sábado, 31 de janeiro de 2009

Viagem pela Amazônia








De volta ao Rio de Janeiro depois de uma rápida e proveitosa semana viajando pelos rios Araguaia e Xingu e visitando aldeias dos índios Karajá, Xavante e Kayapó.

Karajá

Terça-feira estive nas aldeias Santa Isabel do Morro e JK, dos índios Karajá, na Ilha do Bananal, quase confronte à cidade de São Félix do Araguaia, onde vive o bispo Dom Pedro Casaldáliga. A Ilha do Bananal é formada pela divisão do rio Araguaia, que a envolve pelo lado esquerdo, onde continua a ser chamado de rio Araguaia, e por seu braço oriental, que recebe o nome de rio Javaé. De um lado estão os índios Karajá, do outro os Javaé. Ambos se denominam Iny Mahadu, falam a mesma língua, porém com sotaques diferentes. A FUNAI os reconhece como dois povos separados.

Conversei com lideranças dessas duas aldeias e eles me relataram o que estava se passando pela Ilha e em que pé estava seu relacionamento com o mundo dos brancos, inclusive com a FUNAI. O que me alegrou foi confirmar a notícia que havia dado há alguns meses neste Blog de que o gado dos brancos -- milhares de cabeças -- que estava na Ilha desde a década de 1970 havia sido compulsoriamente retirado em sua totalidade por determinação dos índios Karajá. Esse gesto tinha sido comemorado como uma grande vitória do povo Karajá, como o início de uma nova era de mais autonomia e capacidade de auto-determinação. Entretanto, passados apenas uns dois meses, para a infelicidade dos Karajá, parece que, do lado dos Javaé, alguns fazendeiros já tinham recolocado seu gado de volta, sob a benemerência de algumas lideranças indígenas javaé. Aliás, falava-se que um procurador do estado de Tocantins tinha permitido, se não promovido, esse ato argumentando que os índios precisavam de ter renda e que o aluguel do pasto nativo da Ilha não contrariava o Estatuto do Índio. Essa questão vai abrir nova frente de desentendimento entre os Karajá e Javaé, e, o pior, com a intervenção negativa do Ministério Público.

Xavante

No dia seguinte, quarta-feira, peguei um carro para ir visitar os Xavante na Terra Indígena Maraiwatsede, distante 170 km de São Felix do Araguaia. Choveu durante toda a viagem num lamaçal sem fim.

Ao chegar na Terra Indígena Maraiwatsede, lembrei-me do tempo em que lá estivera pela primeira vez com os Xavante liderados por Damião na retomada de suas terras. Eles acamparam na beira da estrada, confronte à entrada da terra indígena, e lá ficaram mais de um ano e meio, sofrendo as ameaças dos posseiros, fazendeiros e políticos locais e nacionais, até conseguirem penetrar com suas mulheres e filhos em uma parte dela, onde assentarem de vez seu povo. Hoje aquela aldeia é a maior de todas as aldeias xavante, com mais de 800 pessoas. Damião é seu grande líder.

A recepção que os Xavante me concederam não poderia ter sido mais calorosa. Saudaram-me com um dos seus cãnticos coletivos de saudação, conversaram comigo, perguntaram por assuntos sobre os quais estavam interessados em ouvir a minha opinião.

Kayapó

No dia seguinte, quinta-feira, tomamos um avião rumo a Tucumã, no centro do estado do Pará. Tucumã, ao lado de outra cidade chamada Ourilândia do Norte, abrigam as dependências da VALE, com uma mina de níquel, cobre e ouro que se localiza ao lado da Terra Indígena Xikrin. Em Tucumã está instalado, desde 2006, um Núcleo de Apoio da FUNAI que atende a sete aldeias do povo Mebengokrê, os Kayapó. Esse núcleo foi criado pela fusão de dois postos indígenas, na minha administração. Os Kayapó têm um apoio seguro na região.

Visitamos a aldeia Kriketum, atualmente a maior aldeia kayapó, com 900 pessoas. Localiza-se na beira do rio Fresco, um dos principais afluentes do médio rio Xingu. Fomos recepcionados por cânticos de boas-vindas por cerca de 150 Kayapó, liderados pelo cacique Niti, na foto acima. Vieram líderes e representantes de duas outras aldeias para confranternizarem com a nossa presença. Foi um prazer imenso falar com os Kayapó, ouvir seus cãnticos de alegria e de guerra, e ponderar com eles os acontecimentos da questão indígena brasileira.

Os Kayapó, bem como os Xavante e os Karajá, estão extremamente preocupados com as ameaças de mudança no Estatuto do Índio, que a Comissão Nacional de Política Indígena está tentando promover junto com os argumentos do CIMI e das Ongs neoliberais. A atual gestão da FUNAI também é favorável a essa mudança, em confrontação com as apreensões dos índios. Eles relataram que, em uma reunião promovida pela atual gestão da FUNAI em Belém, com a presença de diversas representações indígenas, protestaram veementemente contra a ideia de acabar com o Estatuto do Índio por uma nova proposta, que seria levada ao Congresso Nacional para o alvitre dos deputados. Consideram que o Estatuto do Índio atual é bom o suficiente e que não vale a pena tentar mudá-lo. Seria muito arriscado, pelas mudanças que os deputados viessem a efetuar. As propostas trazidas por aquelas Ongs, que infelizmente ainda contam com o apoio de algumas lideranças indígenas, especialmente as ligadas à atual gestão da Coiab, foram rechaçadas pelos Kayapó -- unanimemente. Com isso, parece que, naquela reunião, essas propostas teriam sido abandonadas, embora elas continuem a ser discutidas nos fóruns dominados pelas Ongs.

De todo modo, os Kayapó querem unir os demais povos indígenas para rechaçar as ideias que são ventiladas pelas Ongs neoliberais. Querem que a FUNAI defenda o Estatuto do Índio atual, querem uma FUNAI forte e que defenda os seus direitos, não querem a presença de pessoas que mal conhecem a situação indígena brasileira. Foi o que os Kayapó me relataram.

terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Governador do Mato Grosso do Sul mostra a que veio


Impressionante o destempero verbal e a virulência do ataque que o governador do Mato Grosso do Sul, André Pulcinelli, fez à FUNAI, em reunião ontem com 42 lideranças e na presença do administrador da FUNAI em Campo Grande.

A matéria abaixo dá detalhes do diálogo enervado com os índios e do discurso autoritário e desproporcional que o governador usou. Menciona muitas vezes o modo oprimido e humilhado com que os índios reivindicaram ações do governo daquele estado.

Uma vergonha para os matogrossenses do sul.

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André xinga a Funai em evento com os índios

Celso Bejarano Jr.
Alessandra Carvalho


O governador André Puccinelli, do PMDB, disse nesta manhã durante audiência com lideranças indígenas que a Funai, entidade nacional cuja missão é só cuidar dos interesses dos índios, “não serve para p... nenhuma”.

Ao menos 42 lideranças e outros 40 índios ligados a elas ouviram os insultos durante a reunião que encheu o auditório no prédio da governadoria, em Campo Grande. E ninguém se manifestou contra o discurso, nem o administrador do órgão em Campo Grande, o recém-empossado Jorge das Neves.

Os índios que participaram da audiência marcada para que eles reivindicassem melhorias em suas aldeias não se vestiram como índios ou puseram no corpo alguma peça que caracterizava etnias, prática comum entre eles em eventos públicos.

Os índios que lá estavam habitam aldeias da região noroeste de Mato Grosso do Sul, como os guatós, kadwéus e terenas.

Nos discursos que fizeram eles pediram apoio para tocar lavoura nas aldeias e elogiaram a gestão de Puccinelli.

No final do evento, que durou cerca de duas horas, pelo menos 80 índios foram almoçar numa churrascaria da cidade e a conta seria paga pelo governo de Puccinelli.

O ataque

O governador atacou a Funai por seguidas vezes: disse que o órgão pouco contribui com as comunidades indígenas e que o seu governo é quem tem dado apoio a elas, citando entre os feitos a construção de casas e a liberação de cestas básicas.

Cálculos de Puccinelli indicam que o governo dele construiu em dois anos 918 casas nas aldeias, aumentou de 84 para 120 o número de vagas destinadas aos índios nas universidades e que hoje distribui algo em torno de 14.200 cestas básicas nas aldeias.

“E durante a campanha eleitoral, diziam que o André aqui ó [encostando a mão no peito] é quem não gostava de índios, queria matar os índios. Meu governo trabalha pelo índio, enquanto isso a Funai não faz p... nenhuma. P... nenhuma”, disse repetidas vezes.

Das 42 lideranças indígenas, 12 fizeram discursos que duraram de três a cinco minutos cada. Alguns deles:

Ademir, cacique dos kadwéus, pediu que o governo cedesse maquinário para a sua aldeia. Elisor, representante dos terenas de Sidrolândia, elogiou Puccinelli pela construção de casas e pediu para que o governo mande para aldeia um técnico agrícola.

Alceri, cacique em Aquidauana, após elogiar o governador pediu que a aldeia dele fosse asfaltada.

Juarez, da aldeia Babaçu, em Miranda, elogiou o governador e pediu mais programas ligados a educação e agricultura.

Roque, cacique da comunidade Brejão, em Nioaque, brincou com Puccinelli ao dizer que sua aldeia sempre vai manter as “portas abertas” ao governador.

O governador arrancou sorrisos de outros líderes ao dizer que “Roque estava catequizado”, isto é, agindo como político.

Edmilson George, cacique da aldeia Lagoinha, em Aquidauana, que disse ter sido chefe da campanha eleitoral de Carlos Marum, secretário estadual da Habitação, gastou seu tempo de discurso para elogiar o governador.

Após a audiência, Puccinelli conversou com os líderes e prometeu ajuda.

Nenhum líder indígena mencionou na reunião o atual programa tocado pela Funai que prevê a demarcação de terras indígenas no Estado.

Nem sobre os casos de suicídios ocorridos nas aldeias da região Sul do Estado, as mais afetadas pela pobreza

segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

José de Souza Martins lembra formação do MST

Vale a pena ler esse artigo do sociólogo José de Souza Martins, da USP, sobre a origem e a formação intelectual-ideológica do MST. Segundo Martins, a expulsão de lavradores da Terra Indígena Nonoai, no Rio Grande do Sul, é que desencadeou o processo de formação do MST, junto com a ideologia católica.

Martins foi aluno do grande sociólogo Florestan Fernandes e tem se destacado pela lucidez de suas análises sobre as questões sociais brasileiras.

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Mística e contradições do MST

José de Souza Martins*

O Estado de São Paulo

Na nova visão de reforma agrária do movimento, a prioridade não é mais a terra e sim o mercado

O aniversário de 25 anos do MST deu a Gilmar Mauro, um de seus dirigentes, a oportunidade de uma autocrítica, na Folha Online, que bem expressa o bifrontismo e os dilemas dessa organização política. De um lado, ele reconhece que o MST não conseguiu uma reforma agrária no Brasil, embora tenha contribuído para o assentamento de muitas famílias de trabalhadores rurais. De outro lado, diz que agora a reforma agrária tem um conteúdo novo, relativo a uma agricultura, de alimentos saudáveis e matérias-primas, que não agrida o meio ambiente. Antes a terra tinha precedência, agora é o mercado.

Bifrontismo porque a reforma agrária do MST é antagônica ao historicamente próprio da reforma agrária: a supressão ou atenuação da renda territorial, o preço da terra, como tributo que condiciona seu uso, para viabilizar a expansão capitalista na agricultura.

A reforma agrária nada tem de revolucionária, embora possa ter potenciais de transformação social e até política. O sujeito social da reforma, que é a chamada agricultura familiar, tem um potencial que para Gilmar Mauro ainda se limita à agricultura ecológica e sadia. Deixa ele de lado o potencial socialmente transformador do saber tradicional e do familismo rural quando inseridos nas imensas possibilidades da economia e da sociedade modernas, como contraponto às suas insuficiências e irracionalidades, como é o caso da fome. Na economia moral do MST há um capital social que vem sendo desperdiçado quando reduzido a uma prática fantasiosa, destituída de mediações e imune às próprias contradições.

Ao ignorar os limites e as possibilidades desse dilema, o MST deixa de tirar dele mais do que a bravata anticapitalista de seus dirigentes e atira ao monturo das oportunidades perdidas a riqueza do capital social que, na figura do agricultor familiar em crise, lhe caiu nas mãos literalmente por milagre. É nesse terreno movediço que o MST se situa, por motivos históricos alheios a sua vontade e a sua compreensão. O MST não é o pai e patrono da reforma agrária no Brasil, bem mais antiga do que ele. Nasceu ela quando as esquerdas já haviam perdido essa bandeira para a própria ditadura militar. A reforma agrária entrara na agenda dos partidos de esquerda nos anos 50 basicamente como condição para enfraquecer o poder político da grande propriedade da terra e alargar as bases sociais da luta pelo socialismo. Não era uma demanda efetiva e consistente de imensas massas insurgentes. Aliás, a Igreja opôs-se à reforma agrária de Jango e deu decisiva demonstração nesse sentido ao apoiar e viabilizar as chamadas Marchas da Família com Deus pela Liberdade, que promoveram mobilizações de massa a favor do golpe de Estado.

Dado o golpe, a ditadura apropriou-se da causa da reforma e tornou-a causa do governo. A Igreja, de onde o MST nasceria em 1984, só voltou a se interessar por ela em 1975, quando foi criada a Pastoral da Terra, como pastoral de direitos humanos, motivada pela sistemática violência contra posseiros pobres na avassaladora expansão da fronteira econômica na Amazônia. A protestantização do Estado brasileiro, a partir do golpe, deixou a Igreja sem margem de intervenção junto ao governo em defesa de seus pontos de vista, tendo sido a aprovação do divórcio o ápice dessa marginalização política. Quebrou-se o arranjo proposto pela Revolução de Outubro de 1930, com Getúlio, de um reconhecimento do catolicismo como religião da maioria da nação, o que dava à Igreja preferência nas atenções do Estado.

Esses dois fatores empurraram a Igreja para uma opção decisiva pelas questões sociais e políticas. Mas a Pastoral da Terra fora proposta como pastoral de suplência e deu sinais de que chegara ao limite quando ficou evidente que o regime chegava ao fim. Foi a CNBB, aliás, que propôs a Tancredo o nome de um católico como novo ministro de Assuntos Fundiários contra os nomes indicados pela Associação Brasileira de Reforma Agrária, três nomes de esquerda. A Igreja queria a reforma, mas não queria a esquerda na sacristia.

Nesse cenário, já antes, agentes de pastoral começaram a articular um futuro sem envolvimento direto dos bispos na questão fundiária. Numa conversa informal no Centro de Treinamento de Líderes, da Arquidiocese de Goiânia, o Padre José Servat, um belga originário da Ação Católica, que exerce seu ministério no Nordeste, lembrou ao acaso que a saída poderia ser a de criar um movimento de trabalhadores sem terra, para que essa mudança não afastasse da luta pela reforma agrária os leigos da Igreja.

Na mesma direção, outra mudança já vinha ocorrendo. Em 1981, 600 famílias de sem-terra acamparam na faixa de servidão da estrada de Ronda Alta a Passo Fundo (RS). Na origem e no geral, era gente expulsa das terras dos índios caingangues na revolta indígena de outubro de 1978, em Nonoai. Em curto tempo, houve levantes em praticamente todos os aldeamentos caingangues, de São Paulo ao Rio Grande do Sul. No caso de Nonoai, as terras indígenas começaram a ser ocupadas por colonos em 1966, mediante pagamento de renda simbólica à Funai, os índios transformados em seus empregados. Expulsos, parte dos colonos foi para fazendas do governo, esperando assentamento definitivo. De um modo ou de outro, muitos acabariam na estrada de Ronda Alta. Ali, na Encruzilhada Natalino, nasceu a mística da terra prometida, a cultura das Romarias da Terra, a reforma agrária como sacramento e partido. Dessa cultura se apropriará o MST, unificando política e ideologicamente a imensa variedade de lutas pela terra de todo o Brasil. Será ele a base de afirmação partidária do PT no campo, propondo-se como mediação partidária única da diversidade rural. Assim como teve seu momento de aparente afastamento em relação à Igreja, o MST alarga hoje seu conflito com o próprio PT, sem grandes consequências, porém, já que para o MST o PT é o limite e o governo Lula sabe disso. O MST pode produzir o trovão, mas o dono do raio é o governo.

*José de Souza Martins é professor de sociologia da Faculdade de Filosofia da USP e autor, entre outros títulos, de A Aparição do Demônio na Fábrica (Editora 34)

Nova Constituição boliviana favorece povos indígenas

O plebiscito realizado nesse domingo referendou a nova Constituição da Bolívia, votada há mais de dois anos pela Assembleia Constituinte, que traz inúmeros artigos favoráveis a uma grande participação dos povos indígenas daquele país.

Ao que indicam as pesquisas de boca-de-urna e por amostragem da contagem, o plebiscito teve cerca de 60% de votos favoráveis. A grande maioria desses votos se deu nos distritos (estados) andinos, como La Paz, Oruro e Potosi, estados mais populosos e com mais de 70%, enquanto que nos distritos do leste boliviano, como Santa Cruz, Beni, Tarija e Chuquisaca, a votação contrária chegou a 65%.

Os governadores desses últimos estados proclamam que não vão seguir essa Constituição em seus estados, já que eles a rejeitaram. Por sua vez, o presidente Evo Morales declarou que todos devem seguir a nova Constituição, conforme o plebiscito.

A situação vai inevitavelmente descambar num impasse entre esses dois tipos de Bolívia, impasse que já foi demonstrada em conflitos anteriores. A menos que Morales consiga apaziguar o ânimo dos vencidos, algo que ele já conseguiu através de negociação política.

A nova Constituição boliviana traz muitas novidades para a Bolívia e para a América do Sul. Na verdade, ela é a primeira constituição que verdadeiramente confere um novo status para os povos indígenas. Dá amplos poderes de autonomia para os 36 povos indígenas que habitam aquele país, especialmente em aspectos como controle ou escolha do seu desenvolvimento econômico, modos de tenência de terra e auto-determinação política e jurídica. Cria a figura da "justiça comunitária", pela qual determinados delitos podem ser julgados nos moldes que cada comunidade ou povo indígena decidir. A única restrição é que a pena de morte é ilegal, mas castigos físicos, multas ou restrições comportamentais poderão ser aplicados ao gosto da comunidade.

A representação congressual contará com a presença de representantes dos povos indígenas que serão eleitos por seus pares, não pelo voto universal. Algo como um sistema de cotas por representação. Não sei se cada povo indígena terá seu representante no congresso boliviano, mas pelo menos alguns estarão presentes.

A Bolívia dá um passo importantíssimo para consolidar os resultados do movimento indígena que tomou conta daquele país, majoritariamente formado por indígenas de origem quíchua e aymara, e mais 35 povos minoritários. Vai mais além do que qualquer outra constituição já feita no mundo, seja nas Américas, seja na Ásia e até na África, onde há tanta presença de povos diferentes.

A grande questão é: este foi um passo firme ou foi além das possibilidades atuais? Aí só os próximos meses e anos dirão.

Por sua vez, a Constituição dá amplos poderes centrais ao Executivo, inclusive de nacionalizar empresas estrangeiras. A propósito, além dos investimentos da Petrobrás, recentemente foram nacionalizados os investimentos petrolíferos da British Petroleum. Tal tipo de ação é que, ao final, poderá encrencar a vida da nova Constituição boliviana.

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

Índios Xokleng protestam contra retirada de madeira no vale do Itajaí

Há duas semanas um grupo substantivo de índios Xokleng, entre 150 e 200 pessoas, moradores do vale do rio Itajai, em Santa Catarina, na Terra Indígena Ibirama, vêm pressionando a quem interessar possa para regularizar a ampliação de sua terra indígena. A ampliação foi decretada em abril de 2003 pelo ministro Márcio Thomas Bastos, mas logo foi contestada em juízo e até agora nenhum juiz decide sobre o caso. Os índios estão, com toda razão, perdendo a paciência.

Há duas semanas eles bloquearam uma estrada que passava por sua terra. Manifestavam a reivindicação de que a demarcação de sua terra fosso iniciada. Ninguém deu bola. Nesses últimos dois dias fizeram uma barreira para conter a passagem de caminhões carregando toras de madeira retirada de uma reserva ambiental, na qual é proibida a retirada de madeira por determinação judicial. Essa reserva é considerada pelos Xokleng como parte de sua terra ampliada.

Ontem a situação esquentou. No município de Itaiópolis, um grupo de uns 50 colonos fechou a estrada e deteve o prefeito, o vice-prefeito, vereador e outras autoridades locais exigindo que eles e a Polícia Militar retirasse os índios da barreira que estavam fazendo.

O noticiário de ontem à noite dizia que os índios é que tinham sequestrado o prefeito e sua turma. Hoje esclareceram a questão.

Entretanto, a situação continua tensionada. Os índios Xokleng estão ansiosos por alguma solução do seu problema. Em 2004 e 2005 eles chegaram a quebrar alguns equipamentos de uma barragem que está em sua terra indígena e que ajuda a impedir as inundações rio abaixo. Os equipamentos de controle foram consertados sem problema. No final deste ano passado o rio Itajaí transbordou em toda a região, causando mortes, desespero e destruição em todo o vale.

O prefeito quis ajudar e não teve sucesso. A persistência dos Xokleng é conhecida em todo o indigenismo brasileiro. A situação vai continuar repercutindo até que algum juiz dê o veredicto sobre a legitimidade da ampliação da Terra Indígena Ibirama.

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Prefeito de Itaiópolis, Planalto Norte de SC, e PM tentam solucionar conflito entre colonos e índios
O chefe do executivo municipal foi feito refém por trabalhadores rurais, mas está em liberdade


Diário Catarinense

O prefeito de Itaiópolis, no Planalto Norte de Santa Catarina, Hélio César Wendt (PMDB), reuniu-se com a Polícia Militar na noite desta quinta-feira para tentar pôr fim à disputa de terras entre índios da reserva Duque de Caxias e colonos no interior do município, que se arrasta há duas semanas.

O prefeito, o vice-prefeito, Alceu Schneider (PMDB); o vereador Orlando Schwarchersk, o subtenente da Polícia Militar Leonel Zatycko e o sargento Roberto Slabiski viajaram, no início da tarde, até o limite de Itaiópolis com o município de Doutor Pedrinho para tentar resolver o problema, mas foram impedidos de retornar por cerca de 80 colonos, que bloquearam a rodovia SC-447.

— Eles estavam revoltados e disseram que não deixariam ninguém sair dali enquanto o problema não fosse resolvido. Estavam armados com facões e foices e tomaram a chave do nosso carro. Depois de negociações, nos deram prazo até sábado para resolver a situação — esclareceu o prefeito, que ressaltou que ninguém foi ferido.

O grupo foi liberado por volta das 19h. Eles foram encontrados no meio do caminho de volta para a cidade por um grupo de policiais militares, do comando de Canoinhas.

O conflito atual começou em janeiro e teria sido provocado por madeira, segundo o prefeito.

— Agora é época de corte. A confusão começou quando indígenas impediram os caminhões que transportavam a madeira de passar e mexeram em carregamentos. Eles alegam que a madeira é deles. Os ânimos esquentaram e a reivindicação pela ampliação da reserva acabou voltando à tona — relata.

Segundo o prefeito Hélio César Wendt, há uma determinação para que os indígenas saiam do local, o que ainda não aconteceu.

Os indígenas reivindicam a ampliação da reserva de 14 mil hectares para 37 mil. A manifestação é baseada em uma portaria de 13 de agosto de 2003, assinada pelo então ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que definiu a ampliação.

Outro motivo de revolta por parte dos índios é a retirada de madeira da região por colonos, apesar da determinação da Justiça Federal de Mafra, que impede a exploração do recurso na área.

Segundo a Polícia Militar, há de 150 a 200 índios concentrados a mais ou menos 300 metros da barreira feita pelos colonos, já em Doutor Pedrinho.

— A situação é bastante tensa. Não vamos colocar um policiamento nosso porque a área é divisa de municípios e uma rodovia estadual. Não cabe uma decisão local — diz o comandante da PM de Mafra, que abrange Itaiópolis, tenente Marcelo Pereira.

A PM local tem um efetivo de 20 homens, o que impede um policiamento seguro da área.

— Precisaríamos de reforços para isso — acrescenta Pereira.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Índios Pareci tomam decisão autônoma sobre asfaltamento de estrada

Eis um belo exemplo da realidade indígena da atualidade, no Mato Grosso.

Há uma dezena de anos foi aberta uma estrada por dentro da Terra Indígena Utiariti, dos índios Pareci, ligando as cidades de Campo Novo dos Parecis e Sapezal. São 48 Km atravessados. Na ocasião os Pareci aceitaram essa intrusão com a compensação de deterem um pedágio numa ponta e noutra da estrada, e com isso recebendo dinheiro pela passagem de caminhões e automóveis. Hoje essa estrada, a MT-235, está sendo asfaltada pelo governo do estado, para o que se precisou de um Projeto Básico Ambiental e da anuência dos índios Pareci e da Funai.

A matéria abaixo, do jornal eletrônico 24HorasNews, detalha as negociações finais da aprovação dos índios Pareci e da expectativa da aprovação da Funai, em Brasília. Há que lembrar que há um mês e pouco, mais de 300 índios da região estiveram em Brasília pressionando pela anuência da Funai para com o asfaltamento dessa estrada e por outras demandas similares. Parece que dos 150 índios presentes na audiência relatada na notícia, apenas 7 se posicionaram contra a proposta de asfaltamento.

A questão que se delineia cada vez mais no mundo indígena é a autonomia dos índios para tomar decisões por conta própria, sem o aconselhamento, o estudo ou a anuência da Funai. Esta questão exige mais reflexões e mais debates entre as sociedades indígenas e suas organizações e entre elas e o Estado brasileiro. A autonomia indígena é um ideal a ser obtido em curto prazo, sem dúvida, mas ela virá acoplada à responsabilidade pelas consequências dos atos tomados autonomamente.

De minha parte, sou favorável ao processo de autonomização dos índios, na medida em que eles democraticamente, solidariamente, comunitariamente decidam alguma coisa que implica em ação da sociedade brasileira sobre eles. Seja um projeto econômico, tal com a passagem de uma estrada por seu território, seja um projeto educacional, como a construção de escolas e a implantação de um projeto pedagógico, ou como um plano de saúde.

Os Pareci já tomaram a dianteira em muitos aspectos de suas vidas. Inclusive no que se refere ao uso de terras com capital de fazendeiros, as tais "parcerias", que podem levar à produção econômica autônoma dos índios, a médio prazo, se houver boa fé da parte dos fazendeiros que estão financiando essa produção.

Os índios Kadiwéu vêm há anos fazendo negócio com fazendeiros de gado do Pantanal, onde os próprios fazendeiros pagam um aluguel pela presença do seu gado. Acontece que lá os fazendeiros terminam construindo casas onde moram ou passam tempo com suas famílias, usufruindo dos bens dos Kadiwéu. Esse povo indígena tentou há poucos anos refazer essas "parcerias", mas encontrou muitas dificuldade e pouco apoio para serem capazes de retomar suas terras e, na medida em que faziam contratos, cuidar do gado dos fazendeiros como um capital inicial que aos poucos seria pago e finalmente passaria a pertencer-lhes unicamente.

Já muitos povos indígenas do Acre e de Roraima obtiveram nos últimos anos um altíssimo nível de autonomização de decisões. No Acre, em especial, muitos povos indígenas tomam decisões por si mesmos, sem consultar a Funai, e negociam diretamente com o governo estadual e com as agências do governo federal. Em Roraima, os Makuxi e outros alcançaram alto nível de decisão autônoma, mas estão divididos pela influência da forças sociais brasileiras.

Enfim, são muitos os casos de autonomização dos índios brasileiros. Este é o futuro. A questão a se cautelar é como adquirir o mais amplo conhecimento possível das consequências de decisões autônomas. A autonomia, por sua própria definição, implica que o Estado brasileiro ficará isento de responsabilidade sobre os atos de que pratica essa autonomia.

Aqueles que argumentam que o Estado estará sempre ao lado dos índios, façam eles o que fizerem, decidam eles o que decidirem, estão enganando os índios. Basta ver o que está acontecendo no Legislativo, com um pletora de projetos de lei que vão diminuir os direitos indígenas, e o que está para acontecer no Judiciário, com as decisões do STF sobre o papel da Funai e a relação do direito indígena para com outros direitos nacionais.

O Estado brasileiro tem a tradição de se responsabilizar pelos índios respaldado tanto nas Constituições como, em especial, pela força do instituto da tutela. Esse instituto está sendo desafiado pelos próprios índios, ou ao menos por suas organizações mais assimiladas à cultura urbana brasileira. Quando a tutela for abolida, aos índios caberá a autonomia por seus atos e decisões, não somente internos às suas culturas, como já acontece tradicionalmente, mas em relação ao mundo ao seu redor.

Por tudo que pode vir a acontecer, defendo a ideia de que os índios devem estar plenamente conscientes de suas possibilidades e potencialidades frente à sociedade nacional dominante. Defendo a convocação de uma nova Conferência Nacional dos Povos Indígenas, tal como aquele que aconteceu em 2006. Antes que a coisa se degringole pela vontade de alguns índios e pelo oportunismo matreiro das forças anti-indígenas brasileiras.

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Pavimentação entre Sapezal e Campo Novo depende de Funai e índios
Redação 24HorasNews

Uma das últimas etapas para o início da pavimentação da MT-235 entre Campo Novo do Parecis e Sapezal, o Projeto Básico Ambiental (PBA), foi apresentado aos indígenas durante a audiência pública nesta terça-feira. Por ter um trecho de 48 Km atravessando terras Paresi, o território Utiariti, a obra depende da aprovação do Ibama e da Funai. Ao todo a rodovia é formada por 62 quilômetros.

A audiência pública ocorreu na Câmara dos Vereadores de Campo Novo do Parecis, contando com um público de 150 indígenas (os que assinaram a ata). Após a apresentação do PBA, o projeto foi votado e aprovado pelos índios tendo apenas sete votos contrários.

A obra possui recursos reservados no orçamento do Estado para sua execução. São R$ 37 milhões para a pavimentação, e outros R$ 11 milhões para a construção de quatro pontes. O gestor detalhou que a obra está dividida em três etapas, tendo sido cada trecho licitado por uma empresa distinta. São dois lotes de 24 km dentro do território indígena e um de 12 km findando o trajeto. “Se em trinta dias estivermos com todas as autorizações em mãos, este será o último ano que encontraremos atoleiros nesta rodovia durante o período das chuvas”, adiantou o secretário de Infraestrutura do Estado, Vilceu Marcheti.

“Nós do Governo do Estado, seguindo todas as normas vigentes, realizamos o projeto da obra, com isso tivemos o direito de licitar e contratar a pavimentação. Ela está aguardando apenas a liberação da Funai. Já podíamos ter iniciado o trecho externo ao território indígena, mas estamos aguardando esta aprovação”, explicou Marcheti.

O representante da empresa que realizou o PBA, Adriano Scherer, comentou que o projeto já foi enviado para o Ibama, tendo sua aprovação em estágio avançado. “Os índios participaram da construção deste projeto. As observações que eles fizeram foram todas atendidas. Estamos esperando o parecer da Funai agora”.

Temendo que a pavimentação demore a começar, o cacique de todas as aldeias Paresi, João Arrezomae, chamou a atenção dos indígenas para pressionarem a rápida aprovação do PBA. “Já estamos tendo problemas dentro das aldeias. Sou o cacique há 48 anos e lutei muito para garantirmos nossa terra. Estou autorizado a falar pelo meu povo e já concordamos com este projeto. O Governo, os índios e não índios querem a pavimentação”.

Para a assessora da Funai que está à frente da análise técnica do PBA na entidade, Vivian Oliveira, o Plano apresentado traz os impactos ambientais e as questões indígenas em único volume, quando o adequado é estarem separadas. Ela sugeriu que fosse elaborado um documento contemplando exclusivamente o termo de referência para a questão indígena. “É necessário ter um grau de investigação maior”.

PEDÁGIO - A estrada foi erguida em 1984 entre uma parceria entre os fazendeiros e os indígenas, onde o pedágio foi configurado. A manutenção da cobrança do direito de passagem foi uma das exigências dos índios para ser firmado o acordo de pavimentação. Pelo texto confeccionado durante a audiência pública com as lideranças das comunidades envolvidas, realizada em abril de 2008, o Governo concorda em construir o posto de pedágio único a ser administrado pela associação indígena.

PBA – Pelos estudos realizados na rodovia, a expectativa é que a MT-235 receba um tráfego de 1.750 veículos por dia. O projeto prevê, entre várias medidas para sua execução, medidas de minimizem ou compensem os danos durante a pavimentação. Um exemplo é o controle na qualidade do ar. Para que não haja suspensão de poeira, caminhões pipas estarão constantemente molhando a rodovia, evitando desconforto para as pessoas.

O PBA também conta com um programa para a correta destinação dos resíduos da construção, não os deixando ao longo da rodovia. Todas as atividades terão paralelamente uma política de educação ambiental, onde será explicado que a MT-235 não se trata de uma rodovia comum, já que passa por um território indígena. A educação atenderá ainda os povos que vivem na região e os produtores do entorno a utilizarem técnicas de plantio sempre com o menor impacto ambiental.

Outra medida prevista no Projeto é o Programa de Prospecção e Resgate Arqueológico. Antes da obra, uma equipe de arqueólogos fará um monitoramento em todo o percurso da pista analisando se existem materiais de antepassados indígenas. Caso existam, serão retirados e encaminhados para outros lugares.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Barack Obama toma posse como presidente dos EUA

Barack Obama, honra e glória

Mércio P. Gomes
Antropólogo, professor da UFF


Hoje os Estados Unidos da América festejam a posse de Barack Obama, seu mais novo presidente, o 44º em sua história, o primeiro presidente de sangue africano, aclamado como um negro americano.

Negro porque, apesar de ter sido criado em ambiente social de brancos, no Hawaii, ao lado da mãe branca e de seus avós maternos, já que seu pai queniano desistiu do casamento em poucos anos, Obama se assumiu integralmente negro pela circunstância inevitável de ter fisionomia negra, numa sociedade em que ser negro é ter uma ascendência negra, seja em que geração for, assumindo em sua vivência social todas as consequências dessa decisão intransponível. Casado com uma negra americana, consolidou sua identidade de negro e soube mesclar sua visão de mundo dentro do mundo de apartheid cultural predominante nos Estados Unidos.

Além de mulato genetica e culturalmente, Obama conviveu por alguns anos com um padrasto indonésio, ampliando sua visão multicultural, sem gerar confusão emocional.

Nenhuma conjunção de possibilidades genéticas e culturais poderia ser mais extraordinária para um presidente-eleito dos Estados Unidos. Na devida proporção de preconceitos, compara-se com a eleição do presidente Lula, sendo o Brasil um país extremamente desigualitário socialmente e sendo Lula um filho de migrantes pobres do Nordeste, que se fez o líder inconteste de um partido criado nos estertores da ditadura militar.

Obama se fez presidente em pouquíssimos anos de atuação política, no ritmo frenético da informação cibernética e do marketing do espetáculo, embora tenha-se que frisar que ele, pessoalmente, o "produto" à venda, mostrou-se sempre além dos potenciais que os tempos pós-modernos lhe podiam ofertar. Com efeito, por vivência cultural, por inteligência abrangente, pela retórica cativante e pela simpatia envolvente, Obama é um ser extraordinário!

Os americanos estão extasiados com seu novo presidente. Apostam muito em sua capacidade de liderança, de apontar novos rumos, de dizer a verdade, de convencer simpatizantes e opositores, de mostrar uma cara humana para o resto do mundo, nesses últimos anos tão decepcionado e raivoso com as políticas externas do mais poderoso país da Terra.

Muitos comentaristas já fizeram suas análises e aguçam suas mentes para entender o fenômeno Obama. A maioria está preocupada com a questão econômica. Acredita que este será o teste da capacidade de Obama. Se ele falhar em reorientar a economia americana, e em consequência a economia mundial, em salvar o capitalismo, dizem, será visto como um fracasso e uma decepção completa. Se melhorar essa economia, virará um herói à semelhança de Roosevelt, o herói político americano do século XX.

De minha parte, acho que o teste de Obama não será a economia. Esta se consertará por si mesma, com um mínimo de inteligência aplicada. Com efeito, os diagnósticos dos economistas das mais variadas correntes se aproximam e se afunilam. Sua aplicabilidade vai se viabilizando com as negociações políticas e com o entendimento direto com o público americano, inclusive no chamamento ao sacrifício em nome da renovação do país. No médio prazo, quer dizer, em dois a quatro anos, a implantação concreta das medidas estratégicas acordadas darão seus frutos.

Portanto, o desafio de Obama, aquilo que lhe trará a glória almejada por todos os grandes políticos, não é a salvação econômica do seu país e do mundo.

Sua glória será a redenção da cultura americana, sua renovação, seu nascer de novo, para se purgar do seu pecado maior: a herança da escravidão e o apartheid real que existe naquela sociedade. Esse apartheid, que não é mais legal nem aceitável moralmente, é real pelo cotidiano em que negros e brancos vivem, cada um no seu canto, temerosos um do outro, neurastênicos em sua sociabilidade e convivência, incapazes de sentir amor um para o outro. Intolerantes no mais fundo de suas almas.

O desafio de se redimir dessa pecado de origem é que captou a imaginação do povo americano, que tocou no fundo de suas almas. A maioria dos 70% de brancos americanos que votou em Obama o fez pelo sentimento de que esse mulato, filho de africano e americana, é que vai lavar a alma maculada do povo americano, que vai reviver o sonho de uma nação excepcionalmente concebida pelo sentimento de liberdade, dedicada a fazer os homens iguais entre si e tendo como objetivo proporcionar a felicidade geral de todos, como rezam o discurso de Gettysburg, de Abraham Lincoln, e a própria Declaração da Independência.

Obama é fruto do amor de um negro africano e uma branca americana. Ele encarna esse sentimento maior de amor mestiço e ele se coloca no mundo, para todos verem, como o fruto de um amor que se quer encarnar em todos. O sentimento de desvanecimento dos americanos por Obama é, assim, um sentimento religioso que nasce de seu mito de criação da nação, que se identifica pelo amor e temor a Deus, pela pátria, liberdade e igualdade, e pela busca da felicidade.

Ser homem e ser divino, ser homem divino, não é para políticos, nem mesmo para estadistas. É para profetas e santos. Só o futuro ou a morte glorifica os homens. Obama está preso a esse predicamento. Será exaltado ou exortado, amado ou odiado, enaltecido ou desprezado pelo que fizer por aquilo que os americanos chamam de "America", a terra da liberdade, o sonho da felicidade, o paraíso na Terra. Qualquer coisa a menos reduzirá sua glória e o transformará em mais um presidente de uma grande nação sem rumo.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Artigo de Mércio Pereira Gomes, em O Globo

FREIO DE ARRUMAÇÃO
O Globo

Por maioria expressiva de oito votos, o STF reafirmou a legalidade constitucional do decreto presidencial que homologou a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, localizada na parte mais setentrional do Brasil, em Roraima, onde vivem 19.000 índios ingaricós, macuxis, vapixanas, taurepangues e patamonas. Manteve os limites estabelecidos e ordenou a retirada dos invasores arrozeiros.

É a consagração do indigenismo brasileiro criado pelo Marechal Rondon em 1910, cujos resultados estão concretizados na demarcação de 550 territórios indígenas que perfazem 1,1 milhão de hectares, ou 12,9% do território nacional.

O Brasil dá mais um passo em busca da reconciliação com os povos indígenas, sobre cujas terras originais se constituiu como nação. Os ministros do STF votaram com o coração na mão, cientes de que estavam proferindo as bases do reconhecimento dos direitos mais profundos daqueles índios. Reafirmaram a validade do processo de reconhecimento de terras indígenas e acolheram a visão rondoniana de que a realidade indígena está inserida integralmente na nacionalidade.

Nas ressalvas, os ministros deram resposta a todos os disputantes. Aos militares, concederam o direito de entrar em terras indígenas sem ao menos consultar os índios, caso seja do interesse nacional; aos servidores, estabelecram a legitimidade de ação do Estado.

Aos índios, foi-lhes reafirmada a proibição de arrendar terras a não índios, por terem o usufruto exclusivo.

Enfaticamente, o STF se pronunciou sobre o princípio de que o direito indígena não se sobrepõe ao direito da defesa nacional e da proteção do meio ambiente. Afirmação juridicamente desnecessária, apenas para politicamente posicionar a Constituição brasileira acima da Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas, promulgada pela ONU, que fala em seu artigo 3º que os índios têm direito à autodeterminação.

Adicionalmente, propôs novos parâmetros para regular a demarcação de novas terras indígenas, parâmetros que vão requerer a anuência de estados e municípios sobre o reconhecimento dessas terras.

Por tudo isso, o STF deu um freio de arrumação no indigenismo brasileiro.

Agora caberá ao Executivo e ao Legislativo interpretar essa decisão histórica, agir na reformulação da política indigenista, sem comprometer os princípios rondonianos, e assim postar-se à altura dos novos tempos.

MÉRCIO PEREIRA GOMES é antropólogo e foi presidente da FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO (FUNAI).

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Luiz Fernando lança livro sobre questão jurídica e os povos indígenas



O advogado e ex-procurador-geral da FUNAI, Luiz Fernando Villares e Silva vai lançar em Brasília seu livro Direito e Povos Indígenas. Esse livro foi escrito enquanto Luiz Fernando servia à FUNAI, durante a minha presidência. É uma excelente análise da questão jurídica em relação aos povos indígenas. Faz uma retrospectiva da história jurídica luso-brasileira e das várias leis e artigos constitucionais que dizem respeito aos povos indígenas.

Vale a pena conferir e participar do seu lançamento em Brasília dia 20 de janeiro. Posteriormente será lançado no Rio de Janeiro e em São Paulo

Drops Indigenistas -- 5


1- O filósofo Denis Rosenfield escreveu um artigo semana passada sobre o infanticídio entre alguns povos indígenas. Rosenfield é filósofo político e nos últimos quatro anos tem se dedicado a defender qualquer causa a favor da direita brasileira. Defende os fazendeiros, a absolutização do direito da propriedade privada, a ordem em si, tudo enfim que diga respeito à preservação do status quo da sociedade brasileira.

Agora ele se meteu a dizer que os antropólogos e os indigenistas defendem o infanticídio em nome do relativismo cultural. Só posso acreditar que Rosenfield está sendo influenciado pelo escândalo criado pela JOCUM com a publicação no YouTube de um filme produzido por um diretor profissional americano em que encena com crianças indígenas Zuruahá uma suposta história de ameaça de infanticídio de uma menina Zuruahá que teria sido salva por um irmão mais velho e depois entregue às mãos e à tutela de um casal de missionário da referida missão.

Sobre essa história já apresentei minha visão neste Blog, e ela provocou muita polêmica com comentários variados, desde os mais insultantes até aqueles ponderados. Não tenho mais o que dizer a respeito. Aliás, a FUNAI respondeu ao meu apelo e uma de suas procuradoras, Dra. Sarah, entrou com um processo contra o YouTube por veicular esse filme. Argumenta corretamente, inclusive, que minha visão do problema é de condenação ao filme por usar crianças em encenações e sobre um assunto auto-condenatório. O processo corre na Justiça e até fui chamado para opinar sobre a questão.

Rosenfield escreve seu artigo como se fosse a primeira pessoa a refletir sobre o infanticídio. Sua intenção é simplesmente condenar, como se fosse um prócer da ética moderna. Seus argumentos são simplórios, próprios de quem quer condenar sem entender. Com efeito, pouco entende da matéria, de quem a pratica, muito menos do que está por trás dessa prática, nem se dá conta de sua profundidade. Sobretudo não se dá conta de que muitos brasileiros vêm pensando sobre o assunto e muitos tantos já tomaram ações positivas para que algumas sociedades indígenas abandonem essa prática. Como de fato abandonaram, sem Torquemadas condenando-as. Nem se dá conta de que os próprios índios, em cujas sociedades se pratica o infanticídio, vêm eles mesmos buscando saídas para essa prática.

Acima de tudo, Rosenfield não se dá conta de que a solução do problema não está na pontificação da acusação, e sim, em uma atitude humanista de encontro da nossa sociedade com as sociedades indígenas. Isto precisa ser feito, mas sei do quanto é difícil. Melhor seria juntar pessoas que entendem da matéria para, junto com lideranças indígenas, buscarem uma solução humanista.


2- O CIMI, com faz todo fim de ano, publicou sua lista de mortes e assassinatos de pessoas indígenas. Traz um número menor do que o do ano retrasado (2007), 53 assassinatos, sendo 40 somente no Mato Grosso do Sul. Como sempre, não especifica se essas mortes foram causadas por disputas de terras ou por desavenças entre índios e entre índios e não índios. E declara um número bem maior de suicídios indígenas, 34, sobretudo entre os Guarani do Mato Grosso do Sul. O CIMI atribui o aumento dos suicídios às tensões pela demarcação de terras na região.

Como o CIMI está apoiando a atual gestão da FUNAI, tendo assento e influência sobre a CNPI, e quer mudar a legislação indigenista brasileira, se exime de análises mais profundas e contundentes sobre o tema desses assassinatos. Solta farpas contra o Governo e contra a FUNAI, mas não se aprofunda em nada. E nem se reporta ao recrudescimento do movimento antiindigenista, que deu um salto no ano passado, provocado pelas atitudes equivocadas da atual gestão da FUNAI.


3- O Núcleo de Apoio da cidade de Bonito, criado em 2006 para apoiar os índios Kadiwéu, está passando por uma crise provocada pela demissão do seu antigo administrador e a nomeação de um índio Terena para o posto. Ora, os Kadiwéu jamais vão aceitar um índio Terena administrando sua base de apoio da FUNAI. Se não mudarem vai dar crise após crise.


4- O novo administrador da AER de Campo Grande, Jorge das Neves, mais conhecido como Jorge Gaguinho, entrou de pé esquerdo nesse ano. Ao tentar resolver a questão do Núcleo de Apoio de Bonito terminou levando um murro de um índio Kadiwéu, em seu próprio escritório. E teve que dar parte desse ato à Polícia Federal. Pelo jeito, não vai durar muito.


5- Os índios Pareci sofreram uma perda incomensurável essa semana com a morte por assassinato da índia Valmireide Zoromará, 42. O fato se deu nas proximidades da Terra Indígena Uirapuru, que está em processo de reconhecimento de ampliação há alguns anos. O assassino confessou o crime. Era o gerente de uma fazenda que está dentro dos limites propostos dessa terra indígena. O marido de Valmireide Zoromará também foi gravamente ferido e está hospitalizado.

Imediatamente os Pareci responderam a esse ato covarde invandindo essa fazenda e montando acampamento permanente. Agora a terra indígena será demarcada.

6 - O novo prefeito de Aquidauana, Fauzi Suleiman, eleito parcialmente pelos votos dos índios Terena do município, começa a fazer os preparativos para estabelecer um bairro na cidade com casas exclusivas de índios Terena. É o que estão chamando de "aldeia urbana", tal como aquela que existe em Campo Grande e uma recém-criada em Curitiba.

O prefeito pretende arrefecer os anseios dos índios Terena por mais terras, pela ampliação da Terra Indígena Cachoeirinha, declarada pelo ministro Tarso Genro em ampliação de 2.700 hectares para 38.000, algo que provocou a reação irada e contundente dos fazendeiros locais e do antiindigenismo matogrossense do sul. O prefeito Fauzi Suleiman está fazendo o jogo do governador Pulcinelli na busca de atalhos para diminuir as tensões no seu município.

Os índios Terena sabem disso. Mas não perdem a pose e estão sempre lutando por melhoras, seja de onde vier.

Esse dilema de urbanização vai se intensificar cada vez mais neste ano. Em parte provocado pelo anseio de índios em viver nas cidades, em parte pela questão de falta de terras para cultivar das novas famílias que estão se formando.

Hoje mesmo o índio Terena-Guarani, Wilson de Mattos, escreveu um artigo no Jornal O Progresso em que pede por uma política de qualificação ao trabalho para seu povo que vive no município de Dourados, MS. Considera Wilson que não há maiores alternativas ao trabalho qualificado. Caso contrário, seu povo vai estiolar na pobreza e na angústia. Wilson defende suas ideias sem medo de críticas que vêm do CIMI e de Ongs que trabalham entre os Guarani.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

De volta das férias

Durante mais de 30 dias estive viajando pelo Nordeste, visitando amigos em diversas praias e cidades. Estou de volta ao Rio de Janeiro, olhando as notícias do mundo e da nossa terra. Parece que pouca coisa aconteceu nesse mês de dezembro e início de 2009.

Só na Faixa de Gaza é que as coisas acontecem de um modo terrível. Uma guerra sem fim, movido por ódios milenares, por desentendimentos desde que Moisés voltou do Egito e quis tomar as terras dos Filisteus, isto é, os Palestinos de hoje.

Nesse tempo fora, por alguns dias, olhando a lua jorrar sua luz no horizonte do mar, conversando com pescadores sobre peixes e assombrações, ajudando no arrastão de redes cheia de tainhas -- me esqueci de mim e das coisas que fazia.

Agora retomo minha vida corriqueira, minha busca pelo entendimento do Brasil, da origem das desigualdades que viciam a nossa sociedade, das possibilidades de superação e transcendência.

Retomo minha vida com esperanças por um ano melhor, mais firme e mais decisivo.

2008 foi um ano estranho, arrastado. Na questão indígena sobrou o voto do ministro Ayres Britto, mas ficaram as recomendações esdrúxulas do ministro Menezes Direito, cujos reflexos virão a ter influência a partir da finalização da decisão do STF sobre a homologação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol.

Os vacilos da política indigenista, as tomadas de decisão erradas e extemporâneas à tradição indigenista brasileira acabaram por reforçar as forças antiindígenas da sociedade brasileira.

Os fazendeiros e seus representantes políticos agora cantam de galo, querem desprezar a FUNAI, os antropólogos e os indigenistas visando a diminuição e o esquecimento público dos direitos indígenas.

Em breves notas farei um resumo logo acima, em outra postagem, dos momentos mais recentes no indigenismo brasileiro e do que poderá vir a acontecer no futuro próximo.
 
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