro da Justiça. Como nenhum dos dois está por Brasília, suas manifestações se focam contra a cúpula da Funai.

Os Xavante estão em pequeno número por aí. O grosso de seu exército está nas áreas indígenas discutindo estratégias de ação. Não têm recursos, nem quem os apoie em suas manifestações. Mas sabem que toda mentira tem pernas curtas, e estão prontos para marcar presença em Brasília. Vêm quase sempre com seus próprios e parcos recursos. No sacrifício. Aguardam agora o começo do mês para arrecadar ajuda dos seus patrícios aposentados, funcionários da Funai e da Funasa, etc.

O movimento indígena revolucionário é extraordinário, como diria Lula, se soubesse do que está acontecendo de fato. Lutam no sacrifício. Não tem CIMI, não tem Ong, não tem Funai. A ajuda é improvisada em cima do joelho.


Dizer que isso é fisiológico é um acinte aos índios. Um descaramento inominável.

Pausa para Reflexão sobre o Brasil: Propostas de Mangabeira Unger


OITO OPÇÕES PARA DEFINIR O RUMO DO  BRASIL
                
        Oito séries de opções definem o modelo de desenvolvimento que convém ao Brasil. Modelo que transforma a ampliação de oportunidades econômicas e educativas no motor do crescimento. E que afirma a primazia dos interesses do trabalho e da produção sobre os interesses do rentismo.


1.Reposicionar o Brasil na divisão internacional do trabalho. Deve o país optar contra caminho, como o da Nova Zelândia ou do Chile, que combina  produção e exportação de produtos primários com tentativa de formar elite internacionalizada de serviços. O Brasil é grande demais para abandonar sua vocação industrial. Ao manter-se fiel a ela, precisa também optar contra estratégia como a que a China seguiu: apostar, por muito tempo, em trabalho barato e desqualificado. Não prosperaremos como uma China com menos gente.


2. Financiar internamente nosso desenvolvimento. Dividir ao meio a seudo-ortodoxia econômica que os governos brasileiros abraçaram em décadas recentes.  Reafirmar a parte útil -- o realismo e a responsabilidade fiscais --, mesmo à custa de renunicar, por algum tempo, a instrumentos de uma política contra-cíclica. Repudiar a parte nociva -- a tolerância de nível baixo de poupança pública e privada e a consequente dependência do capital estrangeiro para financiar nosso desenvolvimento.
Em tese, o nível de poupança é mais efeito do que causa do crescimento. A mobilização inicial dos recursos nacionais representa, entretanto, condição para a afirmar estrátegia rebelde e inovadora de desenvolvimento.
A elevação da poupança pública requer disciplina fiscal. Já para elevar a poupança privada, temos de construir mecanismos que organizem e aproveitem a poupança previdenciária.
O aumento da poupança privada e pública será, porém, indiferente ou nocivo sem canais que encaminhem a poupança de longo prazo para o investimento de longo prazo. E que evitem que seu potencial produtivo se desperdice num casino financeiro. Investimento e inovação: este é o binômio crucial.


3. Redefinir a política agrícola. Agropecuária, ainda a principal atividade econômica do Brasil, tem tudo para exemplificar o vínculo entre diversificação da produção e democratização das oportunidades. Para isso, precisa pautar-se por três objetivos entrelaçados. Fazer da agricultura familiar agricultura empresarial. Agregar valor aos produtos agropecuários no campo. Construir classe média rural forte como vanguarda de massa de trabalhadorea agrícolas mais pobres que avançara atrás dela.
Este projeto vingará no contexto da solução do maior problema físico de nossa agricultura: a recuperação de pastagens degradadas que hoje formam grande parte do território nacional. (No Brasil, para cada hectar sob lavoura há quatro entregues à pecuária extensiva.) Se recuperarmos parte desta área, dobraremos a área cultivada e triplicararemos nosso produto agrícola sem tocar uma única árvore.


4. Reorientar a política industrial. Se abrirmos para as pequenas e médias empresas o acesso ao crédito, à tecnologia, ao conhecimento, aos mercados globais, criaremos dínamo de crescimento includente. São elas a parte mais importante de nossa economia; é ali que se gera a maior parte do produto e é ali que está a vasta maioria dos empregos.
Organizar fora dos centros industriais travessia direta do pré-Fordismo industrial para o pós-Fordismo industrial, sem que o todo o país tenha de penar no purgatório de um paradigma de produção --  produção em grande escala de bens e sereviços padronizados, por meio de mão de obra semi-qualificados e processos produtivos rígidos e hierárquicos -- que já se vai tornando superado no mundo e que inibe nossa ascensão na escalada da produtividade. O Brasil todo não deve ter de virar a São Paulo de meados do século passado para depois tornar-se outra realidade.


5. Reorganizar as relações entre trabalho e capital. Não se inova nisto desde Vargas. A maior parte do povo brasileiro está fora do regime legal. Quase metade da população economicamente ativa continua na informalidade. Parte crescente dos empregados na economia formal encontra-se em situações precarizadas, de trabalho temporário, terceirizado ou autônomo.
Construir, ao lado do regime estabelecido de leis trabalhistas, um segundo corpo de regras, destinado a proteger, a organizar e a representar os trabalhadores inseguros das economias informal e formal.


6. Capacitar o povo brasileiro.
A primeira prioridade é reconciliar a gestão local das escolas pelos estados e municípios com padrões nacionais de investimento e de qualidade: federalizar -- na prática, não apenas na lei -- os padrões. Para reconciliar gestão local com padrões nacionais é preciso criar instrumento para consertar redes de escolas locais que caiam repetidamente abaixo do patamar mínimo aceitável de qualidade. O meio é associar os três níveis da federação em órgãos conjuntos que possam vir em socorro destas escolas, assumi-las temporariamente, confiá-las a gestores profissionais independentes e devolvê-las consertadas.
         A segunda prioridade é mudar a maneira de aprender e de ensinar no Brasil. Substituir decoreba -- o enciclopedismo informativo superficial -- por ensino analítico e capacitador, com foco no básico: análise verbal e análise numérica.
         O lugar para iniciar esta obra é o elo fraco: a escola média. E o instrumento mais promissor é educação secundária com fronteira aberta entre o ensino geral e o ensino técnico. Ensino geral que subordine memorização a análise. Ensino técnico que priorize o domínio de capacitações práticas flexíveis e genéricas em vez de priorizar a aprendizagem de ofícios rígidos.


7.Reconstruir o Estado. Não existe ainda no Brasil o Estado capaz de executar o programa que aqui se esboça. Nosso Estado continua a ser balofo e incapaz. Há três agendas de gestão pública a executar simultaneamente.
A primeira agenda, a do profissionalismo burocrático, é a obra incompleta do século 19 em matéria de administração pública. Temos ilhas de profissionalismo no Estado. Continuam a flutuar em oceano de discricionariedade política.
A segunda agenda, a da eficiência administrativa, está associada ao século 20.  Reinventar para o setor público práticas de gestão empregadas no setor privado: padrões de desempenho, garantias de transparência, mecanismos, dentro e fora do Estado, para avaliar, incentivar e cobrar resultados. Transformar o direito e o processo administrativos. Metade do que temos é camisa-de-força, baseada em desconfiança. A outra metade é o oposto: a delegação de poderes discricionários a potentados administrativos. Ambas as metades precisam ser substituídas por regras e procedimentos que permitam reconciliar fidelidade aos objetivos com flexibilidade na execução.
A terceira agenda, a ser característica do século 21, é a do experimentalismo na maneira de prover os serviços públicos, inclusive de educaçaõ e de saúde. Não precisamos escolher entre a provisão burocrática de serviços padronizados de baixa qualidade e a privatização destes serviços em favor de empresas à busca de lucro. Pode o Estado ajudar a organizar e a financiar a sociedade civil independente para que ela participe da provisão competitiva e experimental dos serviços prestados pelo Estado ao cidadão. É a melhor maneira de qualificá-los.


8. Institucionalizar a cultura republicana.
O primeiro ponto de partida é substituir federalismo de repartição rígida de competências entre os três níveis da federalismo por federalismo cooperativo que os associe em ações conjuntas e em experimentos compartilhados.
O segundo ponto de partida é adotar medidas que comecem a tirar a política da sombra corruptora do dinheiro. Financiar publicamente as campanhas eleitorais para diminuir a influência do dinheiro privado. Rever o processo orçamentário para que o orçamento deixe de ser palco pantanoso da negociação entre os interesses poderosos. Substituir a maior parte dos cargos de indicação política por carreiras de Estado.
Utopia? Tudo isso é factível com instrumentos que já temos à mão. O objetivo é dar braços, asas e olhos à vitalidade brasileira.
 
Roberto Mangabeira Unger é Professor Titular da Universidade de Harvard (EUA).

 
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